Ar@cne REVISTA ELECTRÓNICA DE RECURSOS EN INTERNET SOBRE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES Universidad de Barcelona Nº 106, 1 de marzo de 2008 ISSN 1578-0007 Depósito Legal: B. 21.743-98 |
A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DAS ZONAS COSTEIRAS
E DOS TERRENOS DE MARINHA NO BRASIL COLONIAL E IMPERIAL
Marco Túlio Mendonça Diniz
Discente do Mestrado Acadêmico em Geografia, Grupo de Estudos de Gestão Integrada da Zona Costeira (LAGIZC)
Universidade Estadual do Ceará (UECE), Brasil
tuliogeografia@gmail.com
A importância histórica das zonas costeiras e
dos terrenos de marinha no Brasil Colonial e Imperial (Resumo).
A ocupação das terras, que hoje formam o território do Brasil, por parte dos europeus se deu pela zona costeira, como também no restante das Américas. A partir dos litorais, os colonizadores avançaram continente adentro, porém a grande maioria das grandes cidades brasileiras do período histórico em estudo, se localizou nos litorais. Eles tiveram grande importância estratégica para a Coroa, que demonstrou interesse especial pelos terrenos de marinha que foram motivo de atenção normativa pela monarquia. Está contida em alguns documentos históricos e em obras científicas a forma como foram surgindo as primeiras cidades litorâneas, os contextos espaciais e temporais das ocupações e conflitos dos litorais do Brasil. A legislação do Brasil Colonial e Imperial, que se encontra em formato digital, se apresenta como grande fonte e de fácil acesso à dados primários para pesquisas em Geografia Histórica.Tal fonte é a principal base de dados dessa pesquisa.
Palavras-chave: Litoral, praias brasileiras, geografia histórica.
La importancia histórica de las áreas
costeras y de los terrenos de marina en el Brasil Colonial e Imperial
(Resumen).
La ocupación de las tierras, que hoy forman el territorio de Brasil, por parte de los europeos ocurrió por la zona costera, así como en el resto de América. Iniciando por los litorales los colonizadores avanzaron continente adentro, sin embargo la gran mayoría de las grandes ciudades brasileñas del período histórico en estudio eran costeras. Los litorales tenían gran importancia estratégica para la Corona, la cual demostró interés especial por los terrenos de marina, que eran razón de la atención normativa por parte de la monarquía. Algunos documentos históricos y obras científicas contienen la forma cómo fueron a aparecer las primeras ciudades costeras, los contextos temporales y espaciales de las ocupaciones y los conflictos de las costas de Brasil. La legislación del Brasil Colonial e Imperial, encontradas en formato digital, son una importante fuente, y de acceso fácil, a datos relevantes para investigaciones en geografía histórica. Ese es el origen principal de los datos de la investigación que aquí se presenta.
Palabras clave: Litoral, playas brasileñas, geografía histórica.
The historic importance of the
seacoast zones and the sea terrestrial in
The occupation of lands that today form
Key-words: Seacoast, brazilian beaches, historic geography.
Os terrenos de marinha são uma estreita faixa
de terra
A colonização das Américas por parte dos Europeus se deu pelos caminhos do oceano Atlântico. No litoral atlântico da América do Sul se encontra quase que a totalidade das vilas e cidades importantes do período em questão, as atividades econômicas e de defesa do território foram muito pujantes nessas áreas.
No litoral encontravam-se os portos e as fortalezas fundamentais à proteção da colônia e posteriormente do Império do Brasil, esses são alguns dos motivos que justificam uma revisão histórica da importância desses territórios na construção do que hoje é o Brasil.
No que concerne aos terrenos de marinha o objetivo deste trabalho foi o de trazer ao conhecimento de uma maior quantidade de geógrafos, quais as origens e o regime dos terrenos de marinha em nosso país, abordando especificamente os períodos colonial e imperial (este último dividido em Primeiro Império, Regência e Segundo Império).
É demasiado carente o interesse de cientistas sobre tais terrenos, e mais ainda em reconstituir a história de sua instituição. Consideráveis contribuições foram dadas por juristas como Menezes (2003) e Nieburh (2004). Lima & Pereira de Lima (2003), também entraram na discussão, porém todos de forma muito introdutória no período em destaque. Não foi encontrado geógrafo tratando da matéria por isso aumentou nosso desafio em pesquisar o tema.
