Ar@cne
REVISTA ELECTRÓNICA DE RECURSOS EN INTERNET
SOBRE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona
Nº 116, 1 de enero de 2009
ISSN 1578-0007
Depósito Legal: B. 21.743-98


 

ELABORAÇÃO DE CENÁRIOS RECENTES DE USO DA TERRA UTILIZANDO IMAGENS DO GOOGLE EARTH

 

 

Adriano Luís Heck Simon

Mestre em Geografia e Doutorando em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) Rio Claro-SP, Brasil

<adrianosimon@yahoo.com.br>

 

Gracieli Trentin,

Mestre em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) Rio Claro-SP, Brasil

<gracitrentin@yahoo.com.br>

 

 


 

Elaboração de cenários recentes de uso da terra utilizando imagens do Google Earth (Resumo).

 

Em busca de alternativas para a elaboração de representações cartográficas que compõe séries temporais de uso da terra, este trabalho procurou avaliar as potencialidades das imagens do Google Earth. São apresentadas duas aplicações destas imagens na identificação de padrões recentes de uso da terra. A primeira aplicação foi realizada em uma bacia hidrográfica localizada em Pelotas – Brasil, que compreende ambientes urbano-industriais e rurais. O segundo exemplo de aplicação pautou-se na elaboração de um cenário recente de uso da terra no município de Americana – Brasil, predominantemente urbanizado. De forma geral, as imagens do Google Earth mostraram-se adequadas para a representação cartográfica do uso da terra. A elaboração dos cenários recentes foi fundamental para o estabelecimento de uma série temporal que identificasse as dinâmicas socioeconômicas das áreas analisadas. Constatou-se que as ferramentas disponibilizadas em ambiente virtual constituem uma alternativa cada vez mais associada às necessidades dos estudos geográficos.

 

Palavras-chave: Imagens de satélite, representação do espaço geográfico, uso da terra, cartografia digital.

 


 

Elaboración de escenarios recientes del uso de la tierra utilizando imágenes de Google Earth (Resumen).

 

En búsqueda de alternativas para la elaboración de representaciones cartográficas que componen series temporales del uso de la tierra, este trabajo buscó evaluar la potencialidad de las imágenes del Google Earth. Son presentadas dos aplicaciones de estas imágenes en la identificación de modelos recientes del uso de la tierra. La primera aplicación fue realizada en una cuenca hidrográfica localizada en Pelotas – Brasil, que comprende ambientes urbano-industriales y rurales. El segundo ejemplo de aplicación se realizó con la elaboración de un escenario reciente del uso de la tierra en el municipio de Americana – Brasil, predominantemente urbanizado. De forma general, las imágenes del Google Earth se mostraron adecuadas para la representación cartográfica del uso de la tierra. La elaboración de los escenarios recientes fue fundamental para el establecimiento de una serie temporal que identificase las dinámicas socio-económicas de las áreas analizadas. Se constató que las herramientas disponibles en ambiente virtual constituyen una alternativa cada vez más asociada a las necesidades de los estudios geográficos.

 

Palabras clave: Imágenes de satélite, representación del espacio geográfico, uso de la tierra, cartografía digital.

 


 

Elaboration of recent land use scenarios using Google Earth images (Abstract).

 

Searching for new alternatives to elaborate recent cartographic representations that composes land use temporal series, this study aimed to evaluate the potentialities of Google Earth images. Two applications of these images are presented. The first study was accomplished in a watershed localized in Pelotas – Brazil, which embraces urban and rural environments. The second example of these images application was developed in the study of land use dynamic in Americana – Brazil, predominantly urbanized. Google Earth images, in general, were appropriate to the elaboration of recent land use cartographic representations, in both applications. The elaboration of recent land use scenarios was essential to establish a temporary series to identify the socioeconomic dynamics of the analyzed areas. It is pointed out that tools available on web, like Google Earth, are important alternatives, increasingly associated to the perspectives of geographical studies.

 

Key-words: Satellite images, geographic space representation, land use, digital cartography.

 


 


Os dados derivados de sensores remotos possibilitaram um avanço na identificação e interpretação das mudanças no espaço geográfico. Além disso, a disponibilidade de tais informações vem ganhando significativo espaço na internet, oferecendo vantagens ao usuário que encontra maior diversidade de informações a sua disposição.

