Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XIX, nº 1061, 5 de febrero de
2014
[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]


PARA ALÉM DE MIL MANCOMUNIDADES MUNICIPAIS NA ESPANHA 

Angela Maria Endlich
Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá
Pós-doutorado Universidad de Barcelona

Recibido: 8 de octubre de 2013; devuelto para corrección: 11 de diciembre de 2013; Aceptado: 20 de diciembre de 2013


 

Para além de mil mancomunidades municipais na Espanha (Resumo)

Levantamento realizado na base de dados do Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas da Espanha mostra como as mancomunidades de municípios são numerosas. Esse artigo é parte de uma pesquisa que estamos realizando sobre as cooperações intermunicipais. O objetivo de aprofundar os conhecimentos acerca dessas cooperações está relacionado ao reconhecimento da necessidade que os municípios cooperem, somando suas demandas, recursos e forças políticas para implementar e melhorar serviços e equipamentos para a população de áreas não metropolitanas.

Palavras-chave: Cooperação intermunicipal, Supramunicipalidade, Mancomunidade, Município  



Más de un millar de mancomunidades de municipios en España (Resumen)

La búsqueda efectuada en la base de datos del Ministerio de Hacienda y Administraciones Públicas da un completo panorama de las mancomunidades de municipios. Este artículo es parte de una investigación que estamos realizando acerca de las cooperaciones intermunicipales. El objetivo de profundizar el conocimiento acerca de esas cooperaciones está relacionado con la necesidad de que los municipios cooperen, sumando sus demandas, recursos y fuerzas políticas para implementar y mejorar los servicios y equipamientos para la población de las zonas no metropolitanas.

Palabras clave: Cooperación intermunicipal, Supramunicipalidad, Mancomunidad, Municipio


 Over a thousand commonwealth of municipalities in Spain (Abstract)

This is a research based on the data base of Ministerio de Hacienda y Administraciones Publicas of Spain, and it demonstrates how numerous are the commonwealth of municipalities. This paper is part of a research about inter-municipality cooperations. The reason to increase the knowledge about these cooperations is related to the needs of the municipalities of cooperation, joining demands, resources and political forces to implement and improve services and structure for the population of non-metropolitan areas.

Key-words: Inter-municipality cooperation, Supra-municipality, Commonwealth, Municipality   


  

É comum o debate de que as áreas metropolitanas precisam reinventar a forma de gestão territorial, com entes locais complexos. Essa necessidade decorre dos desafios que possuem cotidianamente e que implicam interações diversas entre seus municípios. Queremos ressaltar que este não é um imperativo exclusivo dessas áreas. Os espaços mais isolados e dispersos igualmente possuem novos desafios e precisam implementar novas formas de gestão territorial, baseada na cooperação intermunicipal.

As necessidades de equipamentos e serviços públicos, as responsabilidades crescentes dos municípios e suas dificuldades financeiras associadas ao declínio demográfico exigem que os entes locais somem demandas, recursos e forças políticas. Conforme avaliou Luis Márquez Carbo[1], a cooperação pode não resolver tudo, mas atenua a crise e os desafios do mundo local.

Encontramos registros de várias experiências de entes supramunicipais em diferentes países que têm como objetivo o suprimento dos equipamentos e serviços públicos. Enquanto na Espanha difunde-se a instituição da mancomunidade, respondem aos mesmos propósitos: Syndicats de communes franceses e belgas, Consorzi intercomuni italianos, Gemeindeverbande alemãs, além dos Joints comitees ingleses, dentre outros.

Os consórcios -denominação mais usual na Itália e no Brasil- na Espanha são compreendidos como forma de cooperação entre entes locais e de outros níveis escalares, podendo ser de natureza jurídica heterogênea, caracterizando um instrumento mais flexível e talvez mais adequado a este momento em que se estimula uma gestão baseada na cooperação público-privada. Assim, se diferenciam os consórcios e as mancomunidades. A diferença não está na estrutura associativa, mas nos entes que os compõem. Significativa parte dos consórcios espanhóis resulta da integração entre prefeituras e províncias, portanto com presença de administrações públicas extralocais. Embora, por definição, os consórcios possuam componentes mistos, necessariamente não precisam ser assim[2].

