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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVI, núm. 418 (29), 1 de noviembre de 2012
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

BIOCIVILIZAÇÃO: PERSPECTIVA E FUNDAMENTO PARA COMPLETAR NOSSAS INDEPENDÊNCIAS

Marcos Bernardino de Carvalho
Escola de Artes Ciências e Humanidades – Universidade de São Paulo
mbcarvalho@usp.br

Biocivilização: perspectiva e fundamento para completar nossas independências (Resumo)

Países latino americanos apresentam condições privilegiadas para fazer face à crise socioambiental, produzindo um novo quadro de relações e interdependências: a biocivilização. Inspirada nas ideias de Sachs e Gourou, fundada em outras centralidades, que não as do “mercado global”, e alimentada por outras “fontes”, que não as de alta emissão de carbono, materializa-se em exemplos como os proporcionados pelas Amazônias, que nos ensinam como a interação entre elementos culturais e naturais, podem produzir o principal manancial de biodiversidade do planeta e seu inestimável serviço ambiental. Países que as compartilham, se quiserem, podem conformar outras condições de in(ter)dependências, pautadas em referências e valores distintos dos que tem presidido a ordem hegemônica. Mas, para isso, caminhos que os conduzem apenas a “cooperar” a partir da construção de “mercados comuns”, terão que ser substituídos por outros, como, por exemplo, diálogos entre a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e Fórum Social Pan Amazônico.

Palavras chave: biocivilização, Amazônia, crise socioambiental, América Latina.

Biocivilization: perspective and basis to complete our independences (Abstract)

Latin American countries have privileged conditions to face the socio-environmental crisis, producing a new framework of relationships and interdependences: the biocivilization. Inspired by Sachs and Gourou’s ideas, based on references other than the “global market’s” and fuelled by other “sources” that not those of high carbon emissions, it is materialized in examples such as those provided by the Amazons, that teach us how the interaction among cultural and natural elements can produce the main source of biodiversity on the planet and its priceless environmental service. Countries that share the Amazons can reconcile other conditions of in(ter)dependences, supported by different references and values from those who have chaired the hegemonic order if they wish todo so. But in orther for that to happen the paths that lead only to “cooperate” with the construction of “common markets” will need to be replaced by others such as dialogues between the Amazon Cooperation Treaty Organization and Pan Amazonian Social Forum.

Key words: biocivilization, Amazon, socio-environmental crisis, Latin America.

Por ocasião do espaço que nos é proporcionado pelo XII Coloquio Internacional de Geocritica, — Independencias y Construcción de Estados Nacionales: poder, territorialización y socialización, Siglos XIX-XX  —, cujo tema nos convida a refletir acerca dos significados que envolvem a celebração do segundo centenário das independências dos países da América Latina, em suas múltiplas abordagens, aproveitaremos a oportunidade para retomar e desenvolver algumas reflexões que tem sido objeto de nossa investigação nos últimos anos, e cujos resultados parciais já tivemos oportunidade de compartilhar com os amigos de Geocrítica  em alguns de seus encontros. Evocando de antemão o lema escolhido para a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (a Rio + 20) –— O futuro que queremos —, afirmaríamos que essa é a principal razão de jogarmos luz sobre caminhos já trilhados e de registrarmos efemérides que nos remetem a celebrar eventos passados. É proposital essa referência que fazemos, nesse início de nossa reflexão, à Rio +20 e ao seu lema, pois isso já fornece alguma pista sobre qual será o foco temático e o âmbito das preocupações que aqui nos motivarão. Conferências, como essa Rio +20 que se aproxima, independentemente do seu resultado e do juízo que delas possamos fazer, no mínimo nos lembram e nos revelam, em especial quando consideramos a quantidade de eventos paralelos que as acompanham (promovidos pelos mais diversos movimentos sociais e agremiações de reivindicações de direitos), que há outras dimensões a serem consideradas nos horizontes pretendidos de consolidação das in(ter)dependências das nações que hoje integram o mundo. As autonomias conquistadas nos âmbitos da política e dos arranjos sociais, subordinam-se aos ditames de determinados padrões econômicos cada vez mais globais, e por isso evidenciam suas relatividades. Estas, por sua vez, chamam a atenção para a consideração das dimensões (e necessidades) cognitivas, étnicas, culturais, socioambientais, territoriais etc., negligenciadas por tais padrões, e cujos espaços de afirmação são cada vez mais requisitados, quando a perspectiva é a da construção de verdadeiras independências, ou, se preferirmos, de outros padrões de interdependência, uma vez que as autonomias e isolamentos absolutos, disso todos temos consciência, não são nem mais possíveis nem muito menos desejáveis. Ao exame dessa possibilidade, de contribuir com o fortalecimento de outra perspectiva civilizatória, diversa da que tem prevalecido até aqui, e fundada em valores que respeitem todos os tipos, espaços e necessidades de existência, de vida e de conhecimento, é que o trabalho que apresentamos pretende se dedicar.Entre outras referências, pautamo-nos pelos princípios reunidos no Manifesto pela Vida, produzido coincidentemente nesta mesma cidade de Bogotá em um Simpósio sobre Ética e Desenvolvimento Sustentável, que há exatos dez anos, nas vésperas também de uma outra grande conferência mundial, a Rio +10, anunciava em seus dois primeiros itens:

“1. La crisis ambiental es una crisis de civilización. Es la crisis de un modelo económico, tecnológico y cultural que ha depredado a la naturaleza y negado a las culturas alternas. El modelo civilizatorio dominante degrada el ambiente, subvalora la diversidad cultural y desconoce al Otro (al indígena, al pobre, a la mujer, al negro, al Sur) mientras privilegia un modo de producción y un estilo de vida insustentables que se han vuelto hegemónicos en el proceso de globalización.”

“2. La crisis ambiental es la crisis de nuestro tiempo. No es una crisis ecológica, sino social. Es el resultado de una visión mecanicista del mundo que, ignorando los límites biofísicos de la naturaleza y los estilos de vida de las diferentes culturas, está acelerando el calentamiento global del planeta. Este es un hecho antrópico y no natural. La crisis ambiental es una crisis moral de instituciones políticas, de aparatos jurídicos de dominación, de relaciones sociales injustas y de una racionalidad instrumental en conflicto con la trama de la vida.”[1]

Estes, são apenas os dois itens introdutórios, de um manifesto que se propõe inacabado e que apresenta pelo menos outros 50 pontos, nos quais reúne os mais diversos princípios que poderiam, segundo o entendimento dos seus autores, compor as bases para se construir uma verdadeira “ética para a sustentabilidade”.

Tais princípios, no seu conjunto, de fato evidenciam o caráter civilizatório da crise que estamos atravessando, em que perspectivas distintas de civilização podem, e deveriam, ser confrontadas, porém de maneira muito diversa, é claro, daquelas preconizadas pelas antigas e hoje condenadas ideias de  “choques de civilização” , de “missões civilizatórias” e outras ideologias e/ou configurações que eufemisticamente, ou não, dividiam o mundo entre os “civilizados do norte” e os “selvagens do sul”.

Agora, o “choque” e a oposição de perspectivas civilizacionais, não teria a pretensão da subjugação, nem se prestaria ao papel de justificativa ideológica, ou “álibi” para apropriação/desapropriação de riquezas, nações ou agrupamentos humanos. Ao contrário, a perspectiva é a da libertação, da construção de outros sistemas de valores, da valorização da vida em todos os seus aspectos e manifestações, ou da valorização cultural e reconhecimento do outro, “o indígena, o pobre, a mulher, o negro, o sul...”, como destaca o Manifesto.

