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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVIII, núm. 486, 20 de agosto de 2014
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

O FENÔMENO ÉCOQUARTIER NA EUROPA: TENDÊNCIAS DO DISCURSO SUSTENTÁVEL NA TRANSFORMAÇÃO DO TERRITÓRIO

Fernando Pinto Ribeiro
Programa de Planejamento Urbano e Regional – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP)
nandopribeiro@yahoo.com.br

Recibido: 16 de octubre de 2013. Devuelto para correcciones: 11 de febrero de 2014. Aceptado: 13 de marzo de 2014.

O fenômeno écoquartier na Europa: tendências do discurso sustentável na transformação do território (Resumo)

A cidade contemporânea se reconfigura, atualmente, baseada na dispersão de um discurso ambiental hegemônico, centrado na abordagem “sustentável”. Sua repercussão na Europa, sobretudo na França, pode ser observada nas evidências trazidas por grandes projetos urbanos considerados “sustentáveis”, aqui denominados de écoquartiers. Estes são indicativos espaciais que se expandem na esteira de uma campanha sustentável fortalecida desde a Carta de Aalborg, e que se repercute espacialmente segundo uma lógica de apropriação das demandas ambientais pelo Estado e pelo mercado imobiliário. Este fenômeno implicará numa abordagem restrita e reducionista do desenvolvimento sustentável, pois a subordina à interesses políticos e econômicos privados. Dessa forma, a considerável expansão de projetos écoquartier na Europa serve para demonstrar uma cidade que se constrói segundo imperativos ideológicos vinculados ao plano do discurso da sustentabilidade, mas cujas implicações práticas esbarram em limitações estruturais associadas ao plano da escala e das relações espaciais.

 Palavras chave: sustentável, cidade, écoquartier, urbano, discurso.

The “écoquartier” phenomenon in Europe: sustainable discourse tendencies in territory changes (Abstract)

The contemporary town is currently transforming itself based on a dispersion of a hegemonic environmental discourse pointed by a sustainable approach. The effects in Europe, especially in France, can be seen in the evidences provided by large urban projects considered "sustainable neighborhoods”, or écoquartiers. They represent a sort of spatial indicatives that grows throughout a sustainable campaign reinforced since Aalborg Charter, that implies in the space by a logic of an environmental demands appropriation by state and real estate market. This phenomenon will result in a narrow and reductionist approach of sustainable development, once it is subjected to political and economic private interests. Thus, the considerable expansion of écoquartier projects in Europe serves to demonstrate the ideological parameters implied in the urban construction, in that case linked to the sustainability discourse. The practical application of that discourse is, in the other hand, hindered by structural constraints imposed by scale and spatial relations.

Key words:  sustainable, town, écoquartier, urban, discourse.

El fenômeno écoquartier na Europa : tendencias del discurso sostenible en las transformaciones territoriales (Resumén)

La ciudad contemporánea se reconfigura actualmente basada en la dispersión de un discurso ambiental hegemónico centrado sobre un enfoque sostenible. Su repercusión en Europa, principalmente en Francia, puede ser observada en las evidencias encontradas en los grandes proyectos urbanos considerados sostenibles, aquí denominados de écoquartiers. Estos son indicativos espaciales que se expanden sobre el marco de una campaña sostenible intensificada desde la Carta de Aalborg, y que repercute espacialmente siguiendo una lógica de apropiación de las demandas ambientales por el Estado y por el mercado inmobiliario. Este fenómeno implicará un enfoque restringido y reduccionista del desarrollo sostenible, pues lo subordina a intereses políticos y económicos privados. La expansión considerable de proyectos écoquartier en Europa sirve para demonstrar cómo una ciudad se construye siguiendo imperativos ideológicos vinculados al discurso basado en la sostenibilidad, pero cuyas implicaciones prácticas desembocan en limitaciones estructurales asociadas al plano de escala y de las relaciones espaciales.

Palabras clave: sostenible, ciudad, écoquartier, urbano, discurso.


Este artigo investiga a crescente inserção do paradigma ambiental nas esferas de decisão e produção da cidade, a partir de políticas, estratégias e conceitos incorporados nas ações do mercado imobiliário e do Estado. Mais precisamente, a presente abordagem se ancora na análise contextual do paradigma ambiental vinculado às questões urbanas na Europa, a partir da consolidação de uma chamada “Campanha Sustentável” em nível continental e uma de suas principais repercussões no espaço urbano: os bairros sustentáveis ou écoquartiers. Tais bairros respondem à emergência de um modelo de “Cidade Sustentável” que nasce como subproduto de um discurso ambiental hegemônico, formulado no âmbito das grandes conferências internacionais para o meio ambiente. O viés analítico que conduz este artigo enxerga o qualificativo sustentável como o núcleo que permeia este discurso hegemônico, de modo a fundar um novo paradigma inscrito na articulação entre a questão ambiental e as engrenagens econômicas de mercado, o que significa que empreendimentos urbanos tomam para si o discurso da sustentabilidade, segundo uma lógica em que a questão ambiental é utilizada enquanto estratégia comercial para recentes e futuros investimentos. Esta apropriação empresarial das demandas ambientais se constitui como indicativo instigante de questionamento acerca da formação da cidade sob a égide ideológica do neoliberalismo, o que configura o que chamaríamos de paradoxo da cidade neoliberal sustentável, um termo que se estabelece na medida em que as condições objetivas de reprodução da cidade neoliberal, ao mesmo tempo em que geram as causas fundamentais da problemática ambiental urbana, incorporam a mesma como mecanismo de sua própria legitimação e manutenção.

Diante destas considerações iniciais, o trabalho entende que o paradigma ambiental emergente na década de 1960, ao ser incorporado pelas instituições neoliberais, se fragmenta e passa a comportar duas interpretações divergentes a respeito das perspectivas de desenvolvimento. Acredita-se que o teor desta ruptura preserva o movimento ambiental enquanto movimento social, crítico à economia da superprodução e do superconsumo, mas crente que um desenvolvimento sustentável somente pode ser atingido quando superadas às lógicas do capitalismo. Por outro lado, este paradigma ambiental adquire novo significado, ao ser utilizado como mecanismo de transformação do mercado em vários setores da economia, cuja ideia essencial reside na apropriação do paradigma como meio para sobrevivência das empresas. Assim se considera que as condições ambientais têm fortalecido a ação dos promotores imobiliários, funcionando com uma engrenagem na esfera competitiva ao expressar o “comprometimento” do setor com estas preocupações. Nesta lógica, a noção de sustentabilidade urbana para os setores econômicos se insere num arquétipo futurístico de cidade, a ser modelado por um processo re-educativo de formação de uma geração consciente e amante da natureza, “ignorando” pontos fundamentais, tais como o incremento do consumo, a busca incessante por um crescimento empresarial movido pela competição e a redistribuição das riquezas.

Em particular, neste trabalho, afirma-se que tal reformulação trazida no bojo do discurso hegemônico não modifica as estruturas que já influíam na produção da cidade, tampouco trazem modificações significativas no tocante às demandas ambientais. Isto serve para elucidar que a expansão de novos empreendimentos e políticas “sustentáveis”, não importando aqui o país, a cidade ou região, estará acompanhada de um turbilhão de problemas sociais, ambientais e econômicos que surgem como externalidades à sociedade de consumo. Com efeito, na “Cidade Sustentável”, pautada pelo discurso hegemônico, será constatada uma progressão acelerada de empreendimentos “verdes” com alto potencial tecnológico e de forte apelo reformista, típicas matrizes de modernização ecológica e de “bom” urbanismo, com medidas de amenização de impacto até elogiáveis. Por outro lado, tais empreendimentos são, da mesma forma, expressão de uma lógica empresarial de apropriação e financeirização do espaço que acelera os ritmos da urbanização, o desperdício de terras urbanizáveis e a dispersão do espaço construído. O que se observa como tendência geral é a configuração de projetos isolados, variavelmente integrados ao tecido urbano, que ignoram as interrelações espaciais e escalares como componentes fundamentais de um mundo que busca ser “sustentável”.

Neste sentido, estas afirmações iniciais serão fundamentadas tendo em vista o contexto urbano europeu, o que não significa analisar o continente como um todo, mas verificar no modelo de cidade européia demonstrações que evidenciem, o tanto quanto possível, empreendimentos de caráter ambiental amparados no discurso hegemônico da sustentabilidade. Assim, para evitar generalizações excessivas, o trabalho prioriza uma análise sobre o espaço urbano francês, sem, por outro lado, ignorar evidências em outros países que venham ser elucidativas para o objetivo do trabalho. A finalidade é realizar uma leitura acerca da matriz discursiva sustentável européia e seus respectivos agentes para, em seguida, dirigir as atenções para os chamados écoquartiers, termo em francês que designa empreendimentos construídos sob princípios ecológicos que ultrapassam a escala da edificação e abarcam visões mais abrangentes relativas ao bairro ou a uma respectiva coletividade. Os mesmos imprimem uma marca que ganha atratividade crescente do setor da construção, como pode ser constatado na ampliação do número de projetos na França e em outros países do continente.

A análise do écoquartier, assim como da campanha sustentável que o ampara na Europa, fundamenta um objetivo maior buscado neste artigo: demonstrar a crescente aproximação de elementos no planejamento urbano que apontam para o discurso ambiental como um fator que tem interferido diretamente no território, um aspecto visto aqui como um projeto essencialmente geoeconômico e de poder, pois influirá na esfera política de produção do espaço.


A Campanha Sustentável em nível Europeu: do discurso à transformação do território

A história da urbanização na Europa culmina, hoje, com a importante influência da “Cidade Sustentável”, cuja expressividade é crescente e se inscreve em todos os âmbitos sociais e de ação coletiva. É uma categoria que se agrega não somente na esfera política e às determinações do empreendedorismo urbano, mas se expressa diretamente no âmbito das coletividades locais, das empresas e dos indivíduos. Constitui-se, dessa forma, em categoria múltipla e fluida porque resguarda um arcabouço ideológico que se adequa segundo distintos fins e agentes, não importando os conflitos que caracterizam as sociedades urbanas, mesmo àquelas mais avançadas. Nesta trama tecida pela concepção “sustentável”, a Europa adquire um papel de destaque em razão das válidas implicações do crescimento urbano, mas, sobretudo, pelas genuínas formas de expressão que tal conceito adquire nos processos de intervenção.

Não por acaso àquela concepção será incorporada com inúmeros desdobramentos, tornando-se um objetivo primário dos gestores públicos e de promotores privados. O fato é que após a instituição da Agenda 21, a Europa endossa o conceito de sustentabilidade através de incontáveis diretrizes, legislações e outros documentos vinculados à União Européia, cuja base aponta para os direcionamentos da Carta de Aalborg[1], produzida na primeira conferência européia sobre a “Cidade Sustentável”. Os princípios construídos durante este evento servirão de guia para os eventos posteriores e faz de seu documento final uma referência estratégica para as políticas públicas e outros modos de ação local.

