Scripta Nova |
Maria Lucia
Pires Menezes
Universidade
Federal de Juiz de Fora
Nelson da
Nobrega Fernandes
Universidade
Federal Fluminense
As Capitais do Acre: a cidade e os poderes (Resumo)
No inicio do
século XX, o Acre era uma região disputada por empresas estrangeiras e seus
representantes, trabalhadores brasileiros, peruanos, bolivianos, indígenas.
Localizado no sudoeste da Amazônia e território pertencente à Bolívia, em 1903
foi anexado ao Brasil, após período de conflagração. Em 1904, o Estado
brasileiro para garantir sua soberania construiu a primeira capital, Sena
Madureira. A cidade de Xapuri, às margens do rio Acre, foi importante
localidade em meio à chamada Revolta do Acre, quando ocupou posição
privilegiada na resistência dos trabalhadores da borracha aos acordos
internacionais que outorgavam o território às empresas estrangeiras. Puerto
Alonso, atual Porto Acre foi ora localidade boliviana, ora brasileira. Cruzeiro
do Sul, foi local importante na chamada Revolta do Juruá, quando, em 1910,
diferentes segmentos sociais locais tentaram transformar o Acre de território
federal em estado da federação. Em 1920, pacificado e nacionalizado, o
Território do Acre transfere sua capital de Sena Madureira para Rio Branco, que
se tornara o ponto de convergência da economia da borracha na região. As
“capitais” do Acre revelam a importância da cidade como forma espacial
estratégica na geografia política e econômica que estrutura a organização do
espaço para o exercício da soberania.
Palavras chave: Acre,
Amazônia, Geografia Política, Geografia Urbana ,Cidades.
In the begining of the 20th century
Key words:
Região
conflagrada por empresas estrangeiras e seus representantes, trabalhadores
brasileiros, peruanos, bolivianos e indígenas, o estado do Acre, localizado no
sudoeste da Amazônia, foi anexado ao Brasil em 1903. Entorno de uma extensa
região, diversas localidades surgiram face ao lucro advindo das exportações de
látex. A partir de 1900 brasileiros e bolivianos vão disputar o
território utilizando-se dos pequenos povoados preexistentes e adjudicá-los
como base da fiscalização e tributação, do controle civil e da instalação de
cargos e instituições governamentais de afirmação do seu domínio. Inicialmente,
os bolivianos, em função de garantir a autoridade sobre a área, instituíram a
cobrança de impostos centralizados na fundação da cidade de Puerto Alonso, hoje
Porto Acre no Brasil. Tal medida gerou revolta dos brasileiros e iniciou uma
série de conflitos até a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro
de 1903, no qual o Brasil adquiriu – parte por compra, parte por troca de
pequenas áreas do Amazonas e do Mato Grosso – o território do atual Acre. Para
a administração do território foram instituídos três Departamentos autônomos
entre si - Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá -, controlados diretamente pelo
governo federal, a quem caberia a arrecadação dos impostos ali recolhidos.
Em 1904, é
criada por expedição militar a vila de Sena Madureira, futura cidade e capital
do Acre. A cidade de Xapuri, situada às margens do rio Acre, foi importante
localidade em meio à chamada Revolta do Acre, pois se organizou a resistência
dos trabalhadores da borracha frente aos interesses das empresas estrangeiras e
dos acordos internacionais. No vale do rio Juruá, em torno da localidade de
Cruzeiro do Sul, brasileiros e peruanos disputaram a posse da região das
seringas gerando novamente uma zona de conflito, diplomaticamente resolvida com
o tratado de limites entre Brasil e Peru, em 1909. Porém, a diplomacia entre
Estados não foi capaz de pacificar a região, já que havia latente o sentimento
de autonomia fiscal e territorial representado por aqueles que defendiam a
estadualização do Acre conjuminada, por sua vez, com os interesses do estado do
Amazonas que pleiteava a anexação da parte setentrional do Acre, mais
precisamente a bacia do alto rio Juruá. Tal situação conduziu Cruzeiro do Sul,
em
Coube ao governo federal
reorganizar o sistema político administrativo com o intuito de enfraquecer os
movimentos autonomistas e centralizar a administração territorial. Assim, em
1920, “pacificado e nacionalizado” o território do Acre transfere sua recém
capital de Sena Madureira para Rio Branco. Localizada no rio Acre, a jusante de
Xapuri, cresce e assume importante função na convergência da produção e
comercialização da borracha na região. A nova capital firmou-se politicamente
devido à posição geográfica importante para a economia acreana e ao novo
sistema administrativo centralizado, que extinguiu os departamentos do Alto
Acre, Alto Purus e Alto Juruá.
As “capitais” (1)
do Acre revelam a importância da cidade como forma espacial estratégica para a
geografia do poder. O Estado ao definir a existência de vilas e cidades agiu
num contexto de regulação dos conflitos e de apropriação de importante fração
da renda regional, ao mesmo tempo em que criou e se apropriou da
infra-estrutura territorial necessária à organização da produção. Tal processo
se faz sobre a base geográfica local, sendo, portanto, as vilas e cidades os
fixos que permitiram o efetivo domínio do território.