Fortalecendo esse caminho, a continuidade de nossos processos históricos nacionais  poderiam consolidar e completar nossas “independências”, colocando-nos como tributários da construção de outras matrizes de (inter)dependências, que de fato libertem os vários agrupamentos e nações que delas participam, para exercerem suas autonomias, liberdades, modos de viver, de conhecer etc. Esse perspectiva que poderíamos chamar de biocivilizatória, por razões que serão expostas mais claramente adiante, é que pretendemos apresentar com mais vagar, iniciando pela recuperação das características (e das implicações) dos processos que a efeméride celebrada por este Colóquio nos indica.


Arrogância da (geo) economia-política e o caráter da crise mundial

Hoje, como nos lembra a celebração dos bicentenários de independências mais ou menos simultâneas e ocorridas aproximadamente nas duas primeiras décadas do século XIX, para a maioria dos países latino americanos, somos um conjunto de estados nacionais politicamente independentes, cujas trajetórias percorridas desde a superação da condição de colônias européias, levou-nos a “frequentar” os vários agrupamentos com que nos costumam (ou costumavam) classificar: das identidades com o chamado Terceiro Mundo, ou das diversas variações de desenvolvimento (subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento) passamos às atuais condições de “economias emergentes”, pelo menos para alguns. Todas essas e outras possíveis caracterizações, que aqui simplificadamente relembramos, confirmam a relatividade e os limites de nossas independências, indicando os vínculos e os horizontes que as subordinam no contexto das atuais relações internacionais.

As unidades geopolíticas, ou os estados nacionais territorializados que compomos, portanto, se por um lado atestam, em suas trajetórias, a conquista de autonomias políticas e revelam as independências existentes entre esta dimensão —  a política — e aquela que realmente nos governa, posto que governa o mundo a que pertencemos — a econômica —, por outro, revelam também a relatividade dessas liberdades e dão razão aos clássicos pensadores e economistas que preferiam referir-se ao conjunto que examinavam, criticavam ou enalteciam, pela palavra composta que a expressão “economia-política” designa.

As cerca de 200 unidades geopolíticas que hoje compõem o mundo (e os países da América Latina equivalem a uns 10% disso) integram, antes de mais nada um sistema de adesões e de pertencimento a um modelo de organização econômica, política e social que embora resulte das interações entre todos esses níveis, em um processo de continua “recursão organizacional”, estabelece uma clara hierarquização que quase sempre tem subordinado, à dimensão econômica, todas as outras. A celebração dos bicentenários pode ser ótima ocasião para refletirmos sobre isso, posto que verdadeiras e completas independências poderiam ser conquistadas, mesmo que sem os abandonos radicais (outrora sonhados) dessa nossa adesão a uma ordem internacional hegemônica, se ao menos buscássemos inverter essa lógica de subordinação exclusiva aos ditames dos interesses econômicos internacionais, que tem presidido a história até aqui, para uma outra lógica que conjugando interesses e necessidades locais, potencialidades socioambientais e as diversidades étnicas, culturais e biológicas (expressivas e únicas, como as que possuímos, diga-se de passagem, e que são reconhecidas pelos principais rankings de biodiversidade, por exemplo) finalmente estabelecesse uma outra escala de subordinação e de valores. Dessa forma, acreditamos, poderíamos oferecer alguma resistência às “inercias que se han arrastrado hasta inicios del siglo XXI”, como muito bem manifesta a preocupação lançada pela convocação deste XII Colóquio.

O estados nacionais modernos, fundados no modelo de soberania territorial, institucionalizados e juridicamente reconhecidos, descendem remotamente, como sabemos, dos acordos assinados em Münster e Osnabrück em 1648, que ficaram conhecidos como os Tratados da Westphália (região onde se situam essas cidades), e que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A “Paz da Westphália”, entre outras coisas, pode ser considerada um marco na substituição de uma “geopolítica” feudal por uma outra pautada no reconhecimento dessas identidades físicas e territoriais que passaram a definir os países que a partir daí se constituíram e cujos estatutos jurídicos, políticos e institucionais, lançados em meados do século XVII, apenas aprimoraram-se com outros conhecidos e debatidos episódios que são referência obrigatória na história de qualquer país independente, tais como as Revoluções Francesa ou Americana, e seus desdobramentos localizados regionais, como as diversas independências (revolucionárias ou não) latino americanas que resultaram nas soberanias territoriais que hoje celebramos.

Essas independências, nesse sentido, revelaram-se como aprimoramentos de um processo de engajamento a uma forma de organização geopolítica do mundo que tem prestado um serviço, sobretudo, aos ditames econômico-sociais que o governam.

A economia-política assim mundializada, ao produzir a fragmentação do mundo, subordinando-o às dinâmicas dos estados nacionais territorializados e a serviço de uma ordem econômica que se revelou mundial, e que se renovou nesse atual momento da globalização, com suas críticas e/ou exitosas federações de estados, ao mesmo tempo que ofereceu “segurança nacional”, sufocou, limitou e condicionou, as dinâmicas de todos os outros territórios e/ou elementos que compõem a realidade do mundo e cujas fronteiras não necessariamente coincidem com aquelas estabelecidas pelas dinâmicas da geo (economia-) política estabelecida.  Daí, os conflitos e crises envolvendo todas as dimensões da realidade e  que colhemos em todos os lugares do mundo, particularmente, é claro, com especial dose de agravamento nos elos mais fracos e menos beneficiados por essa ordem político-econômico internacional. Todos os problemas, dessa maneira, tornam-se questões mundiais: das injustiças econômicas e sociais, aos conflitos étnicos e/ou religiosos, às crises políticas e ambientais.

Essa crise generalizada poderia, como sugere o “Manifesto pela Vida”, ser caracterizada como ambiental, não fosse o fato da perda dos significados mais amplos que costumávamos emprestar a essa expressão, e que agora precisa vir acompanhada do prefixo ‘sócio’ para garantir a abrangência do sentido com que estamos empregando a palavra. No mais, tem razão o ‘Manifesto’ ao defini-la, — essa crise (‘socio’)ambiental —, como a “crise de nosso tempo”, porque isso evidencia corretamente as decorrências da trama de uma economia-política mundializada, coincidente com as fronteiras do próprio geóide, e cujas partes e diversidades, às vezes únicas, estão, por um lado, subordinadas às autonomias relativas das unidades geopolíticas que se configuraram em todos os territórios do planeta, como estados nacionais territorializados e independentes e, por outro lado, apresentam-se como partes integrantes e dependentes de uma ordem que é internacional, a despeito das contradições e das tensões que essa dupla condição produz.


Sustentabilidade, biotecnologia e destruição

Para as nações latino-americanas, e também para as demais nações cujas trajetórias históricas levaram-nas a ocupar semelhantes latitudes geográficas e políticas, o quadro que sinteticamente esboçamos, apresenta-se como oportunidade única, precisamente em função das características socioambientais de que são portadoras.