É válido mencionar que ambos os documentos não fundam um movimento europeu em prol da cidade sustentável, uma vez que ações específicas já se desenvolviam em diferentes países, porém, sobretudo com a Carta de Aalborg se fortalece um aparato institucional que irá basear campos de ação política e coletiva pelo continente, a partir de meados da década de 1990. Sua finalidade residiu na construção de direcionamentos gerais, subdividos em 3 eixos principais: um primeiro de reconhecimento dos dilemas urbanos e a necessidade de um respectivo pacto comum em prol de um futuro sustentável; um segundo que preconiza a difusão da declaração de Aalborg no contexto europeu como um todo; e, por fim, um chamado à participação local da Agenda 21 para a Europa.

Dentro desta argumentação o que deve ser destacado é a repercussão crescentemente mais intensa dos postulados intrínsecos à ambos os documentos. Isto significa que os mesmos inauguram em meados dos anos de 1990 uma campanha que deveria ser abraçada em escala coletiva, pois este era o chamado da Agenda 21 reforçado na Carta de Aalborg: a ação local é o cerne do desenvolvimento sustentável. Especificamente ao espaço urbano, conjugam-se as ações do poder público, das associações de bairro, de ONG’s e outros movimentos sociais e do mercado imobiliário. Outras evidências interessantes ficam à cargo da Comissão Européia de desenvolvimento, ao  Conselho Internacional para as iniciativas ambientais locais (ICLEI - Internacional Council for Local Environmental Iniciatives), ao Banco Mundial, às consultorias de planejamento e outras organizações como a Eurocities, o movimento Ecocités, o Conselho Europeu de Regiões e Municipalidades (CEMR- Council of European Municipalities and Regions), a Organização de Cidades Unidas (UTO - United Towns Organizations).

Neste contexto, as iniciativas locais encontram respaldo político e aceitação social verificado na abertura de canais de suporte e financiamento vinculados às instituições supranacionais da UE. Em adição, os conteúdos dos programas se tornam instrumentos de disseminação de informações por intermédio de parcerias entre cidades, de modo a formar uma rede de intercâmbios que dinamizam e constróem os alicerces da “Cidade Sustentável”. Este título se consolida como rótulo aos novos processos de inovação, tecnologias e formas de organização política e remeterá, inevitavelmente, a ideia de um futuro que não pode esperar. Surgem neste imperativo programas específicos que comportam procedimentos ligados à redução de energia no transporte (Ex. THERMIE, EEW2), mobilidade urbana (Ex. JUPITER), regeneração urbana (Ex. PACTE, RECITE), difusão de informações e recomendações em sustentabilidade(Ex. ENGAGE), levantamento de fundos à projetos considerados sustentáveis (Ex. SF-Energy Invest), redução de energia no processo da construção (Ex. Act2, AIDA, SMARTSPACES), auditorias de avaliação do planejamento urbano para a sustentabilidade (Ex. ADVANCE), dentre outras iniciativas.

Estes indicativos são, no entanto, apenas a “ponta do iceberg”. As repercussões serão cada vez maiores à medida que novas coletividades locais se enveredam às concepções do discurso do Rio e de Aalborg, e assim passam a criar suas próprias experiências. Os “ecos” dessa campanha podem ser pontuados na participação dos eventos que se seguiram, sobretudo a “Conferência Européia para a Cidade Sustentável”, que registrou em Dunquerque, no ano de 2010, mais de 2500 representantes de municipalidades[2](Os principais eventos da Campanha Sustentável Européia podem ser verificados no quadro 1).

 

 Quadro 1.
A estratégia sustentável para as cidades na Europa: principais acontecimentos

 

Fonte: LE GOIX e VEYRET, 2011, Adaptado.

 

Neste sentido, de forma a resgatar os argumentos centrais deste artigo, é possível afirmar que os preceitos construídos ao longo desse eventos demarcam a sustentabilidade como um atributo que cresce e influi direta e indiretamente nas dinâmicas urbanas atuais. Seu papel como indutor das práticas de planejamento local são significativas, o que representa uma faceta que deverá ser partilhada em igual relevância com o mercado imobiliário. Isto quer dizer que a mesma cria um mercado que se revela promissor em função dos aspectos que sustentabilidade instiga como foco de investimento, gerando outra dinâmica espacial que transcende os ditames da política urbana para estabelecer-se segundo a racionalidade econômica. Como exemplo, em estudo realizado por Charlot, do Comitê 21, um dos organismos que promovem a campanha “sustentável”na França, está previsto uma injeção de, aproximadamente, 450 bilhões de euros em investimentos para o período de 2009 até 2020, principalmente no setor da construção e de infraestruturas[3].

Efetivamente, estes números apenas descrevem, sob um aspecto, a confluência dos postulados ambientais ao fluxo de capital e às estruturas de governança, tornando-se parte integrante dos nexos consolidados na cidade neoliberal. O próprio Comitê 21 preconiza que, na corrida para a competitividade, o desenvolvimento sustentável tornou-se um fator de diferenciação, cujos domínios um amplo número de cidades e regiões buscam associar-se. Vale lembrar que esta instituição, criada em 1995, reúne membros das coletividades locais, de estabelecimentos públicos e privados, empresas, associações, e visa, fundamentalmente, estabelecer mecanismos de promoção de “sustentabilidade” na França.

No mesmo estudo mencionado anteriormente, o comitê defende que esta é a tendência para um mercado promissor e, cita, como exemplo, o empreendimento Advancity, nos arredores de Paris. Ali, se desenvolve um pólo para a competitividade que mobiliza atores de diversos domínios ligados ao setor da construção, da mobilidade e da gestão, voltados para o aprimoramento de tecnologias e para a pesquisa em inovação da “Cidade Sustentável”.

Este exemplo sinaliza uma cidade européia que se reconfigura à luz destes pressupostos e este aspecto consiste na observação dos grandes projetos urbanos que tem sido empreendidos com os mesmos fins. Dimensionar esta nova configuração remete, portanto, à observação dos écoquartiers, na medida em que constituem modos de intervenção elucidativos para a demonstração de como a “Campanha das Cidades Sustentáveis” evolui como processo que age sobre o território. Isto consiste em observar um fenômeno que descreve intervenções de diversas escalas, voltadas para perfomance ecológica do ambiente construído e uma série de outras preocupações urbanísticas e arquitetônicas amparadas por critérios ambientais.

No bojo da mediatização da concepção “sustentável”, o écoquartier surge como protótipo da cidade do futuro e, reforça um projeto de território marcado não somente pela dimensão tecnológica, mas pelo fortalecimento da participação e da integração social. Isto significa que o écoquartier incorpora na dimensão do bairro os anseios intrínsecos ao movimento em prol da sustentabilidade, cuja expressão inscreve uma organização de moradores que se identificam com um modo de vida que concilie os pilares social, econômico e ambiental do desenvolvimento urbano.


Os écoquartiers

“Os Écoquartiers são a vitrine das cidades que se vislumbram sustentáveis” [4]

Será a partir desta visão que os écoquartiers começam a empreender um papel de relativa importância no âmbito da expansão urbana européia. Com a Campanha Sustentável em crescente legitimidade, o écoquartier surgirá como elemento espacial que internaliza as questões da sustentabilidade urbana e as oferece uma dimensão territorial sem precedentes. Isto se verifica não somente no âmbito da regulamentação e dos dispositivos legais, mas também se traduz pelo engajamento dos atores urbanos na reapropriação plena do espaço político.

O ponto a ser enfatizado é que o écoquartier constitui a realização concreta dos anseios que envolvem a “Cidade Sustentável”, na medida em que se torna a materialização de suas próprias diretrizes. Isto significa também que o écoquartier representa um campo aberto de experimentação dos postulados ambientais na esfera do projeto urbanístico e arquitetônico, o que significa para muitos o germe da cidade do amanhã e a superação do projeto moderno, consumidor de espaço e de energia. Nesta visão otimista, oriunda daqueles que vêem no imperativo sustentável, da maneira em que é constituído, uma perspectiva transformadora, o surgimento de um novo bairro com inclinações reformadoras deve ser o mote para a reconfiguração do seu entorno e da cidade como um todo. Tais bairros devem incutir um novo modelo urbano. Cada cidade busca seu écoquartier, cada empresário da construção busca vincular-se a seus princípios e cada morador objetiva residir nestes novos pólos de pós-modernidade. O écoquartier é, como consta na citação, uma vitrine em que todos buscam se associar, pois é foco de investimento, de lucro e de identidade.


O que é um écoquartier?

Compreender a definição de um écoquartier deve levar em consideração, em primeiro lugar, a inexistência de um conceito acadêmico mais consagrado. Segundo Souami[5], na França, responsáveis políticos, técnicos e especialistas não atribuem uma significado mais estrito dos écoquartiers, não obstante divulguem e construam consensos sobre a importâncias dos mesmos para a sustentabilidade, sem que muitos, por outro lado, saibam realmente o que isso signifique. Ainda segundo o autor, “nenhum rejeitará o termo e muitos colocarão sob o vocábulo um objeto urbano concreto e preciso”[6]

Por outro lado, alguns autores, como Le Goix e Veyret[7] e Charlot-Valdieu e Outrequin[8], oferecem alguns subsídios para a compreensão dos alicerces mais elementares de um écoquartier. Na visão dos primeiros, o mesmo somente se justifica se: a) comporta participação e engajamento;  b) incentiva um sentimento de pertencimento e identidade em seus habitantes; c) possui zoneamento misto; d) possui coesão e diversidade; e) viabiliza equidade e acessibilidade; f) abriga numerosos serviços; g) resguarda um economia florescente; h) induz à uma vida de qualidade. Do mesmo modo, deve responder às exigências ambientais ao nível da tecnologia de menor impacto, com elementos que favoreçam a economia de energia e água, a reciclagem dos resíduos domésticos, o uso de materiais que atenuam impactos, etc.

Na tentativa de definição, Charlot-Valdieu e Outrequin se utilizam da visão trazida pelo Conselho Europeu de Urbanistas, no qual enxergam o bairro como um horizonte essencial de resignificação urbana. Nele deve estar assegurado: a) uma coerência social moldada por novos modos de governança, pela manutenção da cultura e da identidade, pela coesão entre as gerações, pelo equilíbrio entre os interesses gerais e particulares, pela acessibiilidade à equipamentos e serviços; b) uma coerência econômica através da criação de vantagens comparativas para atração de investimentos e pela diversidade de atividades; c) uma coerência ambiental medida pela gestão dos recursos naturais; d) uma coerência espacial a partir de uma configuração menos horizontal, funcional aos deslocamentos e com uso misto.

Mais adiante, os autores ainda enfatizam que o bairro compatível com um futuro sustentável comporta as necessidades de residência, trabalho e lazer, a preservação dos recursos, as demandas por mobilidade e os interesses econômicos. Neste sentido, parece um consenso, que, para a configuração de um contexto sustentável, deve ser levado em conta esta perspectiva holística fundada pelo equilíbrio entre o fator econômico, social e ambiental,  e uma coerência espacial, urbanística, arquitetônica e política que os ampare. Isto se constata em Sallez[9], Driant e Nappi-Choulet[10], Chancel[11], e Da Cunha, que, por exemplo, afirma que o écoquartiertestemunha a densificação qualificada, a diversidade morfológica, funcional e social, a valorização do espaço público, a renaturalização do habitat e a gestão ecológica dos recursos materiais, a participação, [...].” [12].

