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O INTERESSE DA CRIANÇA E O INTERESSE DAS ELITES: “ESCÂNDALOS DE TRÁFICO DE CRIANÇAS”, ADOÇÃO E PATERNIDADE NO BRASIL
Andréa
Cardarello
Université
de Montreal
andreacardarello@yahoo.ca
O interesse da criança e o interesse das elites: “Escândalos de tráfico de crianças”, adoção e paternidade no Brasil (Resumen)
En 1998, surge en El Estado de San Pablo, Brasil, un movimiento de familias de clases populares que reivindica la revisión de los procesos judiciales que resultaron en la adopción nacional e internacional de sus hijos. Para elucidar lo que fue denunciado por la prensa como un “escándalo de tráfico de niños”, presento un caso donde la falta de partidas de nacimiento es usada como uno de los motivos para la retirada de los niños por las autoridades judiciales. A continuación, exploro la función y el significado de las partidas de nacimiento en las clases populares, su relación con el “asumir” un niño en las representaciones sobre la paternidad en estos grupos, y las posibles mudanzas ocurridas con la reciente popularidad de los exámenes de ADN de paternidad. Finalmente, planteo la conexión existente entre la adopción y los exámenes de ADN de paternidad en Brasil: en nombre del mejor interés del niño, ambos pretenden consistir, para un sector de las élites, en una medida de combate contra la pobreza –y la criminalidad– en el país.
Palabras chave: Brasil, adopción, tráfico de niños, pobreza, partidas de nacimiento, interés del niño.The interest of the child and the interest of the elites: Child-trafficking scandals, adoption and paternity in Brazil (Abstract)
In 1998, in the State of São Paulo, Brazil, an activist movement made up of a group of poor families sought a review of the legal procedures that led to the adoption of their children in Brazil and abroad. To shed light on a situation denounced by the media as a “child-trafficking scandal,” I present a case in which the lack of birth certificates was used to justify the removal of children by the judiciary system. I then explore the function and meaning of the birth certificate and its relation to “taking on” a child (assumir) with respect to notions of paternity prevailing in the Brazilian popular classes, as well as the changes that may have occurred due to the recent craze for DNA-based paternity tests. Finally, I discuss the link that exists between adoption and DNA paternity tests in Brazil, where, in the name of the best interest of the child, both are urged by a sector of the elite as ways to fight poverty – and by implication, crime – in that country.
Key words: Brazil, adoption, child-trafficking, poverty, paternity, birth certificate, the child’s best interest.
Este artigo trata sobre um dos
escândalos de “tráfico de crianças” associado à adoção internacional no Brasil
no fim dos anos 90. Entre 1992 e 1998, em torno de 480 crianças de
uma cidade do interior do Estado de São Paulo foram adotadas. Deste total,
cerca de 240 foram colocadas em famílias estrangeiras. Os responsáveis
por estas adoções foram um juiz e uma promotora do Ministério Público. Em 1998,
em torno de 20 famílias pertencentes às classes populares formaram, pela
iniciativa de um advogado, um movimento reivindicando a revisão dos processos
judiciais que levaram à adoção de seus filhos[1].
“Sou um fã incondicional de adoções internacionais. É a maneira de tirarmos prostitutas e traficantes das ruas”, afirmou o juiz responsável em uma entrevista. Segundo o magistrado, um nacionalismo que se diz contra as adoções internacionais não pensaria na criança. “Só penso na criança. Não há quem fale por ela”. “Lutei em defesa das nossas crianças. Lutei contra a paternidade irresponsável” reitera em outra entrevista[2]. Tendo o juiz sido apoiado por um bispo, mas criticado pela ala progressista da Igreja, as ações das autoridades judiciárias da cidade dividiram a opinião pública. Em defesa do magistrado, dois jornalistas escrevem em um dos jornais locais:
No total foram 204 crianças adotadas por famílias de outros países. (...) No entender do juiz (...), e da maioria dos [itaguaienses], crianças que tiveram a felicidade de trocar um futuro incerto, duvidoso, com todas as chances de até ser criminoso, por um lar estável moral e financeiramente, em países de Primeiro Mundo.[3]
Esse juiz cumpriu a lei. Tirou de pais inconseqüentes e irresponsáveis, filhos que tinham como destino certo as esmolas nos cruzamentos (enquanto pequenos), os pequenos furtos (enquanto púberes), os roubos à mão armada (enquanto jovens), os vícios típicos dos dias atuais, como maconha, cocaína, heroína, crack e outros menos cotados (pelo resto da vida) e um final nada feliz: provavelmente num reformatório, numa FEBEM (sistema público de abrigos), ou num cadeião de verdade.[4]
Segundo Abreu[5], o tema da adoção internacional provoca discursos acalorados sobre a ” nação brasileira”. De um lado, a pobreza e a miséria do país provocam a vergonha de certos juristas e outros membros das elites. Estes defendem a adoção internacional como uma maneira de combater a pobreza, permitindo que uma criança seja adotada por pessoas que vivem em um país rico e assim que seja criada “com todo o conforto” e acesso aos “melhores cuidados médicos”. Por outro lado, os juristas chamados de “nacionalistas”, além de parte da imprensa e outros meios de comunicação, posicionam-se contra a adoção internacional, insistindo na “vergonha” que representa o fato do Brasil não ter recursos para criar suas crianças, tendo que entregá-las a estrangeiros. A adoção internacional é então associada a um “tráfico”, à “exportação de crianças”[6].
Porém, como afirma Abreu, se nos anos 80 e 90 as mesmas “irregularidades” eram cometidas dentro dos tribunais brasileiros, nos casos de adoções internas, elas tornam-se inaceitáveis quando realizadas em benefício de estrangeiros. Quando verificadas em casos de adoção internacional, estas “irregularidades” serão chamadas de “tráfico de crianças” especialmente a partir do fim dos anos 80. No entanto, o que este debate “nacionalista” em torno da adoção internacional quase não menciona, são as condições nas quais crianças pobres são retiradas de suas famílias para serem adotadas - não só por famílias estrangeiras, como também por famílias brasileiras de classe media e alta.
Inicialmente, exponho neste artigo os elementos que configuraram o “escândalo de Itaguaí”. Para elucidá-lo, apresento um caso onde a falta de registros de nascimento é usada como um dos motivos para a retirada das crianças pelas autoridades judiciárias. Na seção seguinte, exploro a função e o significado dos registros de nascimento nas classes populares, a sua relação com o “assumir” uma criança nas noções de paternidade destes grupos, e as possíveis mudanças ocorridas com a recente popularidade dos testes de DNA de paternidade. Finalmente, na última parte do artigo, abordo o elo existente entre a adoção e os testes de DNA de paternidade no Brasil: em nome dos melhores interesses da criança, ambos pretendem consistir, para um setor das elites, em uma medida de combate à pobreza – e à criminalidade – no país.
No fim dos anos 90, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (AL-SP) e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal elaboraram dois relatórios que assinalam, sob o termo de “irregularidades”, os procedimentos que permitiram a adoção de crianças pobres por famílias brasileiras e estrangeiras numa cidade de cerca de 300 mil habitantes no interior do Estado de São Paulo. Segundo estes relatórios, não há provas das alegações de maus-tratos e de abandono que provocaram a abertura dos processos de destituição do pátrio-poder e a posterior adoção de muitas das crianças[7]. Outras irregularidades observadas em casos semelhantes de “escândalos de tráfico de crianças” no Brasil nos anos 80 e 90 foram verificadas : adoções realizadas dentro de prazos muito curtos, suspeitas de arranjos entre o juiz e certos advogados do Estado (no caso de famílias que tiveram acesso aos serviços de assistência jurídica gratuita), processos que desapareceram e datas e assinaturas inverossímeis em certos processos[8] . Além disso, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a citação dos pais por edital para que apresentem sua defesa deve ser uma medida de último recurso, utilizada só depois de esgotados todos os meios para localizá-los. No entanto, a Comissão de Direitos Humanos da AL-SP constatou que o tribunal valeu-se deste recurso 14 vezes entre outubro de 1997 e março de 1998[9] . Conforme a Comissão, a utilização freqüente de citações através de editais – publicados no Diário Oficial, um documento legal de difícil acesso para as famílias - demonstra claramente que houve um cerceamento do seu direito de defesa, já que desta forma os pais não tinham nem como saber as razões pelas quais perderam o pátrio-poder[10].
Os dois comissários de menores que dirigiam o carro do Fórum – um deles membro da polícia municipal – foram com freqüência citados pelo juiz e pela promotora como as únicas testemunhas nos processos de destituição do pátrio-poder[11]. Em mais de um processo, as palavras destes comissários foram tomadas como prova de maus-tratos, enquanto que nenhum membro da família foi citado a depor. A CPI relata inclusive um caso onde nenhum estudo social foi realizado na família de origem, ainda que as crianças tivessem sido retiradas por maus-tratos, dos quais não existiam provas.
