Scripta Nova  Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 45 (53), 1 de agosto de 1999
 

IBEROAMÉRICA ANTE LOS RETOS DEL SIGLO  XXI.
Número extraordinario dedicado al I Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

GEOGRAFIA E SEXO: OS DISCURSOS E PRÁTICAS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO.

Jorge U. Guerra Villalobos
Departamento de Geografia
Universidade Estadual de Maringá 


Resumo

Este trabalho têm por objetivo discutir as relações entre o sexo e o território. Isto, percorrendo dois caminhos, por um lado através da analise das imagens dos viajantes ao Brasil nos século XVI e por outro, através dos territórios do sexo construídos nos centros urbanos e garimpos do Brasil contemporâneo.


Neste artigo, como uma primeira aproximação ao tema, pretendo explorar, desde a perspectiva de um geógrafo-historiador, as relações estabelecidas entre o sexo e o território, reconhecendo os elementos que permanecem e estruturam-se ao longo das imagens e discursos antigos e novos a esse respeito.

Seja no estilo puramente descritivo, como no modelo comparativo da Geografia, tanto a pré-científica quanto na científica, há existido a tendência de pensar que "os fatores do ambiente físico possuem um importante papel no físico da população"(1).

Essa linha de raciocínio marcou os trabalhos de diversos autores durante séculos, por exemplo, Lucrécio, Políbio, Galeno e Hipócrates, produziram explicações ambientalistas para as questões humanas. Nesse mesmo sentido a "reflexão a respeito das inclinações dos povos segundo sua posição latitudinal e cardinal, a orientação e o relevo, levou a um jurista como Bodino (1576)"(2) a estabelecer as relações entre esses fatores e o constituição dos governos.

Dentro dessa perspectiva, na primeira parte deste trabalho discutirei a contribuição de relatos de viagem por terras Americana, em concreto ao Brasil, e que foram profundamente significativos, tanto para confirmar como discordar da relação qualidade da terra e sexo.

Assim por exemplo, Jean de Léry na sua obra Viagem à terra do Brasil, redigida em meados do século XVI, escreveu "direi mais que a pesar do clima da região em que habitam e não obstante serem orientais, nem os mancebos nem as donzelas núbeis da terra se entregam à devassidão como fora de supor"(3). Isto implica em reconhecer que o clima estaria determinando certos comportamentos humanos, considerados como desvios sociais.

A narrativa dos viajantes a América, a qual podemos associar de modo direto com a ação dos geógrafos modernos, tiveram um importante papel no reconhecimento do território, principalmente para os governos europeus. Seus relatos marcaram o imaginário fabuloso das terras ignotas e das mulheres exuberantes que as habitavam.

Na segunda parte deste artigo, discutirei, a relação entre sexo e território, fazendo uma caminhada, pelos centros urbanos e garimpos, como forma de reencontrar o tema deste artigo no Brasil do presente.

A respeito da primeira parte podemos lembrar que, as terras desconhecidas sempre produziam uma reiterada referência ao sexo e a sensualidade de seus habitantes. Nesses discursos, de modo quase direto, estabelecia-se uma relação entre a qualidade da terra e dos seus moradores, aos quais associassem costumes estranhos, mas ao mesmo tempo desejáveis, num ambiente exuberante, luxurioso, desconhecido, frondoso e formoso.

Este artigo navega, dentro de uma concepção mais ampla, dada a partir do trabalho de Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Visão do Paraíso. Esse autor foi um dos primeiros a tratar o imaginário português nas terras brasileiras, analisando com profundidade os documentos portugueses, a respeito da imagem que estes faziam do Brasil.

Destacando-se, dessa análise o descobrimento de um imaginário edênico das terras brasileiras, visão ancorada na qualidade do meio físico, com um clima e umas terras que são para "satisfação da vista e a conservação da vida"(4). Posteriormente, Laura de Mello e Souza(5), em O diabo e a Terra de Santa Cruz, retomou a linha de pensamento de Holanda, discutindo, não somente a questão do edênico, mas a perspectiva demoníaca das terras brasileiras. Dentro do referencial dessas visões é que este artigo dialoga.
 

Os discursos dos viajantes europeus ao Brasil

A América representava, para o universo europeu a terra nova e fértil, sendo comum, no início do século XVI, encontrar textos que referiam-se a fertilidade do solo americano da seguinte maneira, como o fez Jean de Léry, na sua obra Viagem à Terra do Brasil quando afirma: "cada grão produz de cem a quinhentos e às vezes seiscentos, o que também demonstra a fertilidade dessa terra" (6), sendo que "alguém já escreveu que em certos lugares da Índia Oriental "a terra é tão boa que o trigo, o centeio e o milho excedem a quinze côvados de altura"(7).