A exploração da borracha, a organização
territorial e a “Revolução Acreana”
No processo de
anexação do Acre o extrativismo do látex aconteceu a partir dos vales dos rios,
reproduzindo o padrão de ocupação que já se processava na Amazônia desde o
século XVII. O valor comercial do látex impulsionado por novas tecnologias
industriais foi o propulsor da interiorização das frentes de trabalhos na bacia
do rio Amazonas, especialmente, seus afluentes da margem direita, onde as
espécies gomíferas localizavam-se dispersamente e acompanhavam os principais
vales fluviais. O território que atualmente conforma o estado do Acre
corresponde às terras banhadas pelos rios das bacias do alto Purus e do alto
Juruá. A partir de 1870 intensificou-se a ocupação na região sudoeste da
província do Amazonas. Os seringais multiplicavam-se pelos vales do Acre, do
Purus e, mais a oeste, do Tarauacá: em um ano (1873-1874), na bacia do Purus, a
população subiu de cerca de mil para quatro mil habitantes. Nas décadas
seguintes seguiram acorrendo frentes de trabalhadores oriundos de Bolívia,
Brasil e Peru. Ao longo deste tempo a forma de ocupação obedeceu à organização
do trabalho para a extração do látex. Houve, portanto, neste momento a
justaposição de três movimentos sobre o espaço: a organização social do
trabalho da extração da goma; os tratados e a demarcação de limites entre Brasil,
Bolívia e Peru; e as lutas pela captura de renda sobre a produção do látex
entre diversos agentes estatais e privados.
Da parte do
Brasil, destacou-se a pressão por parte dos atacadistas de Belém e,
principalmente, de Manaus, que num dado momento passaram a reivindicar a
inclusão das terras do Alto Juruá como parte do estado do Amazonas. Havia ainda
na região os interesses do Bolivian Syndicate, associado a U.S. Rubber Co., que entre outras vantagens obteve do governo
boliviano o direito de comprar toda a produção da borracha, atraindo para
dentro do Acre o poder dos Estados Unidos que, em última instância, assumiriam,
ainda que indiretamente, a proteção dos interesses de empresas estrangeiras.
Inicia-se um processo que demandou o esforço dos países envolvidos sobre o
quadro diplomático e político disposto onde, potencialmente, qualquer desavença
entre os brasileiros e os interesses do Bolivian
Syndicate, oporia o Brasil aos Estados Unidos.(2)
Conforme
supracitado, o Acre constituiu-se da junção de terras de duas bacias
hidrográficas, formando duas redes de extração e comercialização de goma
separadas, mas subordinadas às casas aviadoras de Manaus e Belém. O território
drenado pelo rio Purus, então conhecido como Acre Meridional, envolvia áreas
reclamadas por Peru e Bolívia. O Acre Setentrional adentrava território peruano
através do Vale do Juruá. Ao longo da última metade do século XIX, o Acre foi
sendo paulatinamente povoado por frentes de trabalhadores, patrões,
comerciantes, mascates e aventureiros, aos quais se somavam os indígenas. O
comércio e a exportação da goma elástica (3) organizou o trabalho na
forma do que designamos como sistema de
barracão, na verdade um sistema de aviamento caracterizado como ...uma relação de intermediação mercantil-usuária
que consiste basicamente na troca da borracha, produzida por uma infinidade de
seringueiros espalhados disseminadamente na mata, por suprimentos de meios de
subsistência fornecidos por estratificada cadeia intermediadora dos aviadores, num
processo que organiza numa relação espacial por todo o vale, seringueiros,
seringalista e burgueses mercantil-usuários. ( Moreira,1990:48)
Na região
confinante e interior da Floresta Amazônica, a acessibilidade era permitida
apenas pela navegação fluvial e a ordem reinante era da máxima exploração e do
máximo lucro. As disputas e a cobiça sobre a região irão ascender a partir de
1867, quando do tratado de limites entre Bolívia e Brasil – Tratado de
Ayacucho, tomado como marco expresso da necessidade da diplomacia assumir e
definir os limite territoriais entre os dois países. Por este tratado, (4)
estabeleceu-se por primeira vez a fronteira Brasil-Bolívia. No entanto, essa
demarcação foi contestada porque não precisava os pontos geodésicos, tampouco a
extensão da linha demarcatória. O tratado estabelecia, por exemplo, que se
plotasse uma linha estabelecendo, inclusive, a latitude de dez graus e vinte
minutos, partindo da foz do rio Beni, até encontrar as nascentes do rio Javari.
No entanto, geodesicamente, não se sabia sequer a localização de suas
nascentes. A foz do rio Javari fora tomado como referência desde 1752 para
consolidar a fronteira. Para tanto o governo português ordenou que os jesuítas
fundassem uma missão no Japurá e outra no Javari. Só a última foi construída,
com o nome de São Francisco do Javari.
A penetração de
brasileiros em busca da exploração de espécies gomíferas de fato fixaram estes
na área além dos limites previstos pelo Tratado de Ayacucho. Surgem conflitos
entre brasileiros e bolivianos até a assinatura de novo tratado – o de
Petrópolis, firmado entre Brasil e Bolívia em 1903 e que anexou o Acre ao
Brasil.
Até então, no
Acre Meridional localizava-se a zona de maior conflito, em decorrência da
chegada de trabalhadores(5). Pelo curso dos formadores dos rios
Madeira e Purus vieram rio-abaixo frentes de expansão provenientes da Bolívia,
e de rio-acima, as frentes oriundas da Amazônia brasileira. Pelos rios Abunã, Madre de Dios, Beni e
Mamoré, os bolivianos afluíam em direção ao rio principal, o Madeira, em área
do atual estado de Rondônia, e pelos rios Acre e Iaco em direção ao rio Purus.
