Menú principal                                                                                                                                   Índice de Scripta Nova
 
Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 69 (86), 1 de agosto de 2000

INNOVACIÓN, DESARROLLO Y MEDIO LOCAL.
DIMENSIONES SOCIALES Y ESPACIALES DE LA INNOVACIÓN

Número extraordinario dedicado al II Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

INOVAÇÃO AGRÍCOLA, MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS
E REFORMA AGRÁRIA NO PARANÁ, BRASIL.

Jorge Guerra Villalobos
Departamento de Geografia
Universidade Estadual de Maringá - Paraná Brasil.


O processo de inovação agrícola orientado ao desenvolvimento cidadão dos setores sociais marginados do mundo rural, é um tema que deveria ocupar uma parte importante das nossas reflexões e ações de pesquisa como cientistas sociais. No entanto, isto não acontece. Nesse sentido, penso que isto continuará formando parte da dívida das nossas ciências sociais.

Os motivos da exclusão do debate da inovação no contexto da marginalidade social rural, pode ser derivado de múltiplos motivos, tanto econômicos quanto políticos, porém isto não é do nosso interesse neste texto. Aqui a nossa preocupação central é sistematizar e expor, como resultado de uma convivência diária(1)

junto a organizações de trabalhadores rurais, como estes constróem inovações que vão ao encontro do desenvolvimento cidadão.

Modernização agrícola e inovação organizativa

Devemos lembrar que estes trabalhadores foram e são afetados de forma direta na modernização agrícola, isto tanto no âmbito da mecanização quanto na dos insumos e técnicas agrícolas. No entanto, nessa inclusão e exclusão que se processa de forma simultânea no modelo de desenvolvimento, a organização política dos agricultores elabora espaços para a criação, recriação e invenção de novas formas organizativas e técnicas.

As inovações agrícolas, no contexto da Reforma Agrária, no estado do Paraná, são espaços conquistados, pela capacidade organizativa e de representação do movimento social rural. O qual, ao longo do século XX, ha sabido construir uma história plena de resistência.

Devemos lembrar que a constituição dos projetos de assentamentos de Reforma Agrária é uma política recente no estado do Paraná, segundo Costa(2)

até 1977, não existia nada que pudesse ser reconhecido como tal.

Nesse sentido, no Estado do Paraná, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária INCRA, entidade governamental responsável da aplicação da política de restruturação fundiária dos programas e metas do Governo Federal, havia executado até o ano de 1982, um único assentamento rural. Esse assentamento havia sido em 1973 e tratava-se do assentamento de famílias de moradores do Parque Nacional do Iguaçu.

Num contexto governamental adverso, aliado com a construção da hidroelétrica de Itaipú, que inundou as terras dos agricultores ribeirinhos nos municípios de Santa Terezinha, São Miguel e Missal, além das enchentes do rio Paraná e a definitiva mecanização das terras agricultáveis(3)

, o processo de expulsão dos agricultores das terras agrícolas intensificou-se a finais dos anos setenta. Assim, numerosas famílias se organizaram para a defesa dos seus direitos, através da pressão social pelo retorno às terras.

Essa relação de situações vêm a configurar, no estado do Paraná, um movimento de ação pela Reforma Agrária que, mais que um questão organizada desde e pelo poder público, passa a ser desenvolvida através da pressão direta da sociedade civil(4)

De fato, a mediados dos anos oitenta, a organização dos agricultores apresentava uma atomização nas suas lutas. No estado do Paraná coexistiam cinco entidades organizadas que agrupavam uma pequena parcela dos trabalhadores rurais. Essas entidades mobilizavam uma base social de trabalhadores locais que reivindicavam terras para plantar, principalmente nas regiões oeste e norte do estado.

O primeiro salto qualitativo dessas entidades, desde o ponto de vista da inovação organizativa, vai ser a construção de uma rede social, estimulada desde e pelos Sindicatos de Trabalhadores, Partidos Políticos e Comissão Pastoral da Terra(5)

. Uma rede de abrangência nacional que encontrará no Paraná uma ação de vanguarda com a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de caráter nacional(6)

A segunda inovação é a modificação na forma de luta, que até 1986 desenvolvia-se preferentemente através da sensibilização, realizada através da implantação de acampamentos de agricultores na beira das principais estradas estaduais. O nenhum avanço no processo de seleção, elaboração e constituição de projetos de Reforma Agrária, demostrará rapidamente que a ação do movimento social não era efetiva frente a inércia do Governo. Como resultado da avaliação da conjuntura política, a base organizativa do movimentos social rural opta pela ocupação direta das terras que deviam ser objeto de desapropriação pelo Governo.