O método utilizado na pesquisa foi a descrição e analise de textos científicos e da legislação do Brasil Imperial e Colonial. Esses últimos encontrados após demorada pesquisa nos arquivos da Câmara dos Deputados do Brasil, disponibilizados na internet. A descrição das leis foi quantitativa e qualitativa, assim como dos trabalhos acadêmicos à que tivemos acesso.
É importante destacarmos que toda nossa foi
feita basicamente nas bibliotecas do município de Fortaleza que está a mais de
Toda a legislação a partir da vinda da Família Real Portuguesa até o fim do período imperial do Brasil encontra-se em formato digital o que facilitou a em muito a pesquisa, foram analisados tantos quanto foram encontrados os documentos que faziam referência às zonas costeiras e aos terrenos de marinha, para foi necessário apenas um microcomputador com acesso à internet. Os outros textos foram encontrados uns na rede mundial de computadores e outros nas bibliotecas da cidade de Fortaleza.
As zonas costeiras e a ocupação lusa no Brasil
As zonas costeiras foram áreas de fundamental
importância na colonização do novo mundo por parte dos europeus, pois esta se
deu por via oceânica. No Brasil data de
Da frota de Cabral o que se sabe é que seus experientes navegadores afastaram-se da rota e chegaram a uma terra que, pelo Tratado de Tordesilhas, pertencia a Portugal. No dia 22 de abril de 1500 um dos navegadores da esquadra avistou a costa brasileira. Em verdade, um ‘monte’ que ficou conhecido como ‘Monte Pascoal’ por ser época da Páscoa. Pouco depois, os homens desta expedição desembarcaram num local da costa que foi denominado ‘Porto Seguro’, hoje conhecido como baía Cabrália, no estado da Bahia. Frei Henrique Soares, de Coimbra, capelão da esquadra de Cabral, celebrou missa (a primeira desta terra) no Ilhéu da Coroa Vermelha. Mais tarde, após ter recebido as ‘boas novas’ contidas na carta de Pero Vaz de Caminha, o rei de Portugal enviou expedições para explorar a costa brasileira e descobrir suas riquezas (Marroni & Asmus, 2005, pág. 11).
Primeiramente denominou-se “Ilha de Vera Cruz”, depois passando a “Terra de Santa Cruz”, por perceberem o tamanho deste território que agora seria explorado pela Coroa Portuguesa.
Os primeiros assentamentos lusitanos em terras brasileiras localizaram-se, com raríssimas exceções, na zona costeira. Basta recordar que, de todos os 18 núcleos pioneiros fundados pelos portugueses no século XVI, apenas São Paulo não se encontrava à beira-mar (Moraes, 2007, pág. 33).
O povoamento do Brasil Colônia se deu em forma de bacia de drenagem, iniciado-se a partir dos portos e avançando continente a dentro tanto quanto fosse viável para produzir e escoar a produção até os portos no intuito de vender as mercadorias para outros centros.
A efetiva colonização do litoral brasileiro por parte dos portugueses no século XVI se deu pela doação de 15 capitanias que se dedicariam basicamente à produção de açúcar, estas destinavam 1/5 de sua produção à coroa e eram responsáveis pela segurança da costa contra as investidas francesas e holandesas principalmente.
Dentre as capitanias ocupadas e as nunca visitadas, prosperaram apenas São Vicente e Pernambuco, essas sentiram falta de um governo geral, tal reivindicação foi atendida e entre 1548 e 1549 foi instalada a sede do governo geral no Brasil[1]
na Baía de Todos os Santos, mais especificamente na cidade do Salvador, localizada estrategicamente no centro do litoral brasileiro.
Os portos se localizaram, usualmente, em baías ou estuários com águas calmas para o encalhe ou atracação das navegações. No entorno das áreas portuárias e/ou das fortalezas desenvolveram-se vilas e posteriormente as maiores cidades da colônia, os portos atraiam os cidadãos por sua maior dinâmica econômica e por serem áreas com melhores condições de mobilidade e comunicação com a metrópole. Já as fortalezas tinham como atrativo a maior segurança contra ataques indígenas e de outras nações européias, como as que hoje constituem a França e a Holanda, à época estas possuíam considerável quantidade de navios piratas.
Durante o período colonial, haviam vastas terras não povoadas pelos lusos, estas eram as que recebiam maiores investidas dos franceses e holandeses.
