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A GEOGRAFIA DA PARADIPLOMACIA SUBNACIONAL NA AMÉRICA DO SUL
A geografia da paradiplomacia subnacional na América do Sul (Resumo)
Este trabalho tem como objetivo de estudo geográfico a problemática sul-americana da proliferação de redes paradiplomáticas no âmbito subnacional do Mercosul através da extroversão direta de cidades, Estados e províncias nas relações internacionais.
A discussão do artigo está estruturada por um recorte de pesquisa que investiga a geografia política da integração regional do Mercosul e a formação paradiplomática de uma rede internacionalista identificada como mercocidades.
Com esse estudo pretende-se contribuir para uma melhor compreensão do significado da paradiplomacia como processo reticular de inserção no sistema internacional globalizado que influencia uma nova visão das relações internacionais, já que este é um tema contemporâneo ainda deficiente de discussão teórica na geografia.
Palavras chave: América do Sul, Mercocidades, Mercosul, Paradiplomacia, Redes.This paper focus on the geographic study of subnational paradiplomatic networks that have proliferated in South America through direct extroversion of cities, states and provinces in the international relations.
The discussion brought by the article is structured with a research line that investigates the political geography of the regional integration in Mercosur and the formation of an international paradiplomatic network called mercocities.
Throughout this study subsidies are supplied to contribute to a better understanding of the paradiplomatic phenomenon as such a reticular process that gets in the international global system and influences a new vision of the international relations in spite of the deficient outlook of the theoretical geography debates.
Keywords: South America, Mercocities, Mercosur, Networks, Paradiplomacy.A noção de rede tem sido avaliada de uma maneira plural por diferentes interpretações que envolvem desde a compreensão de uma representação espacial até a identificação de um conjunto articulado de atores.
As redes podem ser interpretadas pela imagem de uma teia que estruturalmente é composta por nós que representam espaços fixos ou atores e que estão conectados por um conjunto de linhas que correspondem aos espaços de fluxos e aos laços entre os atores.
Apesar da ausência de uma visão única ou consensual, observa-se nas interpretações sobre as redes que uma característica geralmente comum é presença de uma fluidez reticular que pode ser embasada em uma conexão de espaços ou de atores.
Pensar a sociedade de redes é atentar para a polissemia de diferentes perspectivas dinâmicas conectadas entre espaços e atores que dão o suporte real à circulação e a comunicação, uma vez que as redes são variáveis relacionais de meios e fins às articulações espaciais e sociais (Castells, 1999).
Neste sentido, o estudo das redes tem grande importância como ferramenta para análise e compreensão da dinâmica relacional entre espaços e entre atores, pois elas são ao mesmo tempo um híbrido de artefatos técnicos, que são implantados em determinados espaços com a função de exercer um poder de conexão, e de relações entre atores, que articulam artefatos técnicos segundo determinados objetivos específicos.
As redes de atores têm sido cada vez mais reconhecidas e crescentemente participam dos mais importantes processos decisórios uma vez que elas suscitam mudanças nas formas de estruturação organizacional, nos estilos de gestão e de relacionamento.
Segundo Moraes (2004) uma rede de atores incorpora uma geometria variável e híbrida de uma série de agentes conectados por meio de alianças dinâmicas que são capazes de produzir uma estrutura altamente diferenciada e de gerir e transformar seus componentes, identidades e relações mútuas.
Os atores passam a se relacionar por meio de redes institucionalizadas em função do potencial de geração de uma série de externalidades positivas causadas pelo adensamento social, uma vez que a ação reticular integrada e interdependente dos atores cria brechas dinâmicas de escala e escopo para o surgimento de inovações sociais e econômicas e para a diminuição de custos em razão da complementaridade de competências e de especialização.
Independentemente dos graus de formalização ou dos padrões de relacionamento vertical ou horizontal, as redes de atores representam uma resposta eficaz a situações complexas e de grande incerteza pois elas promovem uma oportunidade para a troca de conhecimento e cooperação entre seus participantes (Détrie, 1999).
A existência de uma rede de cidades é um caso concreto de uma instituição formada com o objetivo de fomentar uma conexão cooperativa de ação nacional ou internacional, dando oportunidade para que as cidades desenvolvam políticas conjuntas, uma vez que existem vantagens entre as cidades participantes à medida que se cria um ambiente onde todas elas usufruem de benefícios em termos de trocas de informações e projetos (Capello, 2000).
Sob uma perspectiva da articulação nacional, a formação de redes de cidades tem sido assentada em objetivos de desenvolvimento econômico local ou regional por meio de consórcios lineares que ampliam suas escalas de atuação.
Quadro 1. Formatos das redes de cidades
Redes lineares de cidades |
Formadas por consórcios de cidades com contigüidade espacial e mesma especialização ou vocação produtiva buscam a criação de externalidades e sinergias centradas na cooperação. |
Redes transversais de cidades |
Formadas por consórcios políticos ou econômicos de cidades com capacitações diferenciadas buscam a complementaridade por meio da especialização ou divisão de funções. |
Fonte: Elaboração própria. Baseada em D’Auria (2001).
Sob uma perspectiva da articulação internacional, a formação de redes de cidades tem sido o resultado de processos de negociação entre pares com ou sem contigüidade espacial com o objetivo de cooperação em projetos, trocas de experiências e maior acesso a fontes de financiamento.