Conforme já assinalado, pelo tratado de
A disputa do Acre Meridional constituiu-se de uma série de
entreveros envolvendo os seguintes elementos e respectivos interesses: pelo
lado boliviano governo, comerciantes e empresas; pelo lado brasileiro,
seringalistas, comerciantes e seringueiros. Num primeiro momento do processo de
demarcação da fronteira Brasil- Bolívia, conforme previsto pelo Tratado de
Ayacucho, houve omissão do governo brasileiro em reconhecer a avaliação do
chefe da Comissão Demarcatória de Limites, o Cel. Thaumaturgo de Azevedo, que
considerava a presença de brasileiros e suas pretensões na região,
especialmente por parte do governo do Amazonas associado aos interesses das
grandes casas aviadoras de Manaus. A situação evolui e os ânimos se acirraram
sem se notar a presença do Estado brasileiro, que se posicionou de fato em
favor do respeito ao que foi assinado em Ayacucho, portanto, não considerando
naquele momento a possibilidade de mudanças no acordo de limites.
Paralelamente, para garantir sua posição, a Bolívia
estabelece em Xapuri – localidade situada no que a administração boliviana
designava como “Território de Colônias”-, uma Delegação Nacional, sob o comando
de um intendente, o delegado de polícia João de Dios Barriento e outras
autoridades judiciárias, num total de 8 cidadãos bolivianos. O intento era a
formação de uma Junta dos Notáveis, em número de 5, que funcionaria como
Conselho Municipal encarregado da arrecadação de impostos. Porém, como a
maioria da população local era brasileira, isto é, seringalistas e
proprietários de seringais na região, a eleição do conselho fracassou. O
governo boliviano em contra-ofensiva mandou para a região um ministro
plenipotenciário, Dom José Paravicini, que criou a cidade de Puerto Alonso no
rio Acre, a jusante de Xapuri. Puerto Alonso torna-se sede do departamento
boliviano do Acre sob a administração governamental de Moysés Santivañez. Em
seguida, Paravicini decretou a abertura dos rios amazônicos à navegação
internacional e começou a arrecadar impostos que antes iam para o estado do
Amazonas. A reação dos brasileiros se faz por parte do governo do Amazonas face
à perda de arrecadação e em defesa dos interesses regionais.
Nesta questão o governo central do Brasil mostra-se ambíguo
e vacilante por diversas razões. Dentre elas, havia a pressão dos cafeicultores
do sudeste brasileiro contra a maior participação da borracha na pauta de
exportações, pois se sentiam ameaçados no jogo de equilíbrio de poder baseado
na participação das oligarquias regionais. Por sua vez, o governo não tinha
como desfavorecer os acordos comerciais de exportação de borracha cada vez mais
cotada no mercado exterior. As circunstâncias se complicam ainda mais porque
pela primeira vez o governo amazonense armou um grupo de caboclos capitaneados pelo
advogado cearense e, provavelmente dono de seringal, José de Carvalho, que
expulsa as autoridades bolivianas de Puerto Alonso.
A situação
recrudesce quando a Bolívia assina um contrato de arrendamento do Território das
Colônias com um sindicato de capitalistas estrangeiros - o Bolivian Syndicate,
presidido pelo filho do então presidente dos Estados Unidos, Theodoro
Roosevelt, o que na prática significava uma transferência de soberania, já que
o Bolivian Syndicate assumia a plenitude do governo civil na região. Os
interesses da elite amazonense foram então representados pelo preposto Luiz
Galvez Rodrigues de Arias (6) para empreitada de destituir os
bolivianos de Puerto Alonso.
A 14 de julho de 1899, data de comemoração do 110º aniversário da
Revolução Francesa, nascia na localidade boliviana de Puerto Alonso o Estado
Independente do Acre, organizado sob a forma republicana. Seu Presidente, Luiz
Galvez, é recebido com efusão por trabalhadores e patrões, todos dispostos a
lutar contra o que consideravam "uma intromissão da Bolívia". Muda o
nome da localidade para Porto Acre; cria a Bandeira do novo Estado soberano;
nomeia ministros; mobiliza uma valente milícia; baixa decretos importantes;
envia despachos a todos os países da Europa e designa representantes
diplomáticos. (http://www.ihp.org.br/docs/ia20031025.htm).
Mantendo sua
posição, o governo brasileiro não reconheceu os direitos do estado independente
por considerar o Acre território boliviano. Porém, o poder regional que emanava
da autoridade de Manaus não aceitou a reviravolta e a restauração da soberania
boliviana. O comando boliviano “atacou” a jusante do rio Acre ,
O fracasso da
empreitada redundou na organização local de resistência pela posse das terras
no vale do rio Acre.
Um ex-integrante
da Revolução Federalista gaúcha e naquele momento agrimensor a serviço do
seringal Vitória, José Plácido de Castro (8), capitaneou a reação
brasileira contando com o apoio do governo amazonense e dos segmentos sociais
detentores do esquema da comercialização da borracha, do apoio dos
seringalistas locais crentes na transformação daquelas terras em suas
propriedades e dos trabalhadores cujas dívidas foram anistiadas pelas casas
aviadoras de Manaus e Belém. A ação de Plácido de Castro se inicia em Xapuri,
onde prendeu as autoridades bolivianas. Depois de combates esparsos e bem
sucedidos, Plácido de Castro assediou Puerto Alonso, logrando a capitulação
final das forças bolivianas (fevereiro de 1903) e desarticulando a ação local
do Bolivian Syndicate, que apesar de forças policiais e frota armada teve de
ceder ante a entrada da diplomacia dos dois países, principalmente da
brasileira instada pela repercussão da revolta na opinião pública nacional.
Ainda assim, representantes dessa companhia chegaram à vila de Antimari (rio
Acre), abaixo de Puerto Alonso, mas desistiram da missão porque os
revolucionários dominavam todo o rio, já faltando pouco para o fim da
resistência boliviana.