As idéias da relação entre a fertilidade do solo e o vigor humano, de certa forma estão associadas com visões que permaneceram no universo filosófico e popular nitidamente até o século XVIII, o que nos leva a creditar uma longa tradição no assunto.

Podemos encontrar nos textos de Lucrécio(8), uma passagem que reflete o vínculo entre o solo e as pessoas quando trata das "primeiras produções da terra: vegetais, animais e espécie humana"(9), uma mesma relação também aparece quando afirma, que a terra nova e fértil criou os seres mortais, sendo que "dos poros da terra saia um suco similar a leite [...] e sustentava as crianças"(10), mantendo-lhes com o calor e as ervas que lhes serviam de leitos. Assim a terra quando se cansou, isto é, perdeu a fertilidade, "como a mulher consumida pelos anos, [...] perdeu a energia"(11).

Lucrécio insiste e conclui que há uma relação nítida entre fertilidade do solo e dos homens que nele habitam, afirmando que os "homens nascidos da terra nova eram mais fortes que os de hoje, e isto porque a terra dos quais nasceram era mais vigorosa e forte"(12).

Nesse texto estamos frente a uma relação entre força e vida, causado pelo vigor da terra, que no século XVI, associara-se de forma direta com a perspectiva das terra Americanas.

Para encontrar de modo mais intenso esta relação nos discursos dos viajantes a América, e em particular ao Brasil, vejamos a obra de Hans Staden, um marinheiro mercenário(13) alemão, que em meados do século XVI publicou um livro no qual narrava sua estória de ter sido prisioneiro dos índios Tupinambás no litoral paulista-paranaese, e de como terminou voltando à Europa sem ter sido devorado por eles.

Nesse livro Staden afirma que "é uma terra bonita"(14) "e vasta"(15) e "os habitantes andam nus"(16), "são gente bonita de corpo e estatura"(17), e "as mulheres pintam a parte inferior do rosto e o corpo todo [e] deixam os cabelos crescer"(18). Sendo que a "maioria dos homens tem só uma mulher, alguns porém têm mais, e muitos dos seus principais têm treze ou quatorze."(19).

Nessas terras, quando alguém é prisioneiro "dançam-lhe em torno e amarram-no bem, afim de que não lhes possa escapar. Dão-lhe então uma mulher, que dele cuida, servindo-o também"(20).

Num dos desenhos que acompanham a obra de Staden, aparecem mulheres pintando e aproximando-se dele numa forma ameaçadora, provocativa, elas são vistas como sensualmente perigosas, são muitas e estão todas elas nuas, na caça do homem, que irão a devorar. Pode ser muito mais que um simples desenho de um homem assustado, que descreve um ritual brasileiro, nele também estão envolvidas suas expectativas da terra e dos seus habitantes.

Gambini, um autor reconhecido academicamente no campo da psicologia, afirma que o "impacto visual dessas imagens é tão forte que me pergunto o efeito que poderiam então ter tido sobre a imaginação do observador, combinando o exótico, o erótico e o macabro"(21).A obra de Staden foi publicada originalmente em 1557 na cidade de Marburgo e teve numerosas reedições.

Numa outra direção, porém convergente e complementar, ou seja, desde um ponto de vista moral-religioso, a terra, apresentava-se como assustadora e selvagem.

Nesse sentido, o padre Anchieta, famoso jesuíta do século XVI, conhecido pela sua ação catequisadora no Brasil, "observa que os índios pronunciam sem qualquer vergonha o nome de sue órgãos sexuais"(22) [e eles] utilizavam uma taturana[a qual esfregavam] no membro viril 'que se exita em veemente e ardente luxúria e incha'"(23).

Ao que tudo indica, a terra fértil e o vigor natural dos habitantes destas regiões obriga aos religiosos a solicitar ao rei de Portugal o envio de vestimentas para os indígenas(24). Assim a terra é um duplo perigo não somente pela ameaça de morte nos confrontos de resistência indígena, mas também pelas formas com as quais esses habitantes lidavam com a sua sexualidade e sensualidade.