A cidade de Fortaleza, hoje capital do Estado do Ceará, se originou ao redor do forte Schoonenborch construído em 1649 sob ordens do comandante holandês Matias Beck. A Fortaleza foi uma tentativa de colonização deste setor do litoral brasileiro que pelo Tratado de Tordesilhas era território português e que se estendia até São Luís, porém os holandeses juntamente com os franceses não reconheciam tal tratado como válido, apenas em 1654 os lusos retomaram o controle do forte mudando o nome do forte para Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção (Wikipédia, 2007a). A vila foi sendo batizada de Fortaleza por costume das pessoas que tinham problemas (como ataques indígenas) em Aquiraz (antiga capital do Ceará) e fugiam para os lados da Fortaleza.
Já os franceses tiveram de ser expulsos em 1585 de Filipéia de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa, capital da Paraíba) e da atual Natal (capital do Rio Grande do Norte) em 1598 com a construção do Forte dos Reis Magos. Eles tentaram ainda por mais duas vezes
se apossar das terras brasileiras. Em 1555 Villegaignon decidiu fundar uma colônia francesa ao norte de São Vicente, chamando-a de França Antártica. Só foram expulsos com reforços chegados de Portugal, sob o comando de Estácio de Sá. Foi este português que fundou a cidade de São Sebastião, próximo ao Morro da Urca, dando origem ao Rio de Janeiro. No século XVII os franceses tentaram se apossar do Maranhão. (MARRONI & ASMUS, 2005, pág. 15)
A capital maranhense foi batizada por homenagem ao rei Luís XIII da França (Wikipédia, 2007b) e como já foi mencionado, foi dominada posteriormente por holandeses.
Os conjuntos mais expressivos de ocupação do litoral brasileiro por parte portuguesa foram:
· Litoral oriental da zona da mata nordestina, área polariza-da por Olinda/Recife. Zona produtora de açúcar, com ramificações na hinterlândia, através da pecuária e da agricultura de abastecimento, ocupando o denominado “sertão de fora”. Foi a área por excelência do “século do açúcar” (1570/1670), onde se fixa a maior parte dos assentamentos coloniais no período mencionado. Apresenta uma rede de núcleos urbanos litorâneos localizados na desembocadura dos principais rios da região.
· Recôncavo baiano, área polarizada pela cidade de Salvador, sede do governo geral durante boa parte do período colonial (até 1763). Trata-se da maior cidade brasileira até o final do século XVIII, ponto de escala das rotas internacionais do império português, e articulado-ra de amplos circuitos internos referentes tanto à pecuária quanto à mineração. Zona também produtora de açúcar, mas apresentando uma pauta mais diversificada de produtos que a anterior. Apresentam um conjunto de núcleos assentados nas desembocaduras dos rios que vertem para a baía de Todos os Santos e pelo litoral imediato.
· Litoral fluminense, área polarizada pela cidade do Rio de Janeiro, que conhece grande crescimento ao abrigar a corte portuguesa no início do século XIX. Zona de produção de abasteci-mento para as áreas mineradoras e de embarque dos produtos minerais, destacando-se também na agricultura canavieira e na fabricação de aguardente. Apresenta um conjunto de núcleos pontuando uma vasta extensão da zona costeira, tanto ao norte quanto ao sul da baía de Guanabara.
· Litoral paulista, área polarizada por Santos/São Vicente, que por sua vez se articulam com o sistema paulistano no planalto (o qual envolve uma rede de povoações e caminhos demandando diversas direções no interior). Destaca-se exatamente mais pela extensão dessa área de circulação (cujos fluxos chegam a atingir o Peru), que pela magnitude de seus assentamentos em si no período colonial. Constitui-se de um rosário de núcleos litorâneos que se tornam mais distanciados conforme se avança no sentido meridional (o limite sul deste sistema estaria, na época considerada, na ilha de Santa Catarina) (Moraes, 2007, pág. 34).
Poderíamos mencionar ainda algumas cidades portuárias e/ou com fortes que tiveram povoamento destacável, eram sedes política de capitanias (ou províncias) e escoavam a produção local, seriam elas: Belém com a produção do vale amazônico; as já mencionadas, São Luís do Maranhão e Fortaleza (e ainda Aquiraz, vila sede da província cearense); mencionamos também Vitória do Espírito Santo.