Aclamado governador do Estado Independente do Acre, Plácido de Castro organizou
um governo
A 17 de novembro de 1903, Rio Branco e o plenipotenciário Assis Brasil
assinaram com os representantes da Bolívia o Tratado de Petrópolis, pelo qual o
Brasil adquiriu o Acre por compra (dois milhões de libras esterlinas, ou 36.268
contos e 870 mil-réis em moeda e câmbio da época), e por troca de territórios
(pequenas áreas no Amazonas e no Mato Grosso). Em conseqüência, dissolveu-se o
Estado Independente, passando o Acre Meridional e o Acre Setentrional a
constituírem o Território Brasileiro do Acre, organizado, segundo os termos da
lei 1.181, de 25 de fevereiro de 1904, e do decreto 5.188, de 7 de abril de
1904, em três departamentos administrativos: o do Alto Acre, o do Alto Purus e
o do Alto Juruá, chefiados por prefeitos da livre escolha e nomeação do
presidente da república.
Segundo Craveiro
da Costa (1940) surgiram divergências entre Plácido de Castro e os agentes do
governo federal. Com a intervenção militar logo após a criação do Território do
Acre, Plácido de Castro fora relegado a segundo plano. Os conflitos estavam
ligados diretamente à forma como os militares passou a utilizar-se, amplamente,
da máquina administrativa do território e contra a qual Plácido de Castro
passou a fiscalizar atentamente. Imediatamente, é considerado pelo poder
instituído com o persona conspiradora e insurreta. Esta situação levaria a sua
morte, em 1908, numa situação de emboscada, conseqüência das disputas locais
pelo poder político, pela posse da terra e pelo controle tributário da
produção.
Enquanto isto,
ao norte, o domínio do Alto Juruá, não estava assegurado, pois faltava o acordo
de limites com o Peru que seria firmado em 1909, o que significa que o processo
de incorporação do Acre ao Estado brasileiro só se completaria com as
negociações entre Peru e Brasil sobre o Alto Juruá. Para Craveiro da Costa
(idem) com a compra e anexação do Acre – o
Brasil comprara uma questão sem o menor proveito entre a Bolívia e o Peru.
No entanto, o
governo central tratou no Acre Meridional de garantir a administração do
território, quando em 25 de setembro de 1904 fundou Sena Madureira, através da
expedição do General Siqueira de Menezes, logo assumida como capital do
departamento do Alto Purus e, posteriormente, como capital do Acre.
Sena Madureira e Cruzeiro do Sul e a presença do Estado nos vales
acreanos
O governo
brasileiro decidiu incorporar o Acre como território federal estabelecendo
estrutura política-administrativa organizada pela Lei 1181, de 25 de fevereiro
de 1904, dividindo-o em 3 departamentos e apenas 1 comarca. Os destacamentos
militares ali fixados além da tarefa de defesa foram encarregados da
administração política. O General Siqueira de Menezes, combatente em Canudos e
destacado para enfrentar os peruanos no Purus, ficou encarregado da escolha do
sítio da futura cidade de Sena Madureira; o Coronel do Exército Nacional
Gregório Taumaturgo de Oliveira, tornou-se o primeiro prefeito nomeado da
cidade de Cruzeiro do Sul, e o General Olímpio da Silveira foi nomeado
comandante do XV Batalhão de Infantaria e responsável pelo governo militar do
Acre Setentrional.
Inicialmente,
houve preocupação em fortalecer as localidades estratégicas na geografia local,
levando-se em consideração a organização da produção, o porto e
consequentemente sua posição em relação ao regime hidrográfico e a vigilância
sobre as terras recém incorporadas ou a serem incorporadas ao território
nacional. A administração militar esteve incumbida de agir sobre 3
departamentos: o Alto Acre, o Alto Purus e o Alto Juruá.
Na ocasião, o
governo da cidade de Lima alegando validez de títulos coloniais, reivindicava
todo o território do Acre e mais uma extensa área do estado do Amazonas.
Delegações administrativas e militares desse país tentaram se estabelecer no
Alto Purus (1900, 1901 e 1903) e no Alto Juruá (1898 e 1902), mas foram
obrigadas a abandonar a região em setembro de 1903. O Barão do Rio Branco, para evitar novos
conflitos, sugeriu um modus vivendi para a neutralização de áreas no Alto Purus
e no Alto Juruá, através de uma administração conjunta a partir de julho de
1904. Isso não impediu um conflito armado entre peruanos e um destacamento do
exército brasileiro em serviço no recém-criado departamento do Alto Juruá. A
luta findou com a retirada dos caucheiros e das forças peruanas. Como
resultante, criou-se por determinação federal a vila e futura cidade de
Cruzeiro do Sul. Entre Sena Madureira e Cruzeiro do Sul o governo optou por
localizar a capital do Acre na região do vale do Purus, pois atendia melhor as
necessidades de investimentos na área com maior volume de produção, recém
pacificada e de fato já incorporada oficialmente pelo Tratado de Petrópolis.
Enquanto Siqueira de Menezes “fundava” Sena Madureira, reforçava-se a presença
militar no Alto Juruá centralizada na vila de Cruzeiro do Sul, com a criação de
um Batalhão de Fronteira do Exército.