Mas a questão que a terra brasileira provocava era, entre outras, "o contraste com as mulheres devotas, submissas e contidas que conheciam, os conquistadores [nas suas terras de origem. No Brasil as mulheres apareciam], sedutoras e acima de tudo disponíveis e nuas, com quêm podiam pôr em prática suas fantasias sexuais sem maiores restrições"(25). Assim também os padres sentiam-se na necessidade de andar por estas terras de modo muito reto, por causa das provocações das índias(26).

Jean de Léry (27), autor da obra Viagem à terra do Brasil, afirma que os Tupinambás, "poucos são os que na velhice têm cabelos brancos ou grisalhos, o que demostra não só o bom clima da terra, sem geadas nem frios excessivos que perturbem"(28). Isso enfatizava uma característica peculiar da terra e dos habitantes, e nas suas palavras era: "o que mais nos maravilhava nessas brasileiras era o fato de que, não obstante não pintarem o corpo, braço, coxas e pernas [...] nem se cobrirem de penas, nunca pudemos conseguir que se vestissem(29). Se mantém nuas por puro prazer"(30).

A sensualidade dessa terra fértil aparece de manifesto, com muita clareza quando Léry descreve sua visão a respeito dos esforços por vestir as mulheres indígenas, ele afirma: "e tão forte era esse hábito e tanto se deleitavam com a nudez que não só se obstinavam em não se vestir as mulheres dos Tupinambás [...] mas ainda as próprias prisioneiras de guerra, que compráramos, e conservávamos no forte [...]embora as cobríssemos à força, despiam-se às escondidas ao cair da noite e passeavam nuas pela ilha"(31).

Léry, ao comentar a vida sexual dos conquistadores e sua relação com os habitantes da terra, narra o seguinte episódio: "antes de nossa chegada ao Brasil [refere-se à chegada dos franceses protestantes à baía de Guanabara em meados de 1600] os interpretes normandos abusavam das raparigas em muitas aldeias mas nem por isso ficavam difamadas e quando se casavam procuravam não mais claudicar"(32).

Assim o Brasil, terra nova, fértil e de símbolos femininos "desde a época de Vespúcio até o século passado [...] desempenhou um enorme papel na imaginação do europeu"(33) no que respeita à sensualidade e a sexualidade das mulheres, curiosamente as narrativas que comentam as características masculinas, emergiram tardiamente a meados dos anos cinqüenta deste século.

As imagens mentais das terras brasileiras, simbolizadas pela leitura estrangeira e dominada pelos valores dos homens conquistadores, criam uma imagem associada entre a qualidade da terra e os indígenas, que tardiamente será superada, no entanto ainda hoje persiste no Brasil(34).

Deixemos, por um momento a leitura das novas terras brasileiras e vejamos as outras considerações a respeito do nosso tema.

A geografia também é associada com o território e reconhecida como a ciência da territorialidade. De fato território é um termo jurídico-político(35), mas que tem sido utilizado tanto pelos antropólogos quanto pelos geógrafos como o espaço construído e apropriado pelas ações sociais. Nesse sentido a ação social, que envolve o sexo também, constrói territórios.
 

Territórios do sexo e centros urbanos
 

Sabemos que o centro da cidade é um lugar, que pela dinâmica urbana tanto moderna quanto contemporânea, modificou substancialmente suas funções. Pensar a cidade, qualquer que ela seja, nos lembra sempre movimento e modificação nas suas funções, ainda mais quando a considerarmos no movimento que decorre no transcurso do dia. Coincidente com essa situação Castells(36) reconhece o centro da cidade como o lugar de intercâmbios por excelência.

Mas a deterioração, que pelo geral acompanha o centro urbano, está associado também ao surgimento de atividades noturnas do tipo "festivas"(37), que constitui um espaço estruturado do centro, denominado de "Boca(s)", associadas ao antigo centro ou bem a um bairro que lhe é próximo.

Lucila Herman, num estudo do desenvolvimento da cidade de São Paulo(38) aponta que "apenas as meretrizes encontram aí afinidade e centro profissional"(39). Num outro trabalho, escrito por Barbosa da Silva, em 1959, também referente à cidade de São Paulo, reconhece que a região central está associada também a uma área ocupada por homossexuais, essa região é "formada pela confluência das avenidas São João e Ipiranga"(40).

Por outro lado, na cidade do Rio de Janeiro, em meados do século XIX, sua elite preocupada em resolver os problemas decorrentes da expansão da sífilis entre os habitantes, a qual havia provocado inúmeras discussões médicas referentes à forma de controlá-la, propunha-se seriamente uma ação que permitisse o controle da prostituição, considerada a causa do drama que vivia a sociedade Carioca e em particular a família dessa cidade.