Tomando como referencial o papel das redes na construção de uma geografia da paradiplomacia subnacional no Mercosul, o presente trabalho está estruturado por meio de uma discussão subdividida em cinco seções.
Na primeira seção - Transformações Escalares e a Geografia das Redes de Cidades – o artigo mostra que a crescente extroversão das cidades nas relações internacionais por meio de redes é um fenômeno que tem centralidade no estudo geográfico para se compreender a fluidez das escalas.
Na segunda seção - O caráter reticular da paradiplomacia das cidades – a discussão mostra que a característica reticular da ação internacional das cidades fortalece, por meio de conexões virtuais no espaço, a definição de um campo relacional de poder específico conhecido como paradiplomacia subnacional.
Na terceira seção - Impactos da integração regional do Mercosul sobre a formação de redes de cidades – é demonstrado que o fenômeno da paradiplomacia subnacional tem uma derivação direcionada por efeitos de transbordamento oriundos da própria institucionalização do Mercosul.
Na quarta seção - As relações de paradiplomacia subnacional da rede de Mercocidades – o artigo discute a natureza e arquitetura das mercocidades por meio da identificação de pontos positivos e negativos na agenda evolutiva da instituição e o seu papel de impacto no desenvolvimento da escalas local e da escala transregional do Mercosul.
Por fim, considerações finais são tecidas à guisa de conclusão a partir de recuperação de algumas constatações desenvolvidas ao longo do texto com o objetivo de sintetizar uma discussão final sobre a temática das redes paradiplomáticas subnacionais e suas características na América do Sul.
A despeito dos processos de produção e reprodução do espaço global terem sido importantes problematizações recentes dos estudos geográficos, as teorias convencionais mantêm uma visão cartesiana do espaço mundial que é estadocêntrica, hierarquizada e locus dos fenômenos políticos, econômicos e culturais por meio de uma representação moderna generalista que permanece como marco separador das unidades territoriais e como baliza de diferenciação entre o espaço nacional e o espaço internacional (Ashley, 1987).
O abrupto salto qualitativo da escala nacional para a escala internacional tem sido realizada eficientemente pelas teorias geográficas convencionais por meio do uso do Estado territorial enquanto conceito que articula, pelo princípio da soberania, a diferenciação entre “dentro e fora”. A eficiência do Estado territorial enquanto artifício teórico respondeu a uma formação histórica sócio-espacial de expansão do capitalismo entre o século XV e século XX, mas é, em princípio, incapaz de sustentar uma análise plausível das transformações históricas em qualquer contexto (Walker, 1993).
Em um período em que as fronteiras têm se tornado mais porosas e fluidas diante da multi-territorialidade de uma série de processos econômicos, sociais, culturais e mesmo políticos, o princípio da soberania e das práticas associadas às tradicionais funções e natureza do Estado vêm sofrendo crescentes questionamentos e repercutem sobre a escala internacional.
Se, por um lado, algumas vertentes teóricas têm relativizado a importância da soberania estatal como princípio regulador do sistema internacional, por outro lado, outros estudos vêm defendendo que a proliferação de atores e espaços internacionais é sinal de que a transformação da soberania estatal está mais relacionada com a negociação da interdependência e de novos espaços do que com a preservação da autonomia estatal.
Em um contexto de crescente relevância de novas práticas espaciais no âmbito internacional e de novos atores na transformação do capitalismo mundial, o estudo geográfico adquire lugar estratégico para repensar uma teoria espacial nas relações internacionais por meio de novas categorias analíticas.
O crescente processo de integração da economia mundial conhecido na atual fase capitalista como globalização têm engendrado mudanças sistêmicas, transformando suas características tradicionais e criando novas determinações espaciais e escalas de poder.
A aceleração do tempo histórico e as abrangentes e profundas transformações verificadas no sistema capitalista em escala mundial acarretam no aumento da complexidade espacial devido às novas interdependências entre atores e territórios que redefinem fluxos e redes de poder.
Neste contexto de interação de novos atores no sistema internacional em que o Estado-Nação perde excluividade, a despeito de manter sua importancia central, observa-se a valorização de novas escalas geográficas supra-nacionais e subnacionais como campos de poder nas relações internacionais.
De um lado, o processo de abertura das fronteiras nacionais, naturalizado na proliferação de esquemas regionais de integração ou blocos regionais econômicos e políticos, engendrou o desenvolvimento de uma escala supra-nacional intermediária entre escala nacional e a escala global conhecida como transregional, que nasce de uma evolução complementar à escala multilateral para abertura internacional (Senhoras e Vitte, 2007).
De outro lado, a dinâmica da globalização e a adoção de reformas de Estado com viés descentralizador e de encolhimento das funções do governo nacional em vários países apontaram para a ampliação das escalas subnacionais e o fortalecimento do espaço direcionador do desenvolvimento dos governos locais e regionais sob formatos reticulares públicos e privados de caráter nacional e transnacional.
Como as novas realidades trazidas pela globalização estimulam novos modelos territoriais flexíveis e maleáveis, as escalas subnacionais tornaram-se mais complexas ao serem nós de cadeias transterritoriais de relações e transações nacionais e internacionais.