Considerando as potencialidades de respostas que poderiam oferecer às crises indicadas, graças às condições políticas que usufruem e aos recursos humanos e ambientais de que dispõem, muitas delas hoje são confrontadas com alternativas de opções que as colocam em verdadeiras encruzilhadas. De um lado, podem optar pela continuidade da adesão e de subordinação aos padrões já estabelecidos, aprimorando-o e cuidando de debelar e administrar as crises (sejam elas quais forem), e, individualmente, buscando galgar postos de maior reconhecimento nos rankings das assim chamadas “economias” mundiais. De outro lado, podem reunir esforços no sentido de confrontar com um novo projeto civilizatório os padrões e as referências responsáveis pela produção permanente das crises às quais aludimos, arriscando o exercício de suas autonomias em um outro quadro de subordinações, com o estabelecimento de outro nível de (inter)dependências.

Em trabalhos que realizamos em outras ocasiões e relacionados com essa temática, argumentávamos pela inevitabilidade da dimensão ambiental como uma das principais e “múltiplas determinações” a serem consideradas nos rumos da economia-(geo)política contemporânea[2].

Em particular, sugeríamos a importância de consideração da realidade biogeográfica do planeta (sobretudo a cartografia atual dos principais mananciais de biodiversidade), por causa das assimetrias e tensões que esta geografia evidenciava na comparação entre hemisférios norte e sul, considerando as dificuldades aí projetadas para realização daquela que se acreditava ser a próxima onda “salvacionista” de novas tecnologias (típicas dos patamares e saltos que de tempos em tempos o sistema mundial requisita para suas infinitas sobrevidas), que nos tiraria da crise ambiental, energética, ética e comportamental em que nos encontrávamos: a biotecnologia.

Essa cartografia, que evidenciava sobretudo a tremenda concentração dos mananciais de biodiversidade no sul do planeta, em contrapartida nos lembrava da igual concentração, só que no hemisfério oposto, dos poderes (geo) políticos e das suas capacidades tecnológicas e, em conjunto, alertava para as dificuldades de realização da “crença”  biotecnológica, ou ao menos alertava para os novos processos de subordinação e até mesmo de “(neo)colonização” que seriam impostos por essas assimetrias entre os territórios dos (bio)recursos e os portadores dos demais recursos (capazes de  transformar biodiversidade em “valores de troca”, por exemplo), nem sempre coincidentes, como nos demonstrava a cartografia aludida.

Claro que nessas novas relações de dependência os detentores das hegemonias pautadas nas referências de sempre (econômicas, financeiras e tecnológicas) que controlam o sistema mundial apresentariam vantagens sobre os demais, independentemente de sempre haver a possibilidade de se inverter o sentido da dominação, caso novas e improváveis referências (recursos biológicos, ambientais, culturais demográficos etc., por exemplo,) fossem as adotadas para estabelecer quem é quem no jogo das relações internacionais.

Mas, independentemente de qual país ou conjunto de países fosse guindado ao posto de “banca” desse jogo, — não que isso seja pouco importante, particularmente para o(s) ocupante(s) de tal posto —, o fato é que o contexto dos desenvolvimentos tecnológicos, apesar de apoiados e diversificados para os recursos genericamente chamados de biológicos (mas que não se libertam dos velhos paradigmas de uma civilização e era movidas hegemonicamente pelos combustíveis de sempre e pelas motivações que ainda mantém vivo o padrão de acumulação predominante), revelou-se como continuidade e aprimoramento do mesmo, ou como extensão (em uma atmosfera de menos carbono, é certo), para as gerações futuras da reprodução dos mesmos esquemas de vida, de reprodução das mesmas desigualdades (um pouco mais atenuadas, também é certo) e dos mesmos esquemas de subordinação e de valores.

Ou seja, o que se verifica aqui é apenas a possibilidade projetada (e já em curso, em muitos lugares do planeta) de aprimoramento das idênticas perspectivas de acumulação e desenvolvimento, que dessa forma ganham adicionalmente o direito a virem acompanhadas do qualificativo “sustentável”, que as legitimará, revelando-nos inclusive o significado mais adequado para essa que se tornou uma verdadeira panacéia nos tempos atuais. Como nos alertaram já inúmeros e reconhecidos pensadores (Sachs, Souza Santos, Santos, Leff, Eli da Veiga, Diegues, entre outros), apesar da polissemia e da flexibilidade que tem acompanhado desde sempre essa ideia, não se pode ter dúvida quanto ao que de fato significa: “novo modo de regulação [do capitalismo]” , (...) “modos de gestão mais eficazes da base material” (...) expediente “para agilizar, homogeneizar e internacionalizar o espaço geográfico, ora com proveitos regulatórios, ora com proveitos desregulatórios...” (Teodoro, 2011:11).

Ou seja, das inúmeras promessas, anúncios e desafios, lançados para o século XXI — “Desenvolvimento sustentável” (Veiga, entre outros), “O Século da Biotecnologia” (Rifkin, entre outros) — podemos afirmar prematuramente que todos, em um certo sentido, são passíveis de realização, mesmo que tenhamos apenas recém completado a primeira década deste século. Tais concretizações em nada alteram ou desafiam as matrizes e referências estruturais do padrão vigente de acumulação. Ao contrário, porque aprimoram e diversificam fontes energéticas e criam novas commodities, garantem sobrevidas ao padrão de acumulação vigente, e por isso já estão sendo praticadas ou sendo colocadas aceleradamente em curso nas escalas e ritmos ditados pelas sociedades urbano-industriais.

Dois exemplos ilustram bastante bem o que estamos dizendo. Um deles refere-se ao sucesso do veículos dotados de motor Flex (flexible-fuel vehicle) que se movem utilizando indistintamente gasolina ou biocombustíveis (derivados da cana-de açúcar, como o etanol,  ou do milho, — metanol —, empregado sobretudo nos EUA). No Brasil, a adoção desse tipo de motor incrementou sobremaneira a produção da indústria automobilística, uma espécie de carro-chefe histórico de nosso processo de industrialização, que também estimulada por outras medidas de incentivo (tributárias, em especial), bate recordes em cima de recordes de venda de produtos. Os carros Flex no Brasil já ultrapassam 75% da produção anual e total de veículos produzidos pelas montadoras.

Agradecidos a isso, estão os grandes produtores e usineiros da cana-de–açúcar (lavoura sucessora do café e de outros produtos na primazia pela responsabilidade na devastação florestal da Mata Atlântica), cujas usinas e fazendas ocupam alguns dos melhores solos do Brasil, nos quais outrora florescia um dos principais mananciais de biodiversidade do planeta. Este, apesar de ter sido reduzido a pouco mais do que 5% de sua condição original, ainda continua tendo essa condição de riqueza natural reconhecida, sendo inclusive definido por alguns como hotspot de biodiversidade[3].

O segundo exemplo que poderia ser dado refere-se à principal ameaça que ronda um outro grande manancial de biodiversidade, não só brasileiro, mas presente em vários países latino americanos. Aqui nos referimos à grande lavoura de soja que basicamente já ocupou toda a área do cerrado na região Centro-Oeste do Brasil e que hoje avança aceleradamente pelas bordas meridionais da Região Norte do país, ameaçando a integridade do principal manancial de biodiversidade do planeta, compartilhado territorialmente por pelo menos nove países latino americanos: a Floresta Amazônica. A integridade desse manancial, como sabemos, não está ameaçada apenas pelo avanço do cultivo de soja em suas bordas. Há anos, políticas de ocupação, colonização e integração mal feitas, atividades de mineração, aproveitamentos hídricos, usinas hidrelétricas, extração de madeira e particularmente ampliação das áreas de pastagem, entre outras, podem ser responsabilizadas pela destruição de pouco mais  de 12% da floresta. Tal índice que é aparentemente pequeno, se comparado com os níveis de degradação que atingiram outros mananciais (e não só brasileiros), no entanto preocupa, considerando as dimensões do espaço em questão, em função do curto período de tempo em que ele se realizou e as potencialidades de destruição que a realidade atual de ocupação amazônica apresenta e também por causa do significado deste que pode ser considerado um dos últimos grandes redutos da biodiversidade mundial[4].