Com essa perspectiva o doutor Macedo Júnior, pretendia regularizar a prostituição na cidade do Rio, por meio da institucionalização do Bordel, bem como pela definição de áreas exclusivas para a prostituição.

O objetivo disso era poder criar assim "um meio de diminuir a possibilidade de contaminação da população considerada moralmente sadia, desse modo também evitar a provocação pública, nas ruas e nas praças, nos teatros e nos templos, ao pé dos colégios e das fábricas"(41).

Outro texto da época é contundente, e nele afirma-se que "as mulheres públicas devem estar sujeitas à vigilância imediata, e por isso é conveniente acantoná-las nas ruas de menos trânsito"(42). Claramente trata-se da constituição de um território controlável, no qual a todo e a qualquer momento a ordem e a moral pudessem ser impostas.

Porém, para que um território do sexo seja constituído, não é somente através da imposição direta, outros mecanismos sociais devem aparecem em jogo.

Um território é composto também por limites os quais permitem traçar uma região, isto é um lugar específico e único, onde um conjunto de elementos organizam-se e apresentam-se de forma peculiar.

Quando pensamos nas regiões do sexo numa cidade, nos deparamos com um conjunto de elementos associados. Ruas calmas, e perpendiculares a avenidas, uma concentração de grupos heterogêneos de uma fauna particular de espécies noturna de pessoas, assim como um conjunto de atividades vinculadas, como bares, hotéis, saunas, discotecas, terminais de ônibus.

Nessa perspectiva o território do sexo forma uma articulação espacial através dos hotéis, motéis, bares e os estacionamentos isolados. Essa pluralidade de lugares conformam uma unidade territorial, mas nestes momentos, interessa-nos o lugar do encontro ou do ponto, como os especialista denominam o espaço onde as pessoas transitam para serem procuradas e levadas.

Na cidade de São Paulo, assim como em numerosas cidades de diferentes tamanhos, encontramos territórios do sexo. Comentemos em particular um, que foi amplamente analisado por Perlongher(43) em 1987, trata-se do território dos michê na cidade de São Paulo.

O michê deve ser entendido como "uma espécie sui generis de cultores da prostituição: varões geralmente jovens que se prostituem sem abdicar dos protótipos gestuais e discursivos da masculinidade em sua apresentação perante o cliente"(44).

Estamos entrando no território dos michês, quando vemos seus códigos explícitos sendo executados por uns jovens de"tênis, calça branca ou jeans desbotados, [sempre ajustados] para aparentar pernas de jogador de futebol [...] e ressaltando sua protuberância genital. Geralmente o michê fica tocando-se o pênis, [...] nunca andam muito rápido, mão no bolso, gestos bem másculos [...] O cabelo nunca bem penteado, para dar a impressão de tosco, de bruto"(45).

Seu território está constituído por três áreas: Ipiranga, São Luís e Marquês e uma sub-área no Largo do Arouche. No entanto, esse território possui pontos específicos de ação, como cinemas e mictórios, o que corresponde a um processo de especialização territorial. Na cidade de São Paulo podemos citar o cinema Palacete, Ártico e Lira e no Rio de Janeiro(46), os banheiros da Central do Brasil.

O território Paulista, que estamos comentando, é composto principalmente pelas calçadas, que é por onde transitam os michês, através desse movimento são delimitados os espaços.

Mas o movimento, não somente aquele desenvolvido nas calçadas, mas também o associado à expansão do território, forma parte da mobilidade própria do negócio. O nomadismo, nesse duplo sentido é a forma de manter demarcado o território, e, ao mesmo tempo, permite integrar os diferentes pontos que o constituem.

O nomadismo, assim visto é ao mesmo tempo resistência contra as cercas invisíveis da moral e forma parte do processo de apropriação do território, que nunca é sólido, mas sempre um movimento de ir pelas ruas, que pode mudar de direção, assim como de calçada.

Mas os centros urbanos não são os únicos lugares que podemos, do ponto de vista territorial reconhecer associados ao sexo. Se analisamos a situação a seguir, podemos ver as diversas relações com a qual o tema está associado.
 

Territórios de garimpos e sexo
 

Num livro Gilberto Dimenstein(47), publicado em 1992, no qual narra a problemática do comércio da prostituição com meninas escravas podemos, segundo ele reconhecer a existência de uma relação entre comércio do garimpo e a prostituição de meninas.