Quando as famílias protestavam contra a retirada das crianças, eram com freqüência ameaçadas de prisão[12]. Alguns familiares foram levados à delegacia e detidos de fato, por ter-se recusado a assinar documentos ou sob a alegação de não possuírem os documentos das crianças. Renúncias ao pátrio-poder foram também assinadas sob a pressão de assistentes sociais, logo após o nascimento dos bebês, quando as mães ainda estavam no hospital. Algumas pessoas assinaram documentos sem saberem o que estavam assinando - ou porque eram analfabetas funcionais (que apenas sabiam assinar seu nome, mas não eram capazes de ler), ou porque não entendiam a linguagem jurídica usada nestes documentos. Outras afirmam que, por “acreditarem na justiça”, assinaram documentos sem os ler, sendo enganadas. Em certos casos teriam-lhe mesmo dito que “não precisava ler”. Os funcionários do Fórum lhes diziam então que estavam assinando uma autorização para ter o direito de visitar as crianças nas instituições onde estavam abrigadas, ou para ter as crianças de volta. Mais tarde eram informadas que haviam assinado renúncias ao pátrio-poder ou à guarda das crianças[13].
Segundo o relatório da AL-SP, quando as famílias iam ao Fórum para saber notícias sobre suas crianças, os funcionários do cartório se recusavam a fornecer qualquer informação (como o número do processo, por exemplo). A única orientação que recebiam era a de contratar um advogado. Porém, geralmente os familiares não podiam pagar advogados privados, e ninguém os informava que tinham direito à assistência legal gratuita fornecida pelo estado[14].
Finalmente, segundo as autoridades judiciárias, as crianças que não estavam morando com seus pais eram crianças “abandonadas”. Desta forma, a prática da “circulação de crianças” ou “fosterage”[15] foi assimilada ao “abandono” nos processos – um sinal revelador do abismo cultural e econômico entre duas classes situadas em extremos opostos da escala social.
Estudos sobre o parentesco nas classes populares brasileiras mostram que não é raro encontrar, nestes grupos, a circulação de crianças - uma prática pela qual as crianças transitam entre diversas casas (de avós, de outros familiares, ou mesmo de vizinhos), em que vários adultos são responsáveis pela sua socialização[16]. Este era o caso de muitas das crianças que foram retiradas pelas autoridades judiciárias das suas famílias. Enquanto algumas estavam morando com os avós ou outros membros da família estendida, outras estavam em “famílias de criação”, às vezes sem nenhum vínculo biológico entre os cuidadores e as crianças.
Nos processos de destituição do pátrio-poder examinados, deixar uma criança a “terceiros inabilitados” seria um sinal de falta de condições morais dos pais para criar uma criança. Como afirma em uma reportagem um funcionário do juizado, os pais de criação “não são da família” (...) Família, segundo aquilo que o juiz comenta no juizado, são as pessoas com laços de sangue” [17]. A argumentação dos processos deixa entender que somente a adoção representa uma medida que pode garantir uma vida “estável e digna” à criança. O fato de uma criança ficar cada vez com uma pessoa diferente a impediria de “estabelecer relação de afinidade e de segurança, ou reconhecimento das figuras parentais”. No momento em que as famílias de criação não passaram pelos tribunais para obter a guarda ou a adoção das crianças, mas simplesmente as criaram segundo a prática da circulação de crianças, estas são percebidas como estando em “situação irregular”, permanecendo nestas famílias de “forma ilegítima”.
O juiz e a promotora faziam parte de uma ONG que dizia tratar da assistência às crianças e adolescentes de famílias pobres. Foram os dons oferecidos por estrangeiros a esta ONG que levantaram suspeitas entre políticos e jornalistas: o organismo teria recebido dinheiro de uma associação italiana que tinha entre seus programas a promoção da adoção de crianças. A CPI não verificou irregularidades na conta bancária do juiz, ainda que um procurador tivesse me comentado que este poderia ter facilmente utilizado um “laranja”[18]. No entanto, foram achados cheques da associação italiana em nome da promotora do Ministério Público que colaborava com o juiz na associação.
De acordo com o relatório da CPI, já em 1999 a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo havia concluído que o juiz não cometera ato de improbidade nas 242 adoções internacionais que havia autorizado. “Tais circunstâncias estão a justificar a enorme desconfiança no aparelhamento da própria Justiça para controlar seus atos”, continua o relatório. É revelador que o juiz e a promotora não tenham se apresentado após terem sido convocados pela Comissão. A CPI também se queixa de ter sido informada das decisões do Tribunal através dos jornais. Estes incidentes demonstram a ausência de colaboração e de articulação entre as duas instâncias, o corporativismo do judiciário e a dificuldade do prosseguimento das investigações nestas circunstâncias[19]. É neste contexto que, apesar dos inquéritos realizados, da criação do movimento de famílias e do seu sucesso mediático, o juiz é absolvido de qualquer irregularidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em dezembro de 2001.
Segundo o Tribunal de Justiça, as adoções internacionais realizadas pelo juiz se justificam porque se tratava de crianças que ninguém queria adotar no Brasil: crianças negras, mais velhas ou portadoras de deficiências físicas. No entanto, de acordo com as informações não oficiais obtidas por advogados e jornalistas, bebês saudáveis e considerados como “brancos” no Brasil foram adotados por famílias estrangeiras.
Conheci Julieta em janeiro de 2001, três anos após ter perdido sua neta de 3 anos, possivelmente adotada por uma família italiana. Naquela manhã, a avó de olhos vivos e cabelos escuros e curtos chegou na praça acompanhada de outros dois netos - um menino e uma menina de cerca de 12 anos - para inteirar-se das últimas notícias do movimento das famílias. Vestida, como as crianças, com roupas velhas e rasgadas, podiam-se ver suas pernas finas pela saia que usava naquele dia. A “pequena cigana”, como era chamada por outros participantes do movimento, me contou então a sua história – história que eu já conhecia através do seu depoimento à Comissão de Direitos Humanos da AL-SP e do processo de destituição do pátrio-poder referente a seus netos, que tratarei a seguir.
Conforme o processo de destituição do pátrio-poder de José e de Luis (o primeiro genro e o segundo, filho de Julieta), os dois homens, acompanhados de duas crianças, são abordados por guardas municipais em setembro de 1997, em torno de meia-noite, quando se encontram na estação ferroviária da cidade. Declaram que são ciganos, sem residência fixa e que são separados, cuidando sozinhos de seus filhos– um menino de dois anos e meio e uma menina de quatro. Os guardas entram em contato com uma comissária de menores que manda encaminhar as crianças a uma instituição, e os pais são informados que devem comparecer no dia seguinte no cartório de menores para “regularizar a situação das crianças”. No boletim de ocorrência que trata de “averiguação por maus-tratos”, José e Luis constam como “brancos”.
Nesse mesmo dia, o juiz de menores de Itaguaí assina um “mandado de busca e apreensão”, no qual notifica que os dois homens “dizem ser os genitores dos menores, porém não portavam documentos sequer pessoais”. Neste documento, o juiz expõe que se trata de crianças em “situação irregular, sem documentos que provem a paternidade”, o que manifesta uma “situação de incerteza e de descaso, que obrigam a intervenção rigorosa deste juízo”. Os genitores são então intimados para que apresentem documentos dos menores a fim de comprovarem a paternidade. Pode-se perceber ainda no processo a assinatura de uma pessoa semi-analfabeta, na qual faltam algumas letras (provavelmente a de José, pai do menino); e uma impressão digital. Através das fotografias tiradas das crianças no momento da separação de seus pais, pode-se ver o rosto de uma criança que chora, assustada.
Segundo o processo, algumas semanas mais tarde, José se apresenta no Fórum “acompanhado de algumas pessoas” e declara que deu um nome falso na delegacia[20]. Esclarece que não tem documentos e que por isso nunca declarou seu filho, chamado Jeferson. Entretanto, apresenta a Declaração de Nascido Vivo do hospital da criança, na qual aparece o nome do pai e da mãe, atestando que esta última tinha 16 anos quando o menino nasceu, que ela não tem instrução e que foi o seu primeiro parto. José declara também que se separou da mãe de Jeferson há aproximadamente sete meses, e que ela mora em outra cidade do interior de São Paulo, mas não sabe “informar corretamente” o endereço.