 

No entanto, diante da gama de recursos disponíveis, existe a necessidade de aliar as imagens selecionadas aos objetivos da pesquisa ou aplicação. Neste sentido, trabalhos que envolvem maior nível de detalhe encontram restrições na escolha do material, haja vista que os dados disponíveis, na maioria das vezes, possuem baixa resolução espacial, como no caso das imagens dos satélites LANDSAT (U.S.A) e CBERS (China-Brasil).

 

Em alguns casos, os usuários de produtos de sensores remotos podem encontrar materiais com maior nível de detalhe, como as fotografias aéreas, no sítio de órgãos institucionais. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fornece dados para download em seu sítio eletrônico <ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas/fotos_aereas/>. Porém, a abrangência deste material é restrita e muitas vezes não contempla períodos recentes, fator essencial na análise das transformações que ocorrem em séries temporais.

 

Entre os anos de 2004 e 2005, um software desenvolvido pela companhia Keyhole Inc., adquirido e renomeado pelo Google como Google Earth, possibilitou o acesso público a imagens de satélite que cobrem toda a superfície do planeta. Inicialmente o programa permitia a visualização a partir de imagens do sistema LANDSAT, sendo que alguns poucos lugares do globo, de maior importância econômico-administrativa, podiam ser visualizados por intermédio de imagens de maior resolução espacial, como as do sistema IKONOS e QUICK BIRD.

 

Nos anos seguintes o Google Earth promoveu um aumento no número de áreas representadas com imagens de alta resolução espacial. No Brasil, algumas porções do território puderam ser visualizadas com maior detalhe a partir dessa iniciativa, efetivando a maior popularização no uso deste programa.  A regularidade dos imageamentos - média de uma vez ao ano – também chamou a atenção de pesquisadores vinculados a geografia, que passaram a adotar as imagens como fonte de localização e instrumento de ensino (Gonçalves et al. 2007), bem como em análises sobre a morfologia das cidades e sobre o plano urbano (Equipo Urbano, 2007, 2007a). Além destas situações, atentou-se para as possibilidades que estas imagens poderiam ter em análises que abordam as alterações temporais no espaço geográfico, com ênfase na dinâmica do uso da terra.

 

Este interesse ocorre pela existência de restrições de produtos de sensores remotos com maior nível de detalhe em períodos atuais, fato que acaba prejudicando análises temporais relacionadas com a evolução do uso da terra em períodos de tempo significativos, e que não possuem um parâmetro atual de comparação para a identificação das principais alterações ocorridas.

 

Nesta perspectiva, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar as potencialidades das imagens orbitais do Google Earth (versão free) como instrumento para a elaboração de representações cartográficas de cenários recentes que compõem séries temporais de uso da terra.

 

A avaliação de tais potencialidades foi realizada a partir dos resultados obtidos em pesquisas que utilizaram as imagens do Google Earth em análises da dinâmica de uso da terra que ressaltam o processo de expansão urbana do município de Americana – SP, Brasil (Trentin, 2008), bem como em estudos sobre a evolução do uso da terra, tendo como unidade de análise uma bacia hidrográfica no município de Pelotas – RS, Brasil (Simon, 2007).

 

O uso da terra representa o conjunto de atividades agropastoris e urbano-industriais desenvolvidas pelo homem (Anderson, 1979; Simon, 2005), podendo evidenciar as relações dinâmicas existentes entre os sistemas socioeconômico e ambiental, na estruturação e manutenção das organizações espaciais (Ross, 1995, Lambin et al., 2001). A dinâmica do uso da terra consiste na evolução destas atividades e relações ao longo do tempo histórico, evidenciando padrões de organização espacial vinculados, sobretudo à demanda contínua por matérias-primas (Simon, 2005).

 

Dessa forma, a análise da dinâmica de uso da terra necessita de um cenário primário (mais antigo), além de cenários intermediários e um cenário atual que evidencie as derivações espaciais das atividades socioeconômicas, concedendo respaldo também à identificação de possíveis transformações futuras. Assim, torna-se importante verificar a existência de fontes adicionais de informação espacial em nível detalhado e de fácil acesso, que concedam dados de períodos recentes sobre as características do uso da terra. Nesse sentido, as imagens do Google Earth podem proporcionar importante contribuição.