A localização das
principais cidades acreanas de então revela a historicidade da geografia
política dos vales em relação a variação das linhas geodésicas; isto por que : Essa colocação obedeceu a dois
imperativos: geográfico e político: Tivesse aquela linha sido jogada mais ao
norte e essas cidades estariam deslocadas na direção dos baixos rios . O motivo
político sobrepõe-se à necessidade natural, mas esta se vinga separando os
aglomerados humanos, até que o homem os anule por meio de estradas de
penetração. (Moura & Wanderley, 1938:10)
Isto revela que
estas cidades assumiram, assim como Porto Acre (Puerto Alonso), Tarauacá (Vila
Seabra) e Feijó uma posição de localidade fronteiriça, mas com a incorporação
do Acre perdem evidentemente esta posição, ou seja, deixam de ser cidades sobre
a antiga linha fronteiriça para inserirem-se numa situação de cidades da zona
de fronteira, após a delimitação do território do Acre.
É preciso também considerar o fato da posição da
região dentro da rede urbana, organizada em função da atividade extrativa, onde
os centros comerciais e atacadistas direcionavam os diferentes fluxos para as
posições de centralidade regional, no caso Belém e Manaus, então, as maiores e
mais importantes cidades da Amazônia sul-americana. Havia portanto uma tensão
entre a pressão do limite internacional e a direção imposta pela lógica
comercial e hierárquica da rede urbana. Assim, os núcleos que deram origem as
cidades localizaram-se e organizaram-se em função da lógica da atividade
extrativa gomífera. Os sítios privilegiados estavam nas confluências de rios,
como no caso de Sena Madureira, situada nas proximidades da confluência do rio
Iaco com o rio Acre ou, também, os meandros - que permitiram uma maior
disponibilidade de área portuária, bem como do adensamento da área ocupada. Tal
situação permitiu a convergência da circulação dos fluxos da extração da goma e
da localização da primeira etapa de comercialização, onde o sistema de
aviamento instalou as feitorias comerciais para estocar a borracha extraída, ao
mesmo tempo em que permitiu o fornecimento aos seringueiros dos víveres e dos
instrumentos de trabalho. Formou-se assim uma ligação com o Barracão, sede
administrativa e comercial do seringal e também lugar da vigilância do
seringalista, da circulação de riqueza e da sociabilidade. Segundo Boff (1994),
no barracão são celebradas festas de caráter social e religioso em fins de ano
e no mês de junho, assim como cerimonias de batizado e de casamento. É claro
que a confluência é, também, local ideal para os postos de fiscalização e a
cobrança de impostos.
O crescimento das vilas e cidades após a
anexação do Acre instaura sobre o espaço mecanismos para realização das razões
geopolíticas e econômicas do poder do Estado em termos de tributação,
aproveitando-se da infra-estrutura preexistente da empresa seringalista
amazônica. A criação de Sena Madureira e sua transformação em capital do
território do Acre revelam a junção dos interesses de Estado com a iniciativa
privada frente a uma situação de limite internacional e borda fronteiriça, na
exata medida que interessava ao Estado federal fiscalizar os fluxos de
fronteira, tributar a produção e garantir a soberania territorial.
Em 1908, pouco
antes de tornar-se cidade e capital do Acre, é instalado
A economia local
baseava-se na borracha e na castanha o que garantia grandes safras anuais dos
dois produtos. Este fator atraiu estrangeiros – peruanos, bolivianos,
portugueses, judeus, sírios, libaneses e armênios; ricos comerciantes da
Amazônia e do Nordeste, coronéis aventureiros em busca de riquezas na região. O
movimento migratório proveniente do Nordeste brasileiro vendia sua mão de obra
para três categorias de interessados – os estrangeiros, os comerciantes e os
coronéis. (Cf. Boff,1990)
A debacle
econômica e a atitude centralizadora da administração federal sobre o controle
do território transferiu a capital de Sena Madureira para Rio Branco, em
Na verdade,
sequer o auge da riqueza das exportações foi capaz de sanar uma série de mandos
e desmandos do governo federal em relação a administração do território
acreano. Dentre os principais problemas estava a falta de comunicação entre os
vales do rios Purus e Juruá, outro dizia respeito aos cargos federais
empossados no Acre, fossem militares ou representantes do judiciário, que via
de regra não tinham nenhum comprometimento com a região e sua presença em
território acreano era sempre passageira. Ademais, a riqueza que saía da região
não retornava na forma de verbas, investimentos ou infra-estrutura. Porém, o
que mais afetava a vida administrativa eram as constantes mudanças na divisão
territorial e a inadequação nas medidas de organização interna do Acre. Um projeto de 1908 do senador da república
Francisco Sá propunha a extinção das prefeituras e estabelecia para o
território um só governo. Para outros a realidade acreana demonstrava o
contrário. E era preciso não viver no
Acre para desconhecer a impraticabilidade dessa união administrativa, pois a
União não procurara unir os diferentes municípios, ligá-los por meio de
estradas, por um regime de navegação interna que o tirasse da dependência de
Manaus, ainda hoje o centro de convergência e irradiação de comunicações com o
território. (Costa, 1940:189)
Segundo Castelo
Branco (1930), a penetração do alto Juruá até a região de seus formadores acontece
a partir de 1880, quando frentes de brasileiros nordestinos se fixaram na foz
do rio Liberdade, ao mesmo tempo em que se intensificam choques com indígenas e
destes com peruanos. A partir de 1897 com o declínio da produção do látex de
terra firme no alto rio Javari os peruanos se deslocam em direção aos rios
Jutaí e Juruá. O Barão do Rio Branco
admite essa invasão no correr de 1896, ano em que, segundo um dos desbravadores
do alto Juruá, o peruano Vicente Mayna fundou um arraial no local em que atualmente
se encontra Porto Valter, não com o fim de negociar e tão somente de explorar
os cauchais vizinhos.(Castelo Brancodata:137) Porto Valter quando sob o
domínio dos peruanos denominou-se Puerto Alberto e Vila de Iucatan, até que em
1905 decreto do prefeito brasileiro, coronel Taumaturgo de Oliveira, consignou
o lugarejo como sede da segunda circunscrição de paz sob a prefeitura de
Cruzeiro do Sul. Até o tratado com o Peru, coube ao governo brasileiro reforçar
sua presença militar e administrativa no departamento do Alto Juruá, tendo como
sua sede a cidade de Cruzeiro do Sul.
