IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

TURISMO, CONSUMO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO:
O MUNDO DO TRABALHO NO PERÍODO TÉCNICO CIENTIFICO INFORMACIONAL

Edvaldo Cesar Moretti
Universidade Federal da Grande Dourados/MS
emoretti@ufgd.edu.br


Turismo, consumo e produção do espaço: o mundo do trabalho no período técnico cientifico informacional (Resumo):

O turismo como atividade econômica cresce como forma de ocupar o tempo fora do trabalho. Ocupar este tempo significa inserir o trabalhador no mercado, no consumo turístico. A atividade turística transforma o tempo do ócio em um tempo aprisionado ao mercado. Os lugares que são definidos para a atividade turística, na lógica do período técnico-científico, são racionalizados para atender à necessidade de mercantilizar o tempo livre. O turismo, nesta perspectiva de racionalização do espaço, participa da transformação dos lugares, viabilizando-os para as ações programadas para o lucro. Nesta lógica, o tempo livre e o espaço são racionalizados. Neste processo o que não pode ser contado, o que não pode ser valorizado pelo mercado e o que não está incluído nas novas “necessidades” produzidas é excluído.

Palavras chaves: produção e consumo do espaço; turismo; mundo do trabalho.


Turism, consum and production of the space: the world of the work in the scientific technical informational period.(Abstract):

The turism as economic activity grows as a form of occupy the time out of work. Occupy this time means insert the worker in the market, in the turistic consum. The turistic activity transforms the free time in a time imprisoned to the market. The places that are defined to the turistic activity, in the logic of the technician-scientific period, are rationalized to atend the necessity of mercantile the free time. The turism, in this perpesctive of rationalization of the space, participes of the transformation of the places, making possible the actions programmed to the profit. In the logic, the free time and the space are racionalized. In this process what can not be taked in consideration, what can not be valued by the market and what is not included in the new “necessity” produced is excluded.

Key words: production and consumo of space; turism ; world of work


As transformações no mundo do trabalho, no período técnico-científico informacional[1], e sua relação com o espaço, são pouco estudadas pela ciência geográfica no Brasil. As mudanças no mundo do trabalho inserem-se em um contexto de transformações gerais, que nas reflexões desenvolvidas por diferentes autores, entre eles Anthony Giddens (1991), David Harvey (1993), Boaventura de Souza Santos (1995), Milton Santos (1996) e Paul Virilio (1998), explicita-se, através de análises com bases teóricas diferenciadas, o caráter dialético deste processo histórico por que passa a sociedade contemporânea.

Como mostra Paul Virilio (1998), o que caracteriza este novo período é a aceleração da velocidade que ocorre através das mudanças dos motores[2], e, para Milton Santos (1994), estamos vivendo em uma época de passagem da sociedade industrial para a sociedade informacional:

“O fato de que o processo de transformação da sociedade industrial em sociedade informacional não se completou inteiramente em nenhum país, faz com que vivamos, a um só tempo, um período e uma crise...” (p. 121).

Este processo de passagem, que tem na evolução tecnológica sua principal característica, provoca mudanças nas relações sociais, nas relações com a natureza e, portanto, na produção e consumo do espaço, exigindo um olhar cuidadoso da ciência sobre a complexidade das transformações.

Especificamente, a reflexão aqui proposta apresenta tentativa de leitura das questões: transformações no mundo do trabalho; aumento da velocidade e produção e consumo do espaço – utilizando como exemplo a territorialidade turística.

I. Idéia de desenvolvimento

Concordando com Castoriadis, é possível afirmar que o mundo moderno tem como base de constituição dois fatores:

(...) de um lado, a emergência da burguesia, sua expansão e sua vitória final são acompanhadas pela emergência, a difusão e a vitória final de uma nova ‘idéia’, a idéia de que o crescimento ilimitado da produção e das forças produtivas é, de fato, o objetivo central da vida humana (1987:144)

Esta configuração permitiu a consolidação da idéia de desenvolvimento relacionada à racionalização quantitativa e fragmentada, ou como diz Castoriadis, o que conta é o que pode ser contado.