 

 

Utilização das imagens do Google Earth para a análise da dinâmica de uso da terra na bacia hidrográfica do Arroio Santa Bárbara – Pelotas (Brasil)

 

As atividades humanas, inseridas no contexto urbano-industrial e agropecuário, encontram-se em constante articulação ao longo do tempo histórico, em decorrência do aperfeiçoamento das técnicas de apropriação e exploração dos recursos naturais. A ação do homem sobre o meio onde vive torna possível a manutenção da estrutura e das propostas do sistema capitalista, resultando em organizações espaciais representadas por usos da terra voltados para diversas prioridades.

 

A dinâmica das organizações espaciais ocorre como conseqüência da sucessão dos ciclos temporais do sistema socioeconômico, que desencadeiam, da mesma forma, a evolução da ocupação e do uso da terra. Estas fases de evolução social e econômica determinam novas características ao sistema ambiental, a partir da transformação dos recursos naturais que adquirem caráter de importância econômica durante determinado período de produção e desenvolvimento das sociedades.

 

Cada período histórico possui uma representação espacial das formas de uso da terra, que atenderam, em outras ocasiões, e respondem, atualmente, a um ideal socioeconômico dominante. O estudo da evolução destas formas de uso da terra e a compreensão de sua dinâmica apontam uma série de informações que permaneceram “impressas” cronologicamente no espaço geográfico e revelam elementos da dinâmica socioeconômica que contribuíram e ainda atuam no processo de desenvolvimento e articulação das organizações espaciais.

 

Diante destas considerações, Simon (2007) procurou analisar a dinâmica de uso da terra ocorrida ao longo de 53 anos (1953 – 2006) na bacia hidrográfica do Arroio Santa Bárbara, localizada no município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul (Figura 1), com o objetivo de identificar as transformações e as condições de controle que esta dinâmica impôs à morfologia original e à rede de drenagem da área.

 

 

Figura 1.

 

 

Localização do município de Pelotas no estado do Rio Grande do Sul (Brasil) e da bacia hidrográfica do Arroio Santa Bárbara.

 

 

Neste contexto, a estruturação de uma série temporal de uso da terra possibilitaria a análise da evolução do sistema socioeconômico ao longo do tempo histórico, conduzindo, da mesma forma, a avaliação de sua interferência sobre o sistema ambiental, a partir das diferentes atividades antrópicas que atuam diretamente nos processos geomorfológicos e na dinâmica fluvial.

 

Assim, foram elaboradas quatro representações do uso da terra para a bacia hidrográfica do Arroio Santa Bárbara, referentes aos cenários de 1953, 1965, 1995 e 2006. As informações sobre o uso da terra dos três primeiros cenários foram obtidas a partir da interpretação de pares estereoscópicos de fotografias aéreas, enquanto o cenário mais recente (2006) foi estruturado por meio da interpretação de fragmentos de imagem do Google Earth. As classes de uso da terra foram reconhecidas de acordo com a classificação metodológica proposta por Anderson et al. (1979).

 

Concluídas as atividades de fotointerpretação, as informações sobre o uso da terra foram transferidas para o meio digital e inseridas no software AutoCAD MAP 2000 em formato raster. Depois de alinhadas e georreferenciadas, as imagens foram posicionadas em segundo plano para que a vetorização dos nós, das linhas e dos polígonos pudesse ocorrer, considerando-se a base cartográfica da área (Figura 2 A e B).

 

 

Figura 2.

 

 

(A) Georreferenciamento dos fragmentos de imagens do Google Earth a partir da base cartográfica da bacia hidrográfica do Arroio Santa Bárbara, no software AutoCAD.

(B) Interpretação e vetorização em tela das classes de uso da terra e associação às respectivas cores.

(C) Representação cartográfica final do uso da terra para o cenário mais recente (2006) na bacia hidrográfica do Arroio Santa Bárbara, Pelotas – Brasil.

 

 

A representação cartográfica do uso da terra no ano de 2006 foi constituída a partir da utilização de 37 fragmentos de imagem do Google Earth, em escala aproximada de 1:40.000. O procedimento adotado para a identificação das classes de uso da terra no cenário mais atual seguiu o mesmo roteiro da elaboração dos mapas dos anos de 1953, 1965 e 1995, no que se refere à metodologia empregada para a classificação dos tipos de uso da terra e às técnicas de cartografia digital. Entretanto, a interpretação das imagens do Google Earth ocorreu diretamente na tela do computador, uma vez que as imagens não apresentam estereoscopia. Trabalhos de campo foram realizados posteriormente, a fim de conferir fidelidade aos dados mapeados.

