Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] Nº 69 (6), 1 de agosto de 2000 |
INNOVACIÓN, DESARROLLO Y MEDIO LOCAL.
DIMENSIONES SOCIALES Y ESPACIALES DE LA INNOVACIÓN
Número extraordinario dedicado al II Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
INDÚSTRIA E ENGENHEIROS NO PORTUGAL DE FINS DO SÉCULO
XIX:
O CASO DE UMA RELAÇÃO DIFÍCIL
Maria Paula Diogo
Secção de História e Filosofia da Ciência
/SACSA
Faculdade de Ciências e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa
Os Alvitres, publicados na Revista de Obras Publicas e Minas,em 1899, constituem um documento extremamente interessante para a avaliação do papel dos engenheiros portugueses no processo de implementação da modernidade industrial em Portugal. Os Alvitres são dirigidos simultaneamente ao governo e aos próprios engenheiros (estes na figura da Associação dos Engenheiros Civis portugueses). As primeiras 10 sugestões filiam-se, claramente, numa visão proteccionista, cobrindo três áreas fundamentais: competências específicas e inovação, indústria e mercado de trabalho e sistema educativo. As restantes 8 sugestões devem ser entendidas enquanto medidas de estratégia, permitindo-nos perceber a importância e o poder dos engenheiros portugueses em termos económicos e políticos. Na presente comunicação pretendo analisar os Alvitres como um exemplo das dificeis relações entre a engenharia e a indústria portuguesas em finais do século XIX.
Palavras-chave: engenharia/ indústria/ inovação
The Alvitres (Suggestions), published in the Revista de Obras Publicas e Minas (Journal of Mines and Public Works) in 1899, is an important public statement of the Portuguese engineers about their role in bringing Portugal to the forefront of developed countries. The "Alvitres" are addressed both to the government and to the very Association of Civil Engineers of Portugal. The first 10 suggestions made to the government are clearly inspired by a protectionist philosophy. They cover three main areas: know-how and innovation, industry as a new market for young engineers, and the educational system. The remaining 8 allow us to foresee both the strategies and the power of the Association as a lobby within the Portuguese economic and political circles.In this paper I shall look at the "Alvitres", as an important episode which unveils the difficult relationship between engineering and industry in 19th century Portugal.
Key-words: engineering/ industry/ innovation.
Situada numa órbita periférica no contexto da economia internacional e envolvida numa relação de subordinação face à Inglaterra1, a economia portuguesa conservou uma matriz tradicional, assente numa agricultura arcaica, até ao século XIX, não obstante as políticas de fomento industrial do Conde da Ericeira (século XVII) e do Marquês de Pombal (século XVIII), verdadeiros referenciais para o século XIX.
É, pois, o século XIX que cristaliza a temática da modernização e da industrialização portuguesas, da descontinuidade do seu crescimento, bem traduzida no conceito de "surto industrializador"2. Esta descontinuidade que se manifesta no espaço e, principalmente, no tempo, resulta de uma articulação específica e assimétrica entre os ritmos de crescimento agrícola, comercial e industrial e os efeitos conjunturais do princípio do período oitocentista, que se ligam à instabilidade política das lutas liberais e à perca de mercados ultramarinos (o Brasil tornara-se independente e as colónias de África não se encontravam ainda integradas no espaço económico nacional).
Mesmo assim, do ponto de vista qualitativo, é possível encontrar, desde o arranque industrial de 1812-1826, elementos que apontam para uma transformação do tecido socio-económico e tecnológico do sector industrial português, traduzida num aumento de estabelecimentos industriais e nas primeiras tentativas de emprego da máquina a vapor3 e apoiada no trabalho de ideólogos pró-industrialistas como José Acúrcio das Neves e Oliveira Marreca.