Esta perspectiva de desenvolvimento aparece conjuntamente com o capitalismo, estando intimamente relacionada à consolidação deste sistema de produção e ao processo de industrialização, associando-se à noção de progresso tecnológico.

O desenvolvimento é medido através da quantificação, através do crescimento linear sem fim, o que conta é o mais, principalmente mais mercadorias, mais consumo de bens produzidos.  O estágio alcançado pelas sociedades ocidentais “ricas”, que estariam na maturidade industrial, possuindo a capacidade de crescer ilimitadamente, é definido como o modelo de desenvolvimento a ser atingido.

O significado alcançado pela noção de desenvolvimento — crescimento indefinido, a maturidade, o crescimento sem fim — é consubstanciado por algumas noções, entre as mais importantes podemos destacar: a onipotência da técnica;  a ilusão relativa ao conhecimento científico e a ‘racionalidade’ dos mecanismos econômicos. (CASTORIADIS, 1987, p. 146).

A crença no crescimento é uma característica essencial da humanidade, mas o erro, na sociedade atual, é a falta de limites a este crescimento econômico e tecnológico, e a consideração que todo crescimento é bom.  De acordo com CARVALHO:

Melhoria e bem-estar são usados como conceitos universais como se o bom, o melhor tivessem um sentido unívoco. No entanto, o que é melhorar do ponto de vista desse discurso? O que é estar bem, ter uma vida de qualidade na sociedade de consumo? Sabemos como esses valores são manejados, a fim de se tornarem signos de status e diferenciação social, associando-se a produtos, projetos, condutas, que precisam ser vendidas.(1991:95)

Esta busca do crescimento ilimitado tem seu preço, que é pago pela sociedade de maneira geral, a chamada crise que passa a sociedade moderna, é o reflexo claro de que este modelo de desenvolvimento atingiu vários pontos limitadores.

As chamadas crises estão presentes no cotidiano: crise educacional, crise econômica, crise social, crise ambiental, etc.  De fato o que temos é uma crise, é a crise dos paradigmas que sustentam o modelo de desenvolvimento capitalista, ou seja, é uma crise da sociedade moderna construída com o casamento da racionalidade econômica com a ascensão da burguesia ao poder. Portanto, é uma crise gerada e consolidada no seio do capitalismo, pontualmente o que temos muitas vezes é o despontar de limites ao capitalismo e/ou crises do próprio modo de produzir que tem a sua reprodução, contraditoriamente, embasada nas superações destas crises. Mas, essa crise também significa o sucesso do modo de produzir capitalista, que têm na exploração social e ambiental sua base de sustentação, gerando miséria e pilhagem ambiental.

Portanto, a idéia de desenvolvimento ligada ao tema proposto, merece reflexão: de que desenvolvimento estamos falando? O desenvolvimento quantitativo e voltado para o crescimento econômico esta fadado a promover a desestruturação das bases que sustentam a vida, isso é claramente visível nas análises ambientais, mas é também visível quando trabalhadores morrem por estafa relacionada a quantidade de horas trabalhadas e esforço físico.

Neste processo de desenvolvimento, diferentes lugares buscam através da definição de vantagens comparativas, estarem inseridos na chamada globalização competitividade.

No Mato Grosso do Sul, o setor agropecuário (com destaque para a produção de carne bovina e soja) são os motores do chamado desenvolvimento estadual. A partir da década de 80 do século XX através da atividade turística aspectos da paisagem são valorizados e transformados em atrativos turísticos, com destaque para o Pantanal (considerado aqui como heterogêneo nos diferentes aspectos que o constitui) e para o Planalto da Bodoquena, a principio, especificamente o município de Bonito.