Potencialidades do sul e suas encruzilhadas

Os dois exemplos dados, — e ficaremos apenas nestes que são suficientes para os nossos propósitos —, ilustram bastante bem como a biotecnologia, responsável pelo grande desenvolvimento da lavoura de soja ou pela implementação dos biocombustíveis, e que invariavelmente vem emoldurada por apelos de sustentabilidade e “responsabilidades sociais”, pode ser extremamente benéfica para revitalização de setores de atividade produtiva, seja na industria ou no chamado “agribusiness”, — que no caso do Brasil tem colaborado significativamente para a o incremento do seu Produto Interno Bruto (nessa altura já colocado em 6º lugar no Ranking das economias mundiais) — e, ao mesmo tempo, nefasta para as condições de desenvolvimento e aprimoramento alternativo de imensas potencialidades socioambientais, possivelmente comprometendo o futuro de outras perspectivas civilizatórias, fundadas em outros valores, que precisamente as tensões verificadas nas fronteiras amazônicas nos revelam.

Nesse sentido, o exemplo do que se passa na Amazônia, considerando o seu significado em termos mundiais e as potencialidades dos processos que lá se verificam, seja de destruição ou de construção/reprodução dos espaços de biodiversidade, é significativo. Vale a pena  nos debruçarmos um pouco mais sobre ele.

A condição de razoável integridade que esse sistema ainda apresenta (afinal apenas pouco mais de 12 % foi destruído, segundo alguns, ou, de qualquer forma, menos de 20 % segundo outros) indica-nos isso.

Tal sistema integrou-se tardiamente ao padrão de destruição atual. Essa integração se deu por meio da implantação de uma economia basicamente extrativa durante longo período e que manteve intacta boa parte da floresta.

Quando processos urbano-industriais ali também se intensificaram com a implantação de núcleos como a zona franca de Manaus (capital do Amazonas) ou projetos minerais, energéticos e viários vinculados ao fornecimento de insumos para indústrias de base (aço, alumínio etc.), também se intensificaram resistências à destruição, que se ampliaram pelas adesões da opinião pública mundial e nacional, à manutenção e demarcação dos espaços reivindicados por agrupamentos indígenas e populações tradicionais.

O fato é que o conjunto destas últimas tem logrado algum sucesso no sentido de refrear a volúpia integradora do espaço amazônico aos ditames do sistema hegemônico global. Talvez seja graças a elas que a Amazônia ainda pode ostentar o título de principal território de megadiversidade planetário, pois se é fato que a (grande ou pequena) concentração de variedade de espécies em uma determinada porção do planeta, explica-se, originalmente, pela ação de fatores físico-naturais[5], inegavelmente essa explicação hoje só se completa quando adicionamos a esse quadro a conjunção dos fatores sócio-culturais e os fluxos da história dos agrupamentos humanos, que poderiam ser responsabilizados tanto pela dizimação como pela manutenção dos territórios de biodiversidade, dependendo dos modos de vida que adotem e das exigências ambientais que isso promova.

É isso, inclusive, que levou o antropólogo brasileiro Viveiros de Castro, a exclamar no prefácio de um livro sobre a condição socioambiental amazônica: “isto que chamamos ‘natureza’ é parte e resultado de uma longa história cultural” (apud Garcia dos Santos, 2003: 42). Tal conclusão, é apropriadamente citada pelo sociólogo Laymert Garcia dos Santos em um seu artigo precisamente intitulado “A encruzilhada da política ambiental brasileira”, dedicado a examinar as potencialidades ( para o “bem” ou para o “mal”, de destruição ou de redenção) que especificamente o quadro de riquezas físico-biológicas e/ou culturais apresentadas por ambientes como o amazônico indica para os países que os territorializaram. Para o caso do Brasil, país em que isso aconteceu mais ampliadamente, Garcia dos Santos afirma: “A questão da biodiversidade significa, para o Brasil, uma prova de fogo. Tudo indica que a evolução da crise ambiental planetária e o desenvolvimento da biotecnologia colocaram o país numa encruzilhada. A biodiversidade da floresta amazônica se constitui como um problema...ou uma oportunidade” (Id.: 34).

Evidentemente, o que estamos indicando, com o apoio dos autores mencionados, ocorre em inúmeros, distintos e descontínuos trechos da grande região amazônica, mas as tensões maiores, os conflitos e as encruzilhadas, materializam-se sobretudo em suas bordas, particularmente nas fronteiras meridionais e orientais do espaço amazônico, em terras majoritariamente brasileiras e que acompanham mais ou menos os limites entre a região Norte e as regiões  Centro-Oeste e Nordeste do país, conforme as define o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) consubstanciando aquilo que, a depender do ponto de vista, denomina-se de “zonas pioneiras da agropecuária” e “fronteira agrícola” ou “arco do desmatamento”.

Podemos tomar essas fronteiras para representar conflitos entre perspectivas e projetos de organizações sociais e, consequentemente, de relações com os demais elementos integrantes de nossos ambientes, que vão muito além delas, tanto para o interior como para o exterior do espaço amazônico. Se é grande a significação e repercussão que essas qualidades de conflitos apresentam para o conjunto de países latinos, que com esse espaço diretamente se relacionam, também não é menor o que isso repercute para aquele outro conjunto de países e/ou regiões que a essa realidade indiretamente se vinculam, em especial os portadores de condições de diversidade e de histórias culturais semelhantes àquelas que, como dissemos, deverão ser consideradas para explicar também as diversidades físicas e biológicas das geografias que os envolvem.

Sem meias palavras, no caso da Amazônia, por exemplo, o mencionado Garcia do Santos atribui à “sociodiversidade” a condição que “ainda faz [a biodiversidade] existir” em uma região dominada por florestas e formações que resultam “tanto das tecnologias indígenas quanto das regulações naturais” (id.: 41,42). E isso pode indicar caminhos de ação para as populações daqueles outros lugares, onde por conjunções de forças e correlações determinadas, em contextos histórico-culturais específicos, a biodiversidade tenha sucumbido ou sido muito reduzida.

Ou seja, as fronteiras amazônicas, nesses sentidos mais amplos que as estamos abordando, revelam-nos mais do que os limites (cartografáveis ou não) existentes entre porções de um território que apresentam diferentes níveis de integração a um padrão tecnológico e econômico-social, ou que apenas revelam diferentes funções em uma divisão [territorial] do trabalho. Essas fronteiras podem revelar diferenças de paradigmas, de universos culturais, consequentemente, de valores, de padrões, formas de organização social e, por decorrência, reiteramos, de interações com as “regulações naturais”. Poderiam indicar, enfim, tensão e  oposição entre grandes projetos civilizatórios.