Dois meses depois da retirada das crianças dos seus pais, é realizado um estudo social referente a José. Ele tem 29 anos e reside no estado de Minas Gerais com a sua mãe, de 55 anos, em uma casa que pertence ao seu tio, que é também o pai da sua ex-mulher. Além de Jeferson, tem uma filha de dez anos e um outro menino de oito de uma outra união, os quais “residem temporariamente” na casa dos seus avós maternos, na mesma cidade. O pai diz à assistente social que trabalha com venda de roupas, que possui um carro ano 84 e que não detém outros bens. Segundo a assistente social, José pertence a uma família de ciganos e, por sua “característica cultural”, não possui residência fixa. Mora nesta casa apenas algumas semanas durante o ano, passando o resto do tempo viajando. José conta à assistente social que viveu aproximadamente dois anos com a mãe de Jeferson, que quando se separou a criança só tinha 45 dias e que a mãe da criança achou melhor deixá-la com o pai. Mas que na realidade é a sua mãe, a avó paterna, que praticamente criou o menino - José a ajuda apenas em alguns momentos. Quando Jeferson tinha apenas um ano, os pais voltaram a viver juntos durante alguns meses, e quando tornaram a separar-se a mãe estava grávida novamente. José sabe que esta criança nasceu há dois meses em outro Estado, mas ainda não a conhece. A assistente social assinala que, durante os dois encontros com José, este havia feito uso de bebidas alcoólicas, mas que segundo as informações que pôde obter na cidade, o pai não apresenta problemas sérios de comportamento. Conclui que sobre a outra menina retirada pelo Ofício da Infância e da Juventude da Comarca de Itaguaí, chamada Michele, apenas pode informar a cidade onde ela reside. Relata ainda que os pais das duas crianças são primos.
Datados de novembro de 1997, os pedidos de destituição do pátrio-poder dos pais das duas crianças por parte da promotora do Ministério Público são parecidos. Porém, no documento referente ao menino leem-se mais acusações, já que nenhum estudo social foi realizado no caso da menina. Segundo a promotora, as crianças foram retiradas da guarda de seus pais porque estariam em um “aparente estado de abandono e maus-tratos”. Quanto ao menino, pelas fotografias juntadas aos autos, observa-se que “são visíveis os maus-tratos sofridos pela criança, com marcas inclusive de feridas pelo corpo”. Aponta ainda a promotora:
Ademais, verifica-se do estudo social realizado a folhas… que possui mais dois filhos (...) aos cuidados dos avós maternos, e ainda que vive como cigano, perambulando pelas cidades, sem ocupação definida expondo o filho pequeno a toda sorte de perigos e violências existentes nas ruas, sendo que a casa que serve de residência temporária é extremamente precária e sem conservação.
À descrição da assistente social segundo a qual pela sua “característica social” José, sendo cigano, não tem residência fixa, se contrapõe a descrição da promotora: o pai “vive como um cigano, perambulando pelas cidades, sem ocupação definida”. Desta forma, segundo a promotora, expõe a criança aos perigos e à violência das ruas – acusação que também é feita contra Luis, o pai de Michele. Pode-se perceber no parágrafo citado acima que o fato de que os filhos de José estejam aos cuidados de seus avós maternos é usado como uma acusação. Além disso, prossegue a promotora, o pai é viciado em etílicos, tendo-se apresentado embriagado para as entrevistas com a assistente social. Os pais das duas crianças também são acusados de nunca ter voltado para saber noticias de seus filhos – exceto José, que veio somente uma vez ao tribunal. As testemunhas apresentadas pela promotora são os guardas municipais que retiraram as crianças de seus pais.
Pelas informações que nos fornecem estes processos, trata-se aqui de uma família estendida. No depoimento que dá a avó Julieta à Assembléia Legislativa, ela afirma que cuidava também dos dois netos Jeferson e Michele – sendo, respectivamente, avó materna e paterna das crianças. Desta forma, as declarações de diferentes membros desta família nos permitem pensar que as crianças foram criadas em parte pelos avós - tanto do lado paterno como materno - que viajam com seus pais e que chegaram a viver com suas mães quando os casais se separaram. Em soma, são crianças em circulação.
É evidente que, neste caso, os membros das famílias das duas crianças são parentes (além dos dois pais, José e Luis, serem primos, houve também casamento entre primos – a mãe de Jeferson, irmã de Luis, também é prima de José). Para localizar os pais, bastava investigar de um lado ou do outro da família (lembramos que um estudo social já tinha sido feito na casa da avó paterna de Jeferson). Além disso, de acordo com o que me disse um procurador, há testemunhas que viram a avó Julieta no tribunal de Itaguaí, na tentativa de obter informações sobre seus netos. Como aconteceu com outras famílias, os funcionários do Fórum teriam mandado ela voltar para casa, dizendo que seria informada caso tivessem noticias. Apesar disso, em dezembro de 1997, três meses depois que as crianças foram retiradas de suas famílias, alegando encontrar-se em “local incerto e não sabido”, os pais de Michele e a mãe de Jeferson são citados por edital. Parece evidente que este é um dos casos onde as autoridades judiciárias tinham condições de localizar os pais, sem tê-lo feito.
Quatro meses depois da institucionalização das crianças, uma assistente social informa o juiz que visitou o menino e que o encontrou debilitado – a criança chorava muito, não comia nem brincava com as outras crianças e chamava pelo seu pai. “Ficamos sensibilizados, preocupados com esta criança, que não se adapta na entidade”, relata a assistente social.
É pelo processo de destituição do pátrio-poder de Luis - o pai da menina - que sabemos que Jeferson foi finalmente restituído à sua família. Segundo o juiz, a criança, por correr “risco de vida” na instituição onde estava abrigada, foi entregue a uma pessoa que dizia “ser sua avó”. A veracidade deste fato, conforme o magistrado, foi confirmada pelo menino, que a reconheceu. Porém, nesta ocasião, não são pedidos documentos.
Conforme o depoimento de Julieta na Assembléia Legislativa, é ela quem vai buscar Jeferson na instituição:
Nesta data, e na presença das testemunhas abaixo, declara a senhora Julieta... que é avó de Michele..., filha de seu filho Luis..., que em abril de 1997, a criança foi retirada da guarda do pai. (...) que além dessa criança, cuida também de um primo da menina, Jeferson; (...) que depois de muita insistência, conseguiu reaver Jeferson; que não tem notícias de Michele, que foi informada que a criança estaria na [nome da instituição]...; que nunca conseguiram nenhuma informação sobre a criança (...).
Mesmo tendo sido Jeferson restituído à sua família, a promotora mantém o pedido de destituição do pátrio-poder dos pais de Michele. Neste documento, a promotora alega que os pais de Michele são “praticamente desconhecidos”, além de encontrar-se em “paradeiro incerto”.
Se realmente a avó Julieta foi buscar Jeferson na instituição, as informações que dispomos não coincidem com a argumentação da promotora e do juiz no processo. Quando perguntei a um dos procuradores como ele explicava o fato de que o menino tivesse sido reintegrado à sua família e não a menina, ele me respondeu: “O menino causou muitos problemas na instituição, e foi restituído à sua família sem maiores formalidades. Michele era uma menina tranqüila, e mesmo que as condições da retirada da sua família foram as mesmas que as do menino, ela não foi restituída aos seus pais”[21].
De acordo com a sentença de destituição do pátrio-poder redigida pelo juiz, se uma pessoa “da família” (entre aspas no documento original) interessou-se por Jeferson, o mesmo não aconteceu no caso da menina Michele. Além disso, prossegue o juiz, não se sabe quem seria o pai de Michele, já que não tinha registro de nascimento. O nome que o pai deu na delegacia pode ser falso, “podendo-se presumir que tenha acontecido o mesmo com relação à menina”. O juiz ainda alega que Michele estava em más condições de saúde quando foi retirada da sua família – a prova é que ele mesmo a viu, e que a foto anexada ao processo não mostra bem as feridas que apresentava a criança[22].
Não compreendendo as razões que tinham levado o juiz a retirar-lhe sua filha, o pai da menina teria dito a um procurador: “mas pode tirar mostra do meu sangue, ela é filha minha mesmo”. Embora no caso comentado acima José e Luis não registraram os seus filhos, poderíamos dizer que eles os “assumiram”, pelo fato de estar cuidando das crianças quando são abordados pelos guardas municipais. Diante da dúvida das autoridades judiciárias quanto à sua paternidade, Luis se dispõe mesmo a fazer um teste de DNA para demonstrar seus “laços de sangue”. Porém, nenhuma destas duas formas de “assumir” sua filha – o teste e o cuidado, formas que discutiremos mais adiante - lhe valem contra a perda criança.