Esta estratégia resultava do princípio que a reivindicação, por terras para Reforma Agrária, possuía uma base jurídica e moral sólida, assim como do entendimento de que a exclusão dos agricultores era uma opção política do Governo Federal e Estadual.

Esta última inovação organizativa vai definir a coluna vertebral do perfil político do movimento social rural frente ao Governo Federal e Estadual, assim como sua principal forma de luta social (Ver Quadro 1).

A terceira inovação organizativa, deriva da capacidade de ação de massas, realizada através de uma complexa rede social, articulada desde e com a base. Através das conexões desta rede e seguindo a dinâmica assambleista, os agricultores fecham as estradas, ocupam os prédios públicos sejam federais, estaduais ou municipais, relacionados de forma direta com o processo de criação de projetos de Reforma Agrária, instalam acampamentos frente aos palácios de governo estaduais, participam dos foros de debate nas universidades, sindicatos e associações de bairro.

Estas ações são reivindicatórias e procuram atender tanto pautas locais como nacionais ou estaduais. Estas mobilizações implicam sempre uma ação efetiva, não somente num único local mas em múltiplos pontos do país, situação que concretiza a capacidade de conexão da rede construída pelo movimento social.

A quarta inovação organizativa diz referência a modificação nas relações de produção existentes nos assentamentos conquistados pelos trabalhadores. A esta questão dedicaremos a seguinte parte deste trabalho, analisando o exemplo do assentamento Santa Maria no município de Paranacity.

QUADRO 1

Organização dos Trabalhadores Rurais no Paraná (MST) 1981 - 1998.
 
Anos Slogan da Luta Entidades Solidárias Base Social Ação do Movimento Social Ação Governamental Governo Federal Governo Estadual
1981 ­ 1984 "Terra de deus Terra de Irmãos" Sindicatos de Trabalhadores, Comissão Pastoral da Terra (CPT),. Inundados de ITAUPÚ, (Mastro- Master) pequenos arrendatários Acampamento beira de Estrada Repressão Policial Direta em Escala Local - Aliança com fazendeiros na repressão local. Ação Esporádica dos Serviços de Informação Estadual Ditadura Militar José Richa
1985 ­ 1987 "Terra para quem nela trabalha" Sindicatos de Trabalhadores Rurais, CPT Boias-Frias, pequenos arrendatários Acampamento Beira de Estrada e Ocupação Direta das Terras Repressão Policial Direta em Escala Local - Aliança com fazendeiros na repressão local Ação dos Serviços de Informação Estadual Ditadura Militar, José Sarney José Richa - Alvaro Dias
1988 ­ 1991 "Ocupar - resistir - produzir" Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Partidos Políticos, CPT bóias-frias, pequenos arrendatários Ocupação Direta das Terras, Ocupação dos Prédios Públicos. Repressão Policial Direta em Escala Local - Aliança com fazendeiros na repressão local e Estadual. Ação Sistemática dos Serviços de Informação Estadual. José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco Álvaro Dias - Roberto Requião
1992 ­ 1998 "Reforma Agrária uma Luta de Todos" Sindicatos Rurais e Urbanos, Partidos Políticos, CPT, Universidades, Organizações Não Governamentais (ONG's) Favelados, pequenos produtores, pequenos arrendatários, Bóias - Frias Ocupação Direta das Terras, Ocupação dos Prédios Públicos, Marchas pelas estradas em Direção as Capitais Estaduais e Capital Nacional. Acampamentos frente aos palácios de Governo Repressão Policial Direta em Escala Local - Aliança com fazendeiros na repressão local, Estadual e Nacional. Ação Sistemática dos Serviços de Informação Nacional Fernando Henrique Cardoso Roberto Requião - Jaime Lerner

Fonte: Elaboração própria
 

Assentamento Santa Maria

O assentamento de Reforma Agrária Santa Maria esta situado na Região Noroeste do Paraná, na cidade de Paranacity e possui uma área de 256.52 ha. A ocupação da terra ocorreu no dia 19 de janeiro de 1993 por um grupo de trabalhadores rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (M.S.T.) Sendo que essa área havia sido declarada de interesse social para fins de Reforma Agrária em 1988 pelo INCRA e desde essa data até 1993 encontrava-se arredada pela industria de açúcar Santa Celestina, descumprindo-se o decreto de desapropriação.