Será, contudo, a partir de 1835 que se esboçam as condições para a implantação da indústria moderna em Portugal, definida, basicamente, por uma alteração na natureza das condições materiais de produção, introduzida a partir da nova dimensão das células produtivas (as fábricas, apesar do peso da pequena indústria no nosso país), das novas formas de maquinismo e da utilização de fontes energéticas não musculares (a energia a vapor). São significativos neste percurso de mudança estrutural da indústria, a difusão do emprego da máquina a vapor, apesar da sua potência ser, em regra, bastante reduzida, e o aumento do número de estabelecimentos fabris e de operários por fábrica. Estes elementos reveladores de uma atitude de modernização operam-se em dois sectores fundamentais da indústria: nos texteis (que são, sem dúvida, o sector fundamental) e na metalurgia, sendo nesta última particularmente importante a área dos bens de consumo.
O arranque iniciado cerca de 1835 configura uma fase de desenvolvimento industrial que se prolonga até 1850, nos primórdios do fontismo.
Quadro 1 - Situação da indústria portuguesa
(1852)4
Ramo de actividade | Estabelecimentos fabris | Número de operários |
Fiação e tecidos | 189 | 8562 |
Tinturaria | 17 | 1191 |
Papel e Cartão | 28 | 1071 |
Cerâmica e Vidro | 16 | 905 |
Fundição | 12 | 764 |
Produtos Químicos | 3 | 70 |
Cortiça | 4 | 164 |
Saboarias | 1 | 64 |
A partir de 1850 inicia-se o período do fontismo, que marca uma modificação sensível na orientação económica portuguesa, favorecendo a esfera da circulação, através do desenvolvimento das vias de comunicação e, nomeadamente, do caminho de ferro. O caminho de ferro assume um papel determinante na estruturação das zonas económicas do país, bem como dos seus ritmos desiguais de crescimento, introduzindo Portugal na teia de relaçöes económicas modernas. Assim, e apesar das suas características socio-económicas específicas, a Regeneração lançou as bases da estrutura capitalista moderna no nosso país, actuando, não só no eixo económico e financeiro, mas também na definição de um novo quadro jurídico, populacional, cultural e técnico.
A crise mundial de meados dos anos 60 atravessa a economia portuguesa sob as formas de uma diminuição do produto nacional per capita e das relações comerciais com o exterior e de uma consequente desacelaração da produção industrial. Será a partir de 1870 que se desenha uma reanimação na economia nacional, que se traduz, na área da indústria, no "salto industrial dos anos 70"5, que se prolongará, ainda que com uma certa irregularidade de ritmos de crescimento, até ao ínicio da I Guerra Mundial. É possível delimitar, no interior deste período, alguns momentos de crescimento mais acentuado: 1872-1875, 1881-(1883), 1886-1890, 1897-1907 e 1910-19136.
O crescimento industrial da década de 70, resulta da convergência de uma situação de prosperidade agrícola, traduzida no volume das exportaçöes primárias, e da dilatação do mercado da procura interna, operada com base no aumento do produto nacional bruto per capita e na própria redimensionação desse mesmo mercado a par de uma conjuntura externa favorável, marcada por uma baixa de preços das matérias-primas e dos bens intermédios e de uma reorientação de investimentos das economias do centro industrial para a periferia.
O Inquérito Industrial de 1881 espelha em termos globais, e apesar das acentuadas diferenças qualitativas entre os polos industriais de Lisboa e Porto e das assimetrias regionais, um efectivo desenvolvimento da indústria moderna em Portugal, que se traduz pelo aumento dos estabelecimentos fabris com mais de 10 pessoas e do número de operários envolvidos nos vários sectores e por um incremento no nível tecnológico.
Os primeiros anos da década de 90 inserem-se numa conjuntura de crise económica e política, marcada pela reorganização internacional das estruturas de produção e circulação (a nova ordem mundial saída da Conferência de Berlim) e acentuada por uma diminuição da capacidade financeira das remessas dos emigrantes no Brasil, que tão importantes haviam sido para o equílibrio da balança comercial no interior do modelo económico liberal. Os défices orçamental e comercial agravam-se sensivelmente a partir de 1888.