 

No ambiente do Google Earth é disponibilizada a ferramenta que possibilita a conversão das coordenadas geográficas para coordenadas UTM. Dessa forma, juntamente às imagens selecionadas foram atribuídos dois pontos referentes a duas coordenadas UTM, geralmente posicionadas em nós como cruzamentos de estradas e vias férreas, além de avenidas principais na área urbana (Figura 2 A e B).

 

Os fragmentos de imagem selecionados foram inseridos no ambiente do software AutoCAD MAP 2000, no qual já se encontravam, em formato vetor, a delimitação da bacia hidrográfica, a malha hidrográfica do ano de 1995, as principais rodovias, avenidas e ruas, além das estradas de ferro. A preferência pela permanência da rede hidrográfica de 1995 ocorreu pela dificuldade em mapear a hidrografia atual diante da ausência de estereoscopia nos fragmentos de imagem. Porém, novos corpos de água, bem como aqueles que não foram mais encontrados, foram atualizados no cenário de 2006.

 

A representação cartográfica do cenário de 2006 (Figura 2 C), elaborada a partir da utilização de fragmentos de imagem do Google Earth, contribuiu para a análise dos padrões de uso da terra no cenário mais recente. Da mesma forma, mostrou-se determinante na compreensão e avaliação da dinâmica de uso da terra desencadeada ao longo dos 53 anos que compreendem a análise.

 

A partir deste cenário mais recente, verificou-se a continuidade do processo de expansão das terras agrícolas sobre as áreas de campo, derivado de mudanças nos ciclos socioeconômicos regionais. Esta situação interferiu nas características de apropriação dos elementos do sistema ambiental, conduzindo a alterações geomorfológicas e hidrográficas que atuam na alteração do equilíbrio da morfodinâmica e da dinâmica fluvial, dinamizando os processos erosivos da bacia hidrográfica em questão (Simon, 2007).

 

A representação cartográfica do cenário de 2006 também possibilitou a verificação da continuidade do crescimento da estrutura urbana pelotense sobre áreas de deposição recente, denominadas regionalmente de banhados e que consistiam em entraves no processo de expansão urbana de Pelotas. O rápido crescimento urbano sobre estas áreas acarretou alterações estruturais sobre sua morfohidrografia, levando a desequilíbrios na morfodinâmica deste sistema de concentração de água efêmero, para onde converge a maior parte do escoamento da bacia de captação do Arroio Santa Bárbara.

 

 

Imagens do Google Earth em estudos da dinâmica da expansão urbana de Americana – SP (Brasil)

 

O espaço de uma cidade de acordo com Corrêa (1981, p. 9) “constitui-se no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si”, os quais acabam por definir áreas que representam a organização espacial da cidade. Essa última aparece como um espaço fragmentado e articulado, e apresenta relações espaciais entre todas as suas partes, em diferentes intensidades.

 

Dessa forma, o estudo do uso da terra sob uma perspectiva temporal permite identificar os condicionantes que desencadearam cada cenário de acordo com o panorama socioeconômico predominante em cada época. Assim, a análise de uma série temporal possibilita compreender a dinâmica do espaço geográfico, da qual deriva o atual cenário de uso da terra, bem como identificar as tendências ou padrões que poderão concretizar-se futuramente.

 

Essa possibilidade de análise torna-se uma ferramenta de grande utilidade a planejadores e administradores urbanos, uma vez que subsidia ações orientadas ao crescimento ordenado da cidade, cujo ritmo acelerado das últimas décadas alia-se ao desenvolvimento técnico-científico e informacional predominante em escala mundial.

 

Segundo Kivell (1993), a terra é a chave para a compreensão de dois importantes aspectos do desenvolvimento urbano. Primeiro ela é vital na explicação do layout e crescimento das formas urbanas. Segundo, ela é como o centro das atividades urbanas, influenciando o desenvolvimento econômico, conferindo poder e determinando as relações entre os diferentes grupos sociais e atividades.