II. Atividade turística no mundo moderno

O chamado “aumento do tempo livre”, entendido como uma das características do processo de constituição da modernidade, é analisado por autores com diferentes perspectivas teóricas (DE MASI, VIRILIO, SOUZA SANTOS e SANTOS). De acordo com DE MASI, em entrevista ao jornal o Estado de São Paulo,

O século 20 ficará na história como o século do trabalho. Muito provavelmente o século 21 se caracterizará como o século do tempo livre.” Isto porque, “...as novidades tecnológicas desenvolverão uma boa parte do trabalho executivo atualmente destinado aos trabalhadores. Então o tempo livre aumentará. Esta é uma grande ocasião libertadora dos confrontos do trabalho como dever, obrigação e ideologia.(01/01/2000).

Nesta perspectiva, o turismo é entendido como uma das grandes possibilidades de atividade econômica para a sociedade do século XXI, mas esta atividade deve ser analisada em sua complexidade inserida na realidade construída por relações sociais desiguais e excludentes. Também a idéia de que o avanço tecnológico promoverá o aumento do tempo livre e possibilitará a liberdade do homem, em relação ao trabalho, deve ser analisada na perspectiva da sociedade atual, dividida em classes sociais e ideologicamente centrada no consumismo.

Discutindo a questão do aumento da produtividade no trabalho, Boaventura de Sousa Santos (1995), contrariamente à proposição acima descrita, entende que o avanço tecnológico não está promovendo o aumento do tempo livre do trabalho. Citando pesquisa realizada nos Estados Unidos por Juliet Schor, o autor complementa:

Quanto ao argumento da produtividade enquanto geradora de lazer, os dados estão longe de o confirmar... ao contrário do senso comum dos economistas e sociólogos, o lazer dos trabalhadores americanos tem vindo a diminuir constantemente nos ultimos trinta anos  (Schor, 1991).

É evidente que neste período a produtividade aumentou dramaticamente, mas o contexto social em que ela ocorreu fez com que, em vez de reduzir as horas de trabalho, as aumentasse. Esse contexto foi, segundo a autora, caracterizado pela grande fraqueza do movimento sindical, incapaz de lutar pela redução do tempo de trabalho, e pela compulsão do consumo, que transformou os americanos em escravos de um ciclo infernal ganhar-gastar e os levou a aceitar como natural que os ganhos da produtividade se traduzissem sempre em aumentos de rendimentos, e não em menores horas de trabalho, como seria possível.” (SOUZA SANTOS: 308-9, 1995)

Outra questão relevante a ser considerada, em relação ao aumento do tempo livre, são as desigualdades entre os países e mesmo entre regiões no interior de um país.

Nos países periféricos, o aumento da produtividade decorrente do avanço tecnológico tem significado o aumento do desemprego e o aumento de trabalho para aqueles que continuam empregados. O poder de luta dos trabalhadores empregados diminui em decorrência de fatores relacionados à tecnologia: aumenta o risco da substituição do trabalhador pela máquina e mesmo da substituição de um trabalhador por outro que se encontra desempregado, e ainda aumenta o controle sobre o trabalho, exigindo-se cada vez mais do trabalhador  qualificação e  disciplina.

Este contexto promove a diminuição do poder de organização dos trabalhadores. Em busca de transformações nas relações de trabalho, as organizações sindicais brasileiras, por exemplo, promovem ações visando a requalificação da mão-de-obra através de cursos técnicos, lutam pela manutenção de postos de trabalhos nas empresas, mas pouco têm conseguido em relação à diminuição da jornada de trabalho e a aumentos salariais.

Segundo SOUZA SANTOS, neste período histórico, ocorre a erosão das conquistas do movimento operário junto ao capital:

O dilema reside em que, num contexto ideológico, saturado pelo consumismo, a erosão das concessões e o aumento da disciplina e dos ritmos de trabalho que a acompanham eliminam, em vez de promover, a vontade de lutar por uma vida diferente e mesmo a capacidade de a imaginar. (1995: 311)

Para VIRILIO, sem trabalho o que temos é violência e não  o lazer:

o problema para mim não é o do lazer, é o da violência que se prepara para as pessoas que não terão mais trabalho.... Há aí uma maneira de tornar o homem inútil e abandoná-lo e de fazer dele um homem ocioso. E um homem ocioso é um homem que se torna violento.(1999, s.p.)