Fortalecida e
assegurada a soberania do Brasil na região, a vida econômica segue no ritmo das
exportações do látex, até que a pequena classe média de Cruzeiro do Sul, face
ao isolamento e a precariedade da região inicia um enfrentamento com o governo
central, do qual redundaria uma rebelião autonomista com importante
participação do governo do Amazonas.
Com a vida
administrativa, judiciária e política concentrada entre Sena Madureira e a
próspera cidade de Rio Branco, o alto Juruá ficou numa situação de isolamento
tal que eclode em
Na época a
região do Alto Juruá estava sobre os procedimentos do tratado de 1909 entre
Brasil e Peru, que definiam seus limites e tentavam estabelecer, por
conseqüência, ordem sobre as incursões e pretensões de peruanos nas áreas
indivisas dos rio Breu e Amônea, onde havia relatos e ocorrências de conflitos
envolvendo caucheiros de ambas as nacionalidades e indígenas. Em meio ao
descaso administrativo, a livre ocupação e circulação propiciada pela atividade
extrativa e a falta de investimentos e infra-estrutura territorial,
principalmente nas localidades, os principais representantes da elite urbana que
recém migrara para o Alto Juruá propõem a autonomia do território acreano e sua
filiação à União como membro federado. A Junta Governativa reunida em 1 de
junho de 1910 deliberou: respeitar a propriedade e demais direitos adquiridos
nas formas das leis vigentes no país, manter a ordem pública no Departamento,
manter todos os serviços públicos existentes, impedir a saída da borracha do
Departamento para que o governo federal não continue a arrecadar o “extorsivo”
imposto que onerava a produção. A posição de proibir a exportação de borracha
gerou imediata reação das casas aviadoras de Belém e Manaus. A política adotada
foi a de manobrar no sentido de cooptar elementos de dentro do movimento, com o
qual, em parte, os interesses das elites econômicas na região concordavam e,
principalmente, retomar o ciclo comercial da borracha.
Houve, ainda,
uma proposta do Presidente Nilo Peçanha de instaurar no território apenas duas
prefeituras: uma com sede
O que se
expressou do ponto de vista geográfico foi o reconhecimento de duas realidades
distintas, isto é, de duas regiões diretamente conectadas ao centro mercantil
mais próximo e importante – a cidade de Manaus. Cada região através de uma
bacia hidrográfica, independentes entre si, mas tributárias do rio Solimões e
que se assemelhavam em termos da história de ocupação, mas que se diferenciavam
se analisadas as origens das frentes de trabalho, do circuito comercial da
produção e da troca de serviços em que cada uma estava localizada: a bacia do
Juruá e a bacia do Purus-Acre.
Em
A crise da
borracha, a centralização da administração territorial e a mudança da capital para
Rio Branco
A queda do preço
da borracha veio acompanhando as crises políticas no Acre. Em 1920 uma nova
organização territorial centraliza a administração: são extintos os
departamentos e a administração territorial fica sob um único governo, quando Rio
Branco passa a capital, sendo mantidos os 5 municípios: Rio Branco, Sena
Madureira, Xapuri, Tarauacá e Cruzeiro do Sul.
As origens de
Rio Branco, atualmente, a mais populosa cidade do Acre (com mais da metade da
população do Estado), estão ligadas à fundação do seringal denominado Empresa,
em 28 de dezembro de 1882, pelo seringalista cearense Neutel de Maia. A
localidade cresceu às margens direita do rio. Em 1904, elevou-se à categoria de
vila, ao tornar-se sede do departamento do Alto Acre. Em 1909, o governador Gabino Besouro, coronel
da arma de Engenharia, toma medidas com o intuito de reordenação do uso do solo
e expansão da área urbanizada. Pelas resoluções 9 e 10 de 13 de junho de 1909,
foram estabelecidas as normas para a construção e urbanização do margem
esquerda do rio e a permissão de loteamento e aforamento na parte antiga da
aglomeração, que era considerada pelo governador como sede provisória da cidade
(Cf. Guerra, 1955). Besouro se apossou das terras do seringal Empresa na margem
esquerda, o que motivou uma demanda contra a União com ganho de causa para os
demandantes, Com isto iniciou-se a urbanização da área e “inaugurou-se” a nova
sede com o nome de Penápolis, em homenagem ao então presidente Afonso Pena. Em
1912 recebeu definitivamente a denominação de Rio Branco em homenagem ao
chanceler brasileiro Barão do Rio Branco, tornando-se município no ano de 1913
e, em 1920, capital do governo do Acre. Em 1962, é elevada à posição de capital
do estado. Cortada pelo rio Acre, que divide a cidade em duas partes – 1° e 2°
distritos – Rio Branco é hoje o centro administrativo, econômico e cultural da
região.