Estes aspectos se rebatem na interpretação atribuída ao Ministério de Ecologia, Energia, Desenvolvimento Sustentável e Gestão do Território da França (MEEDDAT), que demonstra pela perspectiva instutucional como os conteúdos que estruturam o qualificativo sustentável tornam-se unânimes na formação do discurso. E aqui o que se questiona não é a legitimidade do conteúdo, mas as possibilidades que o mesmo cria para a afirmação de todo e qualquer tipo de discurso. Logo, no tocante ao écoquartier, o ministério formula um discurso segundo o qual cada intervenção responde, a partir de projetos-piloto, à abordagem do desenvolvimento sustentável. Em termos gerais, um écoquartier tem por objetivo proporcionar moradias para todos num contexto de alta qualidade de vida, onde devem ser considerados os vínculos com transporte, a densidade, a diversidade social, a ecoconstrução, a participação civil e o dinamismo econômico[13]. Desde 2008, os princípios fundadores deste tipo de intervenção estão elencados no quadro 2:

 

Quadro 2.
Princípios para a implementação de um écoquartier

1)       Forma global e interativa de pensar;

2)       Controle do crescimento urbano

3)       Reorganização da mobilidade;

4)       Implantação em continuidade com a urbanização existente;

5)       Concepção que integra nove parâmetros principais: criação de empregos; modos de transporte alternativo; ecoconstrução; proteção dos espaços naturais; governança participativa; opção energética; sistema alternativo de saneamento; luta contra a poluição sonora; prevenção de riscos;

6)       Densificação gerada pela invenção de novas formas urbanas;

7)       Ecoconstrução ou Ecorenovação que leva em conta a qualidade urbana, social, de uso, ambiental e sanitária e econômica;

8)       Governança em parceria e gestão ambiental;

9)       Mobilização de um esforço unificado para a edificação de um Écoquartiers;

10)   Legislação à serviço do projeto.

Fonte: MEEDDAT. Ministère de l'écologie, de l'énergie, du développement durable et de l'aménagement du territoire.

 

Estes princípios governarão numerosas intervenções em espaços novos ou já consolidados, próximos ou mais afastados dos centros urbanos mais densos e, quase sempre, abrangem a escala de um bairro, não obstante existam empreendimentos de muito maior extensão e densidade populacional do que outros. Esta noção de bairro é, na verdade, complicada de mensurar, mas nesta abordagem deve se compreendida como área legalmente integrada à determinada municipalidade, com atributos históricos, geográficos e urbanísticos que a diferenciam de outrem. Com efeito, o écoquartier torna-se um bairro de relativa identidade porque expressa não somente uma intervenção em espaços novos periféricos, mas, sobretudo, surge como fruto de um processo de reabilitação de bairros antigos e de reconversão de áreas portuárias, industriais e ferroviárias. 


O Norte da Europa e o surgimento de uma primeira geração de écoquartiers

Estes elementos são cruciais para se compreender as novas intervenções que surgiram ao longo dos 20 anos que sucederam a Carta de Aalborg. Eles são parte fundante de um movimento de dispersão dos postulados sustentáveis à luz do pensamento arquitetônico e urbanístico, de modo a nutrir, inclusive, um campo de conhecimento originalmente chamado de “Urbanismo Sustentável”. Neste, o écoquartier abriu um campo de problematização inegável, oferecendo ao Urbanismo um lugar no contexto paradigmático do pensamento ambiental.

A história do écoquartier merece, entretanto, uma consideração histórica porque suas concepções se originam num contexto anterior à década de 1990. Na conjuntura atual de promoção do écoquartier, tanto urbanistas quanto gestores o enxergam como um avanço em comparação às primeiras tentativas de construção de um bairro ecológico, compreendidos na década de 1970 como células de proteção dos espaços naturais urbanos, e cujos protagonistas eram ativistas ambientais e outros grupos de habitantes inclinados à esta causa. Constituíam associações organizadas à exigir das municipalidades os meios para a consecução dos seus projetos, essencialmente os terrenos, onde certas concepções de convivência em comunidade e de relação imediata com a natureza eram desenvolvidos. Tal tradição é nascente das contestações anti-sistema que entraram em ebulição na década de 1960, e fundava-se na idéia de que a urbanização e a cidade eram predatórias aos recursos naturais[14] .

Não obstante, a década de 1990 constitui uma ruptura neste processo, tanto conceitualmente, quanto quantitativamente. A formulação da matriz de pensamento ambiental hegemônico e o paradigma incorporado ao qualificativo sustentável favorece para a apropriação irrestrita da questão ambiental à múltiplos agentes, legitimando seus projetos com base num discurso em que a construção da cidade é constitutiva ao equilíbrio entre meio ambiente, desenvolvimento social e crescimento econômico. Disso provêm dois aspectos considerados essenciais: a expansão da política ambiental tangenciada à questões urbanísticas e o surgimento de uma nova indústria verde vinculada ao setor da construção civil e do mercado imobiliário. Neste processo, governos locais, instituições supranacionais, o mercado e, mais importante, a mídia, configuram uma dimensão territorial e política da questão ambiental cujo subproduto principal aponta para o écoquartier.

Este momento assiste, portanto, ao surgimento dos primeiros empreendimentos altamente mediatizados, representados como aplicações exemplares de um protótipo da “Cidade Sustentável”. Dentre os mais elucidativos, estão Hammarby, em Estocolmo, projetado na perspectiva de atrair os jogos olímpicos de 2004, o quartier Bo01 (Vastra Hamnen) de Malmo, e o quartier de Kronsberg em Hannover, projetados para a exposição européia de Ecoconstrução e para a exposição universal de Hannover-2000, respectivamente. Outros exemplos que podem ser incluídos dentre os precursores são: o quartier BedZed de Sutton, a tríade Vauban, Rieselfeld e Weingarten em Freiburg, Vesterbro em Copenhagen, Eco-Viiki em Helsinki e EVA-Lanxmeer, em Culemborg, Holanda [15](Quadro 3).

Todos fazem parte de uma primeira geração de écoquartiers, particularmente datados, desde a definição até a execução dos projetos, entre meados dos anos 1990 até meados dos anos 2000. Em estudo sobre estes primeiros écoquartiers, Lefèvre[16], menciona que o caráter mais inovador dos mesmos reside no uso de tecnologias no processo de construção, e é neste aspecto que tais empreendimentos funcionam como verdadeiros projetos-piloto, na medida em que se expressam como laboratórios a céu aberto para a chamada ecoconstrução. Cada écoquartier incute uma experiência que será única em função do processo de construção, dos agentes mobilizados, das dimensões espaciais, dos objetivos e dos resultados, mas, no que tange ao aparato tecnológico, suas características tornam-se mais homogêneas. Em qualquer um destes casos, há uma preocupação com: a existência de uma rede de distribuição de calor; de coleta e reciclagem dos resíduos domésticos, de um sistema de gestão de água da chuva, de um sistema de geração de energia alternativo, de sistemas internos aos apartamentos voltados à economia de água, de iluminação de baixo consumo. Salvo estes aspectos ligados à tecnologia, convém mencionar que este conjunto de écoquartiers também oferecem uma atenção mais acentuada à questão da conectividade com o espaço urbano de entorno e ao planejamento de transportes, aos espaços verdes e de lazer, à lugares de integração social e ao uso misto.

 

Quadro 3.
Principais écoquartiers da primeira geração

Operação

Tipologia do Empreendimento

População Flutuante

Unidades habitacionais

Dimensões (ha)

Bairro - Cidade - País

Novo

Reabilit.

BedZed – Beddington – Reino Unido

X

 

244

82

1,7

Bo01 – Malmo - Suécia

X

 

10 mil

800

12

Vesterbro – Copenhagen – Dinamarca

 

X

34 mil

4 mil

35

Vauban – Freiburg - Alemanha

X

 

3,6 mil

420

38

Kronsberg – Hannover – Alemanha

X

 

15 mil

6 mil

70

Hammarby Sjostad – Estocolmo - Suécia

X

 

30 mil

8 mil

200

Eco Viikki – Helsinki – Finlândia

X

 

2 mil

-

23

EVA – Lanxmeer – Culemborg – Holanda

X

 

-

250

24

Fonte: Quartier Durable – Guide d’expériences européennes, 2005, adaptado.

 

O autor se regozija com as perspectivas trazidas por estes novos bairros, vistos como pólos de aprendizagem constante e de superação da cidade tradicional. Contudo, admite que os mesmos não deixam de apresentar deficiências e limitações, dentre eles a ideia compartilhada por muitos técnicos de que tais experiências são relativamente custosas e se dirigem à uma parcela privilegiada da população. Sobre Hammarby, na Suécia, o autor é forçado a constatar que “somente uma população distinta possui os recursos financeiros que lhe permitem ascender aos padrões do desenvolvimento sustentável” [17]. Da mesma forma, não exclui outros exemplos que apresentam esta mesma limitação, como o Bo01 de Malmo, e questiona como fazer para transferir uma cultura ambiental particularmente elitista para as esferas mais populares, levando em conta o custo das tecnologias ambientais e a dificuldade do setor da construção em torná-las mais acessíveis às populações de menor renda[18]. Igualmente, sua função como projetos-piloto não parece ter evoluído para além disso, restando-lhes um papel de modelos reduzidos de boas práticas porque não passam, essencialmente, de ilhas perdidas no território urbanizado.

Esta preocupação já demonstrava, sob um aspecto, como o “mantra” da sustentabilidade estava submetido à grandes limitações. Entretanto, o discurso hegemônico e os promotores da “Cidade Sustentável” não deixam de impor, verticalmente, uma posição no qual dizem ser estratégica e de longo prazo, mas que, em particular, expressa uma visão absolutamente reduzida que esconde às complexas relações escalares e espaciais que estão atreladas à noção de sustentabilidade, sobretudo na cidade. O exemplo destes primeiros écoquartiers expressará desde o início este reducionismo, na medida em que cada um terá uma implicação sócio-espacial diferente, objetivos diferentes e resultados que irão espelhar estas especificidades buscadas em cada caso. Em alguns deles, tais resultados são atingidos por completo, outros parcialmente e outros nem chegam a um grau satisfatório, como, por exemplo, o objetivo de participação social no Quartier de Vesterbro, em Copenhagen, cujo processo transcorreu em boa parte da operação sob a tutela de técnicos. O que se quer dizer é que “sustentabilidade”, o que quer que isso signifique, não implica em variabilidades e tampouco é expressa sob uma colcha de retalhos formada por ações desconexas.