Em algumas comunidades autônomas da Espanha, especialmente na Catalunha e Aragão, foram criadas as comarcas[3]. A diferença entre as mancomunidades e as comarcas é que a primeira é voluntária e a segunda decorre de uma decisão da Comunidade Autônoma que agrupa os municípios, tornando-se compulsória.

O projeto que desenvolvemos tem como tema as cooperações intermunicipais de modo geral. Contudo, delimitamos nossa análise nessa etapa no ente supramunicipal das mancomunidades de municípios, ainda que os processos em curso nos remetam às comarcas, como sinalizaremos brevemente no final do artigo.

Desde que nos interessamos por este tema ampliou-se significativamente o número de trabalhos e temos encontrado diversos referenciais. Todavia, levando em consideração a expressividade do assunto, ainda faltam estudos.

A Geografia tem muito a contribuir na análise dessa temática, notadamente acerca da espacialidade dos equipamentos e serviços e como ela poderia ser pensada de forma mais adequada e planejada para aprimorar o acesso da população.   Prosseguiremos o trabalho sobre esse tema e pretendemos em publicações posteriores incluir esse e outros pontos de análise, procurando esboçar algumas contribuições. Trata-se de ajudar a construir uma Geografia a serviço da vida[4].

Como sinaliza o título, esse artigo tem como finalidade destacar os aspectos quantitativos relacionados às mancomunidades, valorizando a fonte disponibilizada pelo Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas e o levantamento que realizamos a partir da fonte mencionada, com todas as mancomunidades da Espanha. O fato de destacar esses dados nesse momento não significa que nosso trabalho em relação ao tema seja apenas quantitativo. Ao contrário, temos realizado visitas ou contatos mais diretos com algumas delas visando um trabalho com procedimentos qualitativos, que nos traz outras dimensões dessas experiências, fundamentais para complementar a análise. Contudo, como o levantamento quantitativo pode ser uma fonte de consulta para outros trabalhos, preparamos esta publicação, que representa o registro de uma etapa de pesquisa.  


As mancomunidades de municípios 

Existem outras instituições supramunicipais na Espanha, como assinalado antes, mas a mais difundida é a mancomunidade. Elas consistem em um agrupamento de municípios para a realização de objetivos comuns. Elas são voluntárias e compostas por personalidades jurídicas homogêneas, que são os municípios. Os participantes comprometem recursos e outros esforços em projetos que seriam desvantajosos ou inviáveis para realizarem isoladamente. Não é preciso continuidade territorial entre os municípios que decidem formar uma mancomunidade, desde que os objetivos não a exijam.

As entidades associativas municipais surgiram quase simultaneamente aos primeiros municípios, como assinalou Orduña Rebollo[5]. Elas persistem no tempo com adaptações de acordo com a legislação vigente em cada período. São consideradas como precursoras instituições denominadas Comunidades de Villa y Tierra, dos séculos XI e XII, cujos detalhes podem ser encontrados no citado autor. Elas foram, no período medieval, instituições de grande influência política e econômica. De acordo com o mesmo autor, elas tiveram no início um caráter popular, mas depois se converteram em instrumentos de poder, controlados por minorias oligárquicas que as governavam sem participação. Ressurgem no século XIX tendo em vista, sobretudo, os poucos recursos dos municípios frente às suas competências quanto aos serviços e equipamentos para a população.

Estas experiências não prosperaram até que os cidadãos recuperassem a liberdade pública após a ditadura.A democratização das estruturas locais e o reconhecimento da autonomia ocorreram na Espanha após a década de 1970, com as primeiras eleições municipais.Os primeiros governos locais democraticamente eleitos após os anos de ditadura tiveram que dotar os municípios de serviços, o que impulsionou a articulação entre os municípios. Os dados encontrados respaldam essa afirmação, visto que, em 1977, eram 39 mancomunidades e, em 2003, já somavam 984[6]. O levantamento que realizamos recentemente mostra que são 1.022 mancomunidades, conforme destacaremos na sequência.


Um panorama quantitativo das mancomunidades municipais na Espanha
 

O Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas da Espanha, disponibiliza na Internet uma base de dados bastante detalhada sobre elementos do ordenamento territorial espanhol, inclusive as mancomunidades[7]. Esta fonte facilitou-nos traçar esse panorama quantitativo das mancomunidades, além de sistematizarmos dados das comarcas, igualmente considerando o país como um todo.

