Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 194 (106), 1 de agosto de 2005

 

AS CAPITAIS DO ACRE: A CIDADE E OS PODERES

 

Maria Lucia Pires Menezes

Universidade Federal de Juiz de Fora

 

Nelson da Nobrega Fernandes

Universidade Federal Fluminense

 


As Capitais do Acre: a cidade e os poderes (Resumo)

No inicio do século XX, o Acre era uma região disputada por empresas estrangeiras e seus representantes, trabalhadores brasileiros, peruanos, bolivianos, indígenas. Localizado no sudoeste da Amazônia e território pertencente à Bolívia, em 1903 foi anexado ao Brasil, após período de conflagração. Em 1904, o Estado brasileiro para garantir sua soberania construiu a primeira capital, Sena Madureira. A cidade de Xapuri, às margens do rio Acre, foi importante localidade em meio à chamada Revolta do Acre, quando ocupou posição privilegiada na resistência dos trabalhadores da borracha aos acordos internacionais que outorgavam o território às empresas estrangeiras. Puerto Alonso, atual Porto Acre foi ora localidade boliviana, ora brasileira. Cruzeiro do Sul, foi local importante na chamada Revolta do Juruá, quando, em 1910, diferentes segmentos sociais locais tentaram transformar o Acre de território federal em estado da federação. Em 1920, pacificado e nacionalizado, o Território do Acre transfere sua capital de Sena Madureira para Rio Branco, que se tornara o ponto de convergência da economia da borracha na região. As “capitais” do Acre revelam a importância da cidade como forma espacial estratégica na geografia política e econômica que estrutura a organização do espaço para o exercício da soberania.

 

Palavras  chave: Acre, Amazônia, Geografia Política, Geografia Urbana ,Cidades.


The Capitals of Acre: The city and the powers (Abstract)

In the begining of the 20th century Acre was a region disputed by foreign enterprises and their representatives, Brazilian workers, Peruvians, Bolivians and indigenous people. Located in the southwest of Amazon and territories owned by Bolivia, it was incorporated to Brazil in 1903, after a period of border dispute. In order to guarantee its sovereignty   the Brazilian state constructed the first capital, Sena Madureira, in 1904. The city of Xapuri, at Acre riverside was an important location during the Acre revolt. At that time it achieved an important position for the resistance of workers in the rubber economy against the international agreements which assigned the land to the foreign companies. Cruzeiro do Sul, has been a place with an important role in Juruá Revolt when in 1910 different local social segments tried to transform Acre from a federal territory into a state of the federation. In 1920, pacified and nationalized, Acre territory transferred its capital from Sena Madureira to Rio Branco which at that time had become a center of convergence of the rubber economy in the region. The “capitals” of Acre revealed the importance of the city as a geographic strategic configuration in the political and economic scenario which structures the organization of the space for the exercise of the sovereignty.

 

Key words: Acre, Amazon, Political Geography, Urban Geography, Cities.


 

Introdução

 

Região conflagrada por empresas estrangeiras e seus representantes, trabalhadores brasileiros, peruanos, bolivianos e indígenas, o estado do Acre, localizado no sudoeste da Amazônia, foi anexado ao Brasil em 1903. Entorno de uma extensa região, diversas localidades surgiram face ao lucro advindo das exportações de látex. A partir de 1900 brasileiros e bolivianos vão disputar o território utilizando-se dos pequenos povoados preexistentes e adjudicá-los como base da fiscalização e tributação, do controle civil e da instalação de cargos e instituições governamentais de afirmação do seu domínio. Inicialmente, os bolivianos, em função de garantir a autoridade sobre a área, instituíram a cobrança de impostos centralizados na fundação da cidade de Puerto Alonso, hoje Porto Acre no Brasil. Tal medida gerou revolta dos brasileiros e iniciou uma série de conflitos até a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, no qual o Brasil adquiriu – parte por compra, parte por troca de pequenas áreas do Amazonas e do Mato Grosso – o território do atual Acre. Para a administração do território foram instituídos três Departamentos autônomos entre si - Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá -, controlados diretamente pelo governo federal, a quem caberia a arrecadação dos impostos ali recolhidos.

 

Em 1904, é criada por expedição militar a vila de Sena Madureira, futura cidade e capital do Acre. A cidade de Xapuri, situada às margens do rio Acre, foi importante localidade em meio à chamada Revolta do Acre, pois se organizou a resistência dos trabalhadores da borracha frente aos interesses das empresas estrangeiras e dos acordos internacionais. No vale do rio Juruá, em torno da localidade de Cruzeiro do Sul, brasileiros e peruanos disputaram a posse da região das seringas gerando novamente uma zona de conflito, diplomaticamente resolvida com o tratado de limites entre Brasil e Peru, em 1909. Porém, a diplomacia entre Estados não foi capaz de pacificar a região, já que havia latente o sentimento de autonomia fiscal e territorial representado por aqueles que defendiam a estadualização do Acre conjuminada, por sua vez, com os interesses do estado do Amazonas que pleiteava a anexação da parte setentrional do Acre, mais precisamente a bacia do alto rio Juruá. Tal situação conduziu Cruzeiro do Sul, em 1910, a centralizar o movimento autonomista que se espalhara por todo vale do rio.

 

Coube ao governo federal reorganizar o sistema político administrativo com o intuito de enfraquecer os movimentos autonomistas e centralizar a administração territorial. Assim, em 1920, “pacificado e nacionalizado” o território do Acre transfere sua recém capital de Sena Madureira para Rio Branco. Localizada no rio Acre, a jusante de Xapuri, cresce e assume importante função na convergência da produção e comercialização da borracha na região. A nova capital firmou-se politicamente devido à posição geográfica importante para a economia acreana e ao novo sistema administrativo centralizado, que extinguiu os departamentos do Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá.

 

As “capitais” (1) do Acre revelam a importância da cidade como forma espacial estratégica para a geografia do poder. O Estado ao definir a existência de vilas e cidades agiu num contexto de regulação dos conflitos e de apropriação de importante fração da renda regional, ao mesmo tempo em que criou e se apropriou da infra-estrutura territorial necessária à organização da produção. Tal processo se faz sobre a base geográfica local, sendo, portanto, as vilas e cidades os fixos que permitiram o efetivo domínio do território.