Assim por exemplo a cidade de Laranjal do Jari, no estado do Amapá, foi criada "entre outros motivos, para fornecer mulheres aos homens do Projeto Jari"(48). O centro da prostituição é o bairro das Malvinas, por onde 25 quilômetros de ruas de madeira, penduradas sobre o rio Jari de palafitas, à noite dos finais de semana encontram-se cheias de homens na procura das raparigas(49).

As meninas vêm chegando pelo rio. Do porto são levadas pelos donos das boates, à suas prisões dos quartos, nos fundos dos locais no qual seus corpos são negociados pelos seus proprietários.

As referências geográficas do autor são variadas, e passam por Belém e Imperatriz, de "onde saem levas [de meninas] aliciadas para os garimpos"(50), a viagem continua por Laranjal do Jari, e Manaus, onde encontram-se vagando pelas ruas, "à procura de homens, meninas sem peito, um irretocável símbolo de decadência"(51), o percurso de Dimenstein passa logo por Porto Velho, Rio Branco, Cuiabá, Alta Floresta, Itaituba "apontada como a capital nacional do tráfico de meninas"(52), e termina em Cuiú-Cuiú.

Nesse último lugar Dimenstein, reconhece encontrar "um exemplar do cativeiro entre tantos espalhados na selva amazônica, a maioria deles criados em torno dos oitocentos garimpos que atraem hoje cerca de 600 mil homens"(53).

As causas desse tráfico estão vinculadas com "a miséria [que] joga as meninas para a rua. Elas não têm nada para vender. Não sabem ler, cozinhar, escrever. Só podem vender o único bem que possuem: o corpo"(54). Ao mesmo tempo, pela exploração dos próprios pais, como forma da estratégia das famílias miseráveis para sobreviver(55).

Em Imperatriz, na zona do meretrício em Farra Velha, é a área de "casas pobres e pequenas ao longo de ruas de terra"(56), é um dos lugares de "onde as meninas, as filhas dos [...] nordestinos, são captadas e traficadas para outras partes do país"(57). Os aliciadores atuam nas cidade do interior "procurando jovens de pouca idade e, de preferência, virgens"(58).

O ritmo da prostituição também é nômade e cíclico seguindo o ritmo das chuvas na região norte. Nesse sentido, o aparecimento e desaparecimento de meninas, está associado com a facilidade do acesso as áreas de garimpo nas épocas da seca, período no qual o movimento da procura de meninas novas aumenta(59).

Um exemplo extremo e real, é a vila de Cuiú-Cuiú, no estado do Pará, composta "por duas ruas, onde moram 510 habitantes, dos quais 72 são meninas e mulheres prostitutas, exploradas em 32 boates"(60).

Essas boates atendem os garimpeiros da região, os quais fantasiados de colonizadores e com a violência de uma força ancorada no imaginário da riqueza do solo, destroem a floresta e ao mesmo tempo as vidas das meninas.
 

Considerações finais
 

É possível finalizar este trabalho dizendo que se bem é certo, durante séculos existiu a crença de uma relação entre o meio físico com as características físico-sociais dos seres humanos, associado aos tipos de climas e dos relevos, essa crença foi modificada ao longo dos séculos XVI - XVIII, no entanto, a insistência numa leitura associativa e direta entre o meio físico e os seres humanos permanece a partir, diria, de uma perspectiva de caráter psicológico e sociológico, concretizada em territórios bem definidos. Sejam estes tanto nos centros urbanos das cidades, quanto nos garimpos.

Assim podemos argumentar, que o imaginário social de um território, é produto, por um lado das projeções psicológicas existentes no universo social, tanto do grupo autóctone quanto a dos estrangeiros, que olham para ele, e ao mesmo tempo produto das condições econômicas que obrigam, a um grupo social a concretizar os desejos dos outros.

Por tanto, o território, na sua dimensão associativa entre território e sexo, não é uma construção unidirecional, mas uma construção social de múltiplas visões dos grupos sociais estabelecidos nele.
 

Notas
 

1. FIRTH, R. Tipos Humanos: una introducción a la antropologia social. Buenos Aires: EUDEBA, 1966, p, 56 - 57.

2. CAPEL, H. Ambientalismo e História. O padre Las Casas como geógrafo. In: A América no nascimento da ciência moderna. Maringá: EDUEM, 1999.