De maneira simples e um tanto esquemática, já admitimos, poderíamos resumir esse choque de projetos, que as fronteiras amazônicas evidenciam, representando-o pelo confronto já existente entre as perspectivas da biotecnologia e os da biocivilização. Tal distinção, mesmo que obviamente simplificada, pois ambas perspectivas se nutrem de valores civilizatórios, biológicos e tecnológicos, vale a pena fazer e arriscar, pois nos contextos das ações já desencadeadas e nos valores atuais que representam, refletem e revelam intencionalidades muito distintas. De um lado, há aquelas que mesmo em situação crítica, seguem hegemônicas e predominantes. Para estas, prevaleceria muito mais uma aposta e crença tecnológica de perpetuação, aprimoramento e dinamização de valores e fundamentos estabelecidos. De outro, a perspectiva é civilizatória, porque se opõe à crença no “salvacionismo” tecnológico e porque se pauta no respeito às diversidades de ritmos, espacialidades e necessidades de organização social e cultural dos chamados povos da floresta e das regulações naturais com as quais convivem, .

Ao referir-se especificamente à Amazônia, e pensando na possibilidade de considerar a sua realidade como, de fato, uma reunião de características potenciais para o desenvolvimento de um projeto de insubordinação àquilo que muitos consideram a inevitabilidade do paradigma civilizatório urbano-industrial movido a petróleo e às suas tecnologias derivadas (e subordinadas, mesmo que precedidas do prefixo “bio”), o economista e reconhecido pensador contemporâneo, Ignacy Sachs, afirmou:

“A extraordinária biodiversidade da Amazônia a predestina a funcionar como um laboratório das biocivilizações do futuro, sem perder de vista a necessidade de alcançar o quanto antes a meta de desmatamento zero. A condição é de avançar nas propostas da exploração racional da floresta baseadas nos conceitos de agroecologia, de implantação nas áreas desmatadas de sistemas integrados de produção de alimentos, biocombustíveis e outros bioprodutos adaptados aos diferentes biomas amazônicos, e de tirar o máximo proveito da abundância das águas para fazer da Amazônia uma das pátrias da “revolução azul”, combinando a piscicultura com a criação de animais anfíbios e de algas – matéria-prima para a terceira geração dos biocombustíveis” (Sachs, 2008: 12)

A geógrafa Neli Aparecida de Mello-Théry (2011), por sua vez, em recente trabalho sobre a complexidade que envolveria a gestão de um ambiente diverso como o amazônico, que a autora inclusive faz questão de quase sempre grafar no plural — “Amazônias” — , lembra-nos, mencionando o Tratado de Cooperação Amazônica (assinado em 1978), quão igualmente complexos são os fatores que compõem a  equação que deverá ser formulada para lidar com essa questão e desenvolver tais potencialidades, especialmente (mas não só) em propostas de gestão que se definam como tributárias das ideias expostas por Sachs.

Para começar, indica Mello-Théry, evocando o próprio tratado mencionado, esta “é uma única região compartilhada por várias soberanias sob a tutela dos oito países que a compõem (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guyana e Suriname, a Guyana francesa tendo sido excluída por não ser um país independente” (pg. 101). E esse fato, da característica multinacional do espaço amazônico, deverá ser conjugado com as características multiétnicas e multiculturais das populações locais, considerando a grande (e variável) expressão territorial que as diversas Amazônias apresentam nos estados-nacionais que as territorializam.


Das antigas “civilizações do vegetal” à perspectiva biocivilizatória atual

A perspectiva da biocivilização, como já adiantamos, inspira-se em proposta de Ignacy Sachs. Este, por sua vez, conforme nos revela em interessante texto autobiográfico, inspirou-se em Pierre Gourou, que ele define como «o grande geógrafo tropicalista de quem tomei emprestado o termo ‘civilização do vegetal’» (Sachs, 2009).

Segundo Michel Bruneau (2000), a formulação mais conceitual dessa ideia (categorização), Gourou a desenvolveu em um artigo intitulado precisamente “La civilization du végetal” (1948), que foi precedido pela exposição mais ampla dos conceitos que a sustentam, em um livro publicado em 1947, Pays Tropicaux. Ambos trabalhos resultaram das observações e reflexões realizadas pelo geógrafo a partir de suas incursões no mundo tropical, especialmente em países e colônias francesas do sudeste asiático.

Esses textos, destilam conteúdo bastante pessimista com relação aos trópicos, sublinhando sua insalubridade e até mesmo incapacidade de lograr algum sucesso, mantidas as suas características civilizatórias próprias (entendidas como sinônimos de características culturais).

O fato é que algumas décadas depois, em um de seus derradeiros livros, Terres de bonne espérance (1982), como de alguma maneira o próprio título já revela, o pessimismo de Gourou se atenua em direção a uma crença e aposta nas possibilidades de libertação e desenvolvimento dos países tropicais com base em suas próprias potencialidades humanas e físicas.

Em sua última obra — L’ Afrique tropicale, nain ou géant agricole ? (1991) — , essa inversão de posicionamentos se completa, explicitando-se em nítida oposição às conclusões que ele próprio havia chegado em seu antigo livro Pays Tropicaux (cf. Bruneau, 2000). Comparando os problemas e soluções produzidos por grupos humanos em duas regiões da África e da Ásia, sugere, para os primeiros, o “banimento das culturas tropicais de exportação” e recomenda: “Les Africains pour progresser devraient intégrer de nouveaux encadrements dont les modèles sont à chercher non en Occident, mais plutôt dans l’Inde péninsulaire dont les techniques se sont développées sous un climat semblable.” (Bruneau, 2000:20)

A trajetória de Gourou, que brevemente descrevemos, justifica as inspirações indicadas por Sachs. Suas ideias, que inicialmente proporcionaram aval científico ao empreendimento colonial, converteram-se em exortação às esperanças de cooperação e de aprendizado sul-sul para construção de caminhos de soberania (sobretudo alimentar) e independência. Refletem, nesse sentido, as próprias mudanças nos contextos vivenciados nas diversas fases de aprimoramento do próprio padrão global e hegemônico de dominação, compreendendo todos os seus momentos históricos mais ou menos recentes: da colonização dos diversos territórios do sul, às diversas modalidades de neocolonialismos que os submeteram e ainda tentam submetê-los, como é o caso atual das ameaças que envolvem a disputa e o controle dos mananciais de biodiversidade e das discussões sobre direitos de patentes, de regulação sobre a exploração de biomateriais e da continua conversão de valores ambientais em valores econômicos, em commodities etc.

Esse percurso, que reflete, ainda, a consciência crescente da percepção das fontes reais da insalubridade e da produção de espaços de destruição, efetivamente gerados pelos empreendimentos coloniais e neocoloniais nos territórios a estes subordinados, consequentemente indica-nos os locais de onde poderão partir as novas esperanças de alternativas civilizatórias, particularmente neste momento crítico, para o padrão de acumulação global, como já o caracterizamos nos itens anteriores.