Souami[19] levanta algumas incongruências até então demonstradas no âmbito da implantação destes écoquartiers da primeira geração, referente a já mencionada restrição de seu perímetro no tocante a totalidade do espaço urbano, mas também aos limites globais que esta restrição ocasiona. Isto significa que se admitidas certas atitudes válidas do écoquartiers, como àquelas que auxiliam para o desempenho ecológico e para a atenuação de impactos ambientais, isso não impede que as pessoas que ali residam participem de um contexto mais abrangente e largo de localizações e deslocamentos que concernem a cidade em sua totalidade, tornando-os novamente em agentes de um modo de vida tradicional. Para o cotidiano, se preza a bicicleta e o veículo leve sobre trilhos, mas, para distâncias mais longas, triunfam meios poluentes como o automóvel e o avião. Esta desconsideração de escalas geográficas é um aspecto crucial da formulação ideológica do desenvolvimento sustentável e permeará qualquer análise crítica que possa realizar sobre esta temática.

Convém também ressaltar que em todos os aspectos relativamente progressistas do ponto de vista técnico, organizacional e conceitual do écoquartier, os padrões encontrados nas intervenções da primeira geração são os mais avançados e íntegros à Campanha da Cidade Sustentável, o que significa que pouco do que se produziu na década de 2000 e o que continua se produzindo na década de 2010 possa ser visto como uma referência. Parece um consenso entre os autores que se dedicam mais exaustivamente à avaliação do écoquartier[20], que existe um afastamento do que consideram “as melhores práticas” imbricadas ao modelo norte-europeu, se observados os empreendimentos que surgem na França, Espanha, Itália e países do leste.


O caso francês: do écoquartier ao ÉcoQuartier

A França é um bom exemplo e, a partir destas linhas, merecerá maior consideração porque oferece subsídios interessantes para a avaliação dos écoquartiers. Esta análise ganha relevância pela crescente expansão de projetos no território francês, o que revela uma dimensão quantitativa que somente ratifica a influência da campanha sustentável na produção urbana.

O teor desta campanha recairá sobre o território francês a partir de circunstâncias relativamente diferentes em comparação à Alemanha e a Escandinávia. Não por acaso estas regiões da Europa serão as primeiras à colocar em evidência os bairros “sustentáveis”, tendo em vista que suas cidades já desenvolviam esforços anteriores associados à questão ecológica na construção, e, posteriormente, avançando para questões mais abrangentes ligados ao aspecto espacial em sua integralidade. Não serão poucas as cidade alemãs e suecas, por exemplo, que, logo após a promulgação da Agenda 21 global, irão inscrever suas próprias Agenda locais e impulsionar um movimento acelerado de incorporação da questão ambiental na esteira da urbanização. Sabard e Lefèvre[21] descrevem que precisou alguns anos para que na França houvesse alguma implicação territorial dos pressupostos ambientais, e, para que isso ocorresse, tiveram que se suceder outros dispositivos até que as coletividades passassem progressivamente ao que chamam de “ecogestão”. Dentre os dispositivos estariam legislações, planos municipais, e, finalmente, as Agendas 21 locais. A concepção dos primeiros écoquartiers dependeu, somente no começo dos anos 2000, da concertação de diversos agentes, como empresários dispostos a investir nas novas tecnologias construtivas, profissionais da construção especializados em tais inovações e os gestores urbanos.

O começo daquela década sinaliza as primeiras etapas de écoquartiers pioneiros e de maior renome, como o projeto da ZAC de Bonne, em Grenoble, e o bairro da Confluence, em Lyon. Constituem, entretanto, apenas indicativos do que começava se desenrolar ao longo dos anos, quando uma leva de novas intervenções emergem de um canto à outro do território, impulsionados pelo teor discursivo da Cidade Sustentável. Celebra-se “l’urbanisme durable” e o écoquartier como sua materialização. Seu defensores o definem como a “ecologia na vida cotidiana de uma cidade funcional”, um “pólo que pode induzir à novos modos de vida”, a “cidade do amanhã para um cidadão do amanhã”. Contudo, logo começam à surgir críticas apoiadas pelas limitações dos projetos e pelos resultados por ele engendrados, comparativamente regressivos aos modelos escandinavos. Segundo Souami[22], são bairros erguidos de maneira tradicional onde os promotores imobiliários e as comunidades integravam as preocupações ambientais nos projetos e na realização. Não passam, neste sentido, de bairros com dimensões modestas, pequenos setores de cidade que definem alguns objetivos voltados para a qualidade ambiental dos edifícios, mas não incluem preocupações mais abrangentes de ordem participativa ou engajamento financeiro de maior envergadura. Isso alude às ações que se desenrolam por todo o território francês, onde diferentes utilizações arbitrárias da problemática ambiental engendram um contexto complexo de variabilidades, muitas delas sem utilizar qualquer medida ambiental mais relevante.

Não há, como é de se esperar, qualquer projeto de sociedade incutido na expansão destes écoquartiers, mas guetos de ecologistas e grandes oportunidades de negócios incentivados pela vitrine da sustentabilidade. Não obstante, o MEEDDAT ampliará, pelo campo da política urbana, as possibilidades para que o écoquartier se torne um elemento de repercussão nacional e de promoção do “desenvolvimento sustentável” na França, e lança uma campanha às municipalidade com a finalidade de incentivar o surgimento de novos bairros mais exemplares.

 É preciso enfatizar que o MEEDDAT centraliza no âmbito nacional os princípios norteadores da Campanha Sustentável Européia. O écoquartier passa a se inscrever no chamado plano de ações para a “Cidade Sustentável”, criado em 2008 para guiar às novas políticas urbanas. O viés institucional do MEEDDAT celebra a sustentabilidade e a coloca no cerne da questão urbana francesa por intermédio de grandes eixos de ação expressos na recuperação da natureza urbana, no incentivo ao transporte coletivo e na chamada de novos projetos écoquartier. Ali estariam os instrumentos para um desenvolvimento urbano pleno, um eixo transformador das cidades em prol da erradicação dos problemas ambientais e dos conflitos de interesse, um incentivo aos setores econômicos e à concertação social. No plano do discurso achava-se a peça que faltava no quebra-cabeça.

Por outro lado, a progressão da concepção sustentável na França revelará, a partir da observação de alguns documentos, uma interpretação que a insere como fator crucial de competitividade para os setores econômicos nacionais, o que significa que a mesma é compreendida sob as estruturas do mercado, e isso pode ser constatado, por exemplo, no relatório do ministério intitulado: Guide du Développement Durable à l’intention de pôles de compétitivité. O MEEDDAT lança uma estratégia nacional centralizada pelo imperativo do desenvolvimento sustentável no intuito de criar novas perspectivas aos setores de mercado e aos governos locais, dotando-os de vantagens competitivas a partir do desenvolvimento de eco-tecnologias.  O intuito será buscar diminuir a distância para os países que entraram nessa corrida primeiro e, dentre àquelas estratégias, estão incluídas medidas diretamente ligadas ao território urbano, como a definição de um certificado para as construções “verdes” (HQE – Haute Qualité Environmental) e incentivos para a criação de pólos urbanos formado por empresas de alta capacidade competitiva no mercado.

Nesta política de ambigüidades o écoquartier é visto como estratégia crucial e, a partir de 2008, aponta para uma categoria de intervenção que somente poderia ser justificada se respeitado certos parâmetros estabelecidos em nível ministerial. Isto significa que no rol de empreendimentos que surgem ao longo das políticas “sustentáveis” do ministério, apenas alguns serão considerados écoquartiers legítimos, na medida em que recebem uma certificação que os demarca como mais uma experiência que segue as diretrizes nacionais. O selo que ratifica o empreendimento é denominado de ÉcoQuartier, com “q” maiúsculo, e até o alcance deste grau de certificação cada coletividade engajada neste processo deve ratificar a “Charte des Écoquartiers”, e, posteriormente à definição do projeto, submeter à avaliação nacional.

Dessa forma, projetos novos e as intervenções anteriores às diretivas do MEEDDAT procuram se adequar às recomendações da Charte des Écoquartiers, com vistas à adquirir a certificação. Esta carta se referencia pelos documentos de Aalborg, pelo acordo de Bristol de 2005[23], pela Carta de Leipzig[24], e pelas leis de implicação nacional relativas à promoção da “Cidade Sustentável[25]”. Dali em diante, as municipalidades signatárias deveriam seguir vinte engajamentos associados ao processo de elaboração e execução do projeto, onde devem ser levados em consideração elementos que ampliem a qualidade de vida e que atuem para o melhoramento do cotidiano das pessoas, que favoreçam à maior dinamização territorial e que respondam às exigências ambientais e climáticas (Ver quadro 4).

 

Quadro 4.
20 Engajamentos de um projeto écoquartier

Inovar o Projeto

Melhorar o cotidiano

Desenvolver o território

Responder às exigências ambientais

Realizar um projeto que responda às necessidades de todos, com base nos recursos e nas restrições do território.

Priorizar a implantação sobre a cidade existente e propor uma densidade adaptada à luta contra a expansão urbana

Contribuir ao desenvolvimento econômico local, equilibrado e solidário.

Criar um Urbanismo que se adapte às mudanças climáticas e aos riscos.

Formalizar e exercer um processo de experimentação do écoquartier e uma governança abrangente.

Fomentar as condições para a diversidade social e intergeracional, para a vida em comunidade e para a solidariedade.

Favorecer a diversidade de funções sob a ótica de um território de curtas distâncias.

Visionar a soberania energética e a diversificação das fontes em prol de energias renováveis e de recuperação.

Integrar a perspectiva dos custos globais do momento da escolha do investimento.

Assegurar um modo de vida saudável e seguro.

Otimizar o consumo de recursos materiais, desenvolver setores locais e incentivar as mobilidades curtas.

Limitar a produção de resíduos, desenvolver setores de valorização e reciclagem.

Levar em consideração as práticas dos usuários no momento da concepção.

Incentivar uma qualidade arquitetural e urbana que concilie intensidade e qualidade de vida.

Privilegiar modais mais leves e o transporte público com o intuito de reduzir a dependência do automóvel.

Preservar os recursos hídricos e assegurar uma gestão qualitativa e econômica.

Promover métodos de avaliação e de melhoramento continuado.

Valorizar o patrimônio local (natural e construído), a história e a identidade do bairro.

Favorecer para um fluxo de intercâmbios em rede com o objetivo de expandir serviços inovadores.

Preservar e valorizar a biodiversidade, os solos e os meios naturais.

Fonte: La Charte des Écoquartiers, 2008.

 

A carta e todo o processo de certificação revelaram um movimento entusiástico pelo écoquartier no âmbito das coletividades. Segundo Crepon, diretor de Habitat, Urbanismo e Paisagem do ministério, na primeira chamada nacional de projetos para a cidade sustentável realizada em 2009, foram enviados e apresentados um total de 160 projetos em diferentes níveis de execução, dentre os quais 27 foram considerados aptos à certificação écoquartier. Dentre estes, a Caserne de Bonne (Figura 1), em Grenoble, levou o prêmio nacional. Dois anos depois, na chamada de 2011, os écoquartiers de Roubaix-Tourcoing-Wattrelos (Figura 2), em Lille, e Nancy-Maxeville-Laxou (Figura 3), em Nancy, receberam o prêmio nacional dentre 78 projetos certificados e 393 apresentados ao ministério, o que somente ilustra o teor evolutivo que estas intervenções vêm adquirindo no decorrer dos anos[26].

 

Figura 1. La Caserne de Bonne, Grenoble.
Fonte: Arquivo do Autor.