Neste contexto, as cidades têm crescentemente se inter-relacionado com outros pares, transcendendo a direção dos governos nacionais, para estabelecer contatos com cidades de outros países segundo diferentes formas de cooperação internacional que muitas vezes estão relacionadas à construção dos espaços multilateral e transregional.
Conforme Rodrigues (2004), o poder descentralizado das esferas subnacionais passa crescentemente a ter uma inserção internacional nos fóruns multilaterais [conferências da ONU como a Rio 92 (Agenda 21) e a Habitat 96 (Agenda Habitat)] e nos fóruns regionais [Comitê das Regiões na União Européia (1992) e Foro Consultivo de Municípios, Províncias, Estados Federados e Departamentos do Mercosul (2004)], o que desencadeou um fortalecimento da articulação reticular das mesmas e de uma lógica relacional própria de uma escala global de cidades.
Há um espaço multilateral e transregional no plano das relações internacionais em que as cidades buscam a formação de redes entre pares para usufruir as vantagens decorrentes de maior aporte de capitais, turistas, consumidores, facilidades urbanas, novas tecnologias, lazer e cultura.
A inserção explícita de cidades nas relações internacionais por meio de redes ou negociações diretas com organismos multilaterais ou regionais, empresas transnacionais e outras cidades ou regiões vem gerando transformações significativas sob o ponto de vista da autonomia econômica e política das localidades.
Este fenômeno de ação internacional de cidades tem criado espaços reticulares de cooperação que transcendem às formas geográficas clássicas de divisão político-administrativa e de continuidade territorial.
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Grau de conexão mundial |
Exemplos de países |
· Cidades Alfa |
+++ |
Chicago (CH), Frankfurt (FRA), Hong Kong (HK), Londres (LON), Los Angeles (LA), Milão (MIL), Nova Iorque (NY), Paris (PAR), Cingapura (SIN), Tóquio (TOK). |
· Cidades Beta |
++ |
Bruxelas (BRU), Madri (MAD), México (MEX), Moscou (MOS), São Francisco (SF), São Paulo (SÃO), Seul (SEO), Sidney (SYD), Toronto (TOR), Zurique (ZUR). |
· Cidades Gama |
+ |
Amsterdã (AMS), Atlanta (ATL), Bangcoc (BAN), Barcelona (BAR), Beijing (BEI), Berlim (BER), Boston (BOS), Budapeste (BUD), Buenos Aires (BA), Caracas (CAR), Copenhagen (COP), Dallas (DAL), Dusserdorf (DUS), Genebra (GEN), Hamburgo (HAM), Istambul (IST), Jacarta (JAK), Johannesburg (JOH), Kuala Lumpur (KL), Manila (MAN), Melbourne (MEL), Miami (MIA), Mineapolis (MIN), Montreal (MON), Munique (MUN), Osaka (OSA), Praga (PRA), Rio de Janeiro (RIO), Roma (ROM), Santiago (SAN), Shanghai (SHA), Estocolmo (STO), Taipei (TAI), Washington (WDC), Warsaw (WAR). |
Diante do avanço das tecnologias de informação e comunicação que tem proporcionado uma destruição da geografia tradicional de maneira funcional à criação de uma geografia virtual ou reticular, existe uma redefinição clara dos clássicos mapas geoeconômicos e políticos mundiais em função da construção de uma significativa escala global de cidades que pode ser medida pelo grau de conexão (Taylor et al., 2001).
A nova geoespacialidade do poder pode ser apreendida neste momento histórico do sistema internacional, não somente por meio de uma geometrização do espaço mundial entre Estados hierarquizados em suas relações econômicas e políticas, mas também por meio de uma ótica microcentrada no poder difuso de cidades que reticularmente se articulam segundo formatos lineares e transversais entre si e com outros atores econômicos e políticos.
O atual momento histórico de integração do sistema mundial, antes de ser um processo de feudalização e simplificação das relações internacionais conforme propõe Ohmae (1996)[1], é um período de complexificação escalar, que desvela forças centrípetas e centrífugas de construção do poder e de novas escalas híbridas.
A dinâmica que impulsiona o sistema capitalista internacional perpassa por processos centrípetos de macrocentralização de poder em Estados Nacionais e em Regiões Transnacionais como a União Européia vis-à-vis processos microcentrífugos de descentralização em redes difusas de cidades e empresas.
Velhas dinâmicas e novas dinâmicas multirecortam o espaço internacional e reforçam o caráter transescalar da acumulação do sistema capitalista por meio de várias escalas fluidas que crescentemente são interdependentes e se auto-reforçam em razão das redes conectivas estabelecidas.
A condução das relações exteriores de um país passa pelas mãos de um ator central do Estado, que é o Ministério de Relações Exteriores, mas sem dúvida não se restringe a ele, uma vez que existe uma pluralidade de outros atores que influenciam no resultado final das políticas internacionalistas por meio de ações paralelas.
As novas formas de ação internacional de novos atores devem analisadas com cautela em relação ao impacto sobre a política externa lato sensu, sempre levando em consideração o seu potencial positivo e negativo, enquanto paradiplomacia, ou a intenção separatista, enquanto protodiplomacia (Prado, 2007).
A despeito de qualquer conceito sobre o fenômeno paradiplomático a priori, observa-se que existe uma convergência estrutural de arquitetura que permite estudá-lo de uma maneira uniforme, enquanto ponte para o estabelecimento de políticas descentralizadas de cooperação no formato de redes internacionais.