Tais percepções e (re)conhecimentos vão ao encontro daquilo que o sociólogo português Boaventura Souza Santos sintetizou em um dos seus mais recentes textos dedicado precisamente a estabelecer as relações entre a “injustiça social global e a injustiça cognitiva global” (Souza Santos, 2007).  Nesse texto, intitulado “Para além do pensamento abissal”, o autor se insurge contra a exclusivismo do pensamento único promovido pela tecnociência moderna, que a serviço dos empreendimentos que a financiaram, difunde a crença cega nos poderes “milagrosos” das tecnologias, desviando-nos da consideração da diversidade epistemológica e de saberes (incluindo aí a própria ciência, é claro), que poderiam se constituir nos alicerces de novas perspectivas civilizacionais, sustentadas por referências cognitivas menos autossuficientes e excludentes, como aquelas que têm instrumentalizado e regulado tanto nossas relações sociais como as que promovemos com os outros elementos de nossos ambientes. Essas novas perspectivas se fundariam, segundo o autor, em uma espécie de resistência cognitiva por ele denominada de “pensamento pós-abissal” que os seguintes trechos extraídos do texto ilustram muito bem e falam por si (extraímos precisamente aqueles excertos que interessam mais diretamente ao nosso argumento):

“ (...) os movimentos indígenas são, do meu ponto de vista, aqueles cujas concepções e práticas representam a mais convincente emergência do pensamento pós-abissal, o que é muito auspicioso para a possibilidade de um tal pensamento, já que os povos indígenas são os habitantes paradigmáticos do outro lado da linha, o campo histórico do paradigma “apropriação/violência” (Souza Santos, 2007: 84).

“E não deveria nos impressionar a riqueza dos conhecimentos que lograram preservar modos de vida, universos simbólicos e informações vitais para a sobrevivência em ambientes hostis com base exclusivamente na tradição oral? ” (Id.: 88)

“Na perspectiva das epistemologias abissais do Norte global, o policiamento das fronteiras do conhecimento relevante é de longe mais decisivo do que as discussões sobre diferenças internas. Assim, em razão do “epistemicídio” em massa perpetrado nos últimos cinco séculos, desperdiçou-se uma imensa riqueza de experiências cognitivas.” (Id.: 91)

Tais “desperdícios”, como sabemos e já argumentamos, não são apenas lamentos teóricos, pois estão estampados nos resultados de desolação e de injustiças socioambientais visíveis nas mais diversas paisagens e nos mais distintos países, com especial concentração nos territórios do “Sul global” (em oposição ao “Norte global”, para ficarmos nas mesmas referências adotadas por Souza Santos).  Essas conclusões, nesse sentido, corroboram aquelas premissas e constatações reunidas no “Manifesto pela vida”, que mencionamos no início deste trabalho e realçam semelhantes reflexões que outros pensadores, examinando os mesmos problemas e perspectivas, já produziram, tais como Vandana Shiva, especialmente em um livro cujo título — Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento (2001) —, já fala por si e nos exime da necessidade de maiores menções, ou Enrique Leff que reiteradamente tem explicitado o caráter cognitivo das crises (ambientais) que enfrentamos: “A problemática ambiental, mais que uma crise ecológica, é um questionamento do pensamento e do entendimento, da ontologia e da epistemologia com os quais a civilização ocidental compreendeu o ser, os entes e as coisas.” (Leff , 2003: 19).  E, sintonizado nas mesmas “apostas” dos autores que estamos aqui reunindo, para a formulação de soluções para a crise, Leff prossegue, indicando o seguinte: “Hoje, os movimentos de emancipação dos povos indígenas e as nações étnicas estão descongelando a história; suas águas fertilizam novos campos do ser e fluem para oceanos cujas marés abrem novos horizontes de tempo.” (Id.: 46)


Biocivilizações: protagonismos, perspectivas e novas in(ter)dependências

Para alguns outros autores, como os geógrafos brasileiros Bernardo Mançano Fernandes e Antonio Thomaz Junior (Fernandes, 2008), alimentar essas possibilidades de “descongelamento da história”, implica necessariamente, em especial no caso do Brasil e países da América Latina, em reconhecer a forte oposição, que aqui se desenvolve ao modelo pretensamente totalitário do agronegócio[6], e é protagonizada por um campesinato movido por outros modelos de desenvolvimento rural, fundados em paradigmas que consideram princípios distintos daqueles valorizados pelo mercado global, porque são pautados justamente no respeito aos espaços de vida, na heterogeneidade e na diversidade que são fortes obstáculos às necessidades de escala e de homogeneidade produtiva que a sociedade urbano-índustrial exige de todos os seus negócios, incluindo os agrícolas. Aqui, importante dizer, que a noção de “campesinato”, como nos alerta Thomaz Jr, identifica um conjunto composto por  “identidades diversas que se constróem na luta social, (...) tais como os assentados; os povos da floresta; os posseiros, os ribeirinhos; os pescadores artesanais lavradores; os foreiros; os parceiros; os castanheiros, os açaizeiros, os arrendatários não capitalistas, os cessionários, os povos indígenas camponeizados...” (Thomaz Junior, 2008: 281).

Igualmente nestes, Sachs deposita as suas esperanças, destacando que “os camponeses são capazes de fazer serviços ambientais essenciais, de ser os guardiães das paisagens e os gerentes dos recursos de que depende nossa existência – solos, águas, florestas e, por extensão, climas” (Sachs, 2009: 340). Na opinião do economista, os camponeses, por essa razão, precisariam ser estimulados e até mesmo remunerados para continuar prestando esse tipo de serviço essencial e deveríamos começar “por garantir aos camponeses, que dele são privados, o acesso à terra e aos recursos naturais necessários para viverem.”, pois, do contrário, “esses prisioneiros de estruturas fundiárias desiguais terão de se apropriar de modo predatório do mínimo de recursos indispensáveis para sua sobrevivência, ou de emigrar para as favelas” (Ibid.).

Desse encadeamento exposto nas ideias de Sachs estão alguns dos princípios básicos da construção de uma biocivilização. Esta implicaria, inclusive, na necessidade de revisão dos nossos conceitos e perspectivas para as relações campo-cidade. Sachs, por exemplo, é um dos pensadores que na atualidade insiste fortemente na necessidade de envidar esforços, especialmente nos países tropicais, em “um novo ciclo de desenvolvimento rural”, pois estes, mais do que os outros, e assim como aqueles antigos que produziram as grandes “civilizações do vegetal”, de que falava Gourou, estariam “bem colocados para construir civilizações modernas do vegetal, movidas a energia solar captada pela fotossíntese e situadas num nível muito superior da espiral do conhecimento.” (Id: 334).

Considerando os compromissos socioambientais de quem está preocupado não com as crises do mercado e do seu padrão de acumulação, mas com as condições de vida da maioria das pessoas, ameaçadas diante do esgotamento dos ciclos urbano-industriais que cedem lugar para uma economia high-tech que pouco contrata, apoiada nos ganhos de produtividade e nos jogos das multiplicações do mercado financeiro, Sachs expõe da maneira como se segue, os imperativos decorrentes e ao mesmo tempo justificadores dessa perspectiva que impõe revisões na nossa concepção de desenvolvimento:

“Que fazer, então, com a maioria silenciosa do mundo – os camponeses tropicais –, dois a três bilhões de homens, mulheres e crianças? As estatísticas indicam que atualmente cerca de metade da humanidade vive nas cidades e outra metade nos campos, ou se já, um pouco mais de três bilhões de cada lado. No próximo meio século a população mundial aumentará um pouco mais de 50%. Se a população rural tivesse de permanecer estacionária, sem absorver parte do crescimento demográfico, seria preciso, no espaço de 50 anos, dobrar a capacidade das cidades, aí receber três bilhões de novos moradores, encontrar-lhes um trabalho decente, moradias corretas e garantir as condições de exercício efetivo da cidadania. Sem isso, eles não serão urbanizados. Amontoá-los nas favelas e condená-los a consumir tesouros de engenhosidade para fabricar estratégias de sobrevivência? Não. Mais vale se render à evidência. Assim, encetar um novo ciclo de desenvolvimento rural parece um imperativo social. Esse se desdobra num imperativo ecológico...” (Id:339)

 Nesses imperativos — social e ecológico, nas palavras de Sachs —, ou socioambientais, se preferirmos, considerando as preocupações, referências e potencialidades que revelam, é que residem a base e o argumento para a construção da “biocivilização”. Esta, no entanto, não deve ser vista nem como panaceia, para todos os nossos males, nem tampouco entendida como proposta de retrocesso ou de abolição das inúmeras conquistas promovidas pelas sociedades urbano-industriais modernas. Trata-se, antes, de civilizar o que há de predatório e discricionário nelas, ou, como já tivemos a oportunidade de defender em outras ocasiões, dotar de mais “urbanidade” (Carvalho, 2010, 2011) esse processo.