 

Figura 2. Roubaix-Tourcoing-Wattrelos na aglomeração de Lille.
Fonte: RevueVertigo. Disponível: http://vertigo.revues.org/

 

Figura 3. Nancy-Maxeville-Laxou.
Fonte: Revue des collectivites locales. Disponível em: revuedescollectiviteslocales.com

 

Principais écoquartiers franceses

Neste sentido, sob um número que cresce a cada ano, será normal a constatação de que os écoquartiers apresentem inúmeras variabilidades entre si, no qual uns podem ser mais efetivos do que outros no tocante à resolução das demandas instituídas pelo ministério. Para este trabalho foram levantados 60 écoquartiers que têm sido desenvolvidos na França ao longo dos anos, sobretudo a partir de 2005, e em todos eles haverá uma resposta diferente dos princípios que operam o discurso sustentável (Quadro 5). Os dados foram extraídos de Souami[27], do site do MEEDDAT, e do dossiê “écoquartiers em France” da revista Le Moniteur.

 

Quadro 5.
Principais écoquartiers construídos ou em fase de construção na França

Nome

Cidade

Superfície
(em hec)

Unidades
residencias e/ou Comerciais

População Flutuante

Tipo

Implementação

Gare de Rungis

Paris XIII

3,8

300

750

Novo

Entrega 2011

Clichy-Batignoles

Paris XVII

50

3.500

9.000

Novo

Em curso até 2020

Seine et Arché

Nanterre

124

3.500

6.000

Novo

Obras iniciadas em 2008

Les Temps Durable

Limeil-Brévanes

9,5

1.000

2.300

Novo

Obras iniciadas em 2008

Le Raquet

Douai, Lambles-
lez-Douai et Sin-
le-noble

166

4000

12.000

Novo

Em curso até 2029

Rives de la
Haute-Deule

Lille et Lomme

100

600

1.500

Novo

Em curso até 2025

Grand Large

Dunquerque

18

1.000

3.500

Novo

Obras iniciadas em 2008

Le Grand
Hameau

Le Havre

28

1.000

2.500

Novo

Em curso até 2014

Mayenne/
Capucins

Angers et
Avrillé

240

10.000

25.000

Novo

Em curso até 2023

Île de Nantes

Nantes

150

7.000

15.000

Novo

Em curso até 2028

La Courrouze

Rennes

115

5.000

10.000

Novo

Em curso até 2028

Confluence

Lyon

150

4.000

20.000

Novo

Em Curso até 2030

Caserne de Bonne

Grenoble

8,5

850

2.500

Novo

Entrega 2010

Centre

Echirolles

19,2

800

1.800

Novo

Entrega 2010

Saint Jean des Jardins

Chalôn-sur-
Saône

5

180

450

Novo

Entrega em 2007

Bourtzwiller

Mulhouse

 

5.280

13.500

Renovação

Entrega 2010

Quartier du Thêatre

Narbonne

13

650

450

Novo

Entrega 2009

La Mérigotte

Poitiers

25

1.600

1.200

Novo

Obras iniciadas em 2008

Le Plateau
de Haye

Nancy, Laxou
et Maxéville

440

14.000

15.000

Novo

 

L’Union

Roubaix,
Tourcoing
et Wattrelos

80

1.400

3.000

Misto

 

Fluvial

L’Ile-Saint-
Denis

22

1.000

   

Entrega em 2015

Vidal

Rémire-
Montjoly

80

1.500

     

Seguin Rives de
Seine

Boulogne-
Billancourt

74

5.600

25.000

   

Cap Azur

Roquebrune-
Cap Martin

100

   

Renovação

 

NouveauMons

Mons-en-
Baroeul

100

 

12.000

Renovação

Entrega 2014

Parc Marianne

Montpellier

29

2.400

5.400

 

Entrega 2012

Grisettes

Montpellier

         

Vidailhan

Balma

31

3.800

 

Renovação

 

Cannes Maria

Cannes

1

270

 

Novo

Entrega 2013

Monconseil

Tours

20

1300

 

Novo

 

Baudens

Bourges

5

350

 

Renovação

 

Champ de Foire

Clisson

6

260

 

Renovação

 

Maison Neuve

Guérande

30

600

 

Novo

 

La Duchère

Lyon

120

1.700

12.000

Misto

Em curso até 2016

Mulhouse-
Wolf-Wagner

Mulhouse

10

600

 

Misto

Entrega 2011

Fort d’Issy

Issy-les-
Moulineaux

12

1.500

 

Novo

Entrega 2015

Hoche-Sernam

Nîmes

20

1.000

     

Manufacture
Plaine Achille

Saint Etienne

100

1.000

     

Les Petites Greves

Douzy

23

320

 

Novo

 

Saint-Germain

Vitteaux

3

75

 

Novo

Entrega 2009

Vigneret

Châteaurenard

12

300

     

Bois des Granges

Claye-Souilly

25

800

2.000

Novo

Entrega 2013

La Clémentière

Granville

35

750

1.500

Novo

 

ZAC des Perrières

La Chapelle-sur-Erdre

51

1.050

3.000

Novo

 

La Prairie au Duc

Nantes

18

380

 

Novo

Entrega 2014

ZAC du Seque

Bayonne

14

625

1.100

 

Entrega 2012

Ginko

Bordeaux

33

250

 

Novo

Entrega 2009

ZAC des Pielles

Frontignan

8

477

     

Fréquel Fontarabie

Paris

1

105

 

Misto

Entrega 2012

Villeneuve

Cognin

24

1.200

 

Novo

Em curso até 2016

Nancy Grand-Coeur

Nancy

11

700

     

Danube

Strasbourg

7

750

 

Novo

Em curso até 2015

La Muette

Garges-lès – Gonesse

 

775

 

Novo

Entrega 2012

ZAC Bottière Chénaie

Nantes

35

1.600

5.000

Novo

Entrega 2007

Dauphinot-Rémafer

Reims

13

620

 

Novo

 

12ème Escadre d’Aviation

Reims

20

1.200

3.000

Novo

 

Foch Roosevelt

Meaux

80

1.500

 

Novo

 

Pou de les Colobres

Perpignan

35

2.000

 

Novo

 

Les Rives d’Allier

Vichy

17

1.300

 

Misto

 

Fonte: MEEDDAT. Ministère de l'écologie, de l'énergie, du développement durable et de l'aménagement du territoire, 2013.

 

Uns conseguem se equilibrar por um caminho estreito de possibilidades que envolvem as demandas integradas do meio ambiente, da economia e da sociedade, e, mesmo àqueles que o fazem, demonstram, entre eles mesmos, distintos níveis de efetividade. Todos praticamente se definem pelos dispositivos tecnológicos, relativamente similares no conjunto de empreendimentos, mas incorporados com maior ou menor integridade dependendo das circunstâncias imbricadas ao nível de investimento e ao comprometimento real que determinadas coletividades irão exercer para com seu projeto. Isto significa que praticamente todos se utilizam das tecnologias ambientais, mas de diferentes maneiras e com distintos níveis de eficiência.

No caso da energia, por exemplo, podem ser utilizados distintos mecanismos de produção, como os eólicos, os geotérmicos, os solares e, por vezes, a utilização de mais de uma fonte que produzirá energia em redes coletivas ou individuais. A economia de energia também varia substancialmente de caso a caso, e pode apresentar diferenças de mais de 400% nos níveis de consumo, como verificado, por exemplo, na comparação entre o écoquartier de Saint-Jean des Jardins (Consumo de 130kWh/m2/ano por edificação), e Clichy-Batignolles (30kWh/m2/ano por edificação)(Figura 4). No caso da água, a captação da chuva será uma prática básica da engenharia, mas o modo de captação e o tratamento pode ser diferenciado, com experiências que se utilizam de mecanismos tradicionais de despoluição, enquanto outros recorrem a técnicas biológicas através do uso de plantas, por exemplo. Da mesma forma, variam os casos em que a captação é auxiliada por procedimentos que favoreçam a permeabilidade do solo, como telhados e outras superfícies vegetalizadas. No tocante aos resíduos será contínuo o reaproveitamento de materiais utilizados no processo construtivo ou gerados de uma demolição, assim como a reciclagem do lixo doméstico através de variados sistemas de coleta, alguns deles apoiados por sistemas de aspiração subterrânea. Outros procedimentos serão variavelmente utilizados segundo cada caso, como o estabelecimento de jardins familiares, locais de compostagem, parques lúdicos de educação ambiental, hortas, e, inclusive, pontos de informação na internet sobre os níveis de consumo de energia do imóvel. Reitera-se que nenhum destes aspectos são gerais, mas particularidades imbricadas ao processo tecnológico e conceitual dos empreendimentos.

 

Figura 4. Clichy-Batignolles.
Fonte: Ville de Paris. Disponível em: http://www.paris.fr

 

Neste sentido, convém ressaltar alguns argumentos críticos atrelados ao nível do projeto. Ganha notoriedade, por exemplo, como os campos da tecnologia e da concepção ambiental na educação, embora positivos, operam sob um mecanismo interessante de fundamentação ideológica tecida pela sustentabilidade, pois são objetividades que ajudam a mascarar o rol de subjetividades incutidas pelo conceito. Interessa ressaltar também que estes elementos aludem à demonstração de um "écoquartier que funciona", porém, dentro de certos (alguns) parâmetros associados à exigência ambiental atual. Em outros aspectos tal eficiência encontra barreiras em função dos vínculos que o mesmo possui com uma complexa gama de relações externas e extra-territoriais articuladas ao espaço urbano em que está inserido. O écoquartier constitui-se como produto deste contexto, só que com outra roupagem.

Veja-se a questão da mobilidade, por exemplo. É possível afirmar que existe uma relativa integração entre écoquartier e as redes de transporte existente, com consideração de passeios públicos e ciclovias. Por outro lado, há enormes disparidades relativas à atribuição dada ao automóvel e sua relação com o cotidiano, conforme observado pela circulação e pelo número de vagas por habitação. Em alguns casos, a limitação de vagas corresponde à duas por habitação (Le Grand Hameua – Le Havre, Confluence – Lyon, Île de Nantes - Nantes), enquanto em outras é inferior à uma vaga (Rives de la Haute-Deule – Lille, Les Temps Durables – Limeil).