 

 

A exploração da borracha, a organização territorial e a “Revolução Acreana”

 

No processo de anexação do Acre o extrativismo do látex aconteceu a partir dos vales dos rios, reproduzindo o padrão de ocupação que já se processava na Amazônia desde o século XVII. O valor comercial do látex impulsionado por novas tecnologias industriais foi o propulsor da interiorização das frentes de trabalhos na bacia do rio Amazonas, especialmente, seus afluentes da margem direita, onde as espécies gomíferas localizavam-se dispersamente e acompanhavam os principais vales fluviais. O território que atualmente conforma o estado do Acre corresponde às terras banhadas pelos rios das bacias do alto Purus e do alto Juruá. A partir de 1870 intensificou-se a ocupação na região sudoeste da província do Amazonas. Os seringais multiplicavam-se pelos vales do Acre, do Purus e, mais a oeste, do Tarauacá: em um ano (1873-1874), na bacia do Purus, a população subiu de cerca de mil para quatro mil habitantes. Nas décadas seguintes seguiram acorrendo frentes de trabalhadores oriundos de Bolívia, Brasil e Peru. Ao longo deste tempo a forma de ocupação obedeceu à organização do trabalho para a extração do látex. Houve, portanto, neste momento a justaposição de três movimentos sobre o espaço: a organização social do trabalho da extração da goma; os tratados e a demarcação de limites entre Brasil, Bolívia e Peru; e as lutas pela captura de renda sobre a produção do látex entre diversos agentes estatais e privados.

 

Da parte do Brasil, destacou-se a pressão por parte dos atacadistas de Belém e, principalmente, de Manaus, que num dado momento passaram a reivindicar a inclusão das terras do Alto Juruá como parte do estado do Amazonas. Havia ainda na região os interesses do Bolivian Syndicate, associado a U.S. Rubber Co., que entre outras vantagens obteve do governo boliviano o direito de comprar toda a produção da borracha, atraindo para dentro do Acre o poder dos Estados Unidos que, em última instância, assumiriam, ainda que indiretamente, a proteção dos interesses de empresas estrangeiras. Inicia-se um processo que demandou o esforço dos países envolvidos sobre o quadro diplomático e político disposto onde, potencialmente, qualquer desavença entre os brasileiros e os interesses do Bolivian Syndicate, oporia o Brasil aos Estados Unidos.(2)

 

Conforme supracitado, o Acre constituiu-se da junção de terras de duas bacias hidrográficas, formando duas redes de extração e comercialização de goma separadas, mas subordinadas às casas aviadoras de Manaus e Belém. O território drenado pelo rio Purus, então conhecido como Acre Meridional, envolvia áreas reclamadas por Peru e Bolívia. O Acre Setentrional adentrava território peruano através do Vale do Juruá. Ao longo da última metade do século XIX, o Acre foi sendo paulatinamente povoado por frentes de trabalhadores, patrões, comerciantes, mascates e aventureiros, aos quais se somavam os indígenas. O comércio e a exportação da goma elástica (3) organizou o trabalho na forma do que designamos como sistema de barracão, na verdade um sistema de aviamento caracterizado como ...uma relação de intermediação mercantil-usuária que consiste basicamente na troca da borracha, produzida por uma infinidade de seringueiros espalhados disseminadamente na mata, por suprimentos de meios de subsistência fornecidos por estratificada cadeia intermediadora dos aviadores, num processo que organiza numa relação espacial por todo o vale, seringueiros, seringalista e burgueses mercantil-usuários. ( Moreira,1990:48)

 

Na região confinante e interior da Floresta Amazônica, a acessibilidade era permitida apenas pela navegação fluvial e a ordem reinante era da máxima exploração e do máximo lucro. As disputas e a cobiça sobre a região irão ascender a partir de 1867, quando do tratado de limites entre Bolívia e Brasil – Tratado de Ayacucho, tomado como marco expresso da necessidade da diplomacia assumir e definir os limite territoriais entre os dois países. Por este tratado, (4) estabeleceu-se por primeira vez a fronteira Brasil-Bolívia. No entanto, essa demarcação foi contestada porque não precisava os pontos geodésicos, tampouco a extensão da linha demarcatória. O tratado estabelecia, por exemplo, que se plotasse uma linha estabelecendo, inclusive, a latitude de dez graus e vinte minutos, partindo da foz do rio Beni, até encontrar as nascentes do rio Javari. No entanto, geodesicamente, não se sabia sequer a localização de suas nascentes. A foz do rio Javari fora tomado como referência desde 1752 para consolidar a fronteira. Para tanto o governo português ordenou que os jesuítas fundassem uma missão no Japurá e outra no Javari. Só a última foi construída, com o nome de São Francisco do Javari.

 

A penetração de brasileiros em busca da exploração de espécies gomíferas de fato fixaram estes na área além dos limites previstos pelo Tratado de Ayacucho. Surgem conflitos entre brasileiros e bolivianos até a assinatura de novo tratado – o de Petrópolis, firmado entre Brasil e Bolívia em 1903 e que anexou o Acre ao Brasil.

 

Até então, no Acre Meridional localizava-se a zona de maior conflito, em decorrência da chegada de trabalhadores(5). Pelo curso dos formadores dos rios Madeira e Purus vieram rio-abaixo frentes de expansão provenientes da Bolívia, e de rio-acima, as frentes oriundas da Amazônia brasileira.  Pelos rios Abunã, Madre de Dios, Beni e Mamoré, os bolivianos afluíam em direção ao rio principal, o Madeira, em área do atual estado de Rondônia, e pelos rios Acre e Iaco em direção ao rio Purus. Conforme já assinalado, pelo tratado de 1867, a divisória limítrofe fora estabelecida por uma linha que partia da confluência dos rios Beni-Mamoré, em direção ao noroeste até a nascente do rio Javari, embora ainda não fossem conhecidas as cabeceiras desse rio. Depreendia-se, portanto, que as terras entre os rios Madeiras e o rio Javari, incluindo a bacia do alto rio Purus e a bacia do alto Juruá, pertenceriam à Bolívia.

 

A disputa do Acre Meridional constituiu-se de uma série de entreveros envolvendo os seguintes elementos e respectivos interesses: pelo lado boliviano governo, comerciantes e empresas; pelo lado brasileiro, seringalistas, comerciantes e seringueiros. Num primeiro momento do processo de demarcação da fronteira Brasil- Bolívia, conforme previsto pelo Tratado de Ayacucho, houve omissão do governo brasileiro em reconhecer a avaliação do chefe da Comissão Demarcatória de Limites, o Cel. Thaumaturgo de Azevedo, que considerava a presença de brasileiros e suas pretensões na região, especialmente por parte do governo do Amazonas associado aos interesses das grandes casas aviadoras de Manaus. A situação evolui e os ânimos se acirraram sem se notar a presença do Estado brasileiro, que se posicionou de fato em favor do respeito ao que foi assinado em Ayacucho, portanto, não considerando naquele momento a possibilidade de mudanças no acordo de limites.