Brasil e demais países da América Latina, nesse aspecto, desfrutam de posição privilegiada. Podem comandar, se quiserem, esse processo de reversões. Iniciando por reconhecer o choque de paradigmas que a tensão agronegócio-campesinato promove, e fortalecendo o polo de biocivilização que compõe essa tensão, em detrimento do polo de (bio)destruição que ainda comanda o processo. Daqui é que poderemos extrair, inclusive, a forma de conduzir as nossas atitudes e referências com relação a todos os outros fatos que poderiam ser agrupados muito mais nesse segundo polo, do que no primeiro. No Brasil, por exemplo, as esperanças depositadas nas imensas jazidas de petróleo descobertas na camada pré-sal de sua plataforma continental, ou o novo código florestal em vias de aprovação (que anistia desmatadores, reduz as áreas de preservação permanente e as reservas legais)[7], são claras inércias de um modelo desgastado e socioambientalmente injusto que, parafraseando uma das justificativas para o próprio lema deste XII Colóquio, estão se arrastando para o século XXI. O mesmo vale para a forma como deveríamos ver as concessões de exploração mineral e de petróleo, e de outras atividades, que se espalham seja pelas bordas da floresta amazônica dos outros países que a compartilham, ou pelos vários e ricos mananciais de sociobiodiversidade que caracterizam os territórios dos demais países latino americanos.

O fato é que nutridos pelos imperativos da necessidade, das solidariedades ecológicas e socioambientais, em praticamente todos esses países desenvolvem-se fortes movimentos de engajamento camponês e indígena, — mas não só (porque há os movimentos urbanos muito identificados com aqueles, também) —, em ambientes políticos extremamente favoráveis, com predomínio da  institucionalidade democrática e governos com forte apoio e identidade populares, que compõem um quadro de ricas oportunidades para investir no processo e na perspectiva que, com o apoio dos diversos autores que elencamos, estamos aqui examinando.

Dos imperativos, necessidades, polarizações e condições examinadas, extraímos que há, portanto, um contexto bastante propício e favorável à construção e fortalecimento de um outro sistema de valores, ou de um outro conjunto de referências e de subordinações que se apresente como opção àquele que tem vigido até aqui. A possibilidade de optarmos, de fato, por uma trajetória distinta daquela via única que nos tem sido indicada pelo atual padrão de acumulação global, e dos “combustíveis” que o alimentam, é real, e pode configurar-se em novo patamar de in(ter)dependências, libertando-nos do exclusivismo das dimensões que na atualidade ainda realmente nos governam, e das fontes das quais se nutrem.

Não são muitos os lugares em que, como aqui, ambientes favoráveis para a produção de alternativas e de respostas a esses fatores todos, poderiam ser encontrados.Como vimos e argumentamos, essa porção meridional e latina do mundo, é fértil nas opções de fontes para realizar transições energéticas e também nos exemplos de como lidar adequadamente com os componentes socioambientais, e com a manutenção dos espaços de diversidade (biológica e cultural). Essa fertilidade porém, para se desenvolver e permitir que conjuguemos as condições subjetivas e objetivas  potencialmente existentes aqui, depende no mínimo de que adotemos uma postura predisposta a criticar e a incomodar o atual padrão global (e sua pretensa “inevitabilidade”) com aquelas outras referências, que a sociobiodiversidade da qual ainda somos portadores, pode oferecer.

Não acreditamos, nem tampouco estamos pregando rompimentos radicais com uma ordem da qual temos sido inclusive beneficiários, mas ao menos uma inversão nos padrões de subordinação e na eleição dos valores que os definirão, com consequências práticas para a economia-política mundial. Para tal, teremos que abandonar aquilo que Alfredo Bosi denominou de “obsessão do descompasso”, e que o principal  dramaturgo brasileiro já havia denominado por “complexo de vira-latas”[8] e que tem nos condenado a ser uma “triste caricatura do norte”, como indaga Eduardo Galeano em participação em um documentário feito sobre a obra e vida de Milton Santos: “¿Cuál va a ser el destino de América Latina?. Yo no lo sé, pero sé cuál es el desafío. El desafío es: ¿Vamos a convertirnos en la triste caricatura del Norte?... ¿Vamos a ser como ellos? ¿A repetir los horrores de una sociedad de consumo que está devorando el planeta?...”[9].

Se consideramos, a título de ilustração apenas, os recentes tratamentos dispensados, por parte da mídia internacional, incluindo as nossas, e também de nossos meios acadêmicos e científicos, aos eventos ligados à biodiversidade em comparação com os ligados à questão do clima e do aquecimento global, ficam evidentes os diferentes pesos e medidas com que são tratados os temas de maior interesse daquele “Norte global”, a que se refere Souza Santos, em detrimento dos caminhos que a “sabedoria do Sul” apontaria inclusive para evitar a tragédia climática, já que os fenômenos indicados, evidentemente, não se dissociam. O ano internacional da biodiversidade passou incólume e desprestigiado em todos esses meios. A década da biodiversidade, lançada no final de 2011, corre os riscos de enveredar para o mesmo caminho. E se isso é assim com as definições encetadas pelas próprias institucionalidades governamentais, em fóruns como a ONU, nem é preciso fazer a referência aos tratamentos que recebem os diversos outros encontros e ações que convergem para o Fórum Social Pan Amazônico, por exemplo, e cuja sexta edição já está prevista para realizar-se em Cobija (Bolívia), ainda no final deste 2012.  Da mesma maneira, e se formos aí apenas comparar o plano das institucionalidades governamentais, são também evidentes as diferenças de pesos com que são tratados os eventos, reuniões e decisões promovidos pelo Mercosul em comparação com o Tratado de Cooperação Amazônica e a entidade que o consubstancia e o gerencia: a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) cujas sede e secretaria foram estabelecidas em Brasília em dezembro de 2002, embora o Tratado de Cooperação seja de 1978, a OTCA tenha sido criada em 1995 e homologada em 1998.