O objetivo das redes paradiplomáticas é adensar o poder que está descentralizado no espaço público ou privado por meio de um esforço de cooperação que se sedimenta e se cristaliza ao longo de determinadas trajetórias históricas em estruturas maior de poder, pressão e relacionamento nas relações internacionais.
As redes de paradiplomacia ao buscarem acompanhar e responder de maneira articulada, flexível, rápida e eficiente às questões advindas de um mundo em constante transformação adquirem significância enquanto fenômeno de repercussão nas relações internacionais pois quebra o monopólio das relações inter-estatais do clássico sistema westphaliano de poder[2].
Quadro 2. Formatos de paradiplomacia reticular
Paradiplomacia Subnacional |
O termo paradiplomacia subnacional representa um marco conceitual importante para compreender a ação paralela em âmbito internacional de governos locais e regionais através do establecimiento de contatos permanentes ou não com atores correspondentes em outros países e com entidades públicas ou privadas estrangeiras. |
Paradiplomacia Empresarial |
A paradiplomacia corporativa refere-se à atuação internacional de empresas revestida por um conjunto de orientações, princípios e práticas estratégicas. Como até a década de 1950, a ação de empresas transnacionais estava fortemente associada à diplomacia estatal, foi somente a partir das décadas de 60 e 70 que surge a paradiplomacia corporativa, quando as empresas transnacionais passaram a se apresentar com maior autonomia no sistema internacional. |
Paradiplomacia Epistêmica |
As ações internacionalistas de movimentos sócio-politico-ambientais ou de organizações sindicais e não governamentais são exemplos de paradiplomacia epistêmica que ocorrem em paralelo e de forma independente com as atividades dos Ministérios de Relações Exteriores, tendo muitas vezes uma escala multilateral de ação. |
Paradiplomacia Ministerial |
Em algumas conjunturas específicas na história de muitos países observa-se que alguns ministérios influenciaram ou ainda persistem influenciando na definição da política exterior, desde os casos dos ministérios de comércio e indústria até os ministérios militares, ao rivalizarem com os Ministérios de Relações Exteriores e ao desenvolverem suas próprias linhas de ação exterior de natureza paradiplomática, abrindo um espaço oportunista a um processo de ruptura da unidade de ação exterior do Estado. |
Fonte: Elaboração própria. Baseada em Steger (2003); Vigevani et al. (2004).
Neste cenário, a extroversão de cidades no sistema internacional é reflexo de um crescente processo de integração e interdependência dos Estados Nacionais em um mundo globalizado que se mostra recortado por múltiplas redes de paradiplomacia que transcorrem em paralelo à ação dos órgãos centrais de governo como chancelarias ou ministérios de relações exteriores, gerando efeitos positivos ou negativos nas políticas exteriores (Parker, 2004).
Os processos regionais e multilaterais de caráter internacional e as reformas nacionais de caráter neoliberal podem ser interpretados como responsáveis pela proliferação de estratégias nacionais de desenvolvimento local e regional e de estratégias de ação internacional, acabando por reafirmar e valorizar a própria identidade das cidades.
No caso das esferas subnacionais de governo, a tendência crescente de formação de redes internacionais com ação paradiplomática pode ser reflexo de influências políticas de regiões e cidades que buscam independência ou maior autonomia em relação aos governos centrais, ou ainda, de influências econômicas advindas do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo atual, que busca sua funcionalidade na ampliação do capital por meio de redes associativas com objetivos relacionados ao desenvolvimento econômico local.
Com destaque neste cenário, as cidades vêm desenvolvendo a construção de vínculos cooperativos com contrapartes estrangeiras transfronteiriças e não transfronteiriças por meio de redes institucionais que objetivam apoiar as estratégias desenvolvimento local e trocar de experiências na implementação de políticas públicas a partir de uma agenda de convênios de cooperação acadêmica, empresarial e comercial.
Como a maioria das cidades participam de mais de uma rede paradiplomática e como as redes têm convênios entre si, surge uma espacialidade criada pelo emaranhado de conexões no sistema internacional que tem sido chamada de spaghetti bowl porque demonstra como a imagem do espaço mundial se torna complexa e multirecortada por várias redes que se articulam nas relações internacionais.
O Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) resultado de um aprofundamento nas relações de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai é um projeto de integração subregional orientado pelo conceito de regionalismo aberto, que veio a marcar, na América do Sul, o fim de regimes militares, em um contexto de crise do paradigma leste-oeste - que dividiu o mundo entre Estados Unidos e União Soviética - bem como, a emergência de um cenário internacional globalizado e sob a supremacia econômico-militar norte americana.
A trajetória de desenvolvimento institucional do bloco do Mercosul tem sido decisiva na construção regional de um ambiente que estimula as cidades a exprimirem seus objetivos e demandas no processo de integração regional, atuando ativamente e de maneira mais independente que no passado em relação ao governo nacional.
A integração regional do Mercosul, ao ser aprofundada ao longo de sua existência por fatores econômicos e políticos, mobilizou diferentes grupos de interesse existentes, sendo que diversos atores não se limitaram apenas a respeitar os acordos feitos entre os governos, eles vieram a buscar também formas de melhor intervir e participar das negociações, de maneira a dinamizar ainda mais a integração ao incluírem novas temáticas, como foi o caso da rede de Mercocidades.