De resto o que havia eram vastas extensões de terras que serviam de refúgio para povos e quilombos de escravos fugidos,
que acabam por instalar pequenas comunidades envoltas em gêneros de vida rudimentares, voltadas para o autoconsumo. E estas vão ser as origens das populações litorâneas “tradicionais” ainda hoje presentes em varias poções da costa brasileira. (Moraes, 2007, pág. 35)
No Brasil colônia pode-se observar que o litoral no norte a partir do fim da zona-da-mata e no sul após os domínios de São Vicente, houve pouca ou nenhuma cobiça por parte portuguesa. A parte meridional tinha litoral arenoso inviável à produção de cana-de-açúcar e com a ausência de pau-brasil (Marroni & Asmus 2007, pág. 15). Fenômeno semelhante ocorria no litoral cearense, que também tem solos demasiado arenosos e clima bastante inconstante.
A faixa que vai do Ceará a São Luís do Maranhão, também “dispensada” pelos lusos, foi dominada por franceses e holandeses por certo tempo como já foi visto. Até o século XVII, não havia significativa exploração econômica dessas áreas que posteriormente dedicaram-se ao algodão e ao gado. O litoral amazônico foi sub-aproveitado pela Coroa Brasileira nos primórdios, e mesmo com a independência continuou a ter estreitas relações com Lisboa. Apenas nos fins do período imperial ouve um maior desenvolvimento econômico com a exportação de Borracha pelo porto de Belém.
Com a independência, o império brasileiro construiu ferrovias que alteraram a dinâmica das cidades litorâneas, pois agora se podia mais facilmente povoar o interior. Essa alteração se dá incrementando umas e estagnando outras do ponto de vista econômico, as que possuíam portos movimentados e trilhos de trem, foram as que experimentaram desenvolvimento.
Como afirma Moraes (2007, pág. 35): Em 1822, as cinco maiores cidades brasileiras eram: Rio de Janeiro (sede da corte) com 50 mil habitantes, Salvador (antiga sede do governo geral da colônia) com 45 mil, Recife com 30 mil, São Luís com 22 mil e São Paulo com 16 mil habitantes. Já em 1900, o Rio de Janeiro tinha 700 mil, São Paulo 240 mil, Salvador 206 mil, Recife 113 mil e Fortaleza 48 mil habitantes. Percebe-se que São Luís cai com a produção de algodão e Fortaleza sobe com a produção de carne e outros produtos do Sertão, passando a rivalizar com Recife como pólo regional.
Durante o império do Brasil acabaram-se as investidas estrangeiras e afirmou-se o grande interesse estratégico da coroa dos Pedros sobre o litoral do país. Foi nesse contexto que surgiram algumas políticas de estado sobre esses territórios, dentre as quais está a instituição dos terrenos de marinha como veremos no próximo tópico.
Os terrenos de marinha no Brasil Colonial e Império do Brasil
Período colonial
Os terrenos de marinha[2], ou simplesmente marinhas, tiveram especial atenção por parte da Coroa portuguesa, como afirma Menezes (2003) uma Ordem-Régia de 21 de outubro de 1710 vedava que as terras dadas em sesmarias[3] compreendessem as marinhas “as quais deveriam estar desimpedidas para qualquer serviço da coroa e de defesa da terra” (Menezes, 2003). Era área nobre de domínio público, sendo a Coroa sua proprietária e não permitindo seu uso para fins privados.
Niebuhr (2004) faz referência à mesma Ordem Régia e afirma ter tido acesso à uma outra de 04 de dezembro de 1678 onde os terrenos de marinha são, também, considerados bens de domínio público.
Lima & Pereira de Lima (2003) afirmam que em 1811 foi criado no Brasil Colônia, por Ordem Régia, o instituto jurídico dos
“terrenos de marinha e seus acrescidos, sob a denominação de ‘MARINHAS’, determinando que: ‘tudo o que toca a água do mar e acresce sobre ela é da Coroa, na forma da Ordenação do Reino’; e que ‘da linha d’água para dentro sempre são reservadas 15 braças craveiras[4] pela borda do mar para serviço público” (Oliveira, 1966, apud. Lima & Pereira de Lima, 2003).