Quando conheci Julieta fazia já um mês que seu filho Luis havia falecido. Ele tinha cerca de 30 anos. Com uma voz e um olhar tristes, a avó conta a sua historia em frases curtas. Me diz que seu filho morreu de “saudades da filha, de cirrose, começou a beber”. Tal como aconteceu com outras famílias, a retirada das crianças parece ter provocado a manifestação ou o agravamento de problemas de alcoolismo e de saúde mental. Luis tampouco era o único entre outros pais e mães do movimento a ter tentado o suicídio, antes de morrer de “saudades, cirrose”.
“Pegaram as crianças no carro, enquanto os pais tinham saído para comprar refrigerantes”, conta a avó. “Pediram o registro [de nascimento], ele não tinha”, continua, tentando explicar a razão da retirada das crianças. Me diz que depois foram levar o documento no Fórum e “pegaram o registro também, levaram tudo”[23]. Nesta manhã, escuto a avó me dizer, em tom de interrogação, o que percebi mais de uma vez na fala de outros familiares: “Não pode, né? Tirar assim a criança sem autorização dos pais”.
Como o fiz com outras famílias, tento mostrar-lhe o absurdo da situação: “Claro que não pode tirar assim a criança dos pais!”, respondo. “Mesmo tendo registrado a criança, imagina que tem que andar com o registro da criança o tempo todo”. Outro participante do movimento que nos escuta repete: “Não, não pode”.
Em um outro dia, uma mãe do movimento me diz: “Eu não sabia que ela [Julieta] era cigana”. “Apesar de cigana”, tenta defendê-la. Porém, acaba associando o fato de tratar-se de uma família de ciganos à retirada das crianças. Mais uma vez, com a impressão de que não estou sendo realmente compreendida, explico que não pode retirar uma criança de pais ciganos só por serem ciganos.
Podemos dizer que estas afirmações traduzem a confusão das famílias em relação aos motivos que causaram a perda de suas crianças. No entanto, ao examinar com atenção o processo, nota-se que as acusações do juiz e da promotora dão lugar a essa “confusão”. Nas primeiras páginas do processo, o juiz associa a ausência de documentos que atestem a paternidade dos pais, no momento que são abordados pelos guardas municipais, a uma situação de “incerteza e descaso” que obriga a “intervenção rigorosa” do tribunal. E ainda, para a promotora, o fato dos pais viverem “como ciganos” não deixa de constituir mais um motivo para o pedido de destituição do pátrio-poder.
Seguindo Bourdieu[24], podemos dizer que a interpretação dos motivos que podem justificar a perda do pátrio-poder faz parte das escolhas que os agentes jurídicos devem fazer entre interesses, valores e visões de mundo diferentes ou antagônicas. Os processos analisados oferecem bons exemplos destas diferenças - entre relatar, como vimos, que por uma “característica social” o pai é cigano e não tem residência fixa, e afirmar que o mesmo “vive como um cigano, perambulando pelas cidades, sem ocupação definida”. Ou entre dizer que uma mãe teria “entregado a criança aos cuidados de uma amiga” desde o nascimento, ou que esta teria “abandonado o filho aos cuidados de uma pessoa estranha e não habilitada”. Ou, ainda, a diferença entre justificar que uma mãe não tenha um trabalho com carteira assinada porque “tem tido dificuldade» em encontrá-lo, ou porque “vive na ociosidade” .
Muitas das famílias que participaram do movimento de Itaguaí provinham de outras regiões do país. No fim do ano 2000, uma das atividades de um organismo de assistência à infância que visitei na cidade consistia em tirar documentos de identidade de muitos pais originários, principalmente, de cidades do nordeste. Caso tivessem sido registrados, as certidões eram necessárias para fazer a carteira de identidade. Já que muitas pessoas não tinham dinheiro para voltar às suas cidades natais, o organismo se encarregava de pedir e pagar as cópias nos cartórios.
No Brasil, muitas crianças são ainda declaradas alguns meses ou mesmo alguns anos após o nascimento. Há famílias que só registram as crianças quando algum órgão burocrático o exige, como para a matrícula na escola primária[25]. Outros só serão registrados no serviço militar obrigatório. Lazo et alii[26] indicam ainda outras correlações para uma maior concentração de registros atrasados de nascimento quando homens ou mulheres fazem 14, 18, 55, 60 ou 65 anos, como a entrada no mercado formal de trabalho e o momento de solicitação de benefícios de aposentadoria e pensão logo após a promulgação de leis nesta área[27].
Segundo o que o IBGE[28] chama de sub-registro de nascimento, este define-se pelo conjunto de nascimentos não registrados no próprio ano de ocorrência ou até o fim do primeiro trimestre do ano subseqüente. Entre 2000 e 2007, observa-se uma redução progressiva dos percentuais de sub-registro no Brasil, passando de 21, 9% em 2000 para 12,2% em 2007. No entanto, o norte e o nordeste do país continuam a ser considerados como tendo uma cobertura deficitária, tendo uma porcentagem de sub-registro respectivamente de 18,1% e 21,9% em 2007[29]. Na região Sudeste, o percentual de sub-registro é de 5,5% em 2007. Conforme Lazo et alii[30], o registro de nascimentos do estado de São Paulo pode ser qualificado como de boa qualidade, o que pode ser observado já a partir da metade dos anos 80[31].
Os nascimentos não registrados nos Cartórios dentro do período considerado pela pesquisa do IBGE são incorporados às Estatísticas do registro Civil nos anos posteriores como registros extemporâneos[32]. Em 2007, os registros extemporâneos corresponderam a 10,5% do total de registros. Segundo o IBGE, a condição de ser mãe em idade adolescente tem sido um dos fatores do adiamento dos registros em Cartórios[33]. A ocorrência do parto fora do ambiente hospitalar, especialmente em domicílio, é outro fator associado à subnotificação dos registros[34].
A partir de 1997, uma série de dispositivos legais e outras ações vem sendo promovida no país com o objetivo de ampliar a cobertura da população registrada em Cartórios[35]. São exemplos destas ações as leis que determinam a gratuidade da primeira via do registro civil e as compensações aos registradores civis pelos atos gratuitos por eles praticados (leis promulgadas em 1997 e 2000 respectivamente), gratificações para unidades de assistência à saúde que estimulem as famílias a registrarem seus filhos antes da alta hospitalar da mãe (em 2002), instalação de Cartórios nas maternidades, realização de campanhas nacionais de registro civil e, mais recentemente, em 2007, o compromisso nacional pela erradicação do sub-registro de nascimento e ampliação do acesso à documentação civil básica.
A análise do IBGE constata que, nos últimos dez anos, o registro civil de nascimento tem se destacado por ser “um fator de expressão relacionado à cidadania no Brasil”[36]. Este documento confere aos brasileiros “a formalização de sua existência para o Estado e a sociedade em geral”. Através do registro, ocorre o “primeiro reconhecimento legal e social” de cada brasileiro. Sem ele, o indivíduo está impedido de ter acesso a diversos benefícios concedidos pela administração federal, estadual ou municipal, além de impedi-lo de cumprir suas obrigações legais[37].
“O sub-registro de nascimentos, nesse sentido, reflete, em parte, a exclusão social de parcela da população brasileira, sobretudo aquela que vive em condições de maior isolamento social e geográfico, com níveis educacionais e econômicos mais baixos e com menor acesso à informação e aos serviços de saúde e justiça”, assinala o documento[38]. Entre os obstáculos que explicam o sub-registro, o documento aponta as distâncias a serem percorridas até um Cartório, “a não devida compreensão da importância do registro para atos futuros”, a ausência de Cartórios em alguns municípios e as dificuldades de implementação de políticas de fundos compensatórios para os atos gratuitos de registro civil. Finalmente, o Instituto indica como um último obstáculo o fato de que “ainda persiste, na sociedade brasileira, a tendência das mulheres cujos filhos não têm o reconhecimento inicial da paternidade de adiarem o registro da criança”[39].
Pela frase citada acima, parece esperar-se das mulheres que elas (e só elas) registrem seus filhos, mesmo não havendo um reconhecimento de paternidade. No entanto, tratando-se de classes populares, a expectativa é de que os homens façam o registro, em um ato que representa, entre outros, o de “assumir” o seu filho. Este “assumir” pode levar um tempo de negociação e/ ou de espera, podendo inclusive ser realizado de forma “extemporânea” por um homem que sabe não ser o pai biológico da criança, mas que a registrará no seu nome. Com a opção recente dos testes de DNA de paternidade, outras alternativas se apresentam aos pais de classes populares, como veremos a seguir.
Para o homem das classes populares, ser pai é uma questão de honra, prova da virilidade e da maturidade masculina[40]. Mas se no modelo tradicional espera-se que o homem, enquanto pai, sustente a família, quando este é incapaz de assumir o seu papel cultural de provedor, o papel do homem se enfraquece[41]. Neste contexto, negar a paternidade de uma criança é uma forma de escapar à vergonha do não cumprimento desta obrigação. É por este motivo que muitos pais “não assumem” as crianças, negando-se a sustentá-las, ou dizendo que não são seus pais.