3. LÉRY, J. de. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte: Itataia, 1980.

4. HOLANDA, S. Visão do Paraíso. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985, p. 277.

5. SOUZA, L. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

6. LÉRY, J. de. Op. cit. p. 128.

7. Ibidem. p. 128.

8. LUCRECIO. De la naturaleza de las cosas. Madrid: Orbis, 1984.

9. Ibidem. p. 323.

10. Ibidem. p. 324.

11. Ibidem. p. 325.

12. Ibidem. p. 331.

13. MARTINS, J. de. A chegada do estranho. São Paulo: Hucitec, 1993, p. 17.

14. STADEN, H. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itataia, 1974, p. 76.

15. Ibidem. p. 152.

16. Ibidem. p. 152.

17. Ibidem. p. 161.

18. Ibidem. p. 169.

19. Ibidem. p. 171.

20. Ibidem. p. 179.

21. GAMBINI, R. O espelho do índio: os jesuítas e a destruição da alma indígena. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988, p. 150.

22. ANCHIETA. Cartas jesuíticas. Apud GAMBINI, R. Op. cit. p. 131.

23. GAMBINI, R. Op. Cit. p. 131.

24. Ibidem p. 146.

25. Ibidem. p. 173.

26. Ibidem. p. 177.

27. Ibidem. p. 181.

28. LERY, J. Op. cit. p. 111.

29. Ibidem. p. 120

30. Ibidem. p. 120

31. Ibidem. p. 120.

32. Ibidem. p.224.

33. GAMBINI, R. Op. cit. p. 183.

34. Existem inúmeros exemplos, porém apontemos somente dois. Sabemos que recentemente uma mulher índia questionou a um médico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) inquirindo se acaso "não existe mulher branca", pergunta motivada pela presença somente de homens nos garimpos os quais aproveitavam-se das Índias. Mas uma situação similar emergiu também quando um responsável pelo 5 batalhão do exercito, em São Gabriel da Cachoeira, no alto Rio Negro, afirmou que são "as Índias que tentam estuprar meus soldados quando estão no cio. Eu tenho que segurar a meus soldados, porque eles não podem se aproveitar dessa deficiência". Cf Dimenstein, G. Op. cit. p. 87

35. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1993, p.157.

36. CASTELLS, M. El centro urbano. In: Problemas de Investigación en Sociologia Urbana. Buenos Aires: Siglo XXI, 1972.

37. Utilizo aqui o termo festivas, porque ele está associado à fazer festa, divertir-se.

38. HERMANN, L. Estudo do desenvolvimento de São Paulo através da análise de uma radial: a estrada do café (1935). Revista do Arquivo Municipal, ano X, v. XCIX, São Paulo, 31 - 33.

39. Ibidem. p. 31-33

40. SILVA, B., de. Apud PERLONGHER, N. O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 69.

41. ARAÚJO, A.J.P. da S. Regulamentação Sanitária da Prostituição. In: Anais da Academia de Medicina do Rio de Janeiro. Rio, Laemmert, 1890, t. LV, p. 237. Apud: ENGEL, M. Meretrizes e doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840 - 1890). São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 112.

42. CUNHA, H.A.L. Dissertação sobre a prostituição, em particular na cidade do Rio de Janeiro. Rio. Tip. Imparcial de Francisco de Paula Brito, 1845, p. 59-60. Apud: ENGEL, M. Op. cit. p.114.

43. PERLONGHER, N. Op. cit.

44. Ibidem. p. 17.

45. Adaptado de PERLONGHER, N. Op. cit. p. 163 - 164.

46. Gaspar reconheceu também no Rio de Janeiro uma Geografia do Sexo, quando estuda Copacabana. GASPAR, M. Garotas de programa. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, 1984.

RIBEIRO, M. Prostituição de rua e turismo: a procura do prazer na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, GEOUERJ - Revista do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, n.3, junho de 1988, p. 53 - 65.

47. DIMENSTEIN, G. Meninas da noite: a prostituição de meninas-escravas no Brasil. São Paulo: Ática, 1993, p.33.

48. Ibidem, p. 33.

49. Ibidem, p. 38

50. Ibidem, p. 21.

51. Ibidem, p. 66.

52. Ibidem, p. 115

53. Ibidem, p. 11.

54. LURDES, depoimento da diretora do Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central (Gempac, Belém. Apud In Dimenstein, G. Op. cit. p.18.

55. DIMENSTEIN, G. Op.cit. p. 17.

56. Ibidem. p.28.

57. Ibidem. p.27.

58. Ibidem. p.25.

59. CAETANO, C. Apud In Dimenstein, G. Op.cit. p.102.

60. DIMENSTEIN, G. Op.cit. p.140.
 
 

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