De acordo com o levantamento realizado em maio de 2013 são 1.022 mancomunidades. A tabela resultante desse levantamento completo, está organizada em três colunas: a primeira com o nome original das mancomunidades no idioma em que aparece na base de dados (castelhano, catalão e euskera). Na segunda coluna está a soma dos municípios que fazem parte de cada mancomunidade. Na terceira coluna está a relação de objetivos – traduzidos para o português e parcialmente agrupados. A tabela com esse levantamento completo está como Apêndice ao final do artigo.

Embora valiosos, são necessárias algumas ponderações sobre esses dados. Como tudo que é numeroso demais, ter controle total deles é difícil para qualquer instituição. Neste caso, observa-se a tentativa constante de atualização. Entretanto, algumas mancomunidades recém-criadas podem ainda não ter seus registros lançados, assim como outras que se dissolveram ou que se encontram inativas podem ainda encontrar-se na base de dados. A consulta de dados próprios do Governo da Catalunha[8] nos permite perceber como as informações podem ser diferentes de acordo com a base utilizada. Nesta fonte, o número de mancomunidades na Catalunha é de 69 e não de 78, como  registra a base do referido Ministério. Talvez as bases de dados, quando existentes, das próprias Comunidades Autônomas sejam mais próximas da realidade, já que cuidam de uma circunscrição territorial bastante inferior.

Outra ressalva que devemos fazer é que há uma nova lei de regime local sendo debatida no legislativo espanhol[9]. Anteproyecto de Ley de racionalización y sostenibilidad de la Administración local (Alrasoal). Ela já teve diferentes versões. Entre os debates sobre as modificações que ela traz, cogitou-se a eliminação das mancomunidades. Dentre os argumentos assinalados está o de que poucas funcionam efetivamente. É incerto realmente saber quantas estão ativas. Contudo, visitamos algumas que funcionam muito bem e que desenvolvem trabalhos fundamentais para a população dos municípios mancomunados. Pretendemos em trabalhos posteriores retomar as questões assinaladas nesse parágrafo. Neste artigo, elas são apenas ponderações que se deve ter em conta na interpretação dos dados quantitativos que estamos apresentando.

São vários os pontos que devem ser considerados para interpretar o que motivou um número tão grande de mancomunidades. O principal é a necessidade dos municípios menores de reunir seus recursos, demandas e força políticas para viabilizar serviços e equipamentos públicos para sua população. Por outro lado, outros interesses como a existência de programas e recursos podem ter impulsionado a formação dessas entidades. Miguel Ángel Troitiño Vinuesa[10]explica que muitas mancomunidades participaram de programas como o Leader (Ligação entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural), Proder (Programa de Desarrollo y Diversificación de Zonas Rurales) e outros que proporcionaram financiamentos.

Em seguida apresentamos algumas sistematizações que realizamos com base nos dados levantados. A organização deles por comunidades autônomas nos permite observar que elas se distribuem de maneira bastante diferenciada pelo território espanhol (tabela 1 e figura 1). 

Tabela 1
Espanha. Mancomunidades por Comunidades Autônomas, 2013

ComunidadeAutônoma

Número deMancomunidades

Andalucía

87

Aragon

49

Asturias

19

Canarias

17

Cantabria

22

Castilla la Mancha

135

Castilla y Léon

248

Cataluña

78

Comunidade Valenciana

62

Extremadura

66

Galicia

40

Islas Baleares

 7

La Rioja

30

Madrid

53

Murcia

8

Navarra

62

País Vasco

39

Total

1.022

Fonte: Ministerio de Hacienda y Administraciones Públicas.
Elaboração própria a partir dos dados do apêndice.

 

Figura 1. Espanha. Mancomunidades por Comunidades Autônomas, 2013
Fonte: Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas. Elaboração própria a partir dos dados do apêndice.

 

 As mancomunidades estão concentradas especialmente em Castilha Leão e Castilha La Mancha. Vários fatores estão relacionados a essa diferença, pois existe uma política e regulamentação própria para as mancomunidades em cada Comunidade Autônoma.  A distribuição espacial por meio de mapas pode ser encontrada em artigo de Pilar Riera Figueras e outros[11], com base em dados de 2004. Os autores elaboraram mapas para a Espanha de municípios mancomunados e mancomunidades por tipos de serviços públicos que oferecem.