Os processos de spillover ou transbordamento de uma série de encadeamentos de um núcleo duro de ações nacionais (políticas e econômicas) para setores marginais(esferas subnacionais de governo) em relação à temática principal da integração regional teve como conseqüência o surgimento de articulação reticular entre cidades, intendências, províncias e estados dentro do próprio bojo de institucionalização do Mercosul.
O conceito funcionalista de spillover neste processo é basilar, pois reconhece o papel do Estado Nacional nas relações internacionais, sugerindo que a consolidação dos processos de integração depende da participação e dos interesses de atores sociais, políticos e econômicos de caráter subnacional.
Sob a perspectiva das redes de cidades, o conceito de spillover no caso do Mercosul supõe a existência de um núcleo funcional com capacidade autônoma de provocar estímulos na integração regional, incorporando ao longo do tempo novos atores subnacionais e setores relevantes. Este fenômeno ocorre quando políticos e elites locais percebem que a integração pode produzir mais benefícios do que sacrifícios, e tentam por isso influenciar suas instituições centrais por meio de redes paradiplomáticas a incluírem outros setores importantes que estão marginais à discussão.
Neste contexto, o adensamento do número de cidades pertencentes à rede de Mercocidades pode ser interpretado, em primeiro lugar, como um efeito derivado do descontentamento da estrutura institucional de poder na integração do Mercosul, que centraliza as decisões aos representantes do governo nacional de cada Estado-Membro e impossibilita um espaço mais amplo de atuação dos governos locais; e, em segundo lugar, como um efeito propulsor de novas articulações entre os governos nacionais e os governos locais por meio da consolidação de um foro consultivo subnacional reconhecido pela estrutura do Mercosul e da formação de fundos regionais derivados do recém criado parlamento do Mercosul.
Em primeiro lugar, a importância do Foro Consultivo de Municípios, Estados, Províncias e Departamentos do Mercosul[3] reside no reconhecimento feito pelos governos nacionais dos países-membros do Mercosul de que os governos subnacionais da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela têm legitimidade formular recomendações no processo de integração sul-americano que os afeta diretamente ou indiretamente.
A institucionalização deste órgão é fruto direto das redes de paradiplomacia subnacional desenvolvidas fortemente por Estados, Províncias, Municípios e Intendências há mais de uma década através das ações das redes de Mercocidades e da Zona de Integração do Centro Oeste da América do Sul (ZICOSUR).
Em segundo lugar, a importância da estruturação de uma rede de articulação de cidades paralela às negociações nacionais de integração regional possibilita repensar a integração enquanto um fenômeno horizontal que se assenta sobre a materialidade das localidades e por isso influenciou na recente formação de fundos regionais com o estabelecimento do parlamento do Mercosul.
Neste contexto, destaca-se que a criação do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) no quadro de institucionalização supranacional do parlamento do Mercosul, ao destinar recursos aos países membros como forma de se diminuir as assimetrias e desigualdades regionais econômicas e sociais, pode estimular o transbordamento de repercussões paradiplomáticas maiores ainda por parte dos municípios de fronteira e da própria rede de Mercocidades no sentido de garantir recursos para o desenvolvimento de infra-estrutura econômica e social, tal como acontecera na Europa, com um representativo crescimento das redes de paradiplomacia subnacional frente a formação e transferência de fundos regionais.
Estes fatos corroboram para o entendimento de que a integração foi paulatinamente incorporada na vida doméstica dos países sul-americanos por meio de uma série de efeitos de transbordamento que foram criados, com o envolvimento crescente de atores importantes, como foi o caso das redes de cidades, que introduziram as suas temáticas de discussão dentro do processo de integração segundo efeitos derivados e propulsores ao longo do tempo.
As relações de paradiplomacia subnacional da rede de Mercocidades
A competência de formular e implementar a política externa de todo país tem tradicionalmente sido respaldada por princípios constitucionais que garantem à esfera superior do governo nacional o poder soberano de comando.
A despeito das diretrizes constitucionais que reservam à cúpula governamental da esfera nacional, o processo de construção da política exterior tem crescentemente sido permeado pela ação internacional de Estados, Províncias e Municípios por meio de práticas rotineiras de paradiplomacia que se efetivam por meio da assinatura de atos, acordos e convênios junto a outros entes subnacionais estrangeiros, empresas e organismos multilaterais ou regionais.
Segundo Rodrigues e Silva (2007), a legitimidade da ação paradiplomática subnacional na América do Sul não é nova já que ela existia antes mesmo da conformação de redes ou da própria existência do Mercosul. A primeira experiência institucional de paradiplomacia na integração sul-americana teria sido o Protocolo 23 – Fronteiriço, de 1988, assinado por Brasil e Argentina, que reconhecia a incorporação de Estados, Províncias, Intendências e Municípios fronteiriços de ambos os países no processo de integração e de redemocratização conduzido pelos governos do Alfonsín e Sarney.
Embora o fenômeno da diplomacia paralela não sejá um fenômeno novo na América do Sul, existe um caráter inovador na tendência crescente das cidades participarem ativamente na arena internacional que é evidenciado pela atuação por meio de redes.