 

Neste contexto, com o objetivo de entender como ocorreu o processo de desenvolvimento urbano-industrial do município de Americana-SP, Trentin (2008) buscou inter-relacionar o desenvolvimento histórico que derivou na atual configuração do município com a identificação e análise do uso da terra local. O período de análise desta pesquisa foi de 65 anos (1940 – 2005), no entanto o uso da terra foi identificado em cinco cenários correspondentes aos anos de 1962, 1977, 1996, 2000 e 2005.

 

O município de Americana localiza-se no interior do estado de São Paulo (sudeste brasileiro) e caracteriza-se pelo predomínio da área urbanizada (Figura 3). Em decorrência de sua proximidade com a capital paulista, seu território foi alvo do processo de desconcentração industrial a partir da metrópole, fato que reforçou ainda mais seu parque industrial que já se destacava, sobretudo no setor têxtil.

 

 

Figura 3.

 

 

Localização do município de Americana no estado de São Paulo (Brasil).

 

 

A escolha deste município para a pesquisa relaciona-se com a necessidade de planejamento das áreas destinadas à expansão urbana, uma vez que seu território já se encontra predominantemente urbanizado. Americana possui área de 140 km2 e população de 199.094 habitantes, sendo que 99,8% desse contingente concentram-se na área urbana, configurando-se assim um elevado grau de urbanização (IBGE, 2007; SEADE, 2008).

 

Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizadas fotografias aéreas para quatro cenários (1962, 1977, 1996 e 2000). Em todas as situações, a escala das fotografias foi superior a 1:30.000 em face da necessidade de maior detalhamento para que o uso da terra no meio intra-urbano pudesse ser discriminado.

 

Em vista da maior dinâmica do espaço geográfico verificada nas últimas décadas, sobretudo em áreas urbanas, tornou-se conveniente elaborar uma representação cartográfica para o período atual, já que o último cenário correspondeu ao ano de 2000. Dessa forma, o uso da terra recente foi interpretado por meio de imagens do Google Earth, em razão de sua disponibilidade e boa resolução espacial na cobertura da área de estudo.

 

As imagens obtidas no Google Earth, correspondentes à área total do município de Americana compreendiam três períodos (2005, 2006 e 2007). Entretanto, esta situação não inviabilizou a representação dos padrões de uso da terra recentes, pois houve o predomínio de áreas imageadas em 2005, sendo as imagens de 2006 e 2007 utilizadas em fragmentos espaciais periféricos e que, portanto, não interferiram na qualidade das análises sobre as transformações da área de estudo.

 

Assim, foram selecionados 45 fragmentos de imagens do Google Earth para o trabalho, de forma que abrangessem toda a área do município. Os fragmentos foram obtidos em escala aproximada de 1:40.000, para assim obter uma resolução espacial adequada aos objetivos do trabalho. Tal escala foi definida no próprio Google Earth e respeitada durante todo o procedimento de aquisição das imagens.

 

Posteriormente, criou-se um banco de dados no SIG (Sistema de Informações Geográficas) SPRING (Câmara et al., 1996), onde inicialmente foi importado o mapa base do município, o qual serviu de referência para a etapa de georreferenciamento das fotografias aéreas e também das imagens do Google Earth. Para este procedimento foram obtidos pontos de controle correspondentes no mapa base e nas fotografias e imagens, sendo utilizado o método do vizinho mais próximo para a interpolação. O erro relativo aos pontos de controle permaneceu abaixo de 0,5 píxeis, o que confere grau de precisão satisfatório diante da escala de trabalho desta pesquisa (1:10.000) e também pelo fato de tratar-se de uma área predominantemente urbana, sobretudo nos cenários mais recentes (Figura 4 A).

 

 

Figura 4.

 

 

(A) Georreferenciamento dos fragmentos de imagens do Google Earth a partir do mapa base do município, no SIG SPRING.

(B) Interpretação e vetorização em tela das classes de uso da terra e associação às respectivas cores.

(C) Representação cartográfica final do uso da terra para o cenário mais recente de Americana-SP.