Os demais entes supramunicipais também decorrem de políticas estabelecidas em cada Comunidade Autônoma, como é o caso das comarcas. O número de mancomunidades deve ser interpretado levando em consideração o número de municípios existentes em cada uma dessas comunidades. As duas que aparecem com maior número de mancomunidades são as que possuem maior número de municípios. São municípios demograficamente pequenos. Isto significa uma grande quantidade de municípios que possuem dificuldades em oferecer sozinhos os serviços e equipamentos. Portanto, são estes os que mais precisam desses entes supramunicipais.

Isso fica evidente em estudo realizado pela FEMP[12], no qual organizaram dados de acordo com os municípios demograficamente grandes (no referido trabalho considerado os que possuem mais de 5 mil habitantes[13]) e os pequenos. Predominam essas cooperações entre os municípios considerados demograficamente menores, conforme mostra a tabela 2. 

 

Tabela 2
Espanha, Mancomunidades por tipo de municípios, 2012

Tipo de Mancomunidades (por tamanho demográfico dos municípios)

Número

%

Mancomunidades de municipios pequenos

785

78

Mancomunidades de municipios grandes

227

22

Extraído: Femp,2012[14], p.35.

Essa ideia aparece de maneira reiterada em outros referenciais bibliográficos que consultamos. Por exemplo, na apresentação de livro publicado a partir do primeiro Congresso sobre Pequenos Municípios[15] destaca-se a expressão territorial deles que corresponde a 80 por cento dos municípios espanhóis, ao mesmo tempo em que sublinha que o regime local obriga os municípios a prestarem serviços básicos a seus moradores.

Deve-se considerar também que a densidade de mancomunidades tão diferenciada entre as Comunidades Autônomas está relacionada à postura política adotada em cada uma delas quanto a essa forma de associação, em algumas de estímulo e apoio enquanto em outras não se encontram atitudes políticas que as favoreçam. Essa diferença pode ser observada inclusive no interior das Comunidades Autônomas nas diferentes províncias, assim como deve-se considerar que naquelas onde foram criadas as comarcas pode haver um desestímulo as mancomunidades.

Como mencionamos no início do texto, as mancomunidades já possuem uma longa história de vida na Espanha. Contudo, levantamento atual mostra que as que aparecem na base de dados como vigentes foram constituídas de 1980 em diante (tabela 3 e figura 2).

Obviamente, o contexto histórico que as possibilita é a transição política aos governos considerados como democráticos, após um longo período de ditadura no país. Entretanto, a este fato devem ser associados outros, como a tendência mundial, verificada em diversos países, de repassar atribuições a escalas locais e, portanto, aos municípios.

Foi na década de 1980 e principalmente em 1990, que aconteceu o maior desenvolvimento quantitativo dessas entidades. A ampliação desses números pode ter significados e interpretações diferentes, das quais sinalizamos duas possibilidades. A primeira seria a de que decorre de um momento político de aprofundamento da democracia e podemos considerar como uma descentralização positiva. Outra possibilidade é de compreender esse processo como uma descentralização afinada com o Estado difundido a partir do neoliberalismo. Esse Estado incrementa as responsabilidades dos municípios, para dedicar-se aos papéis que lhes são atribuídos nesse novo momento político. Não temos como objetivo desenvolver essas ideias neste momento, apenas aludimos brevemente para alguns fatos que ajudem a interpretar os números apresentados a seguir. Esse número tão expressivo em parte representa conquista em um período político mais democrático, mas ao mesmo tempo pode ser expressão de estratégias encontradas pelos municípios face aos novos desafios trazidos pelo novo Estado às escalas locais. A soma de esforços e recursos corresponde à forma de tentar viabilizar e cumprir suas competências. Sobre essas interpretações possíveis também são necessários outros estudos.