No caso dos países da América do Sul, se por um lado, as transformações políticas de passagem de regimes militares para regimes democráticos proporcionaram um espaço cada vez poroso às ações de diplomacia paralela de esfera subnacionais, por outro lado elas foram funcionais para que os governos locais e regionais crescentemente aumentassem a sua comunicação direta com canais e atores globais segundo estratégias descentralizadas de desenvolvimento local e regional que visavam oportunidades internacionais de cooperação em políticas públicas, de comércio exterior, de atração de financiamentos e de inovações científicas e tecnológicas.
A importância da rede de Mercocidades adquiriu representatividade no processo de integração regional sul-americano porque adensou uma agenda paralela e complementar aos Ministérios de Relações Exteriores de fortalecimento do espaço regional transnacional do Mercosul, e ampliou gradativamente sua própria legitimidade ao se tornar em um fórum de composição empresarial e governamental de caráter multilateral dentro da região envolvida, materializando-se em uma iniciativa internacional que amplia a conotação cooperativa.
A rede de Mercocidades foi criada em 1995 pela articulação de 11 cidades pertencentes à Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai em razão do avanço na estruturação do processo institucional do Mercosul que tornou as fronteiras permeáveis à ação de atores não estatais, tomando como referência as redes de cidades européias[4] que foram influentes no processo de integração regional por meio da busca de valores comuns que passavam a ser negociados com as estruturas supranacionais da União Européia.
Enquanto um fórum multilateral de ação paradiplomática de municípios e intendências no âmbito transregional, a rede de Mercocidades se tornou em uma importante ferramenta de fortalecimento subnacional no interior do processo de integração regional do Mercado do Cone Sul (Mercosul), pois refletiu uma conscientização voluntária a respeito da interdependencia do processo de integração regional do Mercosul, que ocorre não só por meio de uma interação entre Estados Nacionais, como também, pela atuação de comunidades epistêmicas, empresas e governos subnacionais.
Ao passo que o Mercosul tornou-se em uma arena internacional de interação diplomática entre Estados Nações com uma arquitetura fundamentalmente permeada por negociações intergovernamentais, as Mecocidades representaram uma estrutura cooperativa paralela que atua de maneira simultânea e complementar aos objetivos básicos do processo de integração regional por meio de uma estrutura institucional horizontal e orgânica.
Quadro 3. Organograma das Mercocidades
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Assembléia Geral dos Sócios |
Órgão máximo da rede que tem como participantes os chefes de governo das cidades associadas. As reuniões ordinárias da Assembléia Geral acontecem anualmente e definem a composição do conselho e a sede da secretaria executiva. |
Conselho de Mercocidades |
É o órgão administrativo da rede cuja competência é elaborar as assembléias gerais, manifestar os objetivos da rede e o posicionamento dela sobre o processo de integração regional, acompanhar o desenvolvimento das unidades temáticas e manter a disseminação das informações sobre as atividades da rede aos sócios. |
Comissão Diretiva |
É um órgão que funciona como apoio à Secretaria Executiva da Mercocidades nos trabalhos de coordenação da Rede. Seu objetivo é o de fortalecer a administração da Secretaria Executiva. |
Secretaria Executiva |
Representante oficial da instituição Mercocidades tem como responsabilidades: a) formular documentos, acompanhar os trabalhos e divulgação destes pela rede; e b) convocar e presidir as reuniões da Assembléia Geral e do Conselho. |
Secretaria Técnica Permanente |
É um órgão subordinado à Secretaria Executiva, criada em 2001, sendo responsável por auxiliá-la assegurando que os registros das atividades da Rede sejam realizados como também auxiliar no processo de integração entre as municipalidades. |
Unidades Temáticas |
São mecanismos de formulação e desenvolvimento de propostas e projetos de cooperação entre as cidades visando divulgação de experiências bem sucedidas e concretização dos objetivos da rede. As unidades temáticas são: 1) autonomia, financiamento e gestão municipal; 2) ciência e tecnologia; 3) cooperação internacional; 4) cultura; 5) desenvolvimento econômico e local; 6) desenvolvimento social; 7) desenvolvimento urbano; 8) educação; 9) gênero e município; 10) juventude; l1) meio ambiente e desenvolvimento sustentável; 12) planejamento estratégico; 13) turismo e 14) segurança cidadã. |
Fonte: Elaboração própria. Baseada em <www.mercociudades.net>.
O espaço reticular das Mercocidades tem sido construido pela associação virtual entre cidades que voluntariamente buscam promover as suas inserções no processo de integração regional do Mercosul e conformar uma parceria estratégica de cooperação tática internacional por meio de projetos de interesse comum e intercâmbio de experiências, segundo objetivos pré-acordados de curto e longo prazo.
A paradiplomacia das Mercocidades pode ser interpretada em sua arquitetura institucional e lógica de funcionamento enquanto um sistema reticular horizontal de cidades que se relacionam findando criar fluxos cooperativos para o desenvolvimento local e para a difusão de sinergias positivas sobre o próprio processo de integração regional do Mercosul.
Segundo Borrel (2006), a arquitetura reticular da instituição Mercocidades tem uma natureza multicêntrica de difusão do poder que se caracteriza pela ampla participação das cidades-membro de maneira simultânea em diferentes órgãos ou grupos temáticos de trabalho que são coordenados por um conselho rotativo.