 

Paralelamente, para garantir sua posição, a Bolívia estabelece em Xapuri – localidade situada no que a administração boliviana designava como “Território de Colônias”-, uma Delegação Nacional, sob o comando de um intendente, o delegado de polícia João de Dios Barriento e outras autoridades judiciárias, num total de 8 cidadãos bolivianos. O intento era a formação de uma Junta dos Notáveis, em número de 5, que funcionaria como Conselho Municipal encarregado da arrecadação de impostos. Porém, como a maioria da população local era brasileira, isto é, seringalistas e proprietários de seringais na região, a eleição do conselho fracassou. O governo boliviano em contra-ofensiva mandou para a região um ministro plenipotenciário, Dom José Paravicini, que criou a cidade de Puerto Alonso no rio Acre, a jusante de Xapuri. Puerto Alonso torna-se sede do departamento boliviano do Acre sob a administração governamental de Moysés Santivañez. Em seguida, Paravicini decretou a abertura dos rios amazônicos à navegação internacional e começou a arrecadar impostos que antes iam para o estado do Amazonas. A reação dos brasileiros se faz por parte do governo do Amazonas face à perda de arrecadação e em defesa dos interesses regionais.

 

Nesta questão o governo central do Brasil mostra-se ambíguo e vacilante por diversas razões. Dentre elas, havia a pressão dos cafeicultores do sudeste brasileiro contra a maior participação da borracha na pauta de exportações, pois se sentiam ameaçados no jogo de equilíbrio de poder baseado na participação das oligarquias regionais. Por sua vez, o governo não tinha como desfavorecer os acordos comerciais de exportação de borracha cada vez mais cotada no mercado exterior. As circunstâncias se complicam ainda mais porque pela primeira vez o governo amazonense armou um grupo de caboclos capitaneados pelo advogado cearense e, provavelmente dono de seringal, José de Carvalho, que expulsa as autoridades bolivianas de Puerto Alonso.

 

A situação recrudesce quando a Bolívia assina um contrato de arrendamento do Território das Colônias com um sindicato de capitalistas estrangeiros - o Bolivian Syndicate, presidido pelo filho do então presidente dos Estados Unidos, Theodoro Roosevelt, o que na prática significava uma transferência de soberania, já que o Bolivian Syndicate assumia a plenitude do governo civil na região. Os interesses da elite amazonense foram então representados pelo preposto Luiz Galvez Rodrigues de Arias (6) para empreitada de destituir os bolivianos de Puerto Alonso.

 

A 14 de julho de 1899, data de comemoração do 110º aniversário da Revolução Francesa, nascia na localidade boliviana de Puerto Alonso o Estado Independente do Acre, organizado sob a forma republicana. Seu Presidente, Luiz Galvez, é recebido com efusão por trabalhadores e patrões, todos dispostos a lutar contra o que consideravam "uma intromissão da Bolívia". Muda o nome da localidade para Porto Acre; cria a Bandeira do novo Estado soberano; nomeia ministros; mobiliza uma valente milícia; baixa decretos importantes; envia despachos a todos os países da Europa e designa representantes diplomáticos. (http://www.ihp.org.br/docs/ia20031025.htm).

 

Mantendo sua posição, o governo brasileiro não reconheceu os direitos do estado independente por considerar o Acre território boliviano. Porém, o poder regional que emanava da autoridade de Manaus não aceitou a reviravolta e a restauração da soberania boliviana. O comando boliviano “atacou” a jusante do rio Acre , em Puerto Alonso (Porto Acre), enquanto que a resistência brasileira deu-se a seguir em Xapuri, no rio Acre a montante de Puerto Alonso, através da denominada Expedição Floriano Peixoto, grupo capitaneado pelo engenheiro gaúcho Orlando Correa Lopes e apoiado pelo governador do estado do Amazonas – Silvério Nery. A “expedição” era integrada por jornalistas, advogados, políticos, literatos e homens de sociedade, ou seja ,os representados da sociedade faustosa que a economia caucheira recém construíra nas cidades de Manaus e Belém . Eivada de movimento revolucionário pela independência do Acre, na verdade pretendia a restituição do território recém restaurado pela Bolívia para o estado do Amazonas.(7)

 

O fracasso da empreitada redundou na organização local de resistência pela posse das terras no vale do rio Acre.

 

Um ex-integrante da Revolução Federalista gaúcha e naquele momento agrimensor a serviço do seringal Vitória, José Plácido de Castro (8), capitaneou a reação brasileira contando com o apoio do governo amazonense e dos segmentos sociais detentores do esquema da comercialização da borracha, do apoio dos seringalistas locais crentes na transformação daquelas terras em suas propriedades e dos trabalhadores cujas dívidas foram anistiadas pelas casas aviadoras de Manaus e Belém. A ação de Plácido de Castro se inicia em Xapuri, onde prendeu as autoridades bolivianas. Depois de combates esparsos e bem sucedidos, Plácido de Castro assediou Puerto Alonso, logrando a capitulação final das forças bolivianas (fevereiro de 1903) e desarticulando a ação local do Bolivian Syndicate, que apesar de forças policiais e frota armada teve de ceder ante a entrada da diplomacia dos dois países, principalmente da brasileira instada pela repercussão da revolta na opinião pública nacional. Ainda assim, representantes dessa companhia chegaram à vila de Antimari (rio Acre), abaixo de Puerto Alonso, mas desistiram da missão porque os revolucionários dominavam todo o rio, já faltando pouco para o fim da resistência boliviana.


Aclamado governador do Estado Independente do Acre, Plácido de Castro organizou um governo em Puerto Alonso. Daí por diante a questão passou à esfera diplomática. O barão do Rio Branco assumira o Ministério do Exterior e seu primeiro ato foi afastar o Bolivian Syndicate. Os banqueiros responsáveis pelo negócio aceitaram em Nova York a proposta do Brasil: dez mil libras esterlinas como preço da desistência do contrato (fevereiro de 1903). Subseqüentemente, Rio Branco ajustou com a Bolívia um modus vivendi que previa a ocupação militar do território, até o paralelo de 10° 20', por destacamentos do exército brasileiro, na zona que se designou como Acre Setentrional. Do paralelo 10º 20’ para o sul -- o Acre Meridional -- subsistiu a governança de Plácido de Castro, sediada em Xapuri.