Tabela 3
Espanha. Mancomunidades por período de implantação, 1980-2013

CA

1980-1989

1990-1999

2000 em diante

Total

Andalucía

26

47

14

87

Aragon

16

28

5

49

Asturias

4

8

7

19

Canarias

2

10

5

17

Cantabria

1

7

14

22

Castilla La Mancha

39

70

26

135

Castilla León

68

132

48

248

Cataluña

33

22

23

78

Comunidade Valenciana

16

35

11

62

Extremadura

9

51

6

66

Galicia

16

18

6

40

Islas Baleares

5

2

-

7

La Rioja

1

9

20

30

Madrid

6

26

21

53

Murcia

1

5

2

8

Navarra

7

40

15

62

País Basco

10

23

6

39

Fonte: Ministerio de Hacienda y Administraciones Públicas (MPT)/Espanha, 2013.
Elaboração própria a partir dos dados do apêndice.

Figura 2.Espanha. Mancomunidades por período de implantação,
1980-2013

Fonte: Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas (MPT)/Espanha, 2013.
Elaboração própria a partir dos dados do apêndice
.

Quanto ao número de municípios que elas abrangem são muito diversificados.  Conceitualmente é necessário ao menos dois municípios para configurar uma cooperação intermunicipal. As que englobam os maiores números possuem 69 municípios (Mancomunidad de Pastos de Sierra de Cuenca com o objetivo de aproveitamento florestal) de Castilha La Mancha e 65 (Mancomunidad de Municípios de la Comarca “La Moraña” com o objetivo de conservação de vias públicas de Castilha León. Considerando a distribuição dos dados, de modo geral, pode se dizer que as mancomunidades com mais de vinte municípios são grandes do ponto de vista do número de municípios que agrupam (figura 3).

Figura 3. Espanha. Mancomunidades por número de municípios que agrega, 2013
Fonte: Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas (MPT)/Espanha, 2013. Elaboração própria a partir dos dados do apêndice.

De forma sintética, contamos 720 com menos de dez municípios, 221 entre 10 e 19 municípios e com 20 ou mais municípios são 81 mancomunidades. Claramente predominam as mancomunidades com até dez municípios. Ainda assim, uma análise dos dados mostra que a oscilação de números de municípios é grande. Esse é um dado que deve ser considerado por outros estudos, já que pode interferir no funcionamento da instituição e das atividades que ela proporciona.

Pedro Barros[16], em estudo sobre os consórcios intermunicipais no Brasil, afirma que a maioria deles adota estrutura de porte médio, que ele considera como os que reúnem entre seis e dezenove municípios. Acima disso, já seriam consórcios grandes e dificultariam a aglutinação. De acordo com ele, o gigantismo redunda em entropia e queda de eficiência. Por outro lado, os que são muito pequenos (com até cinco municípios) ele considera que há um atrofiamento e vulnerabilidade, como a escassez de recursos. Por isso, ele recomenda a cooperação entre seis e dezenove municípios.

Compreendemos que esse é um ponto que deve ser analisado e por isso valorizamos o estudo anterior, contudo os números e as motivações apresentadas vão depender muito do contexto. Encontramos mancomunidades com quatro municípios que funcionam satisfatoriamente. Do mesmo modo existem outras que funcionam com dois municípios. A dificuldade neste último caso é que se um deles não deseja prosseguir com a cooperação, ela será dissolvida[17].

Existem mancomunidades com diversas finalidades. Na tabela que preparamos e publicada em apêndice, pode-se conferir com detalhes esse aspecto. Como sistematização, tentamos agrupar da seguinte maneira: fomento ao desenvolvimento econômico e ao turismo; atividades de formação, culturais e recreativas, construção e melhora de infraestruturas; parques de máquinas conjuntos; abastecimento e conservação de água; esgoto; limpeza viária, tratamento de resíduos sólidos; informação ao consumidor; serviços técnicos urbanísticos, jurídicos, gestão de tributos, serviço social, promoção de emprego, assistência à terceira idade e pessoas com necessidades especiais, entre outros. Portanto, são várias as possibilidades de cooperação quanto à forma e finalidade. Independente do seu funcionamento concreto, que pretendemos compreender melhor por meio de uma análise mais qualitativa, esta base de dados representa uma preciosa fonte de ideias para as áreas não metropolitanas sobre que serviços e equipamentos podem ser compartilhados.