A natureza multicêntrica da rede de Mercocidades tem sido aproveitada no atual contexto para fortalecer as possibilidades e recursos de ação das cidades no processo de integração regional por meio de uma organização institucional rotativa e de simultânea participação subnacional que tende a difundir as relações de poder segundo uma perspectiva horizontal e compartilhada.
A rede de Mercocidades tem uma arquitetura simples e horizontal que busca priorizar a obtenção de resultados positivos no desenvolvimento local e no avanço da integração regional por meio de cooperação internacional em unidades temáticas e compartilhamento de experiências dentro do marco institucional.
Como a estrutura associativa de Mercocidades reconhece que o objetivo principal da rede é incorporar a representação das cidades no processo institucional do Mercosul por meio de uma integração regional de múltiplos níveis, a sua representatividade pode ser avaliada enquanto ferramenta paradiplomática potencial, por meio da constatação do aumento da quantidade de cidades membros, bem como do nível de participação das mesmas.
Em primeiro lugar, observa-se positivamente que desde o surgimento, em 1995, da articulação de 11 cidades dos países-membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), a rede de Mercocidades cresceu de maneira significativa em função do crescente grau de institucionalização dela e do próprio Mercosul, chegando em 2008 com a adesão de 178 cidades que se extendem até países-associados (Bolívia, Chile, Peru e Venezuela)[5].
A adesão de um volume representativo de cidades na rede de Mercocidades aumentou a escala de pressão subnacional frente ao processo de integração regional, o que repercutiu diretamente nas negociações para a criação e implementação do Foro Consultivo de Municípios, Províncias, Estados Federados e Departamentos do Mercosul[6], demonstrando que a existência de estruturas institucionais paralelas dentro do processo de integração pode ser um importante instrumento para abrir voz a instâncias subnacionais não devidamente representadas.
Em segundo lugar, avalia-se negativamente que há uma baixa articulação administrativa das cidades enquanto fórum permanente de ação paradiplomática e de difusão de experiências, o que demonstra que existe uma subutilização de suas potencialidades enquanto rede virtual, já que não existe um impacto direto sobre os cidadãos devido à falta de compartilhamento de idéias e documentos no portal eletrônico da rede.
A atuação internacional das cidades via rede, em particular o caso Mercocidades, enfrenta dificuldades específicas relacionadas às limitações de sua participação no processo de integração regional (atualmente a participação das cidades no Mercosul tem o caráter consultivo e não deliberativo), na condução da administração pública decorrentes de limitações financeiras bem como da formação de recursos humanos, tecnológicos adequados para uma interlocução internacional ativa (Prado, 2007).
Entre as instâncias de poder que desenvolveram políticas reticulares de cooperação subnacional o artigo destacou a paradiplomacia das Mercocidades devido ao seu ativismo regional para romper o isolamento político das cidades na definição da política exterior de seus respectivos países e por ter se tornado um caso-exemplar de paradiplomacia que transbordou uma série de externalidades positivas dentro e fora da região para o adensamento ou formação de outras redes similares.
O estudo da paradiplomacia presente na esfera de governo das cidades mostrou que a construção de campos de poder internacional não se restringe aos ministérios de relações exteriores devido aos esforços reticulares de outros atores que acabam criando repercussões sobre uma geografia política tanto das localidades como da região transnacional do Mercosul.
Mas há que se advertir que a ação internacional das esferas subnacionais deve sempre ser conduzida em estreita coordenação com os Ministérios de Relações Exteriores ou chancelarias da esfera nacional, uma vez que a atuação paralela destes atores e de outros atores privados afeta positivamente ou negativamente o resultado final da política externa de um país, conferindo maior capilaridade e potência à sua inserção internacional (Siqueira, 2007).
A definição de papéis claros e específicos aos entes governamentais adquire importância para a garantir uma maior capacidade de se obter um esforço convergente na política exterior, e para que isso aconteça se tornam necessários marcos constitucionais que definam e garantam, nas relações internacionais, interesses amplos ou nacionais (questões estratégico-militares de segurança e defesa, questões político-diplomáticas e questões econômicas de caráter comercial e financeiro)[7] e interesses restritos ou subnacionais (questões econômicas e de cooperação em políticas públicas com caráter cultural, científico, ambiental e social)[8].
A coordenação de interesses amplos e restritos dentro de uma lógica funcional à otimização da política externa passa por marcos de formulação de uma diplomacia multi-nível, onde se procurar conciliar a ação internacional paralela de atores e governos subnacionais à esfera diplomática clássica segundo uma abertura participativa e hierarquizada ditadas pelas diretrizes do Estado Nação (Aldecoa e Keating, 2000).
No processo de formulação da política externa, a paradiplomacia das cidades nas relaciones internacionais não deve ser vista como um risco à soberania ou eficiência do poder do Estado Nacional, mas antes, deve ser interpretada enquanto uma concepção de diplomacia descentralizada, que incorpora ações paralela e mais democráticas na formulação da política exterior.
Quanto mais atuantes forem os atores subnacionais dentro do Estado Nacional, mais fortalecida será a descentralização e democratização do poder, se ocorrer subsidiariedade, um processo do governo nacional de delegação e divisão de papéis a demais atores segundo competências que possibilitem a realização de acordos internacionais dentro da esfera normativa (Almeida e Silva, 2007).