O clima de recessão da crise de 1890-92 afecta de forma diferenciada os vários sectores da economia, manifestando-se de forma muito mais clara no sector da agricultura ligado à exportação do que nas actividades industriais; ao contrário, mesmo, o período que sucede aos anos da crise é caracterizado por um novo salto industrial, assente numa reorientação dos investimentos do sector exportador em crise para o sector industrial, cuja elasticidade permite uma maior rentabilização (veja-se a atitude proteccionista da Pauta de 1892). Assim se compreende que entre 1891 e 1898, o valor da produção industrial tenha aumentado significativamente, bem como o valor da importação de maquinaria.
Neste contexto de afirmação de uma nova realidade industrial, qual o comportamento dos engenheiros portugueses?
Se as obras públicas continuam a ocupar a fatia mais significativa da engenharia portuguesa, o seu carácter de quase exclusividade que marcara os trinta anos precedentes, dá lugar a uma diversificação de interesses centrada na actividade industrial, interagindo de forma dialética com um quadro económico favorável a uma orientação dos investimentos do sector exportador para o produtor. Fazendo eco destas novas vertentes disponíveis para a intervenção do engenheiro, refere a direcção no seu relatório sobre o ano de 1895: "Cabe de certo n'este logar, dar algumas indicaçöes sobre o desenvolvimento d'este ramo da actividade humana (a industria) para o qual se vão já voltando, com manifesta vantagem, as attençöes de alguns dos nossos collegas (...)7.
Logo em 1891, a Revista de Obras Públicas e Minas (o orgão da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, a única associação profissional de engenharia em Portugal) publica um relatório sobre os cimentos nacionais, pelo engenheiro Castanheira das Neves8, precisamente no momento em que este sector produtivo passa a ser dominado por indústrias nacionais (até 1890 o cimento usado é, maioritariamente importado; em 1892-93 é estabelecida am Alhandra uma fábrica de cimento artificial de Portland).
Em 1893 o engenheiro A.A. Freire de Andrade escreve um artigo sobre "A indústria de antimonio no Douro"9; no mesmo ano, a secção noticiosa da Revista de Obras Públicas e Minas dos meses de Março e Abril, faz uma breve descrição da visita à Empreza Industrial Portugueza, fábrica situada em Santo Amaro, considerada um "(...) magnifico estabelecimento seguramente um dos mais importantes do nosso paiz e dos que mais honram a industria nacional (...)10 e à qual a direcção da Associação dos Engenheiros Civis Portuguezes havia solicitado a realização da referida visita de estudo; em 1894 publica-se o artigo "Introdução de novas industrias. Fabrico do ferro e aço"11,abordagem de um tema que será marcante no contexto da indústria nacional - o da fragilidade da metalurgia e o da incapacidade de afirmação da siderurgia -, questão igualmente levantada no relatório da direcção desse ano.
Em 1898 a 6ª classe - Engenharia industrial, machinas, electricidade - (formada na sequência de modificaçöes estatutárias votadas em 1897) apresenta, sob a forma de uma exposição ao Presidente da Associação dos Engenheiros Civis Portuguezes, um documento extremamente importante em que se faz o ponto da situação das relaçöes existentes entre a classe dos engenheiros e a indústria nacional, focando três aspectos fundamentais:
Na introdução, o carácter inovador da área da engenharia industrial no nosso país é acentuado: " O esclarecido espirito de v. exa. (...) voltou-se para o ramo da engenheria industrial como para um campo novo, pouco explorado entre nós e de largos horisontes talvez. realmente, os accentuados progressos da industria fabril em portugal, demonstrado pelas estatisticas, revelados com a evidencia dos numeros nas cifras das importaçöes decrescentes dos produtos manufacturados, crescentes das materias primas e das exportaçöes (...), põem tambem em evidencia que se vae abrindo uma via nova para a actividade e sciencia dos nossos engenheiros, que poderão adoptar o ramo industrial, ligando os seus nomes ao desenvolvimento do trabahlo fabril e contribuindo directamente para a riqueza do paiz."12.as exigências de formação de pessoal técnico superior capaz de responder às necessidades de uma indústria cada vez mais dependente de um saber teórico-prático especializado; as potencialidades do sector industrial na perspectiva de mercado de trabalho aberto aos novos formados em engenharia; as reformas necessárias, em termos da estrutura de ensino, para adequar os conteúdos didáticos dos diversos cursos às expectativas do meio industrial.