Sob o aspecto da mobilidade recai, de início, o não banimento do automóvel no cotidiano, uma vez que já foi afirmado acerca dos relativos escandinavos que existe uma descontinuidade escalar expressa entre o empreendimento e a cidade "tradicional" que está ao seu redor, àquela que expressa a insustentabilidade a ser combatida. A despeito desta desconsideração escalar, a necessidade expressa pela mobilidade apresenta outro elemento relevante para a avaliação do écoquartier, que se articula aos objetivos de dinamização econômica e criação de empregos, bem como pelo uso misto. A configuração de zonas comerciais é constatadamente uma prerrogativa da maioria dos projetos e podem ser utilizadas para vários fins, dentre eles para viabilizar imóveis de escritórios, lojas e até galerias comerciais. Em visita ao écoquartier de Lyon, Confluence, o resultado da edificação de uma grande galeria comercial no interior do bairro passou a engendrar um significativo fluxo de automóveis em suas proximidades, ainda que a circulação fosse limitada nas dependências do bairro (Ver Figuras 5 à 7). Há, na verdade, um efeito gerador de tráfego que passa a afetar determinados bairros vizinhos e uma contribuição para emissão de gases poluentes que contraria os princípios de um écoquartier. Este é um exemplo analisado com mais atenção neste trabalho porque funcionou como estudo de caso dentre os muitos existentes. Sua constatação alude à outros tantos écoquartiers que, embora não tenham sofrido uma análise mais próxima, deixam implícitas as inconsistências que o universo da sustentabilidade cria e o modo como o discurso ambiental se concretiza no espaço urbano. Instiga, por outro lado, observar que a Confluence é considerado um modelo[28] para os padrões estabelecidos atualmente na França, um quartier celebrado pelos cidadãos de Lyon. Contudo, como dizem os promotores da Cidade Sustentável na Europa, não há problema porque estamos num caminho de evoluções contínuas no campo da concepção e da prática. O futuro dirá.

 

Figura 5. Confluence, Lyon.
Fonte: Arquivo do autor.

 

Figura 6. Galeria Comercial do bairro.
Fonte: Arquivo do autor.

 

Figura 7. Tráfego nos arredores.
Fonte: Arquivo do autor.

 

O caminho parece estar sempre orientado pelo tripé das demandas sociais, econômicas e ambientais, que, por sua vez, são incentivas pelo zoneamento misto. A função residencial, comercial e, por vezes, industrial, devem ajudar a resolver o problema de dinamização econômica e auxiliar para a formação de centralidades urbanas adequadas à atender às aspirações do capital, do trabalho e dos fluxos em geral. Todos os projetos observados comportam o zoneamento misto, mas as densidades e os usos variam de acordo com as dimensões dos projetos. Nas áreas comerciais é possível encontrar pólos de lazer e consumo, prédios de escritórios, hotéis, centros educacionais, de pesquisa e tecnologia, teatros, cinemas, etc. Como atestado in loco na Confluence e também em Grenoble com o quartier de Bonne, o aspecto econômico é equacionado a partir da criação de empregos e de benefícios que estão associados ao crescimento dos investimentos comerciais nos bairros. Em boa parte dos outros casos levantados existe uma mesma preocupação, o que não deve significar, por outro lado, e como preconiza a agenda ministerial, que os mesmos incentivem para um "desenvolvimento econômico local, equilibrado e solidário". Ambientalmente surge um antagonismo concernente ao fluxo de consumidores que passam a compor o cotidiano dos bairros, atraídos por setores que estão longe de exercer alguma mudança em prol do meio ambiente, tais como redes de restaurantes fast-food, grandes lojas de departamento, de equipamentos eletrônicos e outros.

No tocante às áreas residenciais, o elemento de destaque aponta para a diversidade social dos moradores. Ela será incentivada por uma ação conjunta dos empreendedores e gestores na construção de mecanismos de acesso da população de menor renda ao empreendimento, em que parte dos imóveis, ou são subvencionados para facilitar o acesso à propriedade, ou sofrem uma política de redução dos aluguéis.  O restante integra-se ao valor estabelecido pelo mercado. É possível afirmar que praticamente todos os écoquartiers possuem alguma diretriz que aponte nesta direção, mas os fazem em diferentes níveis. Há casos em que 50% dos imóveis são utilizados para fins de redução de aluguéis ou subvenção (La Courroze, Mayenne/Capucins, Île de Nantes), enquanto outros não passam de 10% ou 20% (Centre/Echirolles, Quartier du Thêatre, La Mérigotte). Em que pesem tais diferenças, há algumas questões de fundo que afetam este fator da diversidade social, um aspecto que encontra limitações em razão de sua própria subjetividade. Há integração nesta diversidade? Será que colocar lado-a-lado pessoas de origens sociais diferentes configura uma diversidade social? As tentativas de inserir pessoas de menor renda não excluem a outra parte que estará imbricada aos interesses do mercado e dos gestores públicos. É sabido que qualquer intervenção que adote o discurso da sustentabilidade estará amparada por uma rede interescalar de auxílios e financiamentos, a começar pelo Comitê de Meio Ambiente da União Européia que auxilia as municipalidades para o desenvolvimento de seus projetos. Para o promotor público o écoquartier incute um importante valor imagético e simbólico de valorização do território, o que significa uma alavanca ao mesmo tempo política. Nesta competitividade é preciso estar mobilizado com as coletividades de modo a mostrar as vantagens para àqueles que contribuem financeiramente para a execução do écoquartier (organismos nacionais, supranacionais e o mercado). O interesse da municipalidade é satisfeito através da valorização do território e da respectiva promoção política à ela associada. O mercado igualmente será atraído porque não arca com os custos da diversidade social e ainda terá um novo produto imobiliário em que poderá investir, sem contar a questão da valorização da imagem que o écoquartier incita.

Diante das considerações realizadas acima, e ressalvando algumas iniciativas mais arrojadas no campo tecnológico, a maior abertura à participação (o que não significa participação efetiva), e os atributos urbanísticos, cabe questionar em que difere um écoquartier de um modelo tradicional de intervenção urbana na cidade neoliberal. Tal questionamento é plausível tendo em vista que esta cidade tradicional integrou-se na malha discursiva da sustentabilidade como entidade que contribuía para a precarização das condições ambientais e sociais. O quartier de Bonne em Grenoble, referência francesa e européia, pioneiro no padrão écoquartier e ganhador do prêmio nacional de 2009, é elucidativo nesta demonstração (Ver Figuras 8 à 11). Fruto de um projeto de reabilitação de um antigo quartel militar, o bairro foi construído nos arredores do centro antigo de modo a comportar edificações residenciais, pólos comerciais de lazer e serviços, escolas, parque urbano, hotel quatro estrelas, cinema, estacionamento subterrâneo e uma área reservada para futuros equipamentos. Todos os aspectos tecnológicos da construção, diversidade social e mobilidade são levando em conta, assim como os aspectos da qualidade arquitetural, da otimização dos fluxos e da preservação de espaços novos. Responde ao quê estas iniciativas? Ao desenvolvimento sustentável urbano? A resposta é sim na perspectiva do discurso hegemônico, pois são iniciativas que se situam dentro de um caminho de constantes evoluções, e, por isso mesmo são legítimas. Mas a adequação a cultura do automóvel e a abertura as dimensões culturais do livre-mercado, como a centralização de atividades comerciais de alto consumo e da consolidação de valores individuais à ele associados, indica uma perspectiva que aponta em outra direção. A sede pela busca de uma certificação ou diploma ambiental, como fica constatado no caso do selo ÉcoQuartier, e os prêmios instituídos no campo empresarial e governamental da sustentabilidade, apenas atestam uma visão que acirra competições em torno da questão ambiental, tanto na esfera pública quanto na privada, e reafirmam um consumismo verde que está longe de significar um fenômeno que realmente traga transformações efetivas ao espaço urbano.

 

Figura 8. Pátio interno.
Fonte: Arquivo do Autor.

 

Figura 9. Área verde central.
Fonte: Arquivo do Autor.

 

Figura 10. Localização do écoquartier em Grenoble.
Fonte: Le Moniteur. Disponível em: http://www.lemoniteur.fr/

 

Figura 11. Projeto da Caserne de Bonne.
Fonte: Le Moniteur. Disponível em: http://www.lemoniteur.fr/

 

Neste sentido, estes são fatores que procuram demonstrar como as resultantes espaciais impingidas no âmbito da Campanha Sustentável não representam um movimento antagônico à processos territoriais anteriores, estabelecidos dentro de uma matriz interpretativa neoliberal que se impregna nas decisões políticas, no processo econômico e no campo das concepções mentais e da cultura.  Esta matriz fundamenta um contexto estrutural que acaba sendo desconsiderado entre os autores que crêem no discurso da sustentabilidade, inclusive naqueles que se debruçam criticamente. É como se houvera, a partir das tramas da ideologia neoliberal, vetores possíveis de ação sustentável, sem enxergar, por outro lado, que este próprio qualificativo necessita ser repensado à luz de novas instrumentalizações.


Elementos estruturais da (in)sustentabilidade no espaço europeu

Portanto, o que deve ser enfatizado até aqui é esta evolutiva participação do écoquartier como elemento que reflete no âmbito do pensamento urbanístico e arquitetônico às diretrizes nodais do imperativo sustentável. Mais importante é assinalar sua crescente participação nos processos de remodelação territorial ao longo das décadas de 2000 e 2010, na esteira da irrefreável campanha da “Cidade Sustentável” na Europa. Ele não será único elemento desse processo, mas faz parte de um conjunto de outras evidências que demonstram como a cidade será dominada por um amplo campo de ações “politicamente corretas” centralizadas pela questão ambiental.  Há razões estruturais que serão abordadas daqui em diante que permitem mitificar não somente a existência de um processo em prol do desenvolvimento sustentável na cidade européia, mas também essas tentativas supostamente extraordinárias pintadas de verde, que não abrangem nada de excepcional porque não se descolam do julgo institucional estabelecido.


O conflito de interesses

A criação de um ambiente de pactuação e consenso já anunciava, de imediato, a inobservância de interesses antagônicos. Sobre cada indivíduo recai uma sustentabilidade que se adéqua à seus interesses particulares, enquanto é evidente admitir que na miríade de interesses que envolvem as relações sociais somente sobra espaço para uma perspectiva de sustentabilidade, àquela que inclui um interesse único, o de todos. Para as comunidades que vivem e participam da vida social de um écoquartier há a satisfação de um interesse pessoal a partir do sentimento de estar contribuindo de alguma forma para os problemas ambientais. Não se pode afirmar, ao contrário, que isso se caracterize nas esferas políticas, embora a publicidade se encarregue na tentativa de induzir a opinião pública nessa direção. Para os governos municipais, o écoquartier se conjuga ao modelo de gestão empreendedora já consolidada no âmbito da cidade neoliberal e cumpre um papel importante para a consecução de interesses associados ao marketing urbano e a construção da imagem da cidade. Os empreendimentos da primeira geração já demonstravam isso, quando surgem como resultado de projetos políticos e econômicos ligados à grandes eventos. Para o promotor privado, proprietários fundiários, construtores e incorporadores, qualquer atenuação de impactos ambientais ou benefício social que certo empreendimento venha a induzir, estará subsumido ao ganho, em valores econômicos, que estes aspectos venham a incentivar no tocante ao investimento, do contrário não se assumiriam. Do mesmo modo, se este ganho não o coloca em condições de competitividade o investimento perderia atratividade, o que consiste em compreender que, para o empresário, o sentido mais bem aceito de sustentabilidade intrínseca à matriz hegemônica é econômico, ou a garantia da reprodução do capital, a multiplicação infinita dos ganhos. Somente assim tornar-se-ia possível o estabelecimento das outras esferas que compõem o paradigma sustentável, o ambiental e o social.