A 17 de novembro de 1903, Rio Branco e o plenipotenciário Assis Brasil assinaram com os representantes da Bolívia o Tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil adquiriu o Acre por compra (dois milhões de libras esterlinas, ou 36.268 contos e 870 mil-réis em moeda e câmbio da época), e por troca de territórios (pequenas áreas no Amazonas e no Mato Grosso). Em conseqüência, dissolveu-se o Estado Independente, passando o Acre Meridional e o Acre Setentrional a constituírem o Território Brasileiro do Acre, organizado, segundo os termos da lei 1.181, de 25 de fevereiro de 1904, e do decreto 5.188, de 7 de abril de 1904, em três departamentos administrativos: o do Alto Acre, o do Alto Purus e o do Alto Juruá, chefiados por prefeitos da livre escolha e nomeação do presidente da república.

 

Segundo Craveiro da Costa (1940) surgiram divergências entre Plácido de Castro e os agentes do governo federal. Com a intervenção militar logo após a criação do Território do Acre, Plácido de Castro fora relegado a segundo plano. Os conflitos estavam ligados diretamente à forma como os militares passou a utilizar-se, amplamente, da máquina administrativa do território e contra a qual Plácido de Castro passou a fiscalizar atentamente. Imediatamente, é considerado pelo poder instituído com o persona conspiradora e insurreta. Esta situação levaria a sua morte, em 1908, numa situação de emboscada, conseqüência das disputas locais pelo poder político, pela posse da terra e pelo controle tributário da produção.

 

Enquanto isto, ao norte, o domínio do Alto Juruá, não estava assegurado, pois faltava o acordo de limites com o Peru que seria firmado em 1909, o que significa que o processo de incorporação do Acre ao Estado brasileiro só se completaria com as negociações entre Peru e Brasil sobre o Alto Juruá. Para Craveiro da Costa (idem) com a compra e anexação do Acre – o Brasil comprara uma questão sem o menor proveito entre a Bolívia e o Peru.

 

No entanto, o governo central tratou no Acre Meridional de garantir a administração do território, quando em 25 de setembro de 1904 fundou Sena Madureira, através da expedição do General Siqueira de Menezes, logo assumida como capital do departamento do Alto Purus e, posteriormente, como capital do Acre.

 

Sena Madureira e Cruzeiro do Sul e a presença do Estado nos vales acreanos

 

O governo brasileiro decidiu incorporar o Acre como território federal estabelecendo estrutura política-administrativa organizada pela Lei 1181, de 25 de fevereiro de 1904, dividindo-o em 3 departamentos e apenas 1 comarca. Os destacamentos militares ali fixados além da tarefa de defesa foram encarregados da administração política. O General Siqueira de Menezes, combatente em Canudos e destacado para enfrentar os peruanos no Purus, ficou encarregado da escolha do sítio da futura cidade de Sena Madureira; o Coronel do Exército Nacional Gregório Taumaturgo de Oliveira, tornou-se o primeiro prefeito nomeado da cidade de Cruzeiro do Sul, e o General Olímpio da Silveira foi nomeado comandante do XV Batalhão de Infantaria e responsável pelo governo militar do Acre Setentrional.

 

Inicialmente, houve preocupação em fortalecer as localidades estratégicas na geografia local, levando-se em consideração a organização da produção, o porto e consequentemente sua posição em relação ao regime hidrográfico e a vigilância sobre as terras recém incorporadas ou a serem incorporadas ao território nacional. A administração militar esteve incumbida de agir sobre 3 departamentos: o Alto Acre, o Alto Purus e o Alto Juruá.

 

 

Na ocasião, o governo da cidade de Lima alegando validez de títulos coloniais, reivindicava todo o território do Acre e mais uma extensa área do estado do Amazonas. Delegações administrativas e militares desse país tentaram se estabelecer no Alto Purus (1900, 1901 e 1903) e no Alto Juruá (1898 e 1902), mas foram obrigadas a abandonar a região em setembro de 1903.  O Barão do Rio Branco, para evitar novos conflitos, sugeriu um modus vivendi para a neutralização de áreas no Alto Purus e no Alto Juruá, através de uma administração conjunta a partir de julho de 1904. Isso não impediu um conflito armado entre peruanos e um destacamento do exército brasileiro em serviço no recém-criado departamento do Alto Juruá. A luta findou com a retirada dos caucheiros e das forças peruanas. Como resultante, criou-se por determinação federal a vila e futura cidade de Cruzeiro do Sul. Entre Sena Madureira e Cruzeiro do Sul o governo optou por localizar a capital do Acre na região do vale do Purus, pois atendia melhor as necessidades de investimentos na área com maior volume de produção, recém pacificada e de fato já incorporada oficialmente pelo Tratado de Petrópolis. Enquanto Siqueira de Menezes “fundava” Sena Madureira, reforçava-se a presença militar no Alto Juruá centralizada na vila de Cruzeiro do Sul, com a criação de um Batalhão de Fronteira do Exército.

 

A localização das principais cidades acreanas de então revela a historicidade da geografia política dos vales em relação a variação das linhas geodésicas; isto por que : Essa colocação obedeceu a dois imperativos: geográfico e político: Tivesse aquela linha sido jogada mais ao norte e essas cidades estariam deslocadas na direção dos baixos rios . O motivo político sobrepõe-se à necessidade natural, mas esta se vinga separando os aglomerados humanos, até que o homem os anule por meio de estradas de penetração. (Moura & Wanderley, 1938:10)

 

Isto revela que estas cidades assumiram, assim como Porto Acre (Puerto Alonso), Tarauacá (Vila Seabra) e Feijó uma posição de localidade fronteiriça, mas com a incorporação do Acre perdem evidentemente esta posição, ou seja, deixam de ser cidades sobre a antiga linha fronteiriça para inserirem-se numa situação de cidades da zona de fronteira, após a delimitação do território do Acre.