A riqueza deste relatório, justifica uma abordagem detalhada das suas proposta e do debate que elas motivaram; nas suas linhas ficam expostos os principais pontos de fricção entre a comunidade de engenheiros e o meio industrial, bem como as dificuldades sentidas por aqueles em consolidar, fora da área tradicional das obras públicas, e quer no plano interno (entre os restantes engenheiros) como externo (nomeadamente para os agentes económicos ligados à indústria), um estatuto de especialista; por outro lado, este relatório, ao ser motivado, de forma explicita, por preocupaçöes relativas ao mercado profissional e ao expôr medidas que nele intervêm, indicia uma ampliação das fronteiras de intervenção da Associação dos Engenheiros Civis Portuguezes, incorporando nas suas preocupaçöes, a par da vertente académica, científica e doutrinária tradicional, o elemento associativo entendido no sentido da defesa de interesses profissionais.
Subjacentes a toda a exposição estão dois elementos cruciais - a formação de engenheiros industriais e a definição de um espaço de trabalho para esta área. É neste sentido que o projecto propõe a criação de um curso de engenharia industrial e define um conjunto de medidas proteccionistas dos engenheiros industriais centradas na obrigatoriedade de contratação de pelo menos um engenheiro nacional nas principais indústrias portuguesas e na criação de um quadro autónomo para este ramo da engenharia no corpo de engenheiros do ministerio das obras publicas.
A criação de um curso de engenharia industrial (alvitre 1), caracterizado por um correcta articulação as áreas teórica e prática (alvitre 2), é justificada pelo crescimento da engenharia, o que obrigaria a uma maior especialização: "Um engenheiro, se quer ser eminente em estradas e pontes, tem, salvo raras excepçöes, de desamparar a hydraulica, a architectura, etc. (…) Já não bastam os architectos, os engenheiros navaes, os machinistas, os engenheiros civis, os engenheiros de minas, os engenheiros industriaes; ha os engenheiros chimicos, os engenheiros electricistas, os engenheiros de polvoras e salitres, os engenheiros de machinas, etc."13.
O modelo estrangeiro serve de referente: "(...) é certo que muito teria a ganhar com um estudo, na escola em que se fórma, orientado desde logo para a profissão especial que se adopta. Assim se tem comprehendido, nos ricos e florescentes paizes (...). Ahi differenciam-se as escolas de engenheria, nos seus grandes ramos, e continuam a subdividir-se á medida que os progressos da civilização introduzem novas exigências."14. No caso português, refere criticamente a comissão:"No nosso paiz não se tem pensado assim, e, havendo n'elle duas escolas onde se formam engenheiros, em vez de as especialisarmos, antes as tornâmos analogas, aggravando ainda esta má orientação pedagógica com uma preparação em sciencias abstractas, luxuosa, por vezes esteril e sempre demasiado longa"15.
Paralelamente a esta reforma na estrutura do ensino superior, toda a rede do ensino técnico, nos seus níveis elementar e médio, deveria sofrer idêntica reestruturação, orientando-se no sentido de uma maior aproximação ao campo específico da engenharia (alvitre 4).
No plano da integração dos engenheiros industriais no sector produtivo, a comissão aponta a tendência para as empresas que empregam técnicos superiores e médios da área da engenharia preferirem estrangeiros: "É de suppor que a indústria nacional, tão desconfiada para a competência dos nossos engenheiros, que só julga idoneos para estradas, caminhos de ferro e pontes ou edificios, começasse a olhar menos suspicaz para os engenheiros industriaes. com a respectiva carta, que dirigiam para a actividade fabril os seus estudos e se prestavam a trabalhar ao lado dos seus operários. (...) Haveria, do mesmo passo, menos desculpas para a importação de engenheiros e mestres estrangeiros"16.