Algumas são formadas com um objetivo único enquatro outras possuem diversos objetivos comuns. Destacamos que mais de quatrocentas mancomunidades possuem um só objetivo em sua pauta de cooperação, muito frequentemente a coleta e tratamento de resíduos, bastante corriqueiro. As tendências mais numerosas quanto a esses objetivos, especialmente a coleta e tratamento de resíduos já foram constatadas por outros trabalhos[18]. O levantamento realizado reitera tais inclinações (tabela 4 e figura 4).

Os dez objetivos mais frequentes, presentes em mais de duzentas mancomunidades são: coleta e tratamento de resíduos sólidos, atividades culturais, fomento ao turismo, abastecimento de água, fomento de atividades econômicas, esportes, proteção ambiental e prevenção/extinção de incêndios. Contudo, aparecem também recorrentemente as mancomunidades que tem como objetivo o tratamento de águas residuais, prestação de serviços técnicos e urbanísticos, entre outros.

Alguns desses objetivos aparecem nas diversas Comunidades Autônomas, como o abastecimento de água, coleta e tratamento de resíduos e fomento ao turismo, por exemplo. Por outro lado, alguns objetivos aparecem de modo específico em algumas dessas comunidades, como no País Vasco que tem mancomunidades com o objetivo de promover sua própria cultura, assim como áreas de montanha e florestas aparecem mancomunidades para o aproveitamento florestal. Portanto, as mancomunidades estão profundamente vinculadas as características territoriais dos espaços em que estão instaladas.

Tabela 4
Espanha. Mancomunidades por objetivos, 2013

Objetivos

Número de mancomunidades

Coleta e tratamento de resíduos sólidos

450

Atividades culturais

352

Turismo

346

Abastecimento de água

320

Fomento atividades econômicas

298

Esportes

293

Proteção ambiental

273

Prevenção e extinção de incêndios

238

Tratamento de águas residuais

170

Serviços técnicos urbanísticos

167

Proteção civil

163

Serviços educativos

157

Serviços de manutenção

154

Conservação de vias públicas

152

Limpeza

147

Assistência sanitária

141

Serviços técnicos administrativos

120

Transporte público

118

Parque de máquinas

107

Atividades recreativas

105

Matadouros

97

Urbanismo

96

Gestão de tributos

91

Iluminação pública

81

Serviços sociais de base

77

Informação e assistência ao consumidor

68

Promoção do emprego

65

Obras de infraestrutura

60

Proteção do patrimônio histórico e artístico

60

Meios de comunicação social

58

Esgoto

52

Serviços técnicos informáticos

51

Mercados

46

Recolhida de animais

44

Aproveitamento florestal

44

Serviços funerários

40

Serviços técnicos jurídicos

36

Prestação de serviços delegados

36

Salubridade e higiene

34

Moradia

29

Assistência à terceira idade

27

Patrulha rural

20

Ambulância

20

Preservação Cultura Vasca

18

Mecanização administrativa e contábil

17

Luta contra pragas

14

Hospitais e prontos-socorro

13

Assistência a pessoas com necessidades especiais

11

Serviços sociais

6

Fornecimento de fluidos energéticos

5


Figura 4. Espanha. Mancomunidades por objetivos mais frequentes, 2013
Fonte: Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas (MPT)/Espanha, 2013.
Elaboração própria a partir dos dados do apêndice.

Ao todo identificamos cinquenta tipos de objetivos na base de dados utilizada. Deve-se observar que alguns objetivos aparecem redigidos de forma diferente, mas têm significados similares, como os serviços sociais de base e serviços sociais. Reiteramos que este levantamento pode ser inspirador no sentido de perceber que muitas atividades podem ser realizadas de forma cooperada entre os municípios.  


As comarcas
 

Nosso projeto delimitava inicialmente estudar as mancomunidades. Contudo, o estudo foi nos mostrando a relevância de considerar as comarcas, ainda que brevemente. Diversos referenciais mencionam o desejo de algumas comunidades autônomas de criar comarcas.

Elaboramos, tomando por referência a mesma base de dados, um levantamento para as comarcas existentes na Espanha. São 81 comarcas em quatro Comunidades Autônomas (Tabela 5).