 

É preciso também considerar o fato da posição da região dentro da rede urbana, organizada em função da atividade extrativa, onde os centros comerciais e atacadistas direcionavam os diferentes fluxos para as posições de centralidade regional, no caso Belém e Manaus, então, as maiores e mais importantes cidades da Amazônia sul-americana. Havia portanto uma tensão entre a pressão do limite internacional e a direção imposta pela lógica comercial e hierárquica da rede urbana. Assim, os núcleos que deram origem as cidades localizaram-se e organizaram-se em função da lógica da atividade extrativa gomífera. Os sítios privilegiados estavam nas confluências de rios, como no caso de Sena Madureira, situada nas proximidades da confluência do rio Iaco com o rio Acre ou, também, os meandros - que permitiram uma maior disponibilidade de área portuária, bem como do adensamento da área ocupada. Tal situação permitiu a convergência da circulação dos fluxos da extração da goma e da localização da primeira etapa de comercialização, onde o sistema de aviamento instalou as feitorias comerciais para estocar a borracha extraída, ao mesmo tempo em que permitiu o fornecimento aos seringueiros dos víveres e dos instrumentos de trabalho. Formou-se assim uma ligação com o Barracão, sede administrativa e comercial do seringal e também lugar da vigilância do seringalista, da circulação de riqueza e da sociabilidade. Segundo Boff (1994), no barracão são celebradas festas de caráter social e religioso em fins de ano e no mês de junho, assim como cerimonias de batizado e de casamento. É claro que a confluência é, também, local ideal para os postos de fiscalização e a cobrança de impostos.

 

O crescimento das vilas e cidades após a anexação do Acre instaura sobre o espaço mecanismos para realização das razões geopolíticas e econômicas do poder do Estado em termos de tributação, aproveitando-se da infra-estrutura preexistente da empresa seringalista amazônica. A criação de Sena Madureira e sua transformação em capital do território do Acre revelam a junção dos interesses de Estado com a iniciativa privada frente a uma situação de limite internacional e borda fronteiriça, na exata medida que interessava ao Estado federal fiscalizar os fluxos de fronteira, tributar a produção e garantir a soberania territorial.

 

Em 1908, pouco antes de tornar-se cidade e capital do Acre, é instalado em Sena Madureira o Tribunal de Apelação e a sede da justiça federal no território.  Segundo Boff (1990), no auge da valorização da borracha havia na cidade dezenas de casas comerciais, serviços de atendimento à grande parte das necessidades básicas da população e pelas casas que empreendiam inúmeras iniciativas de compra e venda de produtos dos mais variados, desde os regionais até os importados e de artigos de luxo. A cidade contava com jornais (ex. O Alto Purus e O Jornal), hospital de caridade, iluminação elétrica, telégrafo, um sistema de bondes puxados a burro, ruas bem traçadas com valas de drenagem, um teatro (Cecy) e dois cinemas. Os anos 1912-14 representaram o auge da cidade, quando Sena Madureira funcionou como a verdadeira capital do Acre, sendo a sede de inúmeros órgãos públicos como: a Justiça Federal, a Administração dos Correios, a Delegacia Fiscal, o Tesouro Nacional, a Comissão de Defesa da Borracha, a Estação Geral do Telégrafo, a Delegacia do Ministro da Agricultura, a Comissão de Limites Brasil- Peru, e um Vice- Consulado de Portugal.

 

A economia local baseava-se na borracha e na castanha o que garantia grandes safras anuais dos dois produtos. Este fator atraiu estrangeiros – peruanos, bolivianos, portugueses, judeus, sírios, libaneses e armênios; ricos comerciantes da Amazônia e do Nordeste, coronéis aventureiros em busca de riquezas na região. O movimento migratório proveniente do Nordeste brasileiro vendia sua mão de obra para três categorias de interessados – os estrangeiros, os comerciantes e os coronéis. (Cf. Boff,1990)

 

A debacle econômica e a atitude centralizadora da administração federal sobre o controle do território transferiu a capital de Sena Madureira para Rio Branco, em 1920. A efemeridade da vida urbana de Sena Madureira, causada pela falência das casas aviadoras com a desvalorização da borracha, anunciou um longo período de despovoamento do Alto Purus.

 

Na verdade, sequer o auge da riqueza das exportações foi capaz de sanar uma série de mandos e desmandos do governo federal em relação a administração do território acreano. Dentre os principais problemas estava a falta de comunicação entre os vales do rios Purus e Juruá, outro dizia respeito aos cargos federais empossados no Acre, fossem militares ou representantes do judiciário, que via de regra não tinham nenhum comprometimento com a região e sua presença em território acreano era sempre passageira. Ademais, a riqueza que saía da região não retornava na forma de verbas, investimentos ou infra-estrutura. Porém, o que mais afetava a vida administrativa eram as constantes mudanças na divisão territorial e a inadequação nas medidas de organização interna do Acre.  Um projeto de 1908 do senador da república Francisco Sá propunha a extinção das prefeituras e estabelecia para o território um só governo. Para outros a realidade acreana demonstrava o contrário. E era preciso não viver no Acre para desconhecer a impraticabilidade dessa união administrativa, pois a União não procurara unir os diferentes municípios, ligá-los por meio de estradas, por um regime de navegação interna que o tirasse da dependência de Manaus, ainda hoje o centro de convergência e irradiação de comunicações com o território. (Costa, 1940:189)

 

Segundo Castelo Branco (1930), a penetração do alto Juruá até a região de seus formadores acontece a partir de 1880, quando frentes de brasileiros nordestinos se fixaram na foz do rio Liberdade, ao mesmo tempo em que se intensificam choques com indígenas e destes com peruanos. A partir de 1897 com o declínio da produção do látex de terra firme no alto rio Javari os peruanos se deslocam em direção aos rios Jutaí e Juruá. O Barão do Rio Branco admite essa invasão no correr de 1896, ano em que, segundo um dos desbravadores do alto Juruá, o peruano Vicente Mayna fundou um arraial no local em que atualmente se encontra Porto Valter, não com o fim de negociar e tão somente de explorar os cauchais vizinhos.(Castelo Brancodata:137) Porto Valter quando sob o domínio dos peruanos denominou-se Puerto Alberto e Vila de Iucatan, até que em 1905 decreto do prefeito brasileiro, coronel Taumaturgo de Oliveira, consignou o lugarejo como sede da segunda circunscrição de paz sob a prefeitura de Cruzeiro do Sul. Até o tratado com o Peru, coube ao governo brasileiro reforçar sua presença militar e administrativa no departamento do Alto Juruá, tendo como sua sede a cidade de Cruzeiro do Sul.

 

Fortalecida e assegurada a soberania do Brasil na região, a vida econômica segue no ritmo das exportações do látex, até que a pequena classe média de Cruzeiro do Sul, face ao isolamento e a precariedade da região inicia um enfrentamento com o governo central, do qual redundaria uma rebelião autonomista com importante participação do governo do Amazonas.