Em relação ao espaço transregional do Mercosul, observa-se que sua construção relacional e processual ao longo do tempo tem sido permeada, por um lado, pela contínua atuação centralizada dos Estados Nacionais, e por outro lado, crescentemente pela ação descentralizadora de paradiplomacias corporativas e de esferas governamentais subnacionais que contribuem segundo formatos reticulares de articulação para a fortalecimento da integração regional.
O espaço virtual criado pela rede de Mercocidade converte-se, neste sentido, em um importante fórum para o processo de integração regional do Mercosul, uma vez que existe um jogo de duplo nível constituído pela inter-relação entre a política nacional e a política exterior.
A rede de paradiplomacia das Mercocidades, a despeito dos seus problemas de conexão, tem se revelado como um canal formal importante para se criar uma trajetória institucional de influência sobre o Mercosul, uma vez que as cidades não estão interessadas em estabelecer formas diferenciadas de poder político que concorram com o Estado-Nação, mas antes, têm o intuito de orientar sua ação política de tal forma a gerar o melhor padrão de integração regional.
[1] Segundo Ohmae (1996), o avanço do processo de globalização se processa por um jogo de soma-zero, onde o Estado Nação sai enfraquecido em detrimento do fortalecimento de atores locais e regionais públicos e privados, de tal maneira que o motor do progresso residiria portanto nas economias regionais chamadas por ele como “Estados-regiões”.
[2] A emergência do princípio da territorialidade moderno originado com o Tratado de Westphalia (1648) tem sido o marco basilar dos estudos políticos e geográficos pois representou um marco de mudança na configuração do espaço na transição do feudalismo para o capitalismo ao delimitar na esfera da soberania do Estado territorial a contenção entre o espaço subnacional e o espaço internacional (Senhoras, 2008).
[3] Durante a Cúpula do Mercosul realizada na cidade do Rio de Janeiro em janeiro de 2007 foi instalado o Foro Consultivo de Municípios, Estados, Províncias e Departamentos do Mercosul que havia sido criado em 2004, com o compromisso de consolidar o bloco por meio da cooperação entre autoridades nacionais e locais, fortalecer e concretizar a agenda do Mercosul e privilegiar o relacionamento do Foro com os demais órgãos da integração, tais como o recém-criado Parlamento do Mercosul e o Foro Consultivo Econômico e Social. Foram estabelecidos cinco eixos de atuação estratégica do Foro: 1) Integração regional e cooperação descentralizada; 2) direitos de cidadania; 3) políticas sociais públicas; 4) desenvolvimento sustentável; 5) infra-estrutura econômica (Rodrigues e Silva, 2007).
[4] “Sabe-se que as cidades e regiões em toda a Europa se associaram em torno de redes institucionais que fogem ao controle dos Estados nacionais, constituindo um dos mais eficientes lobbys capazes de atuar simultaneamente junto às instituições européias e a seus respectivos governos nacionais. Como se não bastasse, as cidades e regiões participam ativamente de negociações diretas com empresas multinacionais, transformando-se nos agentes mais importantes das políticas de desenvolvimento econômico, uma vez que as ações dos governos nacionais estão condicionadas às regulamentações da União Européia” (Meneghetti Neto, 2005: 78).
[5] A rede de Mercocidades desde a sua fundação em 1995 foi fundada e composta somente por cidades com população superior a 500.000 habitantes até 2002, momento em que foi retirada a cláusula de barreira às cidades entrantes em função do fortalecimento do caráter reticular de vocação integracionista por meio de um aumento substantivo de cidades desde então (Leonardo e Nahuel, 2007).
[6] A estrutura organizacional do Mercosul não reconhecia oficialmente o papel dos municípios, estados, províncias e departamentos dos países-membros no processo de integração regional até 2000, quando por influência da paradiplomacia subnacional das Mercocidades foi implementada a REMI – Reunião Especializada de Municípios. Com a criação do Foro consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos em 2004 e sua institucionalização dentro da estrutura do Mercosul em 2007, os governos subnacionais passaram a ser atores de reconhecidos, embora ainda de caráter consultivo e não deliberativo, reiterando ainda mais a necessidade de fortalecimento da rede de Mercocidades para haver uma efetiva descentralização do poder político que contribua com a democracia do bloco ao aproximar o cidadão do centro das decisões externas.
[7] Os interesses nacionais são relacionados à garantia de soberania e governabilidade por meio da unidade da política externa lato sensu, que direciona e hierarquiza diferentes ministérios (relações exteriores, fazenda, comércio exterior e defesa) e seus interesses (político-diplomatico, econômico-comercial-financeiro e estratégico-militar).
[8] Os interesses subnacionais cobrem um vasto leque de competências e capacidades desde as áreas de saúde, educação, promoção cultural, cientifica, tecnológica, habitação e saneamento, até proteção do meio-ambiente e de recursos naturais e combate à pobreza.
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© Copyright Elói Martins Senhoras, Fabiano de Araújo Moreira y Claudete de Castro Silva Vitte, 2008
© Copyright Scripta Nova, 2008
Referencia bibliográfica
SENHORAS, Elói. M.; MOREIRA, Fabiano. de A.; VITTE, Claudete. C. S. A geografia da paradiplomacia subnacional na América do Sul. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008, vol. XII, núm. 270 (20). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-270/sn-270-20.htm> [ISSN: 1138-9788]