Com o reordenamento do território da Espanha, elas apareceram inicialmente na Catalunha. Contudo, a Comunidade de Aragão decidiu nos últimos anos institucionalizá-las. Além dessas duas experiências, elas aparecem no País Vasco e em Castilha Leão, ainda que com números bem menos expressivos. A Comunidade Autônoma da Galícia já teve comarcas, mas elas não aparecem mais na base de dados. Ao que parece foram extintas.

Pelo que se apreende da experiência de Aragão, as mancomunidades foram utilizadas nessa transição, tanto como experiência de forma geral, como a criação de mancomunidades de interesse comarcal que deram origem às comarcas. Nas palavras de Riera Figueras e outros[19], trata-se de tentar fazer das mancomunidades embriões de comarcas. Mencionamos no início do texto que a diferença é que as comarcas tornam-se obrigatórias a partir da decisão das Comunidades Autônomas de instituí-las.  

Tabela 5
Espanha. Comarcas existentes por Comunidades Autônomas, 2013

Comunidade
Autônoma

Número de
Comarcas

Aragon

32

Castilla León

1

Cataluña

41

País Vasco

7

Total

81

Fonte: Ministério de Hacienda y Administraciones Públicas (MPT)/Espanha, 2013.
Elaboração própria a partir dos dados do apêndice.

Na Catalunha, as comarcas foram criadas no final da década de 1980 até os primeiros anos da década de 1990.  Diferente da base de dados das mancomunidades, ao se referir aos objetivos, no caso das comarcas eles não são citados, apenas mencionam-se as leis que fazem as atribuições.

Em Aragão as comarcas foram fundadas entre 2001 e 2004, com os seguintes objetivos: ordenamento do território e urbanismo, transportes, proteção ambiental, serviços de coleta e tratamento de resíduos urbanos, saúde e salubridade pública, ação social, agricultura, gado e montes, cultura, patrimônio cultural e tradições populares, esportes, juventude, promoção do turismo, artesanato, proteção dos consumidores e usuários, energia, promoção e gestão industrial, feiras e mercados comarcais, proteção civil e prevenção e extinção de incêndios, ensino, competências delegadas e encomenda de funções, planos e programas de ordenamento do território e zonas de montanha, cooperação e assistência aos municípios. Sobre a experiência de Aragão existe uma ampla análise já publicada[20].

No País Vasco elas denominam-se “Cuadrilla” e são da primeira metade da década de 1990. Quanto aos objetivos, nesse caso, também apenas se menciona a lei que remete a eles.

As comarcas, como não dependem da voluntariedade dos entes locais, podem ser consideradas como mais estáveis. Por outro lado, é preciso ponderar que a persistência da mancomunidade como ente de cooperação intermunicipal decorre exatamente da sua flexibilidade, fácil adaptação às necessidades dos municípios que, sem afrontar o mapa municipal, contribuem com a resolução dos problemas de prestação de serviços nos municípios demograficamente menores[21].

Ainda que os números sugiram uma similitude institucional as comarcas possuem atribuições, critérios de delimitação e institucionalização diferenciada no âmbito de cada comunidade autônoma. No caso da Catalunha e Aragón elas são reguladas por lei e dispõem de conselhos comarcais. De qualquer modo, é preciso estudar com mais detalhe essas entidades considerando as demais Comunidades Autônomas.

Como se vê, para além dos dados quantitativos há muitos outros pontos a considerar e analisar. Pretendemos prosseguir com esses estudos e abarcar essas e outras problematizações em publicações posteriores.

Considerações finais

Defender serviços e equipamentos suficientes para as pequenas cidades em áreas não metropolitanas deve ser compreendido de modo amplo, tomando por referência a totalidade espacial. As áreas que denominamos como não metropolitanas possuem algumas dinâmicas que de modo geral as caracterizam. São áreas em esvaziamento, cujos fluxos humanos se dirigem a espaços metropolitanos nos quais a condição social tem sido há muito questionada. Portanto, assinalamos que, em parte, o êxito de políticas territoriais que pensam a desconcentração depende de equiparar quantitativa e qualitativamente os serviços e equipamentos públicos nos diferentes espaços.  