 

Com a vida administrativa, judiciária e política concentrada entre Sena Madureira e a próspera cidade de Rio Branco, o alto Juruá ficou numa situação de isolamento tal que eclode em 1910 a Revolta Autonomista do Acre, cujo pólo de organização se deu na cidade de Cruzeiro do Sul. Antes de sua fundação, em 28 de setembro de 1904, Cruzeiro do Sul era um pequeno povoado chamado de “Centro Brasileiro”. Na sua fundação, Cruzeiro do Sul foi elevada à categoria de vila. Em 31 de maio de 1906 foi considerada cidade, e a 23 de outubro de 1912 passou a ser a sede do município do Juruá (atual município de Cruzeiro do Sul). A cidade foi assentada entre o rio Juruá e pequenos igarapés, afluentes do mesmo rio que correm pelo meio da cidade. Durante muitos anos foi o ponto final das principais linhas de navegação que adentravam pelo vale do rio Juruá. Uma viagem de Cruzeiro do Sul a Manaus durava de 20 a 25 dias, o que sem dúvida dava uma conotação de epopéia aqueles que se deslocavam no sentido contrário.

 

Na época a região do Alto Juruá estava sobre os procedimentos do tratado de 1909 entre Brasil e Peru, que definiam seus limites e tentavam estabelecer, por conseqüência, ordem sobre as incursões e pretensões de peruanos nas áreas indivisas dos rio Breu e Amônea, onde havia relatos e ocorrências de conflitos envolvendo caucheiros de ambas as nacionalidades e indígenas. Em meio ao descaso administrativo, a livre ocupação e circulação propiciada pela atividade extrativa e a falta de investimentos e infra-estrutura territorial, principalmente nas localidades, os principais representantes da elite urbana que recém migrara para o Alto Juruá propõem a autonomia do território acreano e sua filiação à União como membro federado. A Junta Governativa reunida em 1 de junho de 1910 deliberou: respeitar a propriedade e demais direitos adquiridos nas formas das leis vigentes no país, manter a ordem pública no Departamento, manter todos os serviços públicos existentes, impedir a saída da borracha do Departamento para que o governo federal não continue a arrecadar o “extorsivo” imposto que onerava a produção. A posição de proibir a exportação de borracha gerou imediata reação das casas aviadoras de Belém e Manaus. A política adotada foi a de manobrar no sentido de cooptar elementos de dentro do movimento, com o qual, em parte, os interesses das elites econômicas na região concordavam e, principalmente, retomar o ciclo comercial da borracha.

 

Houve, ainda, uma proposta do Presidente Nilo Peçanha de instaurar no território apenas duas prefeituras: uma com sede em Rio Branco, com a alegação de ali o Acre ser mais comercial, rico e populoso; e outra, em Cruzeiro do Sul. Ambas com uma estrutura administrativa e fiscal semelhantes ao Distrito Federal (cidade-município do Rio de Janeiro), exceto quanto aos impostos municipais, pois seriam cobrados apenas os direitos de exportação sobre a borracha, reduzidos, porém, a 15% sendo 30% para a União e 70% para as duas prefeituras, na proporção de suas exportações. Houve da parte dos autonomistas uma aceitação inicial da sede do governo manter-se em Sena Madureira. Esta posição visava conquistar a adesão e a solidariedade do Alto Purus a causa autonomista.

 

O que se expressou do ponto de vista geográfico foi o reconhecimento de duas realidades distintas, isto é, de duas regiões diretamente conectadas ao centro mercantil mais próximo e importante – a cidade de Manaus. Cada região através de uma bacia hidrográfica, independentes entre si, mas tributárias do rio Solimões e que se assemelhavam em termos da história de ocupação, mas que se diferenciavam se analisadas as origens das frentes de trabalho, do circuito comercial da produção e da troca de serviços em que cada uma estava localizada: a bacia do Juruá e a bacia do Purus-Acre.

 

Em 1910, a borracha alcançou no mercado internacional a maior cifra, tendo o Brasil exportado o equivalente a 50% da produção mundial. No mesmo ano, em Cruzeiro do Sul, a primeira revolta autonomista depôs o Prefeito Departamental do Alto Juruá, proclamando a criação do Estado do Acre. Cem dias depois, tropas federais atacaram os revoltosos e restabeleceram a “ordem” e a tutela. Sena Madureira, em 1912, e Rio Branco, em 1918, também conheceram revoltas autonomistas que foram igualmente sufocadas pelo governo brasileiro.(9)

 

 

A crise da borracha, a centralização da administração territorial e a mudança da capital para Rio Branco

 

A queda do preço da borracha veio acompanhando as crises políticas no Acre. Em 1920 uma nova organização territorial centraliza a administração: são extintos os departamentos e a administração territorial fica sob um único governo, quando Rio Branco passa a capital, sendo mantidos os 5 municípios: Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Tarauacá e Cruzeiro do Sul.

 

As origens de Rio Branco, atualmente, a mais populosa cidade do Acre (com mais da metade da população do Estado), estão ligadas à fundação do seringal denominado Empresa, em 28 de dezembro de 1882, pelo seringalista cearense Neutel de Maia. A localidade cresceu às margens direita do rio. Em 1904, elevou-se à categoria de vila, ao tornar-se sede do departamento do Alto Acre.  Em 1909, o governador Gabino Besouro, coronel da arma de Engenharia, toma medidas com o intuito de reordenação do uso do solo e expansão da área urbanizada. Pelas resoluções 9 e 10 de 13 de junho de 1909, foram estabelecidas as normas para a construção e urbanização do margem esquerda do rio e a permissão de loteamento e aforamento na parte antiga da aglomeração, que era considerada pelo governador como sede provisória da cidade (Cf. Guerra, 1955). Besouro se apossou das terras do seringal Empresa na margem esquerda, o que motivou uma demanda contra a União com ganho de causa para os demandantes, Com isto iniciou-se a urbanização da área e “inaugurou-se” a nova sede com o nome de Penápolis, em homenagem ao então presidente Afonso Pena. Em 1912 recebeu definitivamente a denominação de Rio Branco em homenagem ao chanceler brasileiro Barão do Rio Branco, tornando-se município no ano de 1913 e, em 1920, capital do governo do Acre. Em 1962, é elevada à posição de capital do estado. Cortada pelo rio Acre, que divide a cidade em duas partes – 1° e 2° distritos – Rio Branco é hoje o centro administrativo, econômico e cultural da região.