A internacionalização do capital, possível pelo avanço tecnológico, não foi acompanhada da internacionalização do trabalho que continua regida por legislação e condições dadas localmente. Assim, a diminuição do tempo do trabalho em alguns países europeus não significa a diminuição deste tempo globalmente.

Portanto, a reflexão sobre a atividade turística e a idéia de desenvolvimento remete a uma análise complexa das mudanças em curso no capitalismo e das suas conseqüências para a sociedade.

A atividade turística desenvolve-se no mundo todo como forma de ocupar o tempo fora do trabalho. Ocupar este tempo significa inserir o trabalhador no mercado, no consumo: a atividade turística, assim, transforma o tempo do ócio em um tempo aprisionado ao mercado. Os lugares que são definidos para o lazer, na lógica do período técnico-científico, são racionalizados para atender à necessidade de mercantilizar o tempo livre.

Para Milton Santos(1996: 239) vivemos um período de emergência do espaço racional:

O espaço racional supõe uma resposta pronta e adequada às demandas dos agentes, de modo a permitir que o encontro entre a ação pretendida e o objeto disponível se dê com o máximo de eficácia. Esta tanto depende da técnica contida nas coisas e nas ações. A validade mercantil da técnica depende das garantias de que iniciada a ação ela vai ter a trajetória e os resultados programados.

Como explica este autor, ocorre a inclusão do espaço na lógica da sociedade moderna:

Na verdade, com o advento do espaço racional, este se torna uma verdadeira máquina, cuja energia é a informação e onde são as próprias coisas que constituem o esquema de nossa ação possível. (1996: 241)

O turismo, nesta perspectiva de racionalização do espaço, participa da transformação dos lugares, viabilizando-os para as ações programadas para o lucro. Nesta lógica, o tempo livre e o espaço são racionalizados. Neste processo o que não pode ser contado, o que não pode ser valorizado mercantilmente e o que não está incluído nas “necessidades” do homem urbano é excluído.

A atividade econômica turismo, assume no atual período histórico importância impar na economia global. Não é uma atividade nova ou que surge neste final de século. Mas é, após a década de 70 do século XX, com o avanço da tecnologia de informação, de comunicações e de transportes, que esta atividade atinge praticamente todos os lugares do mundo e têm significativa importância no comercio internacional.

A inclusão de novos locais no mercado, como característica da atividade turística, está articulada aos parâmetros da economia mundial baseada na ampliação espacial do consumo e na inclusão de segmentos das sociedades locais na divisão internacional do trabalho gerada pelo período técnico-científico informacional.

Considerando a complexidade destas transformações no local, as análises da  relação capital-trabalho devem superar a simples quantificação do número de empregos gerados pela atividade turística em locais onde a economia se apresenta estagnada. É imperativo refletir sobre as formas que o trabalho assume na atividade turística e em cada local especificamente.

É destacada por diferentes segmentos (Estado, empresas, mídia, etc) a importância do crescimento da atividade turística para as regiões  consideradas pobres economicamente, mas com grandes potencialidades turísticas, em conseqüência da existência, nestes locais, de atrativos naturais, que, na perspectiva do ideário dominante sobre a relação sociedade-natureza, são considerados exóticos.

Nesta perspectiva, estas paisagens transformam-se em recurso quando exploradas racionalmente, possibilitando a melhoria das condições de vida da população local. Esta simplificação analítica esconde a importância da atividade turística no contexto das transformações verificadas localmente, mas articuladas à globalidade, e retira o turismo do contexto geral da reprodução capitalista.

Procurando aprofundar a reflexão no contexto da ciência geográfica, é necessário entender a complexidade da atividade turística, que, além de consumidora, é uma atividade produtora de espaço. Neste sentido, a atividade turística é aqui entendida como explicitada por Arlete Moyses Rodrigues:

(...) esta atividade produz territórios, da mesma forma como todas as demais atividades do modo industrial de produzir mercadorias e na sua essência é insustentável, pois temos que levar em conta que toda produção é ao mesmo tempo destruição, ou seja, trata-se da chamada produção destrutiva. (1997:83-4).