Menezes (2003) faz referência à:
“Aviso de 18 de novembro de 1818: ‘e que da linha d’água para dentro sempre são reservadas 15 braças pela borda do mar para serviço público, nem entram em propriedade alguma dos confinantes com a marinha, e tudo quanto alegarem para se apropriar do terreno é abuso inatendível”
Desconfiamos ser o mesmo documento o mencionado por Lima & Pereira de Lima (2003) e por Menezes (2003), porém na Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputados[5] não consta nem uma nem outra, por tal motivo não pudemos ter acesso aos documentos originais.
Pode-se notar o interesse da coroa lusa nos terrenos em questão, houve uma primeira delimitação deste território, mesmo ainda de forma incipiente, as marinhas nesta época eram consideradas estratégicas apenas do ponto de vista de defesa da colônia, sendo obrigatório o seu desimpedimento para o livre trânsito da Marinha de Guerra.
O Brasil Imperial
Provisão da Mesa do Desembargo do Paço de 21 de fevereiro de 1826 afirma que nas marinhas e barras de rios navegáveis não há domínio nem senhorio particular e que elas são de direito público. No mesmo ano há aviso de 29 de abril[6] que contém o texto:
“deve limitar a obra que se acha construindo naquele sítio à distância de 15 braças do bater do mar em marés vivas, de forma que fique desembaraçado o terreno intermediário, que compreende o que se chama propriamente marinha” (Menezes, 2003).
Em seguida, cronologicamente, temos a lei orçamentária de 1831 (Brasil, 1831a), esta historicamente, é valiosíssima, pois é este o ano de referência para a delimitação dos terrenos de marinha, persistindo até os dias de hoje como veremos mais a frente. Veja fotografia (ilustração 1) do escrito em seu art. 51:
Ilustração 1 Lei de 15 de novembro de 1831.
Retirada de Brasil (1831a).
A lei é marco também na mudança de mentalidade do governo nacional, à época uma regência. Antes os terrenos de marinha eram de preservação compulsória e de propriedade da Coroa, depois da publicação desta lei poderiam ser aforados, podendo assim particulares ter direito de uso sobre esses terrenos.
No mesmo dia em nome do imperador foi editada pela regência outra decisão, a de número 375 (Brasil, 1831b), esta foi a primeira menção à distúrbios sócio-ambientais na zona costeira (mais especificamente nos terrenos de marinha) dentre os documentos oficiais da Coroa Brasileira (ilustração 2), tal fenômeno teve intervenção do poder público como tentativa de resolução do caso:
Ilustração 2 Decisão Imperial nº. 375 de 15 de novembro de 1831.
Retirada de Brasil (1831b).
Na última lei podemos notar o velho e novo, ou seja, a antiga idéia de as marinhas serem áreas reservadas, dentre outros, para fins portuários, e a nova idéia estatal de aforar as terras sob outorga das câmaras municipais e anuência da Coroa. Já nesta data pode-se também observar problemas entre o patrimônio público e a apropriação de terras por parte de comerciantes que se estabelecem nas praias, no caso D. Manoel na Corte Imperial do Brasil.
No ano seguinte a nova doutrina é confirmada quando:
“Nicoláo Pereira de campos Vergueiro, Presidente interino do Tribunal do Thesouro Público Nacional, para bem se executar a disposição da Lei de 15 de novembro de 1831 no art. 51 § 14, ordena que se observem as instruções seguintes:
Art. 1.º O inspector das obras públicas fica encarregado de fazer reconhecer, medir, e demarcar os terrenos de marinhas, compreendidos no termo desta cidade:
1.º Os que devem ser reservados para logradouros públicos.
2.º Os que têm sido concedidos a particulares, ou por estes têm sido ocupados sem concessão.
3.º Os que ainda atualmente se acham devolutos” (Brasil, 1832).
Os terrenos de marinha podiam então ser aforados, e os enfiteutas pagariam foro de 2,5% do valor da avaliação feita pelo estado, essa avaliação seria custeada pela parte interessada na avaliação. Os terrenos de marinha seriam, também fonte de arrecadação para a Coroa, para os governos provinciais e câmaras municipais, já que o estado como um todo necessitava de recursos para manter a máquina.
O artigo quarto da mesma lei diz que:
“Hão de considerar-se terrenos de marinhas todos os que, banhados pelas águas do mar, ou dos rios navegáveis, vão até a distância de 15 braças craveiras para parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio” (Brasil, 1832).