 

 A cidade cresceu entre duas curvas do rio Acre, denominadas, na parte de cima, Volta da Empresa, e na de baixo, Igarapé da Judia.. Empresa foi o lugar onde as tropas de Plácido de Castro enfrentaram os bolivianos, estando seu nome ligado ao núcleo inicial constituído em área do seringal Empresa. Conforme citado, Penápolis surge por decisão oficial de transladar a sede para a outra margem do rio, a partir de novos loteamentos e implantação de obras e infra-estrutura, tornando-se pouco a pouco a cidade moderna e oficial da nova capital do Acre. Na antiga sede localizavam-se os correios, o comércio, as casa de diversão, os hotéis e as pequenas fábricas e sua população à época era maior do que a de Penápolis. Atualmente 1° e 2° distritos do município, Rio Branco e Empresa têm em comum uma histórica rivalidade, tendo atingido um dos momentos de auge nas revoltas autonomistas acreanas, quando Penápolis encabeçou um movimento sem contar com a solidariedade de Empresa.

 

A afirmação de Rio Branco como capital do Acre rendeu-lhe investimentos e promoções urbanas. (Cf. Costa, 1940). Já no final dos anos 20 contava a cidade com um quartel de polícia, mercado municipal e o palácio de governo, além da criação da agência do Banco do Brasil, o estádio do Rio Branco Football Club, a Inspetoria Agrícola Federal, o Instituto Histórico e Geográfico do Acre, O Tribunal de Apelação (transferido de Cruzeiro do Sul e Sena Madureira) , o Juízo Federal, a Santa Casa de Misericórdia, o Hospital dos Tuberculosos, a Estação Climatológica, o Aprendizado Agrícola, a Mesa das Rendas Federais, a Capitania dos Portos, grupos escolares e escolas isoladas. O governo de Hugo Ribeiro Carneiro (1927-30) foi marcado pelo esforço de fazer de Rio Branco uma vitrine que deveria figurar no contexto nacional. Segundo Bezerra (2005), Rio Branco na sua época foi a cidade espetáculo que procurava exprimir à população o "esplendor da civilidade". Civismo e desporto como espetáculos de dominação e controle ideológico se constituíram os seus mecanismos de invenção da cidade no Acre. No seu imaginário, a terra heróica merecia um povo enobrecido pelas virtudes cívicas e o vigor físico. (Idem)

 

O momento é imediato à instalação da queda nas exportações de borracha. A crise da borracha redesenha os fluxos econômicos na região, incentivando o intercâmbio comercial inter-regional face à falência das grandes casas aviadoras de Belém e Manaus, agora na mão de comerciantes sírio-libaneses. O contexto de crise econômica, o despovoamento dos vales e a nova centralidade administrativa, já que a verba de todos os municípios foram alocadas na capital, reforçaram a posição de Rio Branco como centro urbano mais importante do vale do rio Purus e de todo o Acre. Do ponto de vista da dinâmica da vida econômica, social e regional, a centralização administrativa em Rio Branco não solucionou a problemática do isolamento entre a capital e o seus municípios e tampouco torná-la o centro do mercado gomífero. As operações comerciais, os depósitos bancários, as ordens de pagamento do funcionalismo público, a educação secundária, os melhores recursos médicos-hospitalares ainda eram sediados em Manaus e Belém. Por outro lado, a crise econômica estabelece uma relação mais direta entre a cidade e sua área de influência imediata, representada pela organização dos seringais, o que veio a reforçar o mercado atacadista da cidade. A criação de toda a infra-estrutura necessária para o funcionamento do governo somente foi completada no Governo de Guiomard Santos (1946-1950). Em 1957, em projeto apresentado pelo então deputado José Guiomard dos Santos, o Território seria elevado à categoria de Estado, o que resultou na Lei n.º. 4.070, de 15 de junho de 1962, sancionada pelo então Presidente da República, João Goulart.

 

 Rio Branco, quando alçada a condição de capital do governo acreano, e assim ser mantida, conforme resume e ilustra a combinação dos principais elementos de ordenação espacial presentes na história das cidades no Acre: o sítio, o seringal, o porto, a posição na rede hidrográfica e urbana e, fundamentalmente, a organização centralizadora do Estado nacional

 

Considerações Finais

 

As frentes de trabalho que se direcionaram para os altos vales dos rios Acre, Purus e Juruá em função da extração da borracha e do alto preço alcançado pelo látex no mercado exterior, ocuparam terras ainda não demarcadas e delimitadas entre Brasil, Bolívia e Peru. Inicialmente, a organização do trabalho redundou em formas espaciais necessárias a realização do extrativismo vegetal, ocupando as várzeas e se interiorizando pela terra firme. Os lugares que deram origem aos primeiros núcleos de povoamento estavam, portanto, ligados à combinação de elementos na divisão de trabalho da exploração gomífera. A maioria dos trabalhadores viviam no centro da mata recolhendo o látex, mas havia pontos de reunião do trabalhador e do patrão normalmente conhecido como “barracão” e instalações ligadas ao armazenamento de víveres, ferramentas, mercadorias e látex. A disputa entre bolivianos e brasileiros trouxe como conseqüência a necessidade de instalação do aparato coercitivo, através da administração civil, militar e fiscal. Porto Acre, Xapuri e Porto Valter exemplificam a importância do núcleo de povoamento e produção neste momento. Quando negociado o Tratado de Limites foi necessário ao Estado brasileiro legislar sobre a gestão do território e apetrechar as recentes vilas e povoados para o exercício da administração e fiscalização federal na região. A partir de presença do Estado federal passa a existir uma superposição de poderes e funções sobre tais lugares e, consequentemente, na medida em que a valorização da borracha impulsionasse a produção, fez-se necessário a oficialização de cidades no Acre. A sucessão de domínios, ora brasileiro, ora boliviano, ora peruano, incrementou sobremaneira o mercado de terras, porque a cada sucessão de domínio sucediam-se redivisões nas propriedades e posses dos seringais. Esses processos estão presentes na história das localidades acreanas, sobretudo, em Sena Madureira, Rio Branco, Xapuri e Cruzeiro do Sul.

 

A organização econômica, política e fiscal atreladas à geografia local vão desenhar uma rede de localidades nos vales e confluências de rios. As condições geomorfológicas nos interflúvios responsabilizou-se pelo isolamento entre os vales dos rios Purus e Juruá e a postura centralizadora do Estado geraram situações de enfrentamento entre o poder central e o poder regional-local, quando novamente as cidades serão os lugares onde se darão as disputas, agora não mais internacionais, mas regionalistas-autonomistas em prol da captura da renda e dos lucros da exportação da borracha.