De facto, e recordando aqui os dados referentes ao Inquérito Industrial de 1881 (Parte II - Visita às fábricas), que, tendo em conta o comportamento das restantes variáveis económicas, pouco diferirão dos da década posterior, das 9 empresas que declaram a existência de engenheiros nos seus quadros, 6 têm ao seu serviço estrangeiros (ingleses, franceses, belgas e espanhois), 2 parecem ser portugueses (apesar de não haver uma referência explícita) e um terceiro, este de facto português, "(...) frequentou diversas cadeiras do Instituto Industrial de Lisboa, mas nunca fez exame senão de desenho linear"17, pelo que não podemos designá-lo, na realidade, como engenheiro.
A imposição de contratação de um engenheiro português nas indústrias mais significativas (alvitres 5, 6,e 7) concessionadas pelo estado, quer pelo seu peso quer pelo seu papel no quadro da estrutura produtiva (transportes, iluminação a gás ou electricidade), medida claramente proteccionista, visa, pois, fomentar a abertura de um sector ainda por explorar do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que afirma a importância de um corpo técnico especializado no contexto da indústria moderna: "O Estado, que concede um certo privilegio de onde podem advir para o concessionario alguns beneficios, tem o direito de fazer-lhe exigências especiaes, podendo, portanto, aproveitar esse ensejo para impor a admissão dos engenheiros diplomados pelas suas escolas. E tanto mais facil se torna isto, que a imposição se traduz por um beneficio à propria industria que, ajudada pela sciencia de um engenheiro, tem maiores garantias de prosperidade"18.
Estas medidas proteccionistas a impôr quer às situações existentes, quer aos concessionários de patentes de introdução de novas indústrias, abrangem o teritório metropolitano e as colónias, cujo peso político, naturalmente, se acentua neste período (é de lembrar que estamos em pleno período pós-Conferência de Berlim e pós-Ultimatum) – "As nações coloniais quando querem tomar posse efectiva de um dos seus domínios extendem pelo sertão as linhas de aço das suas vias e mandam para lá engenheiros como d’ antes se mandavam soldados"19. Por outro lado, o próprio Estado enquanto grande empresário deveria associar-se a este esforço de integração do expertise da engenharia nacional no tecido industrial, criando um quadro específico para os engenheiros industriais no Corpo de Engenheiros do Ministério das Obras Públicas e privilegiando, aqui num contexto mais global, a sua intervenção enquanto pessoal técnicodas câmaras municipais.
A segunda parte dos "Alvitres" (alínea B) propõe uma série de medidas no sentido de divulgar a engenharia industrial e de a aproximar do sector produtivo, a promover pela Associação dos Engenheiros Civis Portuguezes. A "(…) collocação dos nossos engenheiros no serviço das emprezas particulares (…)"20 constitui o objectivo fulcral, ao qual se subordinam as sugestões de actuação enunciadas nas várias alíneas: o acesso a estágios nas empresas, uma relação mais vívida com as associações industriais, a publicação de uma separata da revista de Obras Públicas e Minas dedicada à área da indústria, a realização de visitas de estudo a estabelecimentos industriais.
Em termos dos contactos directos entre engenheiros e industriais, propõe-se, para o sector dos novos engenheiros, estágios práticos em oficinas e laboratórios com diploma final de aproveitamento, enquanto que para os engenheiros já com uma carreira estabelecida se apontam para as visitas de estudo como forma privilegiada para se estreitarem relações.
Os contactos no plano institucional são também encarados como fundamentais. As relações entre a Associação dos Engenheiros Civis Portuguezes e as associações industriais devem constituir um objectivo primordial, acompanhado por uma maior visibilidade do interesse da engenharia pela actividade da indústria. É proposta a criação de uma separata da R.O.P.M. exclusivamente dedicada à indústria (que, inclusivamente, poderia ser assinada autonomamente) e onde se dariam notícias quer de índole generalista - "Seria uma secção de vulgarização mais acessivel ao publico, noticiosa e simples. Os gerentes e propaietarios de fabricas haviam de ser sensiveis á consideração que se lhes desse n'um jornal que falasse das suas instalaçöes e dos seus produtos"21, quer mais concretas, sobre aperfeiçoamentos introduzidos pelos industriais, e que seriam alvo de uma visita in loco e posterior descrição por um engenheiro da Associação.