 

 

Após o georreferenciamento dos produtos de sensoriamento remoto passou-se a fase de interpretação ou vetorização em tela das classes temáticas, as quais foram definidas conforme a proposta metodológica de classificação do uso da terra de Anderson et al. (1979). Para esta etapa também foram observadas as características de interpretação cor, tamanho, forma, sombra, textura, padrão e localização, conforme expõe Curran (1985). A partir da interpretação de cada cenário de fotografias e imagens procedeu-se a associação de cores a cada classe de uso da terra, conforme mostra a Figura 4 B, e por fim foram obtidas as representações cartográficas dos cenários de uso da terra do município, que subsidiaram a análise da dinâmica e alterações que se processaram ao longo do período analisado.

 

O cenário recente (Figura 4 C), resultante das imagens do Google Earth, confirmou as mudanças quantitativas e qualitativas que estavam ocorrendo no espaço geográfico da área de estudo, este fato foi verificado ao confrontar os dados obtidos e a espacialização do uso da terra para os cenários anteriores referente aos anos de 1962, 1977, 1996 e 2000 elaborados a partir de fotografias aéreas. Entre as mudanças identificadas no cenário atual, verificou-se a continuidade no aumento da área de ocupação urbana, sendo que a mancha urbana cresceu aproximadamente 2 km2 em relação ao cenário de 2000. Outras alterações verificadas indicam a contínua diminuição de áreas destinadas ao uso agrícola e pastagem em detrimento do aumento de áreas vinculadas aos usos urbanos, como aqueles relacionados com o uso residencial e também o industrial.

 

A identificação e representação do uso da terra em distintos cenários ao longo do tempo, com intuito de entender a expansão urbano-industrial de Americana, mostrou que a utilização das imagens do Google Earth teve papel preponderante nos resultados da série temporal proposta para a pesquisa. O cenário de uso da terra recente oportunizou maior subsídio para a análise das mudanças de uso, além de conferir maior agilidade aos trabalhos de campo facilitando a verificação da interpretação derivada dos produtos de sensoriamento remoto. Ademais, o cenário recente viabilizou a realização da proposta de modelagem dinâmica espacial do uso da terra no meio urbano, realizada por Trentin (2008), na qual foram obtidos diferentes cenários para o curto e médio prazo e que podem, por sua vez, subsidiar ações e políticas voltadas ao planejamento urbano.

 

Embora possam ser identificadas algumas desvantagens na utilização das imagens disponibilizadas pelo Google Earth, como por exemplo, a existência de imagens com datas diferentes para um mesmo município, fato enfrentado por esta pesquisa, pode-se considerá-las importantes ferramentas de subsídio ao planejamento urbano. Os planejadores e administradores podem utilizá-las para fins de representação espacial da ocupação urbana, para complementação de uma série temporal de uso da terra, bem como para o monitoramento das constantes mudanças espaciais que ocorrem no cenário urbano, assim como para comparação de regiões e identificação de tendências espaciais quanto ao desenvolvimento das cidades.

 

 

Considerações acerca da utilização das imagens do Google Earth na elaboração de representações cartográficas do uso da terra

 

De forma geral, as imagens do Google Earth se mostraram adequadas como fontes para a representação do uso da terra. Em ambas as pesquisas a elaboração dos cenários recentes foi fundamental para o estabelecimento de uma série temporal que identificasse as dinâmicas socioeconômicas ocorridas nas áreas analisadas. Diante da existência deste instrumento, considera-se importante sua utilização na elaboração de representações cartográficas, sobretudo de uso da terra, pois as ferramentas disponibilizadas em ambiente virtual encontram-se cada vez mais arraigadas às necessidades dos estudos geográficos.

 

As imagens obtidas possibilitaram a identificação das classes de uso da terra que se enquadram no sistema de classificação utilizado por Simon (2007) e Trentin (2008). Apesar de serem voltadas para a visualização, as imagens do Google Earth com alto nível de definição espacial permitiram a verificação de características próprias da interpretação de produtos do sensoriamento remoto.

 

Assim, durante a análise da expansão da área urbana de Americana, Trentin (2008) pôde identificar elementos que diferenciaram os diversos usos urbanos, considerando satisfatório o resultado obtido no conjunto da série temporal de sua pesquisa. A autora verificou que o cenário atual mostrou a continuidade das tendências de mudanças de uso da terra que estavam sendo observadas nos cenários anteriores, tornando possível concluir que, de fato, as mudanças na dinâmica urbana estavam reduzindo-se. No entanto, a mancha urbana continuava se estendendo perifericamente sobre o espaço rural.