Portanto, esta atividade humana deve ser entendida no contexto geral de consumo e produção da natureza, que é consumo e produção de espaço. A natureza e a transformação de seus elementos, através do trabalho, em valor de troca estão inseridas na produção do espaço pelas leis do mercado.

III. O trabalho no Pantanal

Especificamente, tratamos de reflexões sobre as transformações no trabalho, a partir da década de 90,  com a intensificação da atividade turística no Pantanal Mato-Grossense, que passa a ser a principal fonte de emprego para o trabalhador local. Portanto, ocorre, neste caso analisado, mudança de atividade. Nas palavras de um  trabalhador de hotel-pesqueiro: “Corumbá hoje só tem a opção do turismo. Só esta opção. Dificilmente tem outra coisa para fazer, ou trabalha com turismo ou não trabalha.”[3]

Estas alterações nas atividades produtivas dos habitantes do Pantanal  estão inseridas nas mudanças ocorridas no mundo do trabalho de maneira geral. Estas mudanças, visualizadas no local, mas articuladas ao mercado nacional, são definidas pelas novas exigências do capital, que busca a ampliação da mais-valia obtida através da exploração do trabalho.

Conforme demonstra HARVEY, apesar das transformações atuais no interior do capitalismo, suas proposições básicas ainda se mantêm. Dentre elas:

O crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo na produção (...) o crescimento sempre se baseia na diferença entre o que o trabalho obtém e aquilo que cria. Por isso, o controle do trabalho, na produção e no mercado, é vital para a perpetuação do capitalismo.(1993:166)

Neste processo de transformação social no Pantanal Mato-Grossense, a exploração do trabalho na atividade turística tem promovido o implemento de determinadas funções, entre elas destaquem-se os “isqueiros”, os piloteiros, os trabalhadores de hotéis e barcos-hotéis.

A relação capital-trabalho na atividade turística no Pantanal é construída com as regras comuns às regiões do País onde a sociedade civil se encontra com menor poder de organização. Esta forma de relação capital-trabalho insere-se no chamado modo flexível de acumulação capitalista,  com a ausência do Estado enquanto regulador da relação, com o desrespeito aos direitos trabalhistas, com a contratação temporária, enfim, com a precarização do trabalho.

Os trabalhadores da atividade turística não estão organizados em sindicatos, e a situação é agravada por deixarem atividades que têm certa organização, como a de pescador profissional, que apresenta uma história de luta e de conquistas sociais, estando organizada em cooperativas, colônias e sindicatos, para exercerem atividades novas que se estruturam numa relação que aparece como fugaz, como passageira. Além disso, ele deixa atividades construídas tradicionalmente, regidas por tradições que regulavam as relações sociais e com  a natureza.

GIDDENS (1997:82) entende tradição como sendo uma orientação para o passado, tendo uma grande influência sobre o presente e como uma maneira de organizar o futuro:

podemos dizer que a tradição é um meio organizador da memória coletiva. Não poderia existir uma tradição privada, como não pode existir uma linguagem privada.

Tradição é repetição e pressupõe uma espécie de verdade que á a antítese da ‘indagação racional’ . (ibidem:85)

O trabalhador não se sente como um trabalhador do turismo e sim como participando de uma atividade que no momento possibilita o emprego e a sobrevivência. Esta transformação do trabalho é permeada por conflitos, nem sempre compreendidos em sua essência, mas visíveis no cotidiano dos trabalhadores, através do desemprego sazonal, dos baixos salários, da falta de qualificação profissional e dos problemas advindos do fato de terem sido arrancados de suas tradições e de seu meio, sendo-lhes retirada a condição de adaptação.