“Assumir uma criança” significa, em primeiro lugar, reconhecê-la publicamente[42]. Este reconhecimento público pode dar-se de diversas formas. O homem pode responsabilizar-se pelo sustento da criança temporária ou permanentemente, quando começa a comprar coisas para o bebê após o nascimento. Ele pode também coabitar com a mulher e a criança. E pode ainda contentar-se em dizer que é o pai da criança, ainda que, para as mulheres, sem que haja nenhuma contribuição material, esta não seja uma versão “satisfatória” do “assumir” uma criança.
Por estas razões, desde que a gravidez seja socialmente reconhecida, enquanto a mulher anuncia a sua primeira gravidez o mais cedo possível, o homem pode demonstrar uma grande ambivalência[43]. Esta ambivalência se reflete na eterna briga entre marido e mulher em relação aos certificados de nascimento das crianças. Muitas são as mulheres que se queixam que seus maridos demoram a registrar um recém-nascido no seu nome. Desta forma, o homem mantém no limbo seu estatuto de pai.
Uma outra maneira do homem “não assumir” a criança é dizer que ela não é dele, mas de um outro homem. Porém, esta forma de evadir-se das responsabilidades paternas tem mudado nos últimos anos com a popularidade dos testes de paternidade DNA, pagos pelo poder público a partir da lei federal 10.317 de dezembro de 2001[44]. Valendo-se desta alternativa, muitos homens podem “deixar de assumir” as crianças que já haviam “assumido”, caso o teste comprove que não são seus pais biológicos. Mas, como sugere Fonseca, os testes de DNA esbarram novamente na falta de documentação e em exigências oficiais que pouco têm a ver com a vida cotidiana desta população. A longa lista de documentos que uma mulher deve apresentar para abrir uma investigação de paternidade, entre os quais a carteira de identidade e o CIC, faz com que muitos casos não cheguem a ser julgados. A autora assinala que o simples fato de fornecer um endereço onde o pai possa ser localizado para futuras citações no tribunal pode apresentar-se como um imenso obstáculo para os moradores de favelas brasileiras, onde são comuns as ruas sem nome e casas sem número. Tudo isto faz com que muitas mães acabem por desistir de abrir um processo.
“E até hoje ´tou com esse registro aí, servindo pra nada” – da falta de “valor prático” dos registros de nascimento
As entrevistas realizadas com as famílias de Itaguaí denotam o valor limitado dos registros de nascimento nestes grupos. Muitas das crianças que foram retiradas de suas famílias não tinham ainda sido registradas[45]. Como o que aconteceu com Jeferson e Michele, no caso da filha de Adriana, uma jovem mãe de 24 anos, a falta do registro de nascimento pôde servir como desculpa para apreender e colocar a criança em adoção.
Segundo Márcia, amiga de Adriana, esta última lhe deixou sua filha de 2 anos e meio em 1996, quando, estando grávida pela terceira vez, foi para São Paulo fazer um exame pré-natal[46]. Como a criança estava com febre, ela a levou no posto de saúde, onde exigiram a certidão de nascimento para poder atendê-la. Alguns dias mais tarde, Márcia pediu informações aos comissários de menores que passavam pelo bairro com o carro do Fórum. Solicitando “uma autorização pra tirar a certidão da criança”, explicou que a mãe estava viajando e que a criança ainda não tinha registro de nascimento para poder ser vista no posto de saúde. Os comissários foram então na sua casa. Conta Márcia:
Aí ele sentou nesse sofá aí mesmo (....) foi abrindo a pasta, escreveu, escreveu, escreveu. Disse: “eu vou levar a menina agora, a menina é criada com quem?”. Eu disse: “ela tem padrasto, o pai dela tá em Recife, o pai dela é de Recife”. Aí ele disse: “então vai ter, essa menina vai ter que passar pelo exame médico”[47].
Márcia ainda resistiu, dizendo que não era preciso, e que com certeza o padrasto não ia concordar. “Ele [o comissário] disse: não tem problema, não adianta a senhora falar”. E continuou:
Não tem mais jeito, agora já tá nas mãos da justiça, agora vai. Mas não tem nada não, dona, a senhora, nós vai agora – isso era 11 e meia do dia – a senhora vai agora, e pode pegar o ônibus aí e ir atrás, que quando a senhora chegar lá a menina já está com a certidão dela e a senhora já traz a menina’. (...) Daí eu disse, já que é a justiça ele não vai fazer essa covardia com a gente, né. (...) Troquei de roupa e fui. Cheguei lá no Fórum, sumiu. (...). Disse eu [pro comissário de menores]: ah, cadê a menina que você trouxe agora? Ele disse: “cachorro não se entrega”[48].
Segundo Adriana, quando seu filho mais velho tinha 3 anos e a menina que foi adotada, quase dois, o pai das crianças “não quis mais assumir, (...) sumiu”. O menino foi então registrado só no nome da mãe, porém a menina não havia ainda sido registrada. A certidão de nascimento da menina foi feita após a sua adoção, com a declaração do hospital onde tinha nascido. Paradoxalmente, não é o nome do pai biológico que consta na certidão, mas o do segundo companheiro da mãe, seu padrasto, e pai biológico das duas meninas menores. “E até hoje estou com esse registro aí, servindo pra nada né, só pra dizer que tem outro filho”, me diz a mãe.
Em outro depoimento recolhido pela AL-SP, a falta de documentos provocou, além da perda de seu filho, a acusação contra a mãe de ter roubado a criança. Em junho de 1998, uma mulher declarou que quando seu filho nasceu, como ela não tinha documentos, deu no hospital o nome de sua irmã gêmea, que já era falecida[49]. Quando foi registrar a criança, lhe disseram que por ter dado o nome da irmã, ela havia cometido um crime, e que por isso não poderiam registrar o menino. Após a mãe retirar seus documentos, ela voltou ao cartório para registrar seu filho. No Cartório, lhe disseram que ela tinha roubado a criança, e em agosto de 1997, os comissários de menores foram na sua casa para retirar o menino. Lê-se ainda no depoimento da mãe à AL-SP: “que foi chamada no Fórum, que não sabe ler e assinou uns papéis; que nunca mais viu o filho; que está sendo processada por ter usado o nome da irmã”.
Devemos ainda considerar a possibilidade de que datas de nascimento e por conseqüência, idades – e aniversários - não signifiquem muito para uma população analfabeta e completamente à margem da burocracia do Estado, o que destitui ainda mais de “valor prático” as certidões de nascimento. Embora seus filhos tivessem sido registrados, uma das mães entrevistadas não parecia saber nem a sua idade, nem a das crianças. Este era o caso de Francisca, companheira de Sebastião, uma das famílias mais pobres que participavam dos encontros semanais do movimento na praça do Fórum. Francisca e Sebastião eram analfabetos e migrantes – ela de Minas Gerais, ele de Pernambuco. Quando fui visitá-los na sua casa acompanhada de uma outra mãe, Sebastião estava trabalhando. Ao perguntar a Francisca quantos anos ela tinha, ela ri, envergonhada. Seu filho mais velho, de 9 anos, entra na conversa: “acho que ela não sabe”, me diz sorrindo. Ela tampouco sabe me dizer a idade dos seus filhos, e se desculpa: “Quem sabe é o pai deles, ele não ta”. Diz que não guarda nada na cabeça. É através das certidões de nascimento misturadas a outros documentos e guardadas em uma velha mala que reconstituo as idades dos membros da família. Francisca tinha 34 anos e Sebastião, 73. O casal havia tido cinco filhos, dos quais lhe restavam apenas três meninos. Tendo um dos seus filhos falecido de broncopneumonia asmática aos 5 anos, a sua única menina foi aparentemente retirada da família com um ano e alguns meses no hospital. De acordo com um documento do próprio hospital que a família conservara, isto teria acontecido depois que a criança foi internada com sinais de desnutrição[50]. Francisca ainda me diz que pensou em jogar fora o atestado de óbito do seu filho, mas que depois que levaram a sua filha, ela não iria fazer isso de jeito nenhum. Com a outra mãe do movimento, vemos que o seu menino caçula faria 3 anos no próximo domingo. “Domingo é o aniversário do Anderson! O Anderson vai fazer 3 anos, viva o Anderson!”, comemora esta mãe, fazendo festa pro menino. No ônibus, quando voltamos, ela se diz surpresa com Sebastião e Francisca por nunca terem comemorado o aniversário das crianças. Nesta casa, os pais não pareciam saber – ou celebrar - as datas de nascimento dos seus filhos, nem as suas.