A cidade cresceu entre duas curvas do rio
Acre, denominadas, na parte de cima, Volta da Empresa, e na de baixo, Igarapé
da Judia.. Empresa foi o lugar onde
as tropas de Plácido de Castro enfrentaram os bolivianos, estando seu nome
ligado ao núcleo inicial constituído em área do seringal Empresa. Conforme
citado, Penápolis surge por decisão oficial de transladar a sede para a outra
margem do rio, a partir de novos loteamentos e implantação de obras e
infra-estrutura, tornando-se pouco a pouco a cidade moderna e oficial da nova
capital do Acre. Na antiga sede localizavam-se os correios, o comércio, as casa
de diversão, os hotéis e as pequenas fábricas e sua população à época era maior
do que a de Penápolis. Atualmente 1° e 2° distritos do município, Rio Branco e
Empresa têm em comum uma histórica rivalidade, tendo atingido um dos momentos
de auge nas revoltas autonomistas acreanas, quando Penápolis encabeçou um
movimento sem contar com a solidariedade de Empresa.
A afirmação de
Rio Branco como capital do Acre rendeu-lhe investimentos e promoções urbanas.
(Cf. Costa, 1940). Já no final dos anos 20 contava a cidade com um quartel de
polícia, mercado municipal e o palácio de governo, além da criação da agência
do Banco do Brasil, o estádio do Rio Branco Football Club, a Inspetoria
Agrícola Federal, o Instituto Histórico e Geográfico do Acre, O Tribunal de
Apelação (transferido de Cruzeiro do Sul e Sena Madureira) , o Juízo Federal, a
Santa Casa de Misericórdia, o Hospital dos Tuberculosos, a Estação
Climatológica, o Aprendizado Agrícola, a Mesa das Rendas Federais, a Capitania
dos Portos, grupos escolares e escolas isoladas. O governo de Hugo Ribeiro
Carneiro (1927-30) foi marcado pelo esforço de fazer de Rio Branco uma vitrine
que deveria figurar no contexto nacional. Segundo Bezerra (2005), Rio Branco na
sua época foi a cidade espetáculo que procurava exprimir à população o
"esplendor da civilidade". Civismo
e desporto como espetáculos de dominação e controle ideológico se constituíram
os seus mecanismos de invenção da cidade no Acre. No seu imaginário, a terra
heróica merecia um povo enobrecido pelas virtudes cívicas e o vigor físico.
(Idem)
O momento é
imediato à instalação da queda nas exportações de borracha. A crise da borracha
redesenha os fluxos econômicos na região, incentivando o intercâmbio comercial
inter-regional face à falência das grandes casas aviadoras de Belém e Manaus,
agora na mão de comerciantes sírio-libaneses. O contexto de crise econômica, o
despovoamento dos vales e a nova centralidade administrativa, já que a verba de
todos os municípios foram alocadas na capital, reforçaram a posição de Rio
Branco como centro urbano mais importante do vale do rio Purus e de todo o
Acre. Do ponto de vista da dinâmica da vida econômica, social e regional, a
centralização administrativa
Rio Branco, quando alçada a condição de
capital do governo acreano, e assim ser mantida, conforme resume e ilustra a
combinação dos principais elementos de ordenação espacial presentes na história
das cidades no Acre: o sítio, o seringal, o porto, a posição na rede
hidrográfica e urbana e, fundamentalmente, a organização centralizadora do
Estado nacional
Considerações Finais
As frentes de
trabalho que se direcionaram para os altos vales dos rios Acre, Purus e Juruá
em função da extração da borracha e do alto preço alcançado pelo látex no
mercado exterior, ocuparam terras ainda não demarcadas e delimitadas entre
Brasil, Bolívia e Peru. Inicialmente, a organização do trabalho redundou em
formas espaciais necessárias a realização do extrativismo vegetal, ocupando as
várzeas e se interiorizando pela terra firme. Os lugares que deram origem aos
primeiros núcleos de povoamento estavam, portanto, ligados à combinação de
elementos na divisão de trabalho da exploração gomífera. A maioria dos
trabalhadores viviam no centro da mata recolhendo o látex, mas havia pontos de
reunião do trabalhador e do patrão normalmente conhecido como “barracão” e
instalações ligadas ao armazenamento de víveres, ferramentas, mercadorias e
látex. A disputa entre bolivianos e brasileiros trouxe como conseqüência a
necessidade de instalação do aparato coercitivo, através da administração
civil, militar e fiscal. Porto Acre, Xapuri e Porto Valter exemplificam a importância
do núcleo de povoamento e produção neste momento. Quando negociado o Tratado de
Limites foi necessário ao Estado brasileiro legislar sobre a gestão do
território e apetrechar as recentes vilas e povoados para o exercício da
administração e fiscalização federal na região. A partir de presença do Estado
federal passa a existir uma superposição de poderes e funções sobre tais
lugares e, consequentemente, na medida em que a valorização da borracha
impulsionasse a produção, fez-se necessário a oficialização de cidades no Acre.
A sucessão de domínios, ora brasileiro, ora boliviano, ora peruano, incrementou
sobremaneira o mercado de terras, porque a cada sucessão de domínio sucediam-se
redivisões nas propriedades e posses dos seringais. Esses processos estão
presentes na história das localidades acreanas, sobretudo,
A organização
econômica, política e fiscal atreladas à geografia local vão desenhar uma rede
de localidades nos vales e confluências de rios. As condições geomorfológicas
nos interflúvios responsabilizou-se pelo isolamento entre os vales dos rios
Purus e Juruá e a postura centralizadora do Estado geraram situações de
enfrentamento entre o poder central e o poder regional-local, quando novamente
as cidades serão os lugares onde se darão as disputas, agora não mais
internacionais, mas regionalistas-autonomistas em prol da captura da renda e
dos lucros da exportação da borracha.