Isolados da família, transformado o seu cotidiano e sem preparo técnico para as novas funções, a referência cultural destes trabalhadores passam a ser os turistas:

“Quando vou comprar alguma roupa lembro a que os turistas usam e compro igual.” [4]

“Com a convivência com os turistas mudei o jeito de falar(...) agora eu falo certo, aprendi com os turistas.”[5]

A forma da vestimenta e de falar dos turistas é entendida como correta, e a forma de falar local é considerada como errada, ocorre uma “colonização” via atividade turística, descaracterizando a cultura local construída historicamente.  As peculiaridades do local (festas religiosas, forma de falar, crendices, relações com a natureza) são consideradas atrasadas, sendo substituídas pelos ideários da sociedade de consumo e, ao mesmo tempo, estas práticas são espetacularizadas e comercializadas como atrativos turísticos exóticos.

Ocorre a “(des)tradicionalização”, estes trabalhadores deixam suas atividades tradicionais, como a pesca, o trabalho com o gado e o extrativismo vegetal, e transformam-se, com a atividade turística, em trabalhadores urbanos, assalariados ou autônomos.

O que era tradicional deixa de ter importância. Para nossa análise, destacam-se as tradições desenvolvidas na relação com o ambiente natural, construídas a partir do ritmo da natureza. A pesca, por exemplo, era realizada ou não de acordo com as condições do meio natural (fases da lua; dia e noite; direção e intensidade do vento; etc). Com a atividade turística estas condições naturais são desprestigiadas em função do tempo do turista, que pagou por um determinado número de dias de pescaria, respeitando seu calendário de folga do trabalho e não as tradições locais.

Portanto, o  Pantanal é produzido e consumido de acordo com estas perspectivas que se apresentam para a sociedade como o novo, como o moderno. Destruir as relações locais (sociais e com a natureza) é destruir a forma como este lugar foi produzido até então. O novo está no fato de a produção deste território, que ao mesmo tempo é destruição, utilizar como parâmetros de quantificação o global. Assim, o que mede o desenvolvimento da região é sua capacidade de inserção no mercado global e, consequentemente sua capacidade de competitividade econômica com outros locais que utilizam a atividade turística como base de sua economia.

Esta lógica é a lógica do modelo para o País como um todo, as prioridades são a modernização e a integração econômica do País ao mercado competitivo internacional. Em nome do mercado e da competitividade internacional, postos de trabalho são fechados, a produção interna é substituída pela importação e o uso da tecnologia substitui a mão-de-obra.

Como a base do turismo no Pantanal é o consumo do ambiente natural e este é finito, a sua destruição promove a destruição da própria atividade econômica.

O investimento de capital em ações que procurem viabilizar a continuidade deste modelo de produção e consumo do território é feito através do financiamento de pesquisas que procurem desenvolver novas técnicas para o consumo deste ambiente, por exemplo: criação em cativeiro de animais para abate (jacaré e peixes utilizados como iscas); adoção de normas para a atividade turística, definindo limites quanto à quantidade ( de peixes pescados, de tamanho dos peixes pescados, do número de turistas), a chamada capacidade de suporte.

A idéia dominante é permitir a continuidade do modelo em um ambiente onde as condições de sua existência estão sendo ameaçadas.

Os trabalhadores pantaneiros (peão de fazenda, pescador etc) e os trabalhadores urbanos atraídos para o Pantanal, para trabalharem no consumo deste lugar via atividade turística, perdem sua condição de existência junto ao ambiente natural. Mesmo trabalhando junto à natureza, sua existência é baseada no trabalho com o turista e não mais na sua relação particular com a natureza, ou seja, o que conta são as necessidades da atividade turística de maneira geral e, no cotidiano, o que importa são as necessidades do turista que passa a definir a relação do trabalhador com a natureza.

Na figura 1, a foto retrata a vida dos trabalhadores coletores de iscas moradores das margens da Rodovia BR 262 no Pantanal. Estes trabalhadores coletam iscas nas Baias próximas a rodovia e comercializam o produto de seu trabalho para os turistas. Este trabalho envolve crianças, mulheres e homens moradores das cidades de Miranda e Corumbá no Pantanal sul-matogrossense.