Os trechos transcritos a seguir são constantemente citados nos processos de destituição do pátrio-poder analisados, e fazem parte tanto da argumentação do juiz quanto da promotora do Ministério Público:
O que importa, pois, em feitos de menores, é o bem-estar deles, cujos interesses prevalecerão até mesmo sobre os interesses dos próprios pais, na lição do Venerando Tribunal de Justiça de São Paulo “in” RJTJSP 102/92.
Assim, diante da teoria da proteção integral, esposada pelo E.C.A., o pátrio-poder é mais um sistema de deveres dos pais perante os filhos, do que um elenco de direitos exercitados em face deles. Portanto, a guarda exercida pelos genitores é apenas instrumento do cumprimento dos deveres de amparo moral e material que lhes incumbe desempenhar, o direito dos pais cede diante do bem-estar da criança. (ênfase do autor).
Na nova lei federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o legislador entendeu justo priorizar o interesse da criança e, acima dele, o interesse da infância sobre o interesse egoísta da família irresponsável (ênfase da autora).
É baseado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e na jurisprudência, entre outros documentos, que o juiz e a promotora justificarão a destituição do pátrio-poder dos pais. Porém, neste caso, o princípio do melhor interesse da criança serve para encobrir o cerceamento do direito de defesa de mães e pais no contexto de uma retirada sumaria de seus filhos. Aqui, o direito dos pais é violado sob o pretexto de proteger o direito das crianças[51].
Muitos autores se perguntam se o princípio do interesse prioritário da criança, adotado pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança em 1989, não torna o direito dos pais mais limitados[52]. Segundo Théry[53], de acordo com a interpretação do princípio evocada pela Convenção, os interesses dos adultos seriam a priori ilegítimos, enquanto que a criança só teria interesses legítimos. Nesta interpretação, a “prioridade do interesse da criança” pode servir como um álibi, dissimulando os interesses dos adultos. A exclusividade do ponto de vista da criança acaba assim por recair na sua instrumentalização.
Ronfani[54] nos lembra que recentemente, pode-se observar, nas regulações jurídicas das relações entre os cônjuges, o respeito à autonomia da esfera privada e ao pluralismo na escolha das relações familiares. Porém, as regulações sobre as relações de filiação estenderam seu campo de ação. Neste contexto de desjudiciarização das relações familiares, o interesse da criança pode ser interpretado como a base fundamental do controle do domínio privado pelo público, como o meio privilegiado através do qual o Estado pode regular não só as funções parentais, como as próprias relações familiares[55]. Ronfani cita Carbonnier, segundo o qual a utilização abusiva do princípio como uma “ noção mágica” acabaria por tornar supérflua toda a instituição do direito da família, favorecendo o arbitrário do judiciário[56].
Hoje, conforme a corrente dominante na legislação internacional sobre a infância - que influencia muitas leis nacionais - as famílias são com freqüência consideradas como as principais responsáveis das violações dos direitos das crianças, sem que se evoque a responsabilidade do Estado ou da sociedade em geral. Segundo Guy[57], este processo teria começado após a Declaração de Genebra de 1923. Sendo que o foco desse documento não é mais o Estado, mas os direitos de cada criança, não há uma especificação sobre quem deveria garantir estes direitos. Dessa forma, teria-se procurado não interferir com as políticas locais de cada país. No contexto latino-americano, esta tendência demorou, contudo, mais tempo a se impor. Guy[58] nos relata como na primeira fase dos Congressos Pan-Americanos da Criança, realizados entre 1916 e 1942, as campanhas que promoviam os direitos da criança não visavam só as crianças, mas também suas famílias.Temas como a ajuda financeira a mães carentes, o aumento dos salários ou ainda medidas para reduzir o alcoolismo eram debatidos com freqüência nestes congressos. É apenas depois de 1942 que o foco dos debates se desloca para o direito das crianças, onde os papéis específicos das mães, dos pais, do Estado e da caridade privada e pública não são tão claros. Em 1948, com a promulgação do Código Pan-Americano da Criança, embora o Estado tenha um mandato específico para a proteção das crianças, as famílias são consideradas como as principais responsáveis pelos seus filhos.
No caso brasileiro, este mesmo movimento pode ser observado especificamente após a promulgação do ECA em 1990[59]. A análise comparativa de relatórios da FEBEM-RS (Rio Grande do Sul) nos anos 80 e 90 mostra como, na metade dos anos 80, segundo os técnicos da instituição, os motivos de ingresso de crianças como “mendicância”, “maus-tratos” e “doenças do menor” decorriam diretamente de “problemas socio-econômicos” . Dez anos depois, já sob o ECA, os “problemas socio-econômicos” transformam-se em “negligência”. Os novos motivos de ingresso da década de 90 – tais como “abuso”, “risco de vida” ou mesmo “negligência” - demonstram um deslocamento das categorias em direção aos “direitos das crianças e adolescentes violados”, contrapondo-se a enfoques que levem em consideração as condições estruturais desfavoráveis às quais são confrontadas as famílias de origem.
Conforme Ribeiro (neste volume), após quase 20 anos da promulgação do ECA, a falta ou escassez de alternativas à medida radical da adoção – como por exemplo, arranjos que permitam um apoio temporário como a colocação provisória, sem o rompimento dos laços familiares – evidencia as idéias negativas acerca das famílias de origem que circulam no campo de proteção à infância no pais[60]. No caso de Itaguaí, as idéias negativas acerca das famílias de origem vêm à tona na análise dos processos de destituição do pátrio-poder, onde a pobreza é vista como uma falta moral. Os termos usados para descrever as famílias de classes populares nestes processos, como ausência de um “trabalho digno e honesto”, “ambiente familiar desestruturado” e “precárias condições de higiene” não fazem outra coisa senão traduzir, em termos legais ou burocráticos, o que alguns jornalistas e agentes do campo de assistência à infância expressaram de uma forma mais coloquial: “esses pais não trabalham”, “essas mães não têm marido” ou “essas famílias são sujas”.
O atendimento à infância no Brasil, como assinala Ribeiro, se caracteriza por lógicas punitivas ou pedagógicas que favorecem a produção de identidades estigmatizadas. Pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul elucidam como este campo conjuga dificilmente proteção às crianças com a intenção de apoio ou ajuda às famílias de origem[61].
Conclusão
Segundo Théry[62], para “desinstrumentalizar” a criança deveria-se reconhecer o direito dos pais de conservar seus vínculos com ela. Se os direitos dos pais não são reconhecidos, mas só os seus deveres, corre-se o risco de, em caso de conflito, fazer da criança um refém[63]. Já no início dos anos 90, a autora advertia os perigos de rever o conjunto do direito da família a partir dos direitos da criança – uma tendência inquietante que substitui um direito que pensa as relações mutuais, aos “direitos” que se atomizam como lobbies de certas categorias[64].
Se antes a infância era impensável sem a família, a sociedade e o Estado, o princípio do interesse prioritário da criança justifica a intromissão deste último nas famílias e na vida privada[65]. Ora, não há dúvidas que esta intromissão será sempre mais freqüente nas classes populares. Como destacam Dandurand e Ouellette[66], sendo os agentes sociais dos meios de proteção à infância na sua maioria de classe média, estes tendem a ver de uma maneira mais favorável atitudes e comportamentos que sejam conformes aos seus valores e habitus. Porém, tratando-se de grupos populares, estes agentes irão considerar-se mais facilmente autorizados a intervir na área de competência dos pais, retirando-lhe as crianças para colocá-las em instituições, em famílias substitutas ou em adoção. No caso de famílias abastadas, os recursos aos quais elas têm acesso lhes propiciam diferentes possibilidades de escolha, além de permitir-lhes guardar uma boa distância dos órgãos estatais.
Como vimos, a adoção, e sobretudo a adoção internacional, é percebida por muitos juristas e parte das elites brasileiras como uma solução aos problemas gerados pela pobreza no país. Assustados com o grande número de pobres urbanos, estes pregam que a adoção de crianças pobres não só as salva da fome e da miséria, como também serve como prevenção contra futuros “criminosos e prostitutas”.
Fonseca nos lembra que nos debates em torno da necessidade de investigações de paternidade no Brasil, estas também foram vistas como medida para o combate à pobreza, sempre no melhor interesse das crianças. Responsabilizar os homens – ainda que sem salários - pelas crianças que geraram, acabaria com parte da pobreza da população, caracterizada por um grande número de famílias pobres chefiadas por mulheres[67].