Os trabalhadores que ocuparam a mencionada área objetivavam implantar um sistema coletivo de exploração agrícola, propondo a organização de uma cooperativa de produção. A mesma foi constituída e integrada pelas 29 famílias assentadas na fazenda. A cooperativa foi denominada de COPAVI - Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória Ltda.

Hoje a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (COPAVI), é considerada uma referência importante do processo de inovação agrícola ocorrida nos assentamentos de Reforma Agrária, pelo seu alto grau de desenvolvimento e sua ampla infra-estrutura agro-industrial, veja-se no Quadro 2 a evolução da Copavi.

QUADRO 2

Evolução da produção na Copavi
Ano Atividade criadas Comercialização
1995 Produção manual de Leite Subsistência
1996 Abatedor de frangos e suínos. Pasteurização do leite e empacotamento automático. Ventas por atacado e varejo no Município de Paranacity
1997 Indústria de beneficiamento de cana de açúcar para produzir cachaça, melado e a rapadura Transformação do leite em queijo e yogurth. Utilização da adubação verde. Ventas por atacado e varejo no Município de Paranacity e Cruzeiro do Sul
1998 Produção de salames, lingüiça frescal. Instalação da padaria Ventas por atacado e varejo no Município de Paranacity, Cruzeiro do Sul, Maringá, Jardim Olinda.
1999 Instalação do secador de frutas por energia solar térmica e pré-beneficiamento de hortaliças Ventas por atacado e varejo no Município de Paranacity e Cruzeiro do Sul, Maringá, Jardim Olinda.

Fonte: Trabalho de Campo 1999

O desenvolvimento da agroindustrialização do leite, e em particular o incremento da produção, esta relacionada com a adequação das instalações para inseminação artificial, bem como a elaboração de forragem na mesma área. Este conjunto de medidas técnicas permitem justificar o incremento da produção de leite de 72.000 litros/ano em 1995 para 298.000 litros/ano em 1999.

A inseminação artificial do gado leiteiro é realizada desde finais de 1997. Os efeitos desses cruzamentos começam a ser notados tanto qualitativa como quantitativamente no gado, seja através da comparação visual dos animais, são todos iguais, como no volume crescente de produção de leite no laticínio.

A produção de frangos é outra atividade desenvolvida na cooperativa. Sendo a comercialização destes, como a de outros produtos, realizada através de uma cesta básica nas áreas periféricas dos municípios de Paranacity e Cruzeiro do Sul. A maior parte da população atendida são trabalhadores bóias-frias dos municípios mencionados.

O trabalho de comercialização é efetuado diariamente, através de 4 rotas de distribuição, existindo uma freguesia constante e em crescimento permanente, devido aos preços de venta em média 15 a 20 por cento mais baixos se comparados com os praticados pelos mercados e mini mercados locais.

A cesta comercializada é composta integralmente por mercadorias produzidas no assentamento.

A produção de frangos também é desenvolvida com a utilização de outras tecnologias que não as convencionais, por exemplo a aplicação de antibióticos, muito comum na produção de frangos e que afetam a saúde humana não é realizada.

O volume da produção de frango passou em 1995 de 1.830 kilos anuais para 32.540 kilos em 1999.

Uma outra atividade fundamental desenvolvida no assentamento é o da horta, onde a correção e nutrição do solo é realizada com adubos orgânicos provenientes do esterco dos frangos, gado e produtos da horta não comercializados. Esta atividade se têm apresentado com excelentes resultados uma vez que a clientela está consciente do sistema de produção e da qualidade dos produtos.

A produção de hortaliças rende 30 por cento dos ingresso da cooperativa e o volume produzido em 1995 era de 10.100 kilos ano, sendo que em 1999 o volume anual foi de 65.450 kilos comercializados.

Associada á horta está a incorporação da adubação verde. Isto significa a utilização tecnologias adequadas á conservação específica do tipo de solo que existe no assentamento.