 

Simon (2007) obteve resultados significativos na análise da dinâmica em áreas rurais, uma vez que a representação cartográfica do ano de 2006 possibilitou a avaliação da evolução das áreas agrícolas sobre as zonas de pastagem, fato este que já vinha sendo acompanhado nos cenários anteriores, e que foram analisados a partir da interpretação de fotografias aéreas. O autor citado identificou ainda a contínua expansão da área urbana de Pelotas sobre zonas de terras úmidas, conhecidas como banhados, fenômeno que continuou se manifestando no cenário mais recente. Por fim, os autores citados concordam que a representação cartográfica dos cenários atuais subsidiou a organização de hipóteses sobre a dinâmica espacial para as situações futuras.

 

No entanto, algumas considerações devem ser efetuadas a respeito da utilização das imagens do Google Earth na elaboração de representações cartográficas do uso da terra:

 

(1) Os resultados obtidos a partir da utilização das imagens do Google Earth devem ser orientados para objetivos vinculados à representação cartográfica do espaço geográfico, não podendo ser considerados mapeamentos para fins específicos ou que demandem precisão cartográfica;

 

(2) Outro aspecto que reforça a utilização destas imagens somente para a representação e não ao mapeamento, deve-se à ausência de características espectrais que impossibilitam assim o tratamento da imagem, a obtenção de diferentes composições espectrais, ou até mesmo a classificação automática em sistema de informações geográficas para o mapeamento de uso da terra;

 

(3) As imagens não possuem estereoscopia. Dessa forma, alguns elementos de identificação da paisagem presentes na fotointerpretação (textura, forma, padrão e tamanho) podem ser comprometidos nas imagens do Google Earth. Assim, a identificação das classes de uso da terra demanda contato anterior com produtos de sensores remotos e trabalhos de campo voltados para este fim;

 

(4) Devido à freqüente atualização das imagens disponibilizadas no programa poderá ocorrer a disponibilidade de imagens com diferentes datas para a mesma área, conforme verificado por Trentin (2008). Nesse caso, a utilização das imagens dependerá do intervalo de tempo que compõe a dinâmica de uso da terra e da coerência na utilização das séries temporais disponibilizadas pelo Google Earth;

 

(5) Um maior controle de campo é necessário a fim de diminuir eventuais dúvidas de interpretação das imagens. Além do mais, as atividades de campo podem ressaltar elementos da dinâmica de uso da terra que não ficaram explícitos durante a interpretação das imagens a partir da vetorização em tela, conforme verificado por Simon (2007);

 

(6) Simon (2007) constatou que as imagens do Google Earth, referentes às áreas de relevo ondulado, situadas no setor de nascentes da bacia do Arroio Santa Bárbara mostraram maiores restrições ao procedimento de georreferenciamento. Esta característica possivelmente decorre das distorções causadas pelas variações de altitude e pela própria condição de continuidade (esfericidade terrestre) imposta às imagens no ambiente do programa;

 

(7) Outra questão que deve ser considerada vincula-se ao procedimento de obtenção das imagens no programa, em vista da necessidade de detalhamento, o que é alcançado com uma maior aproximação no terreno (zoom). Assim, é fundamental manter a escala com mínima variação quando da obtenção dos diferentes fragmentos de imagem que viabilizarão a representação cartográfica da área em estudo;

 

(8) A escala adotada para a obtenção dos fragmentos de imagem do Google Earth (1:40.000) foi adequada aos objetivos de ambos os trabalhos. Isso se deve a duas características: (a) a resolução espacial e (b) o elemento cor, que facilitou a identificação dos objetos.

 

 

Recursos eletrônicos


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[Edición electrónica del texto realizada por Jeffer Chaparro Mendivelso].


© Copyright
Adriano Luís Heck Simon y Gracieli Trentin, 2009.
© Copyright Ar@cne, 2009.


Ficha bibliográfica:
 

HECK SIMON, Adriano Luís; TRENTIN, Gracieli. Elaboração de cenários recentes de uso da terra utilizando imagens do Google Earth. Ar@cne. Revista electrónica de recursos en Internet sobre Geografía y Ciencias Sociales. [En línea. Acceso libre]. Barcelona: Universidad de Barcelona, nº 116, 1 de enero de 2009. <http://www.ub.es/geocrit/aracne/aracne-116.htm>.



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