Sempre houve, na sociedade brasileira, uma consciência pública de uma pobreza persistente[68]. Ela aparece com freqüência nos discursos oficiais de representantes políticos e líderes empresariais como um sinal de desigualdades sociais indefensáveis e vergonhosas para um país que se quer à altura do Primeiro Mundo[69]. No entanto, a pobreza se manifesta no cenário público brasileiro como uma paisagem, algo que faz parte da natureza das coisas, por fora e à margem dos conflitos e responsabilidades envolvidas. Enquanto paisagem, ela pode provocar a compaixão, a indiferença, o desconforto (e poderíamos acrescentar, a repugnância). Porém, a pobreza não provoca a indignação moral diante de uma regra de justiça que foi violada. O “escândalo” de Itaguaí é, mais uma vez, um bom exemplo. Basta olhar a manchete de uma das primeiras reportagens sobre o evento em uma revista de circulação nacional: “A indústria da adoção. Processos no tribunal de Justiça e investigação da Polícia Federal mostram como juiz e promotora têm transformado Itaguaí em pólo exportador de crianças”. Como indica a manchete, grande parte da cobertura jornalística deste “escândalo” - e mesmo aquela favorável às famílias de origem - concentrou-se em argumentos nacionalistas contra a adoção internacional. Estas reportagens pouco mencionam os casos em que, seguindo os mesmos procedimentos de violação dos direitos de defesa dos pais biológicos, as crianças foram entregues em adoção a famílias de classe média e alta brasileiras.
A insegurança e a ameaça de violência nas grandes cidades são vistas pelas elites como motivação principal para o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil[70]. Porém, as elites brasileiras não reconhecem a interdependência existente entre elas e os setores pobres da população, nem tampouco parecem convencidas da necessidade de coletivização das soluções sociais. Estes grupos acreditam assim na possibilidade de melhoria na vida dos pobres, sem custos diretos para aqueles que não o são. Como afirma Telles[71], a pobreza no país não interpela as responsabilidades individuais e coletivas, e as soluções apresentadas para combatê-la jamais implicam uma redistribuição ativa da renda e da riqueza[72].
O “escândalo de Itaguaí” ilustra, finalmente, quem tem o direito a ter uma família no Brasil[73]. Neste episódio, as certidões de nascimento - ou testes de paternidade de DNA - não tiveram nenhum “valor prático” para as famílias envolvidas. Mesmo que na argumentação do juiz a ausência de certidões represente “descaso”, ter registrado seus filhos (ou mesmo se mostrando abertos à possibilidade da realização de testes de DNA), não impediu que estes fossem retirados a ciganos, mendigos, domésticas, prostitutas, mães adolescentes, ex-presos e suas famílias – todos estes tendo em comum o fato de pertencer às classes mais baixas da sociedade brasileira.
Consideramos, no entanto, que é um “descaso”, mas quanto à identidade destas crianças, que permite que se desencadeie o que dá origem à adoção plena (como ao discurso a ela associado, tanto a nível nacional quanto internacional). Como sugere Ouellette[74], o discurso que permeia a adoção internacional ignora a radicalidade da mudança de identidade imposta à criança.Organiza-se desta forma a transferência da criança como se fosse um indivíduo atomizado, definido em função de sua idade biológica e do seu estatuto de pessoa menor. Serviços sociais e organismos que promovem a adoção internacional nos países ricos falam de “dar uma família a uma criança que não a tem”, o que é associado à imagem de uma disponibilidade inesgotável de crianças sem vínculos nos países do Terceiro Mundo. Implicitamente, a criança é tida como um indivíduo a-histórico, não-relacional, que existe em si mesmo. Ela é apresentada não como filho ou filha de seus ascendentes, mas como um ser sem ligações: “ela não pertence a ninguém”, ou ela é uma “criança do planeta”[75]. Encontra-se no limite da sobrevivência, deixada à sua própria sorte, em um país definido como uma “triste realidade”, e não como uma comunidade de pertencimento. Ora, este discurso é o mesmo dos juízes brasileiros “fãs” da adoção internacional. Com ou sem registro de nascimento, a criança não existe antes de ser adotada – ela é um ser cuja vida social começa com a adoção[76].
Como diz Ronfani[77], o princípio do melhor interesse da criança pode servir a objetivos políticos ou ideológicos. No Brasil, como se a adoção ou testes de DNA de paternidade fossem uma solução para a pobreza, este princípio serve ao interesse das elites. O “escândalo de Itaguaí” mostra como, neste contexto, o princípio do melhor interesse da criança é utilizado para tentar resolver o problema da pobreza - e da criminalidade - que tanto incomoda as classes médias e altas brasileiras.
Notas
[2] Jornal da Cidade, 13/06/99. Ver Abreu 2002 e Ginsburg 1990: 91 para outros exemplos deste tipo de argumento entre juízes que se dizem defensores das adoções internacionais no Brasil. Alguns anos após a formação do movimento das famílias, após ter sido absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o juiz deste caso processou por “danos morais”, entre outros motivos, jornais, redes de televisão, jornalistas, um deputado e o advogado das famílias. Neste artigo, o nome dos familiares, das crianças e da cidade – que, inspirada pelo romance O Alienista de Machado de Assis, chamei de Itaguaí – são fictícios.
[3] Jornal da Cidade, p.11, 16/05/99.
[4] Jornal da Cidade, 9/07/98.
[5] Abreu,2002, p. 153-154.
[6] Sobre outros exemplos de reações nacionalistas provocadas pela adoção internacional e tráfico de crianças respectivamente no Haiti e na Guatemala ver Collard, 2004 e Briggs, 2009. Sobre o caso mais recente do Chade, ver reportagem da BBC News (http//news.bbc.co.uk/2/hi/Africa/7071358.stm), publicada em outubro de 2007 (consultada em 8-11-07), além de Leblic, 2009. Agradeço Alicia Colson por ter me passado o link da BBC.
[7] Uso aqui a terminologia da época, já que a expressão “pátrio-poder” foi substituída por « poder familiar » só a partir do novo Código Civil Brasileiro de 2003.
[8] Ver Abreu (2002) sobre irregularidades semelhantes em casos de escândalos de tráfico de crianças no Ceará.
[9] Diz o art. 155 do ECA, “o procedimento para a perda ou a suspensão do pátrio poder terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse. O art. 158 determina que “o requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita, indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e documentos. Parágrafo único. Deverão ser esgotados todos os meios para a citação pessoal”.
[10] Referindo-se à localização dos editais no Fórum, me diz o advogado que iniciou o movimento das famílias: “Eles colocavam lá, imagina se os pais iam ler aquilo, gente que não tem nem idéia. Esses editais ficam lá embaixo, do lado do telefone, nem os advogados sabem onde estão. Se você pergunta para um advogado onde eles são colocados ele vai ficar ‘os editais, eh, deixa eu ver’. Isso se usa quando já não tem mais o que fazer, quando já se procurou os pais por todos os cantos”. Sobre a prática de busca do paradeiro dos pais através de editais ainda comum em alguns tribunais na Argentina, ver Villalta 2008.
[11] Este carro, chamado de “Cata-Criança” pelos habitantes dos bairros populares, percorria a cidade à procura de crianças oriundas de famílias pobres. Cabe lembrar que a figura do “comissário de menores” foi extinta com o ECA. Segundo o relatório da CPI, o juiz a reinstituiu ao nomear 19 comissários a título honorífico. A formação de um Conselho Tutelar na cidade foi impedida três vezes através de liminares feitas pela promotora às vésperas das eleições dos conselheiros - liminares que eram concedidas pelo juiz.
[12] Uma mãe me disse que um comissário de menores teria inclusive apontado um revólver em direção à sua cabeça para que ela não reagisse à retirada de quatro dos seus filhos.
[13] Sobre ameaças de prisão feitas pelos militares na Guatemala no ano 2000 a pais que não carregassem consigo o certificado de nascimento dos seus filhos em nome da própria luta contra o tráfico de crianças, ver Briggs (2009).
[14] É só em maio de 1998, quase dois meses após a formação do movimento de famílias, que a Procuradoria do Estado de São Paulo irá constituir uma equipe de seis procuradores com o objetivo de exercer a defensoria pública em favor das famílias.
[15] Goody 1971; Lallemand 1993.
[16] Ver Cardoso 1984 e Fonseca 1985.
[17] Jornal de Itaguaí, 20/03/98, p. 7. Esta afirmação é feita, no entanto, em relação a um caso onde havia um laço biológico – tratava-se de uma família estendida onde a mãe de criação era tia da mãe biológica. A primeira havia criado o menino desde seu nascimento até os 7 anos de idade, quando foi retirado da família para ser adotado.
[18] Isto é, um “indivíduo que cede seu nome para ser usado em negócios ilícitos; testa-de-ferro”, no português informal (Dicionário Houaiss).