 

A constituição de fato de uma rede urbana acreana, por sua vez, desafia ainda hoje a gestão do território. As novas formas de uso da terra re-articulam o espaço interno e aportam novas funções para a rede urbana. Politicamente, entende-se que a combinação da malha viária rodoviária e hidroviária atende à nova dinâmica econômica e a necessidade de neutralizar as tensões regionalistas nas duas principais bacias hidrográficas que ocupam a maior parte do território acreano.

 

 

Notas

 

1-       O termo capital será aqui empregado como lugar elegido pelo poder para sediar a administração do território, podendo, portanto, remeter à sede provincial, departamental, municipal e/ou da unidade da federação (capital do território). No caso específico do Acre, a localidade sede ou capital, assume uma função geoestratégica para afirmação da soberania do Estado sobre a área.

 

2-       Segundo Reis (2001) o governo boliviano transferiu plenos poderes ao Bolivian Syndicate , que operava como uma espécie de “chartered company” – companhias licenciadas de capital aberto, nos moldes das empresas colonialistas na África. A empresa possuía bandeira própria, força armada, frota mercante e de guerra. Economicamente seu objetivo era tributar, explorar e valorizar a produção de borracha.

 

3-       Planta nativa, a seringueira escondia-se no emaranhado de outras árvores, igualmente nativas, obrigando o homem que saía no encalço da borracha a construir um verdadeiro labirinto, com trilhas em ziguezague na selva. Do seringal surgiu a figura humana do seringueiro, associado à planta para explorá-la. Seringueiro-patrão, beneficiário do crédito da casa aviadora, e seringueiro-extrator, aviado, por sua vez, do patrão. Um morando no barracão, sempre localizado à beira do rio, com aparências de domínio patriarcal, outro, na barraca, de construção tosca, no meio da selva. (De 1920 em diante usa-se o neologismo seringalista para designar o patrão.) Em: http://turismobrasil.vilabol.uol.com.br/Acre.htm. Acessado em 11 de janeiro de 2005.


4 – Por este tratado ficou previsto a construção de uma ferrovia da Bolívia ao rio Madeira para escoamento da prata e do látex bolivianos. Quando do Tratado de Petrópolis, em 1903, o Brasil se comprometeu a construir a ferrovia. O magnata americano Percival Farquhar obtém a concessão do governo brasileiro para construir a ferrovia. Sua construção é uma verdadeira epopéia para vencer as dificuldades geográficas, as intempéries e um contingente de trabalhadores das mais diversas nacionalidades foi arregimentado pela concessionária. É contratada a empreiteira americana May, Jekyll & Randolph para concluir a obra. Em 1 de agosto de 1912, já no início da crise da borracha, a Madeira­Mamoré foi inaugurada, com 366 quilômetros de extensão ligando Porto Velho a Guajará-Mirim.

 

5 – O governo andino não via com bons olhos aquela arribada crescente dos brasileiros. Para os bolivianos, a situação praticamente repetia o que ocorrera na década de 1870 com a penetração de trabalhadores chilenos na área do Atacama atrás do salitre, fato gerador da Guerra do Pacífico (1879-1883), cuja conseqüência: a Bolívia, derrotada, perdeu a sua saída para o oceano Pacífico e seu isolamento e dependência em relação aos portos marítimos.

 

6 – Galvez era ex-secretário da Legação da Espanha junto aos governos da Sérvia e da Itália. Ocupando na ocasião um cargo no consulado boliviano, demitiu-se do mesmo e procurou demonstrar ao Governador do Amazonas, Ramalho Júnior, as graves conseqüências que, do ponto de vista fiscal, a perda da região acreana representava. Com a ajuda militar e financeira obtida junto a Ramalho Júnior, fundou, no interior da selva, a 14 de julho de 1899, o Estado independente do Acre, de efêmera duração, já que ele acabou sendo preso pelos próprios companheiros e recambiado para Manaus.

 

7 - O governo boliviano reassumiu o controle do Acre ocupando militarmente diversas localidades. O governo do Amazonas, com o firme objetivo de anexar o Acre ao seu estado, financiou uma expedição armada. Porém, a Expedição Floriano Peixoto, como era oficialmente chamada, foi composta por boêmios e profissionais liberais de Manaus, sem nenhuma experiência militar. O combate entre a Expedição dos Poetas – nome mais popular da iniciativa – e o exército boliviano aconteceu em 29 de dezembro de 1900, em Puerto Alonso, com a derrota dos poetas. Os boêmios voltaram corridos para Manaus. Em http://www.senado.gov.br/web/senador/tiaovian/acre/historia.htm acessado em 7 de março de 2005.

 

8 - Filho, neto e bisneto de militares, José Plácido de Castro quando cadete participa da Revolução Federalista, na qual combateu pelos maragatos - denominação dos participantes da Revolução Federalista de 1893 no Rio Grande do Sul - , tendo chegado ao posto de Major. Terminada a revolução, não aceitou a incorporação ao exército, preferindo tentar a fortuna, na Amazônia.

 

9 - Sena Madureira foi palco de um desses "movimentos autonomistas" quando, em 1912, depuseram o Prefeito nomeado, coronel Tristão de Araripe, incendiaram o prédio da Prefeitura e estabeleceram um "governo revolucionário" sob o poder de uma junta governativa, que proclamou o Departamento do Alto Purus como Estado independente, permanecendo nessa condição durante 31dias, de 7 de maio a 8 de junho de 1912. No mesmo período surge no sul do Brasil a Guerra do Contestado, que implicou na disputa de territórios em Santa Catarina e Paraná por força da exploração de madeira, gado e erva-mate. Área também cobiçada pelo Grupo Farquhar (Brazil Railway Company) que vai apropriando-se do maior número de terras possíveis. Farquhar cria também a Souther Brazil Lumber and Colonization Co., que tinha por objetivo extrair a madeira da região e depois comercializá-la no Brasil e no exterior. Além disso, a empresa ganha também o direito de revender os terrenos desapropriados às margens da estrada de ferro. Esses terrenos seriam vendidos preferencialmente aos imigrantes estrangeiros que formavam suas colônias no sul do Brasil.

 

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Ficha bibliográfica:

PIRES, M; DA NOBREGA, N. As capitais do acre: a cidade e os poderes. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (106). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-106.htm> [ISSN: 1138-9788]

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