O nosso projeto de pesquisa relacionado a cooperações intermunicipais, em especial às mancomunidades de municípios na Espanha, tem essa motivação.  Valorizamos muito a experiência das mancomunidades, ainda que consideremos as ressalvas que fizemos no texto. Elas mostram que são muitas as atividades que competem aos municípios e que podem ser realizadas de maneira compartilhada. Como assinalamos, elas são instituições muito antigas, mas o próprio período em que elas reaparecem no cenário atual situa-nas como conquistas da democracia, ainda que posteriormente se encaminhem a outros propósitos.

Do mesmo modo que Sennet[22] adverte que a cooperação não pode ser compreendida como indubitavelmente positiva, as cooperações intermunicipais igualmente precisam ser acompanhadas e avaliadas nas suas formas concretas quanto aos seus alcances e limites.

As cooperações intermunicipais e sua institucionalização nas mais diversas formas, como qualquer instrumento, terão seus resultados de acordo com os agentes envolvidos, suas intenções, o alcance de suas ações e da maneira de conduzir sua implantação. Como já afirmamos em trabalhos anteriores, por si só não opera milagres, é uma ideia a ser cuidada, constantemente avaliada, para que possa atingir os fins estipulados. Pode ser tanto um fórum político a mais para o exercício da democracia, como também poderá se converter em mais uma instância de apropriação de poder e, neste caso, os objetivos serão dificilmente alcançados.

Notas

[1] Carbo, 1962.

[2]  Martin Mateo, 1970.

[3]  Na Espanha as comarcas não se referem aos serviços jurídicos como no Brasil.

[4] Reclús, 1980. Título de uma antología de Elisée Reclús, publicada na Espanha em 1980, organizada por um grupo de geógrafos. Observa-se um claro diálogo que se estabelece no âmbito acadêmico entre os títulos das obras, nesse caso com o título de Lacoste, A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.

[5]  Orduña Rebollo, 2003, p. 724.

[6]  Orduña Rebollo, 2003, p. 745. 

[7] Disponível em: http://ssweb.mpt.es/REL/frontend/inicio/mancomunidades>, maio de 2013.

[8] Trata-se do Registro de entes locais do Municat, onde é possível obter dados das mancomunidades da Catalunha. Disponível em: http://municat.gencat.cat/index.php?page=consulta#.

[9] Ministerio de Hacienda y Administraciones Públicas, 2013.

[10] Troitiño Vinuesa, 2004.

[11] Riera Figueras et al, 2005, p. 160, 166-169.

[12] Femp, 2012.

[13] Essa foi a divisão apresentada nesse estudo. Municípios com mais de 5 mil habitantes já foram considerados como demograficamente grandes, já que no conjunto total grande parte deles tem população bastante inferior a esse patamar. Esse critério não serve a outros espaços e outros períodos.

[14] Observa-se que o total de mancomunidades nesse levantamento foi de 1.012 em 2012. Isso demonstra que a base de dados oscila pois novas mancomunidades podem ser criadas ou extintas.

[15]  I Congresso de Pequenos Municípios. Toledo: FEMP, 10-11.09.2010.

[16]  Barros, 1995, p. 28-29.

[17] Caso da Mancomunidade Mercat del Camp  que reunia Tarragona e Reus. Foi dissolvida em 21.05.2004 porque Tarragona construiu um novo mercado. Ao elaborar o levantamento observamos que embora conceitualmente sejam necessários dois municípios para a formação de uma mancomunidade, aparecem na Tabela em apêndice algumas com um só município. Elas estão indicadas com um ponto de interrogação por essa razão. Possivelmente, são outros casos em que um dos municípios resolveu sair da mancomunidade e ficou apenas um.

[18] FEMP, 2012 e Riera Figueras, 2005.

[19] Riera Figueras et al, 2005, p.154.

[20] Fundación Economía Aragonesa,  2007.

[21]  Riera Figueras et al, 2005.

[22]  Sennet, 2012. O autor apresenta essa ideia em mais que um excerto do livro, mas destacamos a que está na introdução: “Así como el buen científico-artesano puede dedicar sus energías a producir la mejor bomba atómica posible, también se puede colaborar com toda eficiencia en un robo”


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APÉNDICE

 

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Ficha bibliográfica:

ENDLICH, Angela Maria. Para além de mil mancomunidades municipais na Espanha. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 5 de febrero de 2014, Vol. XIX, nº 1061. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-1061.htm>. [ISSN 1138-9796].