O debate em torno dos Alvitres prolonga-se por duas sessöes extraordinárias do mês de Maio de 1899 (dias 13 e 20), acabando por serem aprovados integralmente os alvitres 2, 4, 8, 9, 10 e todas as recomendaçöes da alínea B, ser modificada a redacção dos artigos 5, 6 e 7 no sentido de alargar e maleabilizar o seu campo de acção (a imposição de contratação passa a ser em termos de pessoal técnico com diploma em cursos especiais e não exclusivamente de engenheiros) e serem adidados, para permitir estudos mais profundos, os alvitres 1 e 3 (criação de um curso de engenharia industrial e de uma secção de engenheiros industriais no Ministério das Obras Públicas).
Os Alvitres, embora, naturalmente, não modificassem de
imediato as relações entre a engenharia e a indústria
portuguesas, constituem um documento fundamental para a compreender a sua
complexidade, permitindo-nos aperceber, ainda no século XIX, um
empenhamento real, por parte dos engenheiros, na área produtiva,
que o peso das obras públicas quase sempre tem obscurecido.
Notas
1.Cf. CASTRO, Armando de. O Predomínio Inglês em Portugal. In SERRAO, Joel e MARTINS, Gabriela. Da Indústria Portuguesa do Antigo Regime ao Capitalismo. Lisboa: 1978, p.310-324; HALPERN PEREIRA, Miriam. Livre-Câmbio e Desenvolvimento Económico- Portugal na Segunda Metade do Século XX, Lisboa, 1983, passim; MAGALHAES GODINHO, Victorino. Estruturas da Antiga Sociedade Portuguesa, Lisboa: 1975, passim.
2.Cf. JUSTINO, David. A Formação do Espaço Económico Nacional - Portugal 1810-1913, Lisboa: s.d., Vol.2, p. 122.
3.Cf. JUSTINO, David. Op. Cit., Vol2, p.125.
4.Cf. Inquérito Industrial de 1852. O quadro é elaborado a partir dos dados de Charles Vogel, citados por Manuel Villaverde Cabral, O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no Século XIX, Lisboa, 1976, p. 199.
5.VILLAVERDA CABRAL, Manuel. Op. Cit. p.270.
6.JUSTINO, David. Op. Cit., Vol.2, p.123.
7.Revista de Obras Publicas e Minas (R.O.P.M.), "Relatorio e Contas da Associaçäo dos Engenheiros Civis Portuguezes com referencia ao anno de 1895" Ano XXVII, Tomo XXVII, ns. 313/315, Janeiro/Março, 1896, p.73.
8.CASTANHEIRA DAS NEVES, J. P. Estudo sobre cimentos nacionaes. R.O.P.M., Ano XXII, Tomo XXII, Ns. 268/270, Abril/Junho 1891, pp. 181-239.
9.FREIRE DE ANDRADE, A. A. A industria de antimonio no Douro. R.O.P.M., Ano XXIV, Tomo XXIV, ns. 285/286, Setembro/Outubro 1893, pp.485 -493.
10.R.O.P.M. Empreza Industrial Portugueza. Ano XXIV, Tomo XXIV, ns. 279/280, Março/Abril 1893, pp. 145-148.
11.R. O.P.M. Introdução de novas industrias. Fabrico de ferro e aço.Ano XXV, Tomo XXV, ns. 291/292, Março/Abril 1894, pp. 126-174.
12.R.O.P.M. Exposição. Acta da sessão de 6 de Maio de 1899, Ano XXX, Tomo XXX, ns.353/354, Maio/Junho 1899, p.377.
17.Inquérito Industrial de 1881 -II Parte - Visita às fábricas , Lisboa, 1881, p.217.
18.R .O.P.M., Exposição.Acta
da sessão de 6 de Maio de 1899. Ano XXX, Tomo XXX,
ns.353/354, Maio/Junho
1899, p. 382.
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