A partir destes últimos exemplos dados, poderíamos concluir este trabalho dizendo que, por tudo que argumentamos ao longo dele, evidentemente, seriamos menos caricatos, mais originais e mais independentes, se, ao invés de continuar insistindo em apenas trilhar os mesmos caminhos que conduziram as mais exitosas federações de Estados do norte (União Européia e Estados Unidos da América) à situação crítica que atravessam (e por decorrência o resto do planeta, especialmente, como reiteramos em suas partes, populações e ingredientes mais vulneráveis), abandonássemos a obsessão que nos obriga a colocar o “mercado” como o princípio ou o fim de tudo, e corajosamente adotássemos outros pontos de partida e de motivações, para as necessárias redes de relacionamentos que os estados no mundo atual devem obrigatoriamente estabelecer. Em nosso caso, uma perspectiva de federação de estados latinos, ou de reequacionamento de nossos arranjos geopolíticos, para a construção dessas redes, que derivasse de esforços de cooperação entre as perspectivas de um Fórum Social Pan Amazônico e uma OTCA, por exemplo, inovaria na indicação e na adoção de referências mais comprometidas com a preservação de espaços de vida, cultura e de serviços ambientais (para todo o planeta), evitando essa tentativa (“farsesca” ou “trágica”, diria um velho pensador alemão) de reeditar/reproduzir as trajetórias históricas de cooperações produzidas apenas por “mercados comuns”.

Claude Raffestin e Roderick Lawrence (1990), em texto pouco conhecido, embora escrito já há mais de vinte anos, acerca das vantagens que a Ecologia Humana, enquanto área do saber e estrutura conceitual, oferece como instrumento cognitivo e também operativo para as complexas e problemáticas realidades socioambientais que hoje nos envolvem, argumentam que tais vantagens residem precisamente na compreensão e “interpretação integrada, dos processos, produtos, arranjos e fatores que regulam os ecossistemas naturais e humanos em todas as escalas da superfície terrestre e da atmosfera” que ela nos proporciona,  sobretudo ao considerar a realidade do mundo como sendo a de um macro-sistema resultante das inter-relações  não hierarquizadas de variados ingredientes movidos pelas seguintes três lógicas: a bio-lógica, ou os arranjos dos organismos biológicos; a eco-lógica, ou os arranjos dos componentes inorgânicos (água, ar, terra e o sol); a antropo-lógica, ou os arranjos culturais, sociais e individuais dos fatores humanos”. Para os autores, “esse macro-sistema das três lógicas regula o mundo. Consequentemente, é inapropriado enfatizar qualquer uma delas em detrimento das outras”.

Aquela “epistemologia do sul”, indicada por Souza Santos, que mesmo pressionada e às vezes sufocada, dá-nos mostras de sua persistência (e existência), através dos espaços comuns e das paisagens que ajuda a produzir, dentre os quais as Amazônias ocupam lugar de destaque, já comprovou, por isso mesmo, sua competência e habilidade para lidar com a gestão desse “macro-sistema”, considerando as necessidades de respeito equitativo exigido pelas três lógicas que o compõem. Apresenta-se, portanto, como esperança de fundamento biocivilizatório, capaz de substituir a centralidade dogmática conferida ao mercado mundial, por outra mais respeitosa, porque consideradora do “ecossistema terrestre”  e do conjunto de seus ingredientes e necessidades. Segundo Raffestin e Lawrence (op. cit.), “a partir dessa perspectiva, a geografia política ou a geopolitica podem tornar-se eco-políticas”. E, acrescentaríamos nós, isso indicaria a possibilidade de um outro quadro de subordinações, ao qual valeria a pena pertencer, uma vez que essa perspectiva, ao menos questionaria e incomodaria as velhas estruturas geopolíticas que, nascidas há alguns séculos no norte ainda conduzem os limites de nossos esquemas de vida e ainda estabelecem as subordinações que tanto no âmbito das relações internacionais, como no âmbito das perversidades nacionais, determinam as direções dos privilégios e das tragédias socioambientais, com os quais não precisaríamos mais conviver.

 

Notas

[1] Trechos extraídos do “Manifiesto por La Vida, Por Uma Ética para la Sustentabilidad”, elaborado no Simpósio sobre Ética y Desarrollo Sustentable, celebrado em Bogotá, Colômbia, entre os dias 2 e 4 de Mayo de 2002. Disponível em <http://www.pnuma.org/educamb/documentos/Manifiesto.pdf>

[2] Referimo-nos aos seguintes de nossa autoria: Reflexões sobre Geografia, Biodiversidade e Globalização em tempos neoliberais. Caderno Prudentino de Geografia, São Paulo, v. 18, p. 18-39, 1996; Novos fundamentos para a biogeografia: a revolução biotecnológica e a cartografia dos mananciais de bio-sociodiversidade. Scripta Nova (Barcelona), Nº 69 (17), 1 de agosto de 2000. Disponível em <http://www.ub.edu/geocrit/sn-69-17.htm>; Geografia e História, Tradição e Modernidade: Fundamentos da Geopolítica Contemporânea. Scripta Nova (Barcelona), v. X, p. (23)-16, 2006. Disponível em < http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-218-23.htm>

[3] Cf. definição consagrada, por exemplo, pela organização Conservation Iternational e disponível em <http://www.conservation.org/>.  A cartografia dos hotsposts de biodiversidade pode ser consultada em <http://www.biodiversityhotspots.org/>

[4] Alguns interessantes detalhes de todo esse processo que aqui sumariamente descrevemos (e ao qual mais a frente retornaremos), pode ser verificado no número de Ciência Hoje Eletrônica (Abril, 2011), da SBPC dedicado a isso: <http://www.uol.com.br/cienciahoje/especial/amazonia/amaindex.htm>

[5] A esse propósito, no caso especificamente da Amazônia, é possível verificar entre os documentos indicados na nota anterior, o papel explicativo que a Teoria dos Refúgios, de autoria do geógrafo Aziz Ab’Saber e do biólogo Paulo Vanzolini, tem para a biodiversidade amazônica e, por extensão, para biodiversidade de outros mananciais sul americanos.

[6] Essa pretensão totalitária é assim descrita por Fernandes (2008): “o agronegócio é apresentado como totalidade em que não há possibilidade de outro modelo de desenvolvimento rural. Excluindo qualquer tipo de crítica, o campesinato é compreendido como uma parte do agronegócio, de modo que a subalternidade e a expropriação aparecem como uma suposta ineficácia do campesinato e não como intensa exploração do agronegócio” (pg. 9).

[7] Para uma crítica cabal sobre as formulações das novas propostas de código florestal que tramitam no congresso nacional brasileiro, ver: “Propostas e Considerações da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) e  Academia Brasileira de Ciências (ABC) acerca da reforma do Código Florestal (PLC 30/2011)”. Disponível em <http://www.sbpcnet.org.br/.>

[8] Ambas expressões, tanto a de Bosi (extraída de seu livro Dialética da colonização, São Paulo, Cia das Letras, 1993) como a de Nelson Rodrigues (que escreveu uma crônica em 1958 com esse título, “Complexo de Vira-Latas”, republicado em texto organizado por Ruy Castro, reunindo crônicas do grande dramaturgo brasileiro — À sombra das chuteiras imortais, São Paulo, Cia das Letras, 1993) fazem referência a uma espécie de mentalidade colonial e colonizada que ainda nos tem acompanhado (mas que inegavelmente era muito mais fortes nos momentos em que foi cunhada), e que tende a valorizar e considerar “moderno”/avançado apenas o que é estrangeiro e o que vem de fora, em todos os setores.

[9] O documentário a que nos referimos, dirigido por Silvio Tendler, foi lançado em 2006 e intitula-se Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global visto do lado de cá .

 

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Ficha bibliográfica:

CARVALHO, Marcos Bernardino de. Biocivilização: perspectiva e fundamento para completar nossas independências. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de noviembre de 2012, vol. XVI, nº 418 (29). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-418/sn-418-29.htm>. [ISSN: 1138-9788].

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