[19] Cabe ressaltar que o caso de Itaguaí fez parte do que se chamou na época de CPI do Judiciário, que também investigou os procedimentos de certos juízes em casos de enriquecimento ilícito e venda de alvarás de soltura para traficantes, entre outros.
[20] No processo se menciona que o pai havia sido acusado de roubo – é talvez por esta razão que assina com um nome falso na delegacia.
[21] Outros casos mostram que seja por uma depressão visível, como ocorreu com Jeferson, ou por comportamentos rebeldes na instituição, algumas crianças conseguiram não ser colocadas em adoção, tendo sido devolvidas às suas famílias.
[22] Este parece ser mais um dos casos onde as alegações de maus-tratos, como afirma o relatório da CPI, não são sequer comprovadas, já que não se procedeu à perícia necessária do Instituto Médico Legal, além dos testemunhos não dizerem ter presenciado qualquer ato ilícito.
[23] Não fica claro se a avó se refere a quando José, o pai do menino, se apresentou no tribunal com o documento do hospital (e não o registro de nascimento), ou se refere-se a uma outra ocasião. De qualquer forma, os relatos de muitos familiares dão a entender que as assistentes sociais e os comissários de menores que colaboravam com o juiz e a promotora estavam ávidos em apoderar-se destes documentos, quase retirando-os das mãos das famílias, sem nunca devolvê-los. Não dispondo – e em muitos casos, sem a intenção de dispor - de outras informações sobre os pais, o juiz detinha assim ao menos estas certidões de nascimento ou declarações dos hospitais para determinar a destituição do pátrio-poder. No entanto, como discutiremos a seguir, a falta de registros de nascimento ou qualquer outro documento não era um obstáculo em si para que as autoridades judiciárias da cidade destituíssem o pátrio-poder dos pais.
[24] Bourdieu 1986.
[25] Ver Fonseca e Brites 2003 e Fonseca 1985. As autoras sugerem que situar o registro de nascimento entre outros ritos de recepção, como o batismo em casa ou na Igreja, comuns nas classes populares, forneceria uma outra explicação possível para a falta de necessidade de um registro civil logo após o nascimento segundo a percepção destes grupos.
[26] Lazo et alii 2002, p. 9.
[27] Como por exemplo a Lei de aposentadoria rural de 1991, que garantiu este benefício às mulheres a partir de 55 anos, e aos homens a partir de 60 anos.
[28] IBGE 2007, p. 2-3.
[29] Os percentuais de sub-registro são calculados de acordo com a razão entre o número de nascidos vivos informados pelos Cartórios ao IBGE e o número de nascimentos estimados para uma população residente em determinado espaço geográfico em um ano considerado. Apenas uma faixa de sub-registro de até 5% é considerada de boa qualidade estatística para fins demográficos e sociais.
[30] Lazo et alii 2002, p. 5-6.
[31] Cabe salientar que, tal como ocorreu nos últimos anos nos estados da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo, é sempre possível a recorrência do sub-registro de nascimento. Entre 2000 e 2007, verificou-se nestes estados um aumento do sub-registro (IBGE, 2007: 6).
[32] IBGE 2007, p. 9.
[33] IBGE 2007, p. 12.
[34] No Amazonas, 50% dos registros extemporâneos foram de nascimentos ocorridos em domicílios. Apesar de que a cobertura hospitalar é quase total no país – 96,% dos nascimentos ocorridos e registrados em 2007 foram realizados em hospitais – no Maranhão, por exemplo, 16, 9% dos nascimentos ocorreram em estabelecimentos de saúde não hospitalares (IBGE 2007: 14).
[35] IBGE 2007, p. 1-2.
[36] IBGE 2007, p. 1.
[37] 2007, p. 2- 9.
[38] IBGE 2007, p. 3.
[39] IBGE 2007, p. 3.
[40] Ver Victora 1992, e Fonseca 1985.
[41] Ver também Scott 1990.
[42] Victora 1992, p. 23.
[43] Ver Leal e Lewgoy 1995 e Fonseca 1985, p. 1007.
[44] Fonseca 2009, p. 3-4.
[45] Segundo uma lista de citações por edital elaborada pela AL-SP, das quatorze crianças retiradas de suas famílias entre outubro de 1997 e março de 1998 pelas autoridades judiciárias de Itaguaí, quatro não tinham certidão de nascimento e em outros três casos, esta informação não constava na citação. Sobre a falta de registros de nascimento como um dos obstáculos para a realização de inquéritos em casos de tráfico de crianças e adoção na Guatemala, ver Briggs, 2009.
[46] Adriana tinha ainda um menino quase 2 anos mais velho do que sua irmã que foi adotada, ambos sendo do mesmo pai. Já sua terceira filha – e a quarta – eram oriundas de uma segunda união.
[47] Entrevista gravada.
[48] A frase do comissário de menores pode ser interpretada de duas maneiras: ou ele se refere à mãe da criança, que entregou a menina “como um cachorro” à sua amiga Marcia – constituindo-se neste caso numa condenação moral à circulação de crianças - ou à Marcia, que teria acabado entregando a menina aos comissários de menores. Neste sentido, Márcia se dizia revoltada por terem tirado dela, e não da mãe, a criança. Como em outros casos de crianças em circulação, por esse motivo ela havia recebido ameaças de morte da família da mãe da menina, que pensava que era ela que havia entregue a criança aos comissários. “Porque se ele quisesse fazer assim comigo, que ele (…) tomasse a menina da mão da mãe dela, não é verdade? Não é condenar outros”, diz Márcia, que também fazia parte do movimento de famílias. O comissário de menores teria lhe dito mais tarde, provocando-a, que com o dinheiro que tinha ganhado com a criança ele já tinha comprado casa e ia viajar de avião. “Eu dizia: ‘eu vou encima dele’ ”, sua filha tendo que contê-la nesta ocasião para que ela não agredisse o comissário.
[49] Referindo-se a como as classes populares servem-se da burocracia estatal para seus próprios fins, Fonseca comenta outros casos em que é a avó da criança que a registra como se fosse sua filha biológica (2009: 15).
[50] Pelo relato de Francisca podemos pensar que a menina foi retirada em 1994 para ser colocada em adoção através de acordos ou contatos entre o hospital e o Fórum da cidade.
[51] Era comum o juiz citar nos processos o segundo princípio da Declaração Universal dos Direitos da Criança na seguinte redação: “A criança gozará de proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal, e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo, levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança”. Um outro artigo citado é o no. 227 da Constituição Federal (“A própria Constituição Federal manda que se coloque a criança ‘a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão’ (art 227)” (ênfase do juiz). E ainda, do ECA: “E o Estatuto da Criança e do Adolescente, no Art. 70, revela que é dever de toda a coletividade prevenir a ocorrência dessa ameaça ou violação dos direitos”.
[52] Ver Théry 1992, Ronfani 1997, Ariès 1999 e Manaï 1990.
[53] Théry 1992, p. 27-28.
[54] Ronfani 1997, p. 261.
[55] As leis que estabelecem em cada país quem tem o direito a adotar são um bom exemplo. Referindo-se à Itália, Saraceno (1989: 64) aponta que ainda que a legislação seja muito avançada no que toca aos “direitos das crianças”, a adoção de uma criança só é permitida aos casais casados, excluindo aqueles que estão em união consensual e os solteiros.
[56] J. Carbonnier, Droit civil, I, 2, La famille, les incapacités, Paris, PUF, 1969, p. 370, in Ronfani, 1997 : 255.
[57] Guy 1998, p. 285.
[58] Guy 1998, p. 281.
[59] Ver Cardarello 1998.
[60] A partir da Constituição de 1988, a adoção plena, que rompe definitivamente com a filiação de origem da criança, é a única forma de adoção permitida no Brasil. Já em alguns países como os Estados Unidos, a França e algumas províncias do Canadá, a legislação também prevê a possibilidade de adoções simples ou abertas, que permitem um contato direto entre os pais biológicos e os candidatos a pais adotivos.
[61] Ver Fonseca e Schuch 2009.
[62] Théry 1992, p. 28.
[63] Ver Meyer 1977.
[64] Ver Fonseca e Cardarello 1999, e Sorj 2004.
[65] Áries 1999, p. 131.
[66] Dandurand e Ouellette (1995.
[67] Fonseca 2009, p. 4.
[68] Telles 1999, p. 18-19.
[69] Ver também Reis 2000, p. 145, 150.
[70] Reis 2000, p. 150-151.
[71] Telles 1999, p. 103-105.
[72] Ver Reis, 2000, p. 147.
[73] Ver Abreu 2002.
[74] Ouellette 1996.
[75] Ouellette 1996, p. 28-29.
[76] Ver Ouellette 1996, p. 29.
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