Um espaço marginal

A reprodução infinita dos ganhos implica no fator do crescimento econômico, aspecto jamais problematizado pela agenda hegemônica da sustentabilidade e que engrena o processo de urbanização. Cluzet[29] atesta que esta urbanização contínua a serviço do crescimento econômico na França se intensificou nos últimos 30 anos. O espaço ganhou um valor marginal na era neoliberal a partir da maior permissividade no processo de construção em espaços novos da periferia, espaços naturais e rurais.  Segundo o autor, após ter conhecido um crescimento demográfico urbano significativo sobre um espaço mais concentrado, com 75% de crescimento demográfico e 25% de expansão das aglomerações, a França sofreu uma inversão deste fenômeno entre 1980 e 2007, de modo a apresentar um crescimento de 25 % da população, mas uma expansão urbana de 75%[30]. Segundo Cluzet, uma razão nuclear para esta expansão reside na desregulamentação dos parâmetros urbanísticos e na descentralização da gestão segundo diretivas independentes a cada uma das 36 mil comunes que integram o território francês. O planejamento da década de 1970 se desenha sob um marco regulatório baseado nos chamados Schémas Directeurs d’Aménagement et d’Urbanisme (SDAU), assim como nos Plans d’Occupation des Sols (POS) e nas Zones d’Aménagement Concerté (ZAC). Tais mecanismos aludem à um planejamento mais ativo voltado à gestão eficaz do setor produtivo, colapsado pouco à pouco no contexto da globalização neoliberal. Em 2000, a alteração dos SDAU’s para os chamados Schémas de Cohérence Territoriale (SCOT), e dos POS pelos Plans Locaux d’Urbanisme (PLU), não obstante visem reforçar o potencial regulador e coordenador da urbanização, acabam por sinalizar seu enfraquecimento. Não significa que o planejamento tenha sido abandonado, mas mudado sua natureza fundamental: regular e cumprir com tal regulação.

À época já são marcantes os vetores de um planejamento que se distancia das finalidades de controle da ocupação para operar sob o julgo de relações de força e poder. No momento da elaboração do plano todos se felicitam por um momento de concertação mútua em prol do desenvolvimento da cidade, mas ninguém espera ter seus projetos individuais impugnados a partir das arbitragens do plano. O respeito à autonomia comunal e os votos consensuais das coletividades logo perdem espaço no momento de operacionalização, quando a quebra de um ou outro interesse torna-se inevitável. De fato, apesar da Europa ainda demonstrar um relativo processo regulatório de ocupação, tais dispositivos são crescentemente transgredidos quando algum interesse de mercado está em jogo. O investimento privado e os supostos benefícios econômicos e sociais nele imbricados são compreendidos nas esferas de poder quase como uma obrigação, uma necessidade instituída estruturalmente pela concorrência territorial. Uma cidade institucionalmente regida por um mercado devorador de espaço e que busca diminuir, o tanto quanto possível, o tempo entre a injeção e o retorno do investimento pode ser sustentável? E que tipo de desenvolvimento sustentável por ser concebido se o planejamento urbano não passa de uma concha de retalhos instituída por 36 mil comunes diferentes e sem qualquer integração?

Àquele crescimento exposto por Cluzet também demonstra, a partir do exemplo francês, como a centralização no indivíduo e a glorificação da esfera privada se traduz no aumento do espaço edificado. A habitação individual se expande e torna-se um elemento de consumo fundamental, muitas vezes como signo de status. A superfície urbanizada cresce à medida que esta mesma veia de consumo se traduz na crescente motorização das famílias e no aumento de duplas ou triplas residências. O mesmo autor cita que a França conta com um aumento de 20% na taxa de residências individuais nos últimos 25 anos, a maioria delas localizadas em áreas periféricas das aglomerações[31]. O contexto europeu constitui apenas a amostra de como se desenrola um processo de deslegitimação do interesse coletivo na configuração do território, face aos interesses imediatos dos promotores privados, dos proprietários fundiários, dos gestores e do indivíduo comum. A miríade de interesses privados internaliza um interesse comum em âmbito social? A Europa talvez seja o espaço mais representativo desta derrocada do interesse coletivo e público nos últimos 30 anos, dinamizado pela liberalização das trocas e pela concorrência entre territórios cujas repercussões tem se mostrado drásticas para o continente na esfera econômica, social e ambiental. Dois séculos de conquistas sociais são gradativamente subsumidos aos ditames do mercado, e não há uma instância de governança supranacional que leve em conta as causas da insustentabilidade da civilização. Na ausência de uma esfera reguladora eficaz, o mercado oferece suas soluções cosméticas e auxilia para uma “desculpalização” das ações individuais por meio de suas tecnologias, discursos e certificações.

Com a campanha da sustentabilidade à todo vapor, os líderes europeus procuram demonstrar seus esforços incorporados nos écoquartiers e nos mais diversos campos da ecoconstrução, energia, transporte e urbanismo. Como verificado no levantamento das intervenções realizadas, são muitos os casos novos que auxiliam na expansão da mancha urbana, sem contar outros que vêm acompanhados de processos de renovação. Criam-se mais cidades “sustentáveis”, multiplicam-se os grandes congressos e os colóquios técnicos em sustentabilidade urbana, ergue-se uma nova perspectiva para o ramo da construção, elaboram-se leis de incentivo à tecnologia verde ou de supressão de determinado produto impactante. Tudo isso será em vão se a única hipótese de dizer “não” for negligenciada no ato da gestão, sobretudo contra às ambições de um proprietário que visa extrair a renda da terra ou ao empreendedor em plena concorrência de mercado. De acordo com a base de dados estatísticos do MEEDDAT (Sitadel), observa-se um gradativo crescimento no número de unidades e de metros quadrados construídas para fins residenciais entre 1991 e 2011, cujo aumento aproximado gira em torno dos 50% (Quadro 6).

 

Quadro 6.
Unidades e m2 construídos na França nos últimos 20 anos

 

Unidades

m2

1991

306.477

29.681.330

2001

327.068

35.527.154

2011

455.679

42.899.599

Fonte: Sitadel. Base de dados do MEEDDAT.

 

Ainda segundo a base, o número anual de permissões para construção registrou entre 2002 e 2012 uma média de 370.000 autorizações em toda França metropolitana. No tocante às construções comerciais os dados são expostos por Cluzet, que se vale dos valores estatísticos do CDEC (Commision Départamentale d’équipement commercial). Segundo ele, a França ganhou mais de 3,5 milhões de metros quadrados em 2005, contra apenas 1 milhão registrado em 1997. Somente em 2007 foram autorizados, aproximadamente, 7 milhões de metros quadrados em novos projetos. É instigante constatar, por outro lado, que estes números não vêm acompanhados de um aumento significativo da população, que sofreu um leve aumento ao longo de 20 anos, passando de 57 milhões para 62 milhões de habitantes, segundo dados do INSEE (Institut national de la statistique et des études économiques).


Imóveis vazios           

Não obstante, este avanço das construções é contraposto com a constatação do aumento gradativo do déficit habitacional transcorrido entre a década de 1990 e 2000, ao ponto de órgãos oficiais e especialistas do setor afirmarem que, em 2010, tal déficit atingia quase 1 milhão de moradias. São inúmeras as explicações para a insuficiência crônica por novas habitações, mas as mais recorrentes encontram justificativa na escassez de terras urbanizáveis, na modificação do perfil familiar com a diminuição dos membros por família, na pequena acessibilidade à financiamento da casa própria e na ausência de uma política habitacional em nível nacional realmente efetiva. De fato, na visão de autores e outras fontes analisadas, há uma demanda em que a oferta de mercado não tem conseguido atender, de modo a favorecer a disparada dos preços nos grandes aglomerados urbanos[32]. Logo se observa que o mercado não se auto-regula, mas, ao contrário, trabalha com a escassez para reproduzir melhor os seus ganhos. A constatação de Cluzet, mas, principalmente, de Treguier especialista em mercado imobiliário da revista Le Nouvel Observateur, oferece, no entanto, uma compreensão melhor acabada acerca deste fenômeno do déficit:

Mas, se falta um milhão de habitações na França, como explicar que existe do mesmo modo e ao mesmo tempo mais de 2 milhões de habitações vazias. As estatísticas oficiais são claras: de 33 milhões de habitações na França, quase 2,5 são declaradas inocupadas. E este número de vacância aumentou em mais 400 mil em dez anos. Se nosso país possui necessidades crescentes que não são satisfeitas, como explicar, neste caso, tal aumento? [33]

Estes números são confirmados por Fonteneau[34], que demonstra os dados inferidos pelo INSEE no levantamento sobre a repartição dos usos habitacionais. Os números estão expostos na tabela abaixo, com especial destaque para os dados de vacância na última linha (Quadro 7).

 

Quadro 7.
Repartição dos usos habitacionais e imóveis vazios

         

em %

 

Em número

 

2000

2003

2006

2009

2010

2011

 

Número de habitações (x1000)

29 613

30 664

31 776

32 951

33 315

33 681

 

Residências principais

83,2

83,7

83,9

83,6

83,6

84%

28 123 635

Residências secundárias e habitação ocasional

9,9

9,8

9,7

9,5

9,5

9%

3 166 014

Habitações Vazias

6,9

6,5

6,4

6,9

7

7%

2.391 351

Fonte: FONTENEAU (2013), a partir da base do INSEE.

 

Em breve palavras, o que se conclui é que as finalidades do mercado estão muito além das preocupações de um déficit habitacional, e sim são conduzidas por uma atividade especulativa incontrolável e notadamente insustentável à longo prazo. A França assiste, neste sentido, ao drama de uma crise econômica que se abate sobre o emprego, renda e todo sistema de proteção social, e que dificulta o acesso à moradia das pessoas que não conseguem se inserir no mercado formal. Por outro lado, o mercado imobiliário, com seus valores eminentes de troca, dinamiza um setor fortemente especulativo e inócuo do ponto de vista social, motor de uma expansão urbana cada vez mais acelerada.  O “desenvolvimento” urbano aqui revela unicamente uma batalha frenética entre grupos econômicos pela apropriação da cidade, agentes que, por sua natureza, são indiferente à qualquer tipo de planejamento e todas as formas de preservação de identidade local.


A financeirização da produção urbana

Na cidade neoliberal, o consumo desenfreado por novos espaços e o fenômeno da especulação se justificam pelo crescimento dos interesses de investidores e do mercado financeiro na produção da cidade. A Europa assistiu nos últimos 30 anos ao aumento exponencial de uma dívida bancária associada ao setor imobiliário, ao mesmo tempo em que empresas clamam por capitais de investidores nos mercados financeiros. Esta crescente capitalização das empresas deve gerar apenas um resultado: o retorno do investimento no mais curto prazo. A financeirização da produção do espaço urbano constitui o fenômeno mais premente da cidade neoliberal. Nas palavras de Halbert e Le Goix:

O papel dos mercados financeiros na economia contemporânea aumentou em função das reformas neoliberais das décadas de 1970 e 1980. [...] a reprodução de espaços urbanos compelidos à intensas recomposições sociais e econômicas demandaram novos capitais e em grande quantidade. [...] A financeirização da produção urbana se realiza pela emergência de uma racionalidade financeira no bojo dos atores que fabricam e vivem a cidade cotidianamente. Famílias, empresas e coletividades são cada vez mais encorajadas, ou forçadas, segundo distintas perspectivas, a recorrer por dispositivos financeiros a fim de conservar um lugar na cidade[35].