A constituição
de fato de uma rede urbana acreana, por sua vez, desafia ainda hoje a gestão do
território. As novas formas de uso da terra re-articulam o espaço interno e
aportam novas funções para a rede urbana. Politicamente, entende-se que a
combinação da malha viária rodoviária e hidroviária atende à nova dinâmica
econômica e a necessidade de neutralizar as tensões regionalistas nas duas
principais bacias hidrográficas que ocupam a maior parte do território acreano.
Notas
1- O termo capital será aqui empregado como lugar elegido
pelo poder para sediar a administração do território, podendo, portanto,
remeter à sede provincial, departamental, municipal e/ou da unidade da
federação (capital do território). No caso específico do Acre, a localidade
sede ou capital, assume uma função geoestratégica para afirmação da soberania
do Estado sobre a área.
2- Segundo Reis (2001) o governo boliviano
transferiu plenos poderes ao Bolivian Syndicate , que operava como uma espécie
de “chartered company” – companhias licenciadas de capital aberto, nos moldes
das empresas colonialistas na África. A empresa possuía bandeira própria, força
armada, frota mercante e de guerra. Economicamente seu objetivo era tributar,
explorar e valorizar a produção de borracha.
3- Planta nativa, a seringueira escondia-se no
emaranhado de outras árvores, igualmente nativas, obrigando o homem que saía no
encalço da borracha a construir um verdadeiro labirinto, com trilhas em
ziguezague na selva. Do seringal surgiu a figura humana do seringueiro,
associado à planta para explorá-la. Seringueiro-patrão, beneficiário do crédito
da casa aviadora, e seringueiro-extrator, aviado, por sua vez, do patrão. Um
morando no barracão, sempre localizado à beira do rio, com aparências de
domínio patriarcal, outro, na barraca, de construção tosca, no meio da selva.
(De 1920 em diante usa-se o neologismo seringalista para designar o patrão.)
Em: http://turismobrasil.vilabol.uol.com.br/Acre.htm.
Acessado em 11 de janeiro de 2005.
4 – Por este tratado ficou previsto a construção de uma ferrovia da Bolívia ao
rio Madeira para escoamento da prata e do látex bolivianos. Quando do Tratado
de Petrópolis, em 1903, o Brasil se comprometeu a construir a ferrovia. O
magnata americano Percival Farquhar obtém a concessão do governo brasileiro
para construir a ferrovia. Sua construção é uma verdadeira epopéia para vencer
as dificuldades geográficas, as intempéries e um contingente de trabalhadores
das mais diversas nacionalidades foi arregimentado pela concessionária. É
contratada a empreiteira americana May, Jekyll & Randolph para concluir a
obra. Em 1 de agosto de 1912, já no início da crise da borracha, a MadeiraMamoré
foi inaugurada, com 366 quilômetros de extensão ligando Porto Velho a Guajará-Mirim.
5 – O governo andino não via com bons olhos aquela arribada
crescente dos brasileiros. Para os bolivianos, a situação praticamente repetia
o que ocorrera na década de 1870 com a penetração de trabalhadores chilenos na
área do Atacama atrás do salitre, fato gerador da Guerra do Pacífico
(1879-1883), cuja conseqüência: a Bolívia, derrotada, perdeu a sua saída para o
oceano Pacífico e seu isolamento e dependência em relação aos portos marítimos.
6 – Galvez era ex-secretário da Legação da Espanha junto
aos governos da Sérvia e da Itália. Ocupando na ocasião um cargo no consulado
boliviano, demitiu-se do mesmo e procurou demonstrar ao Governador do Amazonas,
Ramalho Júnior, as graves conseqüências que, do ponto de vista fiscal, a perda
da região acreana representava. Com a ajuda militar e financeira obtida junto a
Ramalho Júnior, fundou, no interior da selva, a 14 de julho de 1899, o Estado
independente do Acre, de efêmera duração, já que ele acabou sendo preso pelos
próprios companheiros e recambiado para Manaus.
7 - O governo boliviano reassumiu o controle do Acre
ocupando militarmente diversas localidades. O governo do Amazonas, com o firme
objetivo de anexar o Acre ao seu estado, financiou uma expedição armada. Porém,
a Expedição Floriano Peixoto, como era oficialmente chamada, foi composta por
boêmios e profissionais liberais de Manaus, sem nenhuma experiência militar. O
combate entre a Expedição dos Poetas – nome mais popular da iniciativa – e o
exército boliviano aconteceu em 29 de dezembro de 1900,
8 - Filho, neto e bisneto de militares, José Plácido de
Castro quando cadete participa da Revolução Federalista, na qual combateu pelos
maragatos - denominação dos participantes da Revolução Federalista de 1893 no
Rio Grande do Sul - , tendo chegado ao posto de Major. Terminada a
revolução, não aceitou a incorporação ao exército, preferindo tentar a fortuna,
na Amazônia.
9 - Sena Madureira foi palco de um desses
"movimentos autonomistas" quando, em 1912, depuseram o Prefeito
nomeado, coronel Tristão de Araripe, incendiaram o prédio da Prefeitura e
estabeleceram um "governo revolucionário" sob o poder de uma junta
governativa, que proclamou o Departamento do Alto Purus como Estado
independente, permanecendo nessa condição durante 31dias, de 7 de maio a 8 de
junho de 1912. No mesmo período
surge no sul do Brasil a Guerra do Contestado, que implicou na disputa de
territórios
Bibliografia
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© Copyright Maria Lucia Pires Menezes y Nelson da Nobrega Fernandes, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha bibliográfica:
PIRES, M; DA NOBREGA, N. As
capitais do acre: a cidade e os poderes. Scripta
Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (106).
<http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-106.htm> [ISSN: 1138-9788]
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Scripta Nova número 194
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