Uma importante inovação, desenvolvida no assentamento, é a secagem de frutas por energia solar térmica. Devemos considerar que a secagem de grãos, frutas e outro produtos agrícolas é uma prática presente desde ha muitos séculos. O principal objetivo da secagem é assegurar a conservação do produto reduzindo seu conteúdo de água. A justificativa da aplicação neste processo de Energia Solar é devido a ser ela uma fonte de energia renovável e que não pode ser monopolizada.

Na Copavi o sistema desenvolvido é a do funcionamento de um secador solar indireto por convecção forçada, com 70 por cento de energia solar. O projeto em funcionamento considera as seguintes etapas:

a.- Maduração das frutas (bananas) dentro de uma câmara durante 24 horas;

b.- Acondicionamento do produto inicial: limpeza e corte das frutas

c.- Secado dentro da câmara, reduzindo a umidade da fruta (banana) até 15 por cento;

d.- Acondicionamento do produto final para distribuição.

A instalação do secador consiste num campo de coletores planos para aquecer o ar do ambiente; um sistema de aquecimento auxiliar para as épocas de baixa radiação solar; um sistema de movimentação do ar; uma câmara de secado e equipamentos de controle e regulação.

O campo de coletores solares é a principal estrutura do sistema, sua função é elevar a temperatura do ar ambiente a uma temperatura de 65 graus celcius. Trata-se de uma superfície de 120 metros quadrados construída na sua parte externa por lâminas de vidro temperados de 8 milímetros e montados na mesma estrutura do edifício. A superfície absorvedora foi desenvolvida com pranchas de 3 milímetros de zinco para cobertura comum e pintada de negro com tinta de alta resistência ao calor. Entre esta superfície e os vidros foi instalada uma película de policarbonato de 0,5 micras, tensado lateralmente.

A parte inferior do painel solar foi isolado através de uma cobertura composta por lã de rocha e PVC, sendo a inclinação dos paneis de 35 graus para uma captação ótima de energia solar durante o ciclo anual.
 

Considerações finais.

O processo de inovação agrícola nos assentamentos e acampamentos, organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), está associado a uma orientação tanto técnica quanto política. Esta orientação visa encontrar caminhos para o desenvolvimento sustentável e aplicação de inovações nos assentamentos, principalmente as elaboradas dentro da realidade dos agricultores.

Uma questão fundamental de tudo isto é a participação direta dos implicados, tanto na toma de decisões como na execução das mesmas. De fato a participação dos agricultores ao longo de todo o processo de gestão implica uns resultados altamente positivos.

Ao mesmo tempo, a superação de uma prática irreflexiva e destrutiva na exploração da terra, bem como de todos os outros recursos naturais, ha sido construída através da permanente informação elaborada pelos técnicos agrícolas que se formam nos centros educacionais do movimento no estado do Rio Grande do Sul, bem pela incorporação ao processo produtivo e organizativo dos filhos de assentados titulados nos centros universitários públicos do país.

Deste processo formativo o princípio da sostenibildade dos solos, considerando seu potencial ecológico, assim como o dos outros recursos naturais é assunto chave.

Não podemos esquecer que a capacidade dos agricultores, para incorporar e assimilar novas culturas e inovações no seu cotidiano, resulta de forma direta da leitura e compreensão política do seu entorno social, processo que caracteriza a organização de base do movimento dos trabalhadores rurais sem terra.
 

Notas

1.Este artigo foi possível no contexto do projeto de Extensão (DEX-UEM) realizado em conjunto com o Grupo de Cooperacció de Terrassa ­ Espanha- e o Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá, e que foi finalizado em novembro de 1999.

2.COSTA, A. A Reforma Agrária no Paraná. Tese de Concurso para Professor Titular - Departamento de História. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1977.

3.O que inserta a Reforma Agrária, no Estado do Paraná, dentro de um processo de modernização dinâmico e contraditório com multiplas facetas e desdobramentos.

4. Este fato pode ser identificado como um traço característico da sociedade contemporânea.

5. Cf. GUERRA, J. U. V. & ROSSATO, G. A Comissão Pastoral da Terra (CPT): notas da sua situação no Estado do Paraná. Boletim de Geografia. Universidade Estadual de Maringá. Maringá Pr., 14(1): 19 - 32, 1996.

6.Cf. STEDILE, J & GORGEN, F. La lucha por la Tierra en Brasil. Barcelona: Pau i Solidaritat, 1997.
 

© Copyright: Jorge Guerra Villalobos, 2000
© Copyright: Scripta Nova, 2000


Menú principal