Neste sentido, a representatividade adquirida por grandes projetos residenciais e comerciais na Europa, dos quais estão incluídos écoquartiers e outros empreendimentos sustentáveis, demarca os ditames de um setor imobiliário altamente competitivo, cujas empresas de incorporação e construção se amparam no mercado financeiro a fim de maximizar seus ganhos e dos acionistas que nelas injetam seus capitais. A necessidade de responder os anseios do mercado financeiro alarga significativamente o processo de apropriação de terras, o que repercute diretamente nas dinâmicas internas da cidade. Escassez de terras e sua conseqüente sobrevalorização são dois efeitos muito comuns deste processo. Como é possível conceber, sob tais condições estruturais, que esta mesma cidade também resguarde um projeto de sustentabilidade para as futuras gerações, preconizando em seu discurso justiça social, menor consumo de espaço, valorização do patrimônio natural e cultural, etc? Tal questionamento se soma à observação de que projetos écoquartier e outros empreendimentos que se apropriam da matriz discursiva ambiental também são parte constituinte deste mesmo modelo de urbanização, e tampouco expressam uma mudança de direção ou alternativa. 

Tal afirmação pode ser verificada a partir de outro elemento que serve como eixo de elucidação à respeito da cidade neoliberal. Trata-se do congresso anual realizado em Cannes, denominado de Marché international des professionnels de l’immobilier (MIPIM), que reúne durante alguns dias autoridades locais de grandes e médias cidades do mundo no objetivo de vender seus projetos à investidores do setor imobiliário. O pequeno balneário da Côte d’azur constitui-se lugar incontornável para coletividades locais do mundo que se precipitam até a cidade a fim de apresentar seus projetos à investidores internacionais, bancos e sociedades imobiliárias. O planejamento da cidade não está em questão aqui, mas contratos de alta rentabilidade de curto à médio prazo. É como se a autoridade local abdicasse do seu papel de organizador do espaço, transferindo tal atribuição aos agentes de mercado. Se a cidade busca revitalizar um bairro, refazer um centro, construir equipamentos e centros comerciais, encontrará em Cannes interlocutores abertos à consecução dos projetos, contanto que certas condições sejam estabelecidas: direito de gestão dos equipamentos ou bairros construídos, isenções fiscais e outros tipos de facilidades. A mercantilização de bairros inteiros, sobretudo os de melhor localização e de potencial de valorização, tornou-se fator número um do processo de gestão urbana. A urbanização ganha um valor objetivo: um produto, um custo, um lucro. E nada de ambientalistas e sociedades organizadas para acabar com a festa.

Como exemplo, ao levar em consideração somente as cidades francesas, o portal do MIPIM ilustra que, na edição de 2013, a região de Île de France foi responsável por um estande de mais de 1200 m2 onde os promotores da cidade de Paris buscaram destacar os principais projetos em vias de desenvolvimento, dentre eles o “Grand Paris”. Do mesmo modo, cidades como Estrasburgo, Bordeaux, Mulhouse, Besançon Montpellier, Grenoble, Nantes e Lyon também apresentaram seus projetos potenciais, nos quais é possível apontar como exemplo o the europtmist (Estrasburgo), la cité international de la gastronomie (Dijón), the new hélios (Montpellier), Hikari Project (Lyon) (Ver figuras 12 à 15). Este último faz parte do écoquartier da Confluence, já mencionada anteriormente, e representa um setor residencial com edificações mistas e de relativa independência energética, que serve como demonstração do potencial sustentável de Lyon nos eventos internacionais. No caso do Grand Paris é importante ressaltar que o mesmo inscreve incontáveis outros projetos em vias de implantação na capital francesa, tornando-a caso exemplar deste padrão de financeirização. Dentre a gama de projetos estão incluídos alguns écoquartiers (Clichy Batignolles, Seine de Saint-Ouen, Sycomore, Montévran), assim como empreendimentos que não agregam a certificação écoquartier, mas que adotam o discurso ambiental com recorrência, como a Cité Descartes, alçado como um promissor bairro sustentável de negócios.

 

Figura 12. La cite international de la gastronomie, Dijón.
Fonte: Ville de Dijon. Disponível em: http://www.citedelagastronomie-dijon.fr/

 

Figura 13. Cite Descartes e a “Ville durable”de Paris.
Fonte: Cluster Descartes. Disponível em: http://cluster-descartes.fr/

 

Figura 14. Projeto Hikari, no écoquartier de la Confluence.
Fonte: Arquivo do Autor.

 

Figura 15. Mapa da economia verde em Estrasburgo, parte do programa de Europtimist.
Fonte: The europtimist. Disponível em: http://www.europtimist.eu

 

O que deve ficar claro é esta maneira direta ou indireta de incorporação do discurso ambiental no conjunto dos grandes projetos promulgados no MIPIM, apesar dos diferentes mecanismos de apropriação do discurso. Mais importante, por outro lado, é atestar que a soma de projetos de interesse privado não compõe um projeto de ordem global, mas, ao contrário, favorece para uma configuração urbana calcada sob uma dualidade. De um lado, um espaço hipermediatizado formado por bairros amparados por tecnologias e concepções pós-modernas, e, de outro, um território de entorno subordinado aos interesses de um agente privado que se baseia apenas em critérios de rentabilidade à curto prazo. O MIPIM revela, da mesma forma, que intervenções em prol do discurso “sustentável”, sobretudo écoquartiers, estão longe de revelar um modelo urbano alternativo ou uma reinversão do que a cidade neoliberal tem produzido. Em particular, é possível afirmar que internalizam uma resposta espacial que se adequa aos parâmetros sociais, econômicos e políticos vinculados à um circuito competitivo e de financeirização da produção urbana. Em outras palavras, remetem aos novos espaços do espetáculo buscado pelas esferas de planejamento, reciclagens urbanas superficiais que se incorporam de subjetividades do discurso hegemônico para legitimar projetos econômicos e políticos.


Considerações Finais

Por fim, em breves parágrafos considera-se importante também destacar que esta dinâmica de urbanização estabelecida na Europa nas últimas décadas não deixa de estar acompanhada de uma dramática depreciação das condições sociais e de trabalho, ao mesmo tempo em que há a manutenção de impactos ambientais, quando não um aumento. Este processo é contemporâneo ao estabelecimento, fortalecimento e consolidação do discurso da sustentabilidade no continente, quando este se vincula nos marcos legais, nas políticas e em outras práticas sociais.

Uma alegação deve ser feita aqui: a lógica que impulsiona a derrocada do estado de bem estar social na Europa é a mesma que reproduz este território da “sustentabilidade”, pois ambas são manifestações espaciais das ações de mesmos agentes, e que se baseiam sob uma mesma ideologia. Há, decerto, um grave descolamento entre os floreios da matriz hegemônica da sustentabilidade e a realidade cotidiana. Na efervescente campanha pela “Cidade Sustentável” parece que há espaço somente para o fenômeno técnico, para a inovação, ou, melhor dizendo, para chamadas objetividades do discurso. Proliferam-se novos empreendimentos considerados fecundas zonas de transformação e experimentação, redutos de diversidade, eficiência, mobilidade e acessibilidade, enquanto que, em toda França Metropolitana, as mesmas cidades que assistem esta dinâmica de hipermediatização da sustentabilidade também sofrem com o exponencial aumento do desemprego e da pobreza. Uma breve caminhada pelas ruas das principais cidades será o suficiente para realizar uma constatação desta afirmação.

Diante de todas estas considerações, o debate sob o qual este artigo se debruçou deve ser concluído de modo a ressaltar que a Europa representa um espaço elucidativo para a compreensão das contradições inerentes à esta cidade qualificada como “sustentável”. O espaço urbano europeu, embora comporte relevantes centros de concepção, difusão e execução dos pressupostos “sustentáveis”, são, igualmente, centros que manifestam em diferentes níveis as agruras da economia neoliberal, sobretudo se observamos as implicações econômicas e sociais ocorridas no continente entre as décadas de 1990 e 2000. Neste ponto convém ressaltar que não estamos dissociando uma dinâmica de outra, em que o modelo de cidade “sustentável” torna-se a negação ou reação de um processo de deterioração da vida nas cidades, mas, pelo contrário, ela é parte constituinte porque não internaliza uma alternativa à racionalidade econômica neoliberal e colabora para a distorção do pensamento ambiental como mecanismo de transformação efetiva da vida urbana. Por esta e outras razões admite-se que a cidade contemporânea não está em crise, mas antecipa uma catástrofe, pois anula suas possibilidades de mudança e evolução sob o véu das “cidades sustentáveis” e todas as representações simbólicas a ela associadas.

 

Notas

[1]  Carta das Cidades Europeias para a Sustentabilidade – Carta de Aalborg, 1994.

[2]  Emelianoff, 2010.

[3]  Charlot, 2011, p.45.

[4]  Lefévre, 2008.

[5]  Souami, 2008.

[6]  Soaumi, 2008, p.20.

[7] Le Goix e Veyret, 2011.

[8] Charlot-Valdieu e Outrequin, 2011.

[9] Sallez , 2007.

[10] Driant e Nappi-Choulet, 2007.

[11] Chancel, 2010.

[12] Da Cunha, 2011, p.192.

[13] MEEDDAT, 2011.

[14] Emelianoff, 2011; Souami, 2011.

[15] Comite Énergie Cities, 2008.

[16] Lefèvre, 2008.

[17] Lefèvre, 2008, p.300.

[18] Lefèvre, 2008.

[19] Souami, 2008.

[20] Tais como Sabard (2009), Lefèvre (2008, 2009), Emelianoff (2011), e Souami (2008).

[21] Sabard e Lefèvre, 2009.

[22] Souami, 2008.

[23] Adotado em 2005 com a finalidade de instaurar uma rede de intercâmbios entre cidades européias voltadas para a edificação de bairros sustentáveis.

[24] Assinada por ministros de Estados-Membro da EU, cujo intuito foi ratificar a importância de uma cidade sustentável e solidária no continente europeu.

[25]Fazem parte a Carta do Meio Ambiente de 2004, a Lei SRU de 2000, que define certos parâmetros de renovação urbana, o Código Nacional do Meio Ambiente de 2010 e o Código de Urbanismo de 2011.

[26] Crepon, 2011, p.5.

[27] Souami, 2008.

[28] Le Moniteur, 2010.

[29] Cluzet, 2007.

[30] Cluzet, 2007.

[31] Cluzet, 2007.

[32] Driant, 2011 ; Portail du Gouvernement, 2013; Cluzet, 2007.

[33] Triguier, 2011, tradução do autor.

[34] Fonteneau, 2013.

[35] Halbert e Le Goix, 2012, p.40, tradução do autor.

 

Bibliografia

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Ficha bibliográfica:

RIBEIRO, Fernando Pinto. O fenômeno écoquartier na Europa: tendências do discurso sustentável na transformação do território. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 20 de agosto de 2014, vol. XVIII, nº 486. <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-486.htm>. ISSN: 1138-9788.

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