Esta foi a primeira
demarcação do governo brasileiro, já que a anterior de 1811 tinha sido feita
sob ordens da Coroa Portuguesa ela é também a lei de referência para a demarcação
das marinhas até os dias de hoje, outras leis foram editadas, porém sem mudar a
medida no espaço-tempo, que é de
Segundo consta Dom Pedro Segundo, por Graça de Deus, e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil decretou em 1860 que o governo ficaria autorizado a aforar terrenos de aluvião onde existissem marinhas (Brasil, 1860, Art. 11. § 7.º), mostrando assim que seguia o tipo de política iniciado no período regencial, a de o estado estar disposto a ceder direitos de uso ou mesmo de vender terras públicas em benefício do Tesouro da Coroa. Nesse período as contas públicas encontravam-se mais equilibradas, fruto da mudança de política fiscal e de arrecadação do novo Imperador em relação aos governos que o precederam.
Avançando na história, em 1867 os foros de marinhas são novamente mencionados como fonte de arrecadação no decreto que fixava a despesa e orçava a receita geral do Império (Brasil, 1867, Art. 34 § 33).
Finalmente chegamos à última manifestação Imperial sobre a pauta, trata-se de um decreto de 1868 (ilustração 3) que normaliza definitivamente o que são e como deve proceder quanto ao uso e demarcação dos terrenos de marinha.
Já no seu Preâmbulo o imperador ratifica seu interesse de tornar essas terras produtivas, as que não forem ocupadas diretamente por organismos do império, porém a Coroa continua a ser o senhorio direto dos terrenos, por eles terem caráter estratégico, jamais serão de posse definitiva do pagador do foro.
As medidas e o marco histórico para as medições são os mesmos até os dias atuais. O decreto normaliza como devem proceder aos representantes do poder público e particulares que pretendessem aos terrenos de marinha, com quem ficariam os foros arrecadados, quais as entidades ou pessoas que teriam prioridade em caso de mais de um alegar direito, ou interesse sobre o direito de uso. Importante ressaltar que desde que o enfiteuta fosse adimplente, o aforamento seria perpétuo e hereditário, mais a propriedade, a final, continuaria sendo da Coroa como é o regime enfiteuse[7] até hoje. São mencionados os diversos interesses privados ou da Coroa, como o de tornar os terrenos produtivos, defesa nacional, logradouros públicos, acesso às praias, portos e demais edificações próximas ao oceano.
Ilustração 3 Decreto 4105 de 22 de fevereiro de 1868.
Retirada de BRASIL, 1868.
Conclusões
Os recursos digitais têm se mostrado muito valiosos para as pesquisas em um dos novos campos de pesquisa que se apresenta nas ciências sociais, a geografia histórica. Nesta pesquisa sobre os litorais do Brasil a disponibilidade dos documentos legais do século XIX na internet[8] foi ponto fundamental, por eles se tratarem das principais fontes primárias que existem para a análise da doutrina empregada pelas coroas de Portugal e do Brasil para os terrenos e período histórico em questão.
Em nossa pesquisa pudemos perceber que a zona costeira, desde os primórdios de nossa nação foram áreas prioritárias de interesse por parte de particulares e do estado, note-se que apenas um aspecto que são os terrenos de marinha foi motivo de grande atenção da coroa.
Foi visto que as Coroas, tanto de Portugal, como do Brasil, em diferentes momentos tiveram diferentes mentalidades, embora, jamais negligenciando a importância estratégica e depois econômica desses terrenos e das zonas costeiras como um todo.
As marinhas inicialmente foram tratadas como terrenos estratégicos para a construção de portos de diversos tamanhos e usos, e de fortalezas para a proteção dos territórios contra ataques estrangeiros.
Posteriormente se percebeu que também eram áreas passiveis de ocupação e utilização econômica diversa, gerando recursos para a o Tesouro e sendo áreas comerciais e residenciais interessantes para o povo brasileiro, que como foi visto habitava principalmente as vilas e cidades litorâneas.
O regime de demarcação do ponto onde está localizada no espaço a linha imaginária que demarca os Terrenos de Marinha conforme prevê a legislação do país é trabalho complicado mesmo para geógrafos bem treinados na Geografia Aplicada. Esses além das técnicas apuradas têm de conhecer assuntos como o aqui tratado para entender o contexto de sua pesquisa.