Figura 1. Trabalhadores nas margens das rodovias Pantaneiras. Comércio de iscas vivas coletadas nas Baias.

                        
Autor: MORETTI, E.C.

Esta condição retira do trabalhador a possibilidade de poder definir sua relação com a natureza a partir de suas necessidades de existência, o fruto de seu trabalho não provém mais do ambiente natural, estar empregado ou não depende de sua capacidade de relacionar-se com os turistas, portanto, sua subsistência não depende mais dos conhecimentos sobre o ambiente e as melhores formas de atuar neste ambiente, mas sim da sua capacidade de comunicação com o outro.

A atividade turística, pelo momento histórico em que se constituí de forma profissional no Mato Grosso do Sul e por suas características próprias (sazonalidade; articulação em rede; funções hierárquicas em seu processo de organização; etc) apresenta em sua estruturação características deste novo mundo do trabalho com destaque para a precarização.[6]

Figura 2. Moradia temporária de trabalhador coletor de isca viva, nas margens do Rio Paraguai.

Autor: MORETTI, E.C.

Nos locais onde esta atividade constitui territórios turísticos, como é o Pantanal, ocorre o processo de desterritorialização e de mudança na forma que o trabalho assume, estando esta mudança atrelada a inserção destes locais na rede mundial do consumo, incluído o consumo do tempo livre do trabalho

 

Bibliografia

ALVES, G. O Novo (e precário) mundo do trabaho. Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000.

CARVALHO, I.C.M. Territorialidades em luta: uma análise dos discursos ecológicos. São Paulo: Instituto florestal, nº 9, 1991.

CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto/2. São Paulo:Paz e terra, 1987.

CEBALLOS-LASCURÁIN, H. O ecoturismo como um fenômeno mundial, In: LINDBERG, K. e HAWKINS, D. E. (editores) Ecoturismo: um guia para planejamento e gestão, São Paulo:SENAC-SP, 1995, p. 16 - 22.

DE MASI, D. Países que sabem gerenciar o lazer dominarão o cenário. Jornal O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 2000.

GUIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1991.

GUIDDENS, A. A vida em uma sociedade pós-industrial, in: BECK, U., GUIDDENS, A. e LASH, S  Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo:Universidade Estadual Paulista, 1997.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo:Edições Loyola, 1993.

RODRIGUES, A.M. Desenvolvimento sustentável e atividade turística, in: LUCHIARI, M.T.D.P. (org.). Turismo e meio ambiente. Coleção Textos Didáticos. Campinas:IFCH/UNICAMP,  nº 31(2), 1997.

SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo:Cortez, 1995.

SANTOS, M. Técnica. Espaço. Tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo:HUCITEC, 1994.

SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo:HUCITEC, 1996.

SMITH, N. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

URRY, J. O olhar do turista. São Paulo:Studio Nobel:Sesc, 1998.

VIRILIO, P. Os motores da história, in: ARAUJO, H. R. de (org.) Tecnociência e cultura. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

WESTERN, D. Definindo ecoturismo, in: LINDBERG, K. e HAWKINS, D. E. (editores) Ecoturismo: um guia para planejamento e gestão. São Paulo:SENAC-SP, 1995.



Notas:

[1] Para detalhamento do período técnico cientifico ver Milton Santos, 1994 e 1996.

[2] Paul Virilio (1998) explica que a história moderna tem como base de organização os motores que ele classifica em cinco: motor a vapor; motor a explosão; motor elétrico; motor-foguete e o motor informático. Segundo este autor “ Cada motor modifica o quadro de produção de nossa história e tembém modifica a percepção e a informação” (p. 127).

[3] Entrevista com trabalhador do Hotel Pousada Paraíso dos Dourados, realizada a 17/06/98.

[4] Entrevista com arrumadeira de hotel, junho de 1998.

[5] Entrevista com cozinheira de hotel, junho de 1998.

[6] Ver ALVES, G. O novo  (e precário) mundo do trabalho, 2000.


Retornar a Programa de las Sesiones