É demasiado complicado falar sobre essas áreas que são motivo de interesses diversos, porém pensamos ter contribuído com este ensaio, que pretende ser um subsídio para à contextualização histórica dos problemas e dilemas que estão no entorno dos litorais, e de forma mais particular nos terrenos de marinha em nosso país.
Notas
[1] Passou a ser assim chamado por causa da exploração do pau-brasil que se deu basicamente na forma de escambo com os indígenas da grande nação tupi que povoava primitivamente o litoral brasileiro.
[2] Note que são terrenos "de marinha", o que vale dizer, caracterizados por sua proximidade com as águas salgadas, e não "da Marinha", no sentido de pertencerem à Marinha do Brasil (Menezes, 2003).
[3] Interessante destacar que as sesmarias são instituto previsto nas Ordenações Afonsinas, originário de uma lei de 1375 – Lei das Sesmarias (Menezes, 2003).
[4] Segundo o Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0:
braça “Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a dez palmos, ou
seja, 2,2m” (Ferreira, 2004). Sendo então 15 braças equivalentes a
[5] A mencionada coleção inclui Cartas de Leis, Decretos, Alvarás, Cartas Régias, Leis e Decisões imperiais publicados entre os anos de 1808 e 1889 e está disponível no endereço eletrônico: <http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/doimperio>, esta foi a mais importante fonte desta pesquisa, que se baseou, em sua grande maioria, em documentos eletrônicos.
[7] O aforamento é espécie de contrato através do qual se transfere direito real sobre bem imóvel alheio. Nele, ocorre o desdobramento do domínio entre o efetivo proprietário, apelidado de senhorio, e aquele que recebe o direito real sobre o imóvel, apelidado de foreiro ou enfiteuta. O senhorio é titular do domínio direto, enquanto o foreiro do domínio útil, o que outorga a ele amplos poderes sobre a coisa, podendo aproveitá-la como se ela o pertencesse. O foreiro conserva esses direitos perpetuamente, podendo transferi-los aos seus herdeiros ou a terceiros, de modo gratuito ou oneroso. Em contrapartida, o foreiro deve pagar anualmente à União o foro correspondente a 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno (...), bem como, em caso de transferência onerosa do aforamento - que deve contar com o assentimento da União, que inclusive exerce direito de preferência (...) -, deve pagar o laudêmio correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do domínio pleno e benfeitorias (...). A inadimplência do foreiro por 3 (três) anos consecutivos ou 4 (quatro) anos intercalados importa na caducidade do aforamento. (Nieburh, 2004).
[8] Visitas à bibliotecas situadas a milhares de quilômetros de distância inviabilizariam o estudo.
Recursos Eletrônicos
BRASIL. Decisão Imperial nº. 29 – Justiça – Provisão do Desembargo do Paço de 21 de fevereiro de 1826. Dá providências sobre os destroços feitos na povoação de Itabapuanna a requerimento do proprietário da fazenda Moribeca. Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputados. [En línea]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1826. <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-_36.pdf>. [04 de dezembro de 2006].
BRASIL. Lei de 15 de novembro de 1831. Orça a receita e fixa a despesa para o ano financeiro de 1832-1833. Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputados. [En línea]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1831(a). <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-14/Legimp-14_67.pdf>. [28 de novembro de 2006].
BRASIL. Decisão Imperial nº. 375 de 15 de novembro de 1831. Sobre os terrenos de marinhas que pretende a Câmara Municipal desta Corte e remoção das barracas da praia de D. Manoel. Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputado. [En línea]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1831(b). <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-14/Legimp-14_163.pdf>. [28 de novembro de 2006].
BRASIL. Instrução nº. 348 – FAZENDA. – de 14 de novembro de 1832. Instruções para reconhecimento, medição e demarcação dos terrenos de marinhas. Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputado. [En línea]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1832. <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-16/Legimp-16_38.pdf>. [04 de dezembro de 2006].
BRASIL. Lei nº. 66 de 12 de outubro de 1833. Determina o arrendamento em hasta pública das fábricas, terrenos e próprios nacionais; autoriza o contrato para iluminação a gás, e suprime os ordenados do escrivão do Hospital de Santos e do capelão do Colégio de S. Paulo, e a despesa com o quartel do Rio Pardo. Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputados. [En línea]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1833. <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-17/Legimp-17_12.pdf>. [04 de dezembro de 2006].
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Ficha bibliográfica: