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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 331 (80), 1 de agosto de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

A PERIFERIZAÇÃO E A FRAGMENTAÇÃO DA CIDADE: LOTEAMENTOS FECHADOS, CONJUNTOS HABITACIONAIS POPULARES  E LOTEAMENTOS IRREGULARES  NA CIDADE DE CAMPINA GRANDE-PB, BRASIL

Doralice Sátyro Maia
Universidade Federal da Paraíba
doralicemaia@hotmail.com

A periferização e a fragmentação da cidade: loteamentos fechados, conjuntos habitacionais populares e loteamentos irregulares na cidade de Campina Grande-PB, Brasil (Resumo)

No Brasil, a expansão das cidades é marcada pelos grandes loteamentos oficiais, destinados ás camadas da população de maiores rendimentos, pelos denominados loteamentos irregulares ou clandestinos e ainda pelo surgimento de áreas precárias de habitação de forma irregular denominadas de favelas. Tal processo foi denominado por Milton Santos de urbanização espraiada. Esse espraiamento por sua vez configurou um tipo de cidade que se caracteriza pela periferização, fragmentação e dispersão. Na cidade de Campina Grande – PB, no Nordeste Brasileiro, verificou-se na atualidade a permanência do  seu espraiamento, da sua dispersão, da sua fragmentação e ainda da formação de uma periferia não homogênea, mas sim, com grandes contrastes socioespaciais. Revela-se a produção de uma cidade periférica, fragmentada em áreas onde se dão os loteamentos irregulares com autoconstruções ou com construções tecnicamente assistidas; conjuntos habitacionais para a população de baixa renda, e ainda, uma outra área periférica com os loteamentos e condomínios fechados.

Palavras chave: periferização, habitação popular, loteamentos irregulares, favelas, condomínios fechados.

The Peripheryzation and Fragmentation of the City: Closed Division of Lots, Popular Housing Estates and Illegal Division of Lots in The City of Campina Grande-PB, Brazil. (Abstract)

The expansion of cities in Brazil is marked by large official division of lots, destined to classes of population with larger income, by the so-called irregular or illegal division of lots and also by the appearance of precarious areas of habitation in irregular forms known as slums. Such a process was denominated spread urbanization by Milton Santos. This spreading on its turn represented a type of city characterized by peripheryzation, fragmentation and dispersion. In the city of Campina Grande – PB, in the Northeast of Brazil, it was found at present the permanence of its spreading, its dispersion, its fragmentation and also the formation of a non-homogeneous periphery with large social-spatial contrasts. The production of a peripherical city was revealed, fragmented in areas where one can find illegal division of lots with self-constructions or with technically assisted constructions; housing estates for low-income population and also another peripherical area with the division of lots and closed condominiums.

Key words: peripheryzation, closed divison of lots, popular housing, slums.

A expansão das cidades brasileiras deu-se de forma espraiada como bem ressaltou Milton Santos já nos anos 80 do século XX. Esse espraiamento por sua vez configurou um tipo de cidade que se caracteriza pela periferização, fragmentação e dispersão. São constantes os grandes vazios urbanos encontrados entre a malha urbana e as novas ocupações. Se isto já era uma realidade desde os anos 1960 quando se iniciam as construções dos grandes conjuntos habitacionais nas cidades brasileiras em diferentes escalas, permanece como realidade atual. Muito embora os processos de urbanização apresentem particularidades, essa é uma tendência geral que se constata seja nas metrópoles, seja nas denominadas cidades médias. O período de rápido crescimento das cidades médias gerou sérias conseqüências, entre estas se destacam a precariedade da habitação e uma forte tendência à periferização. A partir de década de 1970 essas cidades recebem um forte contingente migratório principalmente em função da concentração fundiária no campo. Estes migrantes ao chegarem nas cidades e não encontrarem habitação acessível passam a ocupar as áreas de domínio público, particularmente aquelas que não estavam sob o comando do mercado imobiliário, produzindo as denominadas favelas. Por conseguinte, dá-se início a uma urbanização cada vez mais periférica, ou como já mencionado anteriormente, as cidades espraiadas. Na história da urbanização brasileira, a expansão das cidades é marcada pelos grandes loteamentos oficiais, destinados às camadas da população de maiores rendimentos e também pelos denominados loteamentos irregulares ou clandestinos. Estes caracterizam-se por não obedecer à legislação que dispõe sobre o parcelamento do solo ( Lei Federal 6.766/79). Além disso, tem-se a periferização da cidade produzida pelo Estado com a construção dos conjuntos habitacionais e ainda a produção da cidade a partir da ação dos incorporadores imobiliários que constroem os loteamentos fechados alimentada pela concentração de renda e a constituição de uma camada da população de maiores rendimentos que optam por viver em áreas afastadas e separadas do restante da cidade aguçando a fragmentação da cidade. Esta forma de habitar caracteriza-se por apresentar exclusividade social, sistemas de segurança, qualidade ambiental, funcionalidade e autonomia administrativa. Muito embora muitas dessas características pudessem já ser encontradas nos loteamentos abertos, há nestes um elemento fundamental que o demarca, separando-o do restante da cidade: o muro.

 

Figura 1. Campina Grande-Situação Geográfica no Brasil e no Estado da Paraíba, 2009.

 

Em pesquisa realizada na cidade de Campina Grande – PB, no Nordeste Brasileiro, verificou-se a permanência do espraiamento da cidade, da sua dispersão, da sua fragmentação e ainda da formação de uma periferia não homogênea, mas sim, com grandes contrastes socioespaciais. Pois é na periferia, nas áreas apartadas da cidade onde se encontram tanto os loteamentos fechados da população de alta renda, como os novos conjuntos habitacionais construídos pelo Estado para a população de baixa renda, particularmente, pessoas removidas das favelas que se encontravam no interior da malha urbana. Percebe-se, portanto, a atuação de dois agentes da produção do espaço urbano: o Estado e os grandes incorporadores imobiliários. O Estado elege como área para construir grandes conjuntos habitacionais, em áreas distantes dos bairros ou mesmo onde estavam alocadas pessoas de baixa renda. Se por um lado esse investimento promove a regularização fundiária e uma melhoria na qualidade habitacional, por outro lado dá continuidade ao antigo processo de promover a valorização de áreas não edificadas, contribuindo para o enriquecimento dos proprietários fundiários e para o empobrecimento da classe trabalhadora, uma vez que esta passa a habitar cada vez mais distante do local de trabalho e dos serviços necessários. Para a análise do que se denominou de periferização da cidade de Campina Grande foram realizados os seguintes procedimentos metodológicos: identificação dos diferentes tipos de habitação na área periférica da cidade; levantamento das condições de moradia e de vida da população que habita os aglomerados pesquisados (renda média familiar, grau de escolaridade, local de nascimento, procedência, local de trabalho, etc.) e ainda coleta de informações através de questionários. Entende-se que o processo de periferização e a condição de moradia são questões urbanas complexas e urgentes, portanto, desafiadoras para a gestão pública.

Os resultados da pesquisa revelaram a produção de uma cidade periférica fragmentada em áreas onde se dão os loteamentos irregulares com autoconstruções ou com construções tecnicamente assistidas; conjuntos habitacionais para a população de baixa renda, particularmente removida de antigas favelas e contrapondo à essa periferia, e ainda uma outra área periférica com os loteamentos e condomínios fechados.[1]

Sobre o processo de urbanização e a periferização da cidade de Campina Grande-PB

A cidade de Campina Grande nasce a partir de um entroncamento dos caminhos que conduziam o gado e os tropeiros, no século XVII, portanto está associada à atividade pecuária que adentrava o interior do território brasileiro e, por conseguinte, ao comércio de gado e de gêneros alimentícios, que por sua vez, motivaram o aparecimento da feira de gado e também de uma grande feira livre. É fato que as mudanças engendradas no sistema mundial alteraram o papel que até então Campina Grande cumpria na ordenação territorial do espaço nordestino e principalmente paraibano: de entreposto comercial subordinado à dinâmica gerada pelas atividades litorâneas. Constituía, portanto, o que alguns autores denominaram de “Boca de Sertão” (Azevedo, 1957). A então vila torna-se um importante centro de escoamento da produção primário-algodoeira realizada no semi-árido nordestino. No ano de 1864 eleva-se à categoria de cidade.

No final do século XIX, a dinâmica da cidade dava-se principalmente em função da sua localização, pois era por onde passava “a principal estrada que liga os sertões da Parahyba e Rio Grande do Norte às cidades da Parahyba e Recife”, por conseguinte, o seu “commercio de transito, principalmente em certos dias da semana, de quinta-feira até sábado, quando são feitas as suas grandes feiras de gado, e de gêneros alimentícios” é bastante animado (Joffily, 1977, p. 268).

O início do período técnico tal qual define Santos (1993) dissemina aparatos tecnológicos que promovem alterações na morfologia urbana e também na dinâmica econômica e social das cidades de um modo geral. Apesar da distância temporal, fato é que a chegada da ferrovia no interior do Nordeste introduz uma nova dinâmica econômica e também urbana. A cidade então movida pela economia algodoeira passa a ter um outro elemento que redefinirá a sua estrutura, a sua morfologia, a sua economia e ainda as relações sociais. Data de 1907 a instalação da ferrovia Great Western of Brasil Railway. Tal incremento configura à cidade até então “Boca de Sertão”, uma outra característica que também é destacada pelos que estudam a urbanização brasileira: a Ponta de Trilho.

A economia algodoeira somada aos incrementos técnicos possibilitam a primeira grande expansão da cidade que se dá para além do seu centro primaz. É ainda na primeira metade do século XX que a aspiração pelo moderno, alimentada pelo capital algodoeiro, possibilita a realização de uma grande reforma urbanística que destrói a cidade histórica e ergue uma que se assemelhasse aos ideais da Modernidade. Neste período o seu centro primaz é completamente alterado: as ruas são alargadas, as casas são substituídas por sobrados todos em estilo art decó, a feira livre é transferida de lugar, praças são construídas, etc. Além disso, a produção do algodão favorece a instalação de empresas, de bancos e, por conseguinte, de hospitais e colégios. Tais implementações têm como principal propósito atribuir à cidade o status de cidade moderna.

A partir da década de 1960, com a política brasileira de industrialização do Nordeste através da SUDENE (Superintendencia do Desenvolvimento do Nordeste), Campina Grande recebe novos impulsos econômicos conduzindo à criação de distritos industriais em áreas periféricas da cidade. Esta é a primeira expansão periférica da cidade, conduzida de fato pelo Estado. Entretanto, mesmo com a criação desses distritos industriais, tal política não conseguiu imprimir grandes modificações na estrutura e nem mesmo na dinâmica econômica da cidade. Como ocorrido em todo Nordeste, as indústrias que aí se instalaram pouco permaneceram, constituindo o que Maria do Rosário Ferreira denominou de um verdadeiro cemitério de indústrias (Ferreira, 1984).

Já no final dos anos novecentos, a expansão da cidade foi impulsionada por outros elementos, tais como a transferência do terminal rodoviário interestadual (nos anos 1980) e a construção do Shopping Center Iguatemi, atual Boulevard Shopping (nos anos 1990) na porção Leste da cidade, nas proximidades da ligação com a BR 230. Mais recentemente, a criação do parque tecnológico, cujo edifício sede ainda está por ser construído na outra extremidade da cidade – zona oeste – nas proximidades da Universidade Federal de Campina Grande e do Campus Bodocongó da Universidade Estadual da Paraíba vem atraindo capitais externos e algumas empresas do setor secundário e terciário da economia. Tais incrementos urbanos fomentam a transferência ou o deslocamento de algumas atividades econômicas para essas áreas representando o que podemos entender como processo de descentralização e, por conseguinte, a formação de subcentros.

Ao analisarmos o processo de urbanização de Campina Grande, percebemos os períodos de maior expansão urbana, destacando-se os anos 1960 quando o Estado brasileiro (governo militar) passou a atuar na produção de habitações com a construção massiva de conjuntos habitacionais. Tais conjuntos habitacionais foram construídos nas metrópoles, mas também nas cidades médias. A edificação dessas novas áreas residenciais não se deu de forma contínua à malha urbana, mas sim a partir de grandes vazios urbanos, produzindo as cidades espraiadas traduzidas por Milton Santos (1993). Segundo o autor, as cidades brasileiras,

“[...] e sobretudo as grandes, ocupam, de modo geral, vastas superfícies, entremeadas de vazios. Nessas cidades espraiadas, características de uma urbanização corporativa, há interdependência do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes desta época: tamanho urbano, modelo rodoviário, carência de infra-estruturas, especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo específico de centro-periferia.” (Santos, 1993, p. 95).

É com essas características que se dá a expansão da cidade de Campina Grande a partir dos anos 1960, intensificando-se a nas décadas de 1970 e 1980. Data também deste período a criação do  Campus II da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com sede na referida cidade. Tal implementação executada pelo governo federal tem grandes repercussões na cidade, uma vez que para esta se dirigem pessoas qualificadas e com rendimentos que impulsionam o comércio, a demanda por serviços e ainda o setor imobiliário.

O processo de urbanização de Campina Grande arrolado revela-se parcialmente no quadro demográfico referente ao período de 1970 a 2000. (Quadro 1). Analisando-se os dados dos Censos Demográficos do período de 1970 a 2000 a partir do quadro 1, verifica-se um crescimento de 54,96%. Tal crescimento deu-se em ritmos diferentes. Na primeira década, 1970 a 1980 o aumento populacional foi de 52.524 habitantes. Este acréscimo é entendido por alguns autores como sendo decorrente das intervenções feitas a partir dos Programas Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada (CURA) e o Programa Nacional para Cidades de Porte Médio (PNCPM). Apesar da ineficácia em dirimir a especulação imobiliária, os mesmos favoreceram modificações na infra-estrutura e principalmente na economia urbana (particularmente o PNCPM), permitindo a fixação da população local (Lima, 2004).

O segundo período, entre as décadas 1980 – 1991, apresenta um acréscimo de 78.480 habitantes e no último período analisado, entre 1991 e 2000, há um decréscimo no ritmo do aumento populacional, perfazendo um total de 29.024 habitantes. Ou seja, entre as décadas de 1991 e 2000 o crescimento populacional foi de 8,16%. Tal decréscimo no ritmo deve-se a uma maior centralidade exercida pela cidade de João Pessoa, capital do estado, fruto das políticas nacionais que priorizaram as capitais do estado desde os anos 1970, da centralidade da economia nacional no centro-sul brasileiro e da quase ausência de novos incrementos na economia local.

A redução da população rural municipal no período analisado também denota o processo de urbanização. Muito embora desde a década de 1970 Campina Grande se apresente como um município com população predominantemente urbana (86%), esta característica intensifica-se em 2000, quando a população rural representa apenas 5% do total dos seus habitantes e a urbana passa a somar 95% deste contingente. O comportamento do incremento populacional de Campina Grande é condizente com o quadro brasileiro, pois, segundo Milton Santos (1993), no período de 1970 a 1980, “incorpora-se ao contingente demográfico urbano uma massa de gente comparável ao que era a população total urbana de 1960” (p. 30). Tal crescimento do contingente populacional urbano consolida-se na década seguinte.

 

Quadro 1.
População do Município de Campina Grande 1970, 1980, 1991, 2000 e 2007

Campina Grande-PB

 

1970

1980

1991

2000

2007

Total

195.303

247.827

326.307

355.331

371.060

Urbana

167.335

228.182

307.468

337.484

354.048

Rural

27.968

19.645

18.839

17.847

17.012

Fonte: Censos IBGE 1970, 1980, 1991, 2000 e Contagem da População 2007.

 

De fato, o crescimento populacional de Campina Grande se dá principalmente pela forte migração campo – cidade, impulsionado pelas alterações das relações de trabalho no campo, primeiramente no cultivo da cana-de-açúcar e depois nas outras áreas de outros cultivos e também da pecuária e que implicam na expulsão do homem do campo.

O Estado e a periferização das cidades: a construção dos conjuntos habitacionais populares

O conceito de periferia urbana vem se ampliando e tornando-se cada vez mais complexo diante à grande abrangência e à diversidade de características do espaço urbano contemporâneo. Contudo, de forma geral, pode-se dizer que “las periferias urbanas se han constituído por aquellas estructuras exteriores no asimilables a las áreas urbanas consolidadas que han acompañado a la construcción de la ciudad por muy diferentes razones (Sierra, 2003, p. 19). Entende-se portanto que o aparecimento das periferias urbanas, muito embora no sentido mais amplo do que hoje entendemos tenha surgido desde o século XIX, corresponde a um processo. Como bem esclarece Sierra:

“[...]. Hoy, de forma muy significativa, nuestra estructuras periféricas son el resultado de sucesivas intervenciones que se han ido acomodando en los entornos de la ciudad. Toda referencia a la Periferia nos acerca a este paisaje que se nos ofrece como un despliegue de manchas, retazos, texturas entre vacíos, y donde las piezas expresan un entramado cambiante y difuso que se ofrece como conjunto. Dentro de esta imagen se esconde uno de los problemas más significativos de lo periférico, su compleja textura y su prorosidad dificulta el establecer los límites que nos permitan su análisis y, por lo tanto, su comprensión.” (Sierra, 2003, p. 21).

O referido autor, ainda destaca que uma das perdas mais significativas da cidade contemporânea está na “confusión de esta textura agobiante de redes y tramas, que despersonaliza este viejo sentido patrimonial de la imagen de la ciudad en su territorio” (Id., p. 23).

As argumentações acima expostas estão consonância com as idéias de Teresa Barata Salgueiro, ao dizer que o “crescimento urbano faz-se por adição de bairros novos, quase sempre na periferia, e por renovação, pontual ou em conjuntos com certa dimensão, nos tecidos herdados. Deste modo a cidade contem manchas, mais ou menos extensas, e testemunhos pontuais de várias épocas” (Salgueiro, 1992, p. 385). A expansão da malha urbana, ou mesmo o que se comumente diz, o crescimento urbano, ocorre predominantemente em direção às áreas externas à área ocupada, criando na maioria das vezes grandes manchas. Se isto se visualiza nas cidades estudadas pelos autores acima, tanto nas cidades espanholas, como nas cidades portuguesas, as cidades brasileiras não fugiram a esta configuração. Ao contrário, tal conformação se deu de forma bastante exacerbada especialmente nos grandes aglomerados urbanos a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro.

A respeito do processo de periferização em São Paulo, Yvone Mautner (1999) chama atenção para o significado do conceito social de “periferia” em São Paulo. Para a autora, o seu significado social “desvenda, de fato, um processo histórico de produção de espaço urbano que se desenrolou concomitantemente à extensão interna do trabalho assalariado”. E complementa:

Em São Paulo, periferia tem um significado específico. Reflete a visão dual que o senso comum atribui ao espaço urbano. Geograficamente significa as franjas da cidade. Para a sociologia urbana, o local onde moram os pobre, em contraposição à parte central da cidade, estruturada e acabada. Existem exceções, é claro, empreendimentos imobiliários de luxo que também podem ser encontrados nos limites da cidade, assim como cortiços nas áreas centrais – porém jamais seriam identificados como ‘periferia’” (Mautner, 1999, p. 253; grifo da autora).

As palavras da autora, muito embora se refiram especificamente a São Paulo, falam a grosso modo da realidade brasileira. Com algumas exceções – a exemplo do Rio de Janeiro, onde o termo subúrbio é usado como sinônimo de área periférica pobre -, na maioria das cidades, periferia é entendida como lugar distante onde vivem a massa trabalhadora, normalmente em áreas com infra-estrutura precária podendo conter ou não favelas.

Assim, tem-se a produção da periferia urbana, fragmentada, a princípio podemos dizer em duas áreas, uma periferia construída com condomínios residenciais para a população de alta renda, que normalmente não é conhecida ou denominada de periferia, mas sim pelo nome do bairro que passa a constituir e uma outra periferia produzida para a população trabalhadora, com habitações precárias e insuficiência dos equipamentos urbanos. A respeito da ausência ou ineficácia dos equipamentos e serviços públicos, em outras palavras dos elementos de consumo coletivo, Capel (1983) complementa:

“De los elementos del consumo colectivo, interesan sobre todo aquellos mínimos que permiten la reproducción de la fuerza de trabajo del obrero – en ocasiones un simple techo -. Otros elementos de consumo colectivo, como zonas verdes, equipamientos…, sólo se organizan cuando la población los reivindica o cuando la producción (necesidad de descanso, de ocio…) en función de las condiciones de reproducción de la fuerza de trabajo en cada momento histórico” (Capel, 1983, p. 79).

Entretanto, há que se destacar que a periferia destinada à classe trabalhadora, também não se constitui enquanto um espaço homogêneo, há várias periferias que a constitui: a dos conjuntos habitacionais populares, a dos loteamentos irregulares e ainda a das favelas.

Partiremos então para apresentar a produção da periferia onde se encontra a precarização da habitação em Campina Grande. Nesta cidade, assim como em grande parte das cidades brasileiras, o Estado foi agente ativo na constituição de áreas habitacionais periféricas. Durante o período de 1964 – 1986, o Estado cria o Plano Nacional de Habitação e o Banco Nacional de Habitação (BNH), ambos criados em 1964, período que se instaura o governo militar. A ação estatal foi regulamentada pela Lei n° 4380 de 1964[2]. Com base nesta lei, o Estado estimulou a construção de

“habitações de interesse social e o financiamento da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda” (Art. 1).  De acordo com Luciana Medeiros (2006), na “Paraíba essa política foi intensificada pós-1968, com grande participação das esferas do poder público em parceiras com órgãos-gestores, como o Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP)[3], a Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP), o Instituto de Pensões e

Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE) e o Instituto de Previdência do Estado da Paraíba (IPEP). Vale destacar que essa política de habitação tinha como pressuposto o aquecimento da indústria de construção civil. Portanto, como bem esclarece Beatriz Soares (1988), tal política foi orientada pela lógica empresarial, por conseguinte, teria que haver um retorno lucrativo, o que constitui uma contradição: pois se a justificativa de criação do BNH era o atendimento à população de baixa renda, portanto vislumbrando uma justiça social, por outro, visava o favorecimento do setor da construção civil. Tem-se assim uma política pública gerida pelo setor privado. Acrescenta-se que a atuação do BNH não se limitou à produção de habitações a partir dos conjuntos habitacionais, mas também se deu a partir da estruturação do espaço urbano.  Como bem esclarece Damiani (1992), em 1976, 34% das aplicações do BNH são dirigidas ao saneamento, transportes, urbanização, equipamentos comunitários, fundos regionais de desenvolvimento urbano e pólos econômicos (p. 41).

A despeito da produção de habitações para a população de baixa renda, vale anotar que esta política não se deu sem conflitos entre os órgãos promotores e a sociedade. Em Campina Grande por exemplo, a construção do Conjunto Habitacional Malvinas em 1980 gerou conflitos, resultando na ocupação das habitações antes mesmo da entrega das mesmas. Popularmente conhecido como Malvinas e hoje constituindo o bairro Malvinas, o Conjunto Habitacional foi denominado Álvaro Gaudêncio em homenagem a um político local. Este conjunto foi construído pela Companhia Estadual de Habitação Popular da Paraíba (CEHAP), equivalente as COHABS de outros estados. Os depoimentos coletados com antigos moradores elucidam que a ocupação das habitações se deu tanto por pessoas que estavam cadastradas para receberem as casas, como por outras que chegavam à cidade e não tinham onde morar. Tal ocupação gerou um grande conflito, quando o governo estadual cercou a área proibindo o acesso às habitações e mesmo o fornecimento de alimentos e água, daí a atribuição da nomenclatura popular.ocorrido no período do confronto armado entre a Argentina e a Inglaterra pelas ilhas Malvinas, A área onde foi construído o Conjunto Malvinas era como todos os outros conjuntos erguidos no período 1960 – 1980, bastante distante do centro e da área efetivamente ocupada, deixando um longo vazio na malha urbana, ou como se referiram Sierra e Barata Salgueiro, criando grandes manchas. O Conjunto Malvinas foi o primeiro grande conjunto habitacional popular construído pelo Estado na cidade de Campina Grande, mais exatamente na sua porção oeste.

A política habitacional implementada pelo governo militar conforme expressa Arlete Rodrigues (1989), “assume um modelo empresarial, num momento em que é crucial para o novo regime dar provas de que é capaz de atacar problemas sociais, resolvendo a questão da moradia. É preciso ocupar os vazios deixados com o fechamento político”, contudo, acrescenta a autora, a

“[...] escolha da habitação como eixo da política urbana, deveu-se à tentativa de diminuir as tensões nas áreas urbanas. Atende-se a uma necessidade e a uma reivindicação (estabilidade social); acentua-se a filosofia da casa própria (aliados da ordem) e aumenta-se o índice de empregos; e propricia-se o crescimento econômico geral, considerando-se que para a indústria de construção são necessários um grande número de insumos industriais que possibilitaria uma arrancada de crescimento de um ‘Brasil Grande’, como dizia o jargão do período” (Rodrigues, 1989, p. 57).

Assim, a política habitacional promovida sob a égide do Banco Nacional de Habitação nem resolveu o problema da moradia e provocou a periferização, além da segregação espacial, uma vez que promoveu a construção de grandes conjuntos habitacionais em lugares apartados da cidade, com dificuldades de acesso e infraestrutura limitada. Esse modelo de expansão da cidade, gerou o que Milton Santos denominou de urbanização coorporativa, “isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas”, constituindo-se “um receptáculo das conseqüências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que estes são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais” (Santos, 1993, p. 95).

Em Campina Grande, de acordo com Iranise Silva (1987) na década de 1970 aos primeiros anos da década de 1980, a Companhia Estadual de Habitação da Paraíba não produziu nenhuma moradia para a população de baixa renda, destinando os investimentos para financiamentos de habitação da chamada classe média. Conforme relato anterior, nos anos 1980 realizou o empreendimento do conjunto habitacional Malvinas. Em 1986 – já pós regime militar - a política habitacional brasileira deixa de ser gerida pelo BNH, passando para a Caixa Econômica Federal (banco federal) que passa a administrar os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) recolhido pelo Estado e pelas cadernetas de poupança e letras imobiliárias (Soares 1988). Os financiamentos para a habitação passam a exigir uma renda mínima de três salários mínimos. Desde então foram vários os programas voltados para capacitação de recursos para a habitação, contudo, até o início dos anos 2000, não houve nenhuma mudança substancial no quadro do déficit habitacional brasileiro. Tal fato, se explica em parte pela restrição dos financiamentos à população com renda familiar acima de cinco salários mínimos.  A partir de 2002, com a criação do Ministério das Cidades e posteriormente do Conselho das Cidades, após várias conferências (reuniões amplas com todos os segmentos da sociedade em âmbito municipal, estadual e federal), estabelece-se algumas diretrizes para a política habitacional. Entre estas destaca-se a  aprovação do FNHIS (Fundo Nacional de habitação de Interesse Social). Por conseguinte, vários são os programas habitacionais aprovados e em execução.

Atualmente existem diversos programas habitacionais disponibilizados para o público de baixa renda, a maioria deles gerenciados pelo SNH (Sistema Nacional de Habitação) e pelo FNHIS (Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social)[4]. Os estados e municípios têm liberdade para criar seus próprios programas. A CEHAP (Companhia Estadual de Habitação Popular) da Paraíba em Campina Grande, atualmente executa três programas habitacionais: Pro-Moradia[5], PSH[6] (urbano e rural) e o Cheque Moradia atendendo aproximadamente 2.814[7] unidades habitacionais. (Quadro 2).

 

Quadro 2.
Campina Grande. Programas habitacionais da CEHAP, 2008

Nome do Programa

Cheque Moradia

Pró-Moradia

PSH

Total de Habitações

Tipo de Financiamento

Reformas

Construções

2.370

Urbano

Rural

2.814

Número

162

67

200

15

Fonte: CEHAP, agosto de 2008.

 

Entre os conjuntos habitacionais recentemente edificados pelo Estado, destaca-se o Conjunto Habitacional Glória dividido em duas etapas: Glória I e Glória II. Este conjunto habitacional foi construído para abrigar a população que habitava a maior e mais antiga favela de Campina Grande, a favela da Cachoeira. Os Conjuntos Glória I e II são constituídos por dois tipos de habitação, a casa unifamiliar térrea e o duplex, também unifamiliar mas construído em blocos de dois a dois. No duplex, no piso inferior encontra-se uma pequena sala, o banheiro e a cozinha e no piso superior dois quartos. Todos estes cômodos são bem pequenos, conforme se visualiza na figura 2. Muito embora esteja situado em área contígua a outro bairro, o mesmo revela uma fragmentação na morfologia e principalmente na produção da cidade. A segregação é revelada através dos depoimentos dos seus moradores como também dos outros habitantes da cidade que veem o Glória como área perigosa e como um marco no limite da cidade.

 

 

 

Figura 2. Rua de casas com um só pavimento.
Fonte: trabalho de campo, 2009. Foto: Mateus Augusto Araújo.

 

Figura 3. Rua com habitações tipo duplex. Conjunto Glória–Campina Grande-PB.
Fonte: trabalho de campo, 2009. Foto: Mateus Augusto Araújo.

 

Figura 4. Interior de uma habitação tipo dúplex. O espaço reservado à sala e os acessos ao banheiro, cozinha e escada. Conjunto Glória–Campina Grande-PB.
Fonte: trabalho de campo, 2009. Foto: Mateus Augusto Araújo.

 

Atualmente alguns projetos destinados à construção de casas populares para a população de baixa renda estão em execução. Tais projetos vêm sendo geridos pela CEHAP (Companhia Estadual da Habitação Popular), em parceria com o Governo Federal. Essas iniciativas têm como objetivo dirimir o déficit habitacional da cidade que chega ao total de 14.000 habitações (SEPLAN, 2009). Tais projetos preveem tanto a “urbanização” das favelas e a regularização fundiária, como a construção de casas populares para realocação da população que mora em áreas de habitação subnormais (favelas). Os dados atuais revelam a produção de três novos conjuntos habitacionais, vinculados ao programa Pró-Moradia. Esses conjuntos no total somam 1.378 unidades habitacionais, distribuídas conforme mostra o Quadro 4. Além destes soma-se a construção de habitações pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no bairro do Araxá na área oeste da cidade.

 

Quadro 4.
Conjuntos Habitacionais produzidos pelo programa Pró-Moradia em Campina Grande-Pb
.

Nome dos Conjuntos

Unidades Habitacionais

Colinas do Sol

386 Unidades

Novo Cruzeiro

333 Unidades

Três Irmãs

659 Unidades

Total

1.378 Unidades

Fonte: CEHAP, Fevereiro 2010.

 

Esses conjuntos habitacionais são destinados à população de baixa renda (de 1 a 3 salários mínimos). As distribuições das casas são realizadas pela Caixa Econômica Federal (CEF), e após a seleção, os beneficiários são acompanhados pelo setor social da CEHAP. Com relação ao tipo de habitação, existem dois tipos: casa ou habitação térrea unifamiliar e o duplex, multifamiliar (duas famílias) com um piso térreo e outro superior.  O tipo duplex já encontrado nos Conjuntos Glória I e II constitui um tipo de habitação dos novos conjuntos Novo cruzeiro e Colinas do Sol.

 

Figura 5. Mapa - Localização dos Conjuntos Habitacionais Malvinas e Glória– Campina Grande-PB.

 

Verifica-se que se por um lado há um incremento no número de habitações populares, estas reproduzem o antigo modelo de produção de cidade: crescimento não contínuo, espraiado e fragmentado.

A precarização da habitação: loteamentos irregulares, ocupações e favelas

A existência de habitações precárias nas cidades não é um fato novo. Se remontarmos à história, a grande quantidade de moradias em condições inabitáveis caracterizou as cidades já no final do século XIX e início do século XIX. Esta situação vivenciada pelos trabalhadores da Inglaterra  foi detalhadamente descrita por Engels em “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, mais exatamente no capítulo “Grande Cidade”. Se tal realidade encontra-se bastante distante do presente no que se refere à oferta de utensílios, mesmo que sejam encontrados nos depósitos de lixo, a pobreza extrema, a insalubridade das habitações e de muitos locais onde estas se encontram ainda é uma realidade vivida por muitos habitantes das cidades e também das cidades brasileiras.

Em Campina Grande, identificamos três formas de produção de habitação precária: os loteamentos irregulares, as ocupações e as favelas. Precarização esta que se diferencia, mas que tem em comum a irregularidade fundiária e/ou imobiliária. Sabe-se que esta não é uma condição própria das cidades brasileiras, como bem alerta Mike Davis, mas sim, um fenômeno mundial:

“Assim, as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e aço, como fora previsto por gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo aparente, palha, plástico reciclado, blocos de cimento e restos de madeira. Em vez de cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração.” (Davis, 2006, p. 28-29).

Apesar da generalização do processo de precarização da habitação, faz-se necessário examinar as suas especificidades. E para entender a habitação é preciso lembrar que estamos tratando da produção capitalista da habitação, por conseguinte, como bem já expressou Eva Blay (1985), com base em Engels, “a casa é uma mercadoria que entra especificamente na reprodução da força de trabalho” (p. 21). Cabe acrescentar que não só a casa é uma mercadoria, mas a terra se configura enquanto tal com a instituição da propriedade privada. Esclarece Lefebvre (1999):

“A propriedade da terra se mantém no quadro da propriedade privada em geral. Ainda que essa propriedade imobiliária tenha dado lugar à propriedade mobiliária, a do dinheiro e do capital, ela persiste. E mesmo ela se consolida, desde o tempo de Marx, a burguesia enriquece comprando terras, constituindo para si propriedades fundiárias (e, consequentemente, reconstituindo, sobre a base de um novo monopólio, a propriedade fundiária e a renda da terra)” (p. 160-161).

Os proprietários aliados aos incorporadores imobiliários, “quando, associados ou não, promovem loteamentos mas também deixam terra vazia, fazendo no mínimo uma ocupação da cidade com uma aparência de caos. Grandes espaços vazios que se espraia pelas ‘periferias’. Terras vazias e homens sem terra, coexistindo no mesmo espaço e tempo. (Rodrigues, 1989, p. 24, grifo da autora). Nessa lógica, resta aos trabalhadores ou a população pobre produzir habitações precárias.

Uma das clássicas formas de produção precária de habitação são as favelas e as ocupações. O termo favela está incorporado ao cotidiano brasileiro. Expressa no senso comum habitações de baixa qualidade, em áreas de risco como morros, mangues, encostas ou em áreas distantes dos centros das cidades.  A ausência de infraestrutura urbana é uma constante. Esse termo remonta à história da urbanização brasileira, mais exatamente ao Rio de Janeiro do século XIX onde as pressões decorrentes do aumento do contingente populacional levaram à população de baixa renda a ocupar morros da cidade (Abreu, 1994). Assim, sabe-se que desde o final do século XIX, o “fenômeno favela” acompanha o processo de urbanização brasileira, tendo a cidade do Rio de Janeiro como foco inicial, mas que se torna produção característica das cidades brasileiras, primeiramente das metrópoles e posteriormente difundindo-se para aquelas de menor dimensão como são as cidades médias.

No Brasil, alguns outros termos surgiram para designar o conjunto de habitações construídas em espaços onde o morador tem a posse e não a propriedade do terreno ocupado, tais como: comunidade, morro, cidade ilegal, ocupação irregular, periferia, aglomerado subnormal[8], dentre outros.

O critério de classificação utilizado pelo órgão oficial não é rígido, pois deixa de considerar segundo Maricato (2001) um numero expressivo de núcleos com menos de 50 unidades habitacionais. A relação posse x propriedade então se apresenta como um complicador para as análises dos espaços de habitação subnormal. A simples constatação das características externas e de infraestrutura não é suficiente para identificar e tipificar as áreas precárias da cidade, servindo muitas vezes, para que organismos institucionais neguem a existência de favelas na cidade. Pois, passa-se a considerar que o fato de se dotar tais espaços de equipamentos como água, energia elétrica, pavimentação e transporte muda-se a condição da precariedade da moradia, entretanto, permanece a problemática da insegurança jurídica da posse da terra.

Pode-se também destingir formações de habitações irregulares pelo processo de formação, “espontâneo” ou “ocupações”. As favelas são produzidas a partir da ação individual, em que as famílias vão aos poucos construindo as suas residências, em áreas públicas ou privadas através da ocupação irregular de terras. Já as ocupações propriamente ditas, se dão a partir de uma decisão coletiva, com planejamento da ação e de forma conjunta e também se dão em áreas públicas ou privadas. Todavia, tanto as favelas quanto as ocupações, são caracterizadas pela não propriedade da terra, portanto pela irregularidade fundiária e pela maneira como a habitação é construída, a autoconstrução (Rodrigues, 1989; Maricato, 2001).

Na edificação da favela observa-se a ausência do Estado e o total esforço da população pobre e trabalhadora, que para permanecer na cidade e resolver o problema da falta de habitação recorre à técnica da autoconstrução, “trabalhando nos fins de semana, ou nas horas de folga, contando com a ajuda de amigos ou parentes, ou contando apenas com a própria força de trabalho (marido, mulher e filhos)” (Maricato, 1982, p.73)

A partir das referências acima, entende-se que as favelas se constituem de aglomerações de habitações precárias, localizadas na periferia ou mesmo nos interstícios da malha urbana (morros, vales de rios, etc.) e, que se encontram fora dos padrões urbanísticos, pois são ocupadas por pessoas de baixa renda, sem condições de adquirir uma casa própria, passando a produzir uma cidade em áreas desprovidas de serviços públicos como saneamento básico, coleta de lixo, abastecimento de água, energia, etc. Além disso, em todas as definições dadas, algumas de maneira mais explícita que outras, a irregularidade na ocupação das terras é de fato o que melhor caracteriza e define o que vem a se constituir como favela, distinguindo-se de outros tipos de habitação popular, como os loteamentos clandestinos e irregulares, os conjuntos habitacionais e bairros populares.

Campina Grande no final da década de 1970 e início da década de 1980, apresentou aumento expressivo no numero das favelas, de 3 (três) para 17 (dezessete) (Melo, 1985). Neste período, “verificou-se um acelerado processo de favelamento, com conseqüência de cinco anos de seca na região Nordeste (inclusive intensificaram o êxodo rural) e do processo de proletarização de vastas camadas da população, fruto da grave crise econômica, social e política” (Melo, 1985, p. 31). Acrescenta-se que a ausência de uma política agrária que alterasse a concentração fundiária foi de fato responsável pelo forte êxodo rural ocorrido no período supracitado. Com base nos dados do  IBGE (2000), a situação da precariedade habitacional de Campina Grande tornou-se mais precária quando comparada com os anos 1980, foram contabilizados 27 aglomerados subnormais, totalizando 6.037 domicílios subnormais, distribuídos por 12 bairros da cidade, com uma população de aproximadamente 25.295 habitantes. Além disso, os dados obtidos no IBGE (2000) referentes aos domicílios nos aglomerados subnormais e a renda média familiar revelam a ocorrência de rendimentos médios recebidos pelo responsável pelo domicílio, com valores inferiores ao salário mínimo da época anteriormente citado.

O problema da habitação precária em Campina Grande pode ser melhor examinado, a partir da comparação de um dos espaços segregados da cidade, a favela do Pedregal, no decurso de 17 (dezessete) anos. A referida favela em 1983 apresentava um total de 1.040 habitações, já no ano 2000, segundo o IBGE, o mesmo aglomerado contém 2.158 habitações, o que representa um aumento de 207,5% no numero de domicílios particulares permanentes na favela Pedregal. Verifica-se, portanto, um agravamento da precariedade da condição habitacional, em Campina Grande, apesar das políticas direcionadas à instalação de alguns dos equipamentos urbanos como calçamento, saneamento, abastecimento d’água e energia elétrica. Atualmente, o Pedregal é delimitado oficialmente como um bairro, porém a sua origem é uma ocupação irregular que se deu ao longo do tempo e de forma individual, caracterizando-se nos termos já mencionados como uma favela. As suas condições em termos de infraestrutura e de edificações não se apresentam de forma homogênea, havendo espaços onde foram instalados grande parte dos equipamentos urbanos e, outros, completamente desprovidos de qualquer um destes. Assim, existem Pedregal I, II, III e IV. Já a antiga favela Cachoeira, que na década de 1980 era a terceira maior em número de habitantes e de domicílios, sendo uma das que mais chamava atenção pela sua localização, considerada área de risco, foi no ano de 2006, removida para os conjuntos habitacionais Glória I e Glória II anteriormente citados, na área norte da cidade.

 

 

Figura 6. Favela Pedregal após implementação de infraestrutura. Campina Grande-PB.
Fonte: Trabalho de campo, 2009. Foto: Yure Lima, 2009.
 
Figura 7. Favela Pedregal em área sem infraestrutura–Campina Grande–PB.
Fonte: Trabalho de campo, 2008. Foto: Sonale Vasconcelos.

 

É possível fazermos uma análise comparando a distribuição da renda da figura 8 (distribuição de renda), com a localização das favelas identificadas na figura 9. Reafirmamos que todas as áreas consideradas aglomerados subnormais pelo IBGE possuem uma renda muito baixa, variando em torno de menos de um salário mínimo até três salários. Além disso, constata-se que os bairros onde se encontram as áreas subnormais encontram-se, em sua maioria, distantes do centro e estão localizadas em áreas periféricas. Este dado é importante pois justifica a necessidade das  pessoas  residirem em favelas, uma vez que a renda não permite que paguem aluguel ou que adquiram uma moradia de modo regular, restando-lhes a opção de comprar ou montar um barraco ou ainda autoconstruir suas moradias em áreas precárias, sem infraestrutura e sem regularização fundiária.

 

Figura 8. Mapa de Distribuição de Renda por setor censitário – Campina Grande-PB.

 

Figura 9. Mapa – Localização das Favelas e Loteamentos Irregulares – Campina Grande – PB.

 

Além dos dados coletados e expostos acima, o levantamento de campo possibilitou constatar a existência de comunidades com habitações precárias, não caracterizadas pelo IBGE, como aglomerados subnormais, por não contabilizarem o total de 50 domicílios. Nas proximidades do ginásio de esportes o “Meninão”, constata-se outra faceta da habitação subnormal do município. Essa área apresenta um pequeno conjunto de habitações (entre 20 a 30) em estado bastante precário e que vem crescendo diariamente[9]. As habitações foram construídas com papelão, zinco e outros tipos de materiais de restos de construção ou do que se costuma descartar.

 

 

Figura 10. Habitações precárias em área de ocupação nas proximidades do Ginásio “O Meninão” – Campina Grande – PB.
Fonte: Trabalho de campo, 2009. Foto: Yure Lima.

 

Figura 11. Habitação precária – Detalhe – Ocupação nas proximidades do Ginásio “O Meninão” – Campina Grande – PB.
Fonte: Trabalho de campo, 2009. Foto: Yure Lima.

 

Além das favelas e das ocupações irregulares, uma outra forma de habitar é produzida a partir do parcelamento do solo de forma arbitrária sem o controle dos órgãos gestores municipais, comumente denominado de loteamentos clandestinos e/ou irregulares. A identificação destes é bastante difícil, uma vez que por se tratar de uma irregularidade não se tem registro nas instituições oficiais, particularmente na Prefeitura Municipal.  Tais loteamentos são decorrentes da má distribuição de renda e da falta de um controle maior sobre a ocupação e expansão da cidade, especialmente no que diz respeito ao parcelamento do solo e à transformação de solos rurais em  urbanos.

A pesquisa constatou a implantação de dois loteamentos irregulares na cidade: o Loteamento Jardim Europa, localizado na Zona Leste da cidade e Loteamento Campo 10 de Maio, no Bairro das Malvinas (Grande Conjunto Habitacional). Sabe-se que esse tipo de ocupação traz tanto problemas de ordem urbanística, como sociais. Os mais prejudicados são sem dúvida os compradores dos lotes, pessoas de baixa renda que não sabem quais as exigências mínimas e necessárias para um parcelamento de terras na forma legal. Porém, é possível encontrarmos casos em que os adquirentes têm consciência da ilegalidade, fato que é aceito em razão dos preços mais baixos que os cobrados nas áreas de terrenos regulares, melhor localizados, assistidos de serviços e equipamentos urbanos.

O Loteamento Jardim Europa é um empreendimento antigo da cidade, com mais de 20 anos. Localizado no Bairro Nova Brasília, atualmente abriga 200 habitações. Estas têm em média 5 pessoas por habitação. O Loteamento Campo 10 de Maio, a primeira vista parece ter sido legitimamente estabelecido, porém fere as regras de parcelamento do solo, regida pela LPSU (Lei de Parcelamento do Solo Urbano), já que não obedece às normas mínimas para que pudesse  ser empreendido, como a reserva de área própria para a implantação de equipamentos urbanos, a aprovação do projeto junto à Prefeitura entre outros. Durante as observações realizadas em campo (agosto de 2009), foi possível averiguarmos uma das características mais expressivas da produção das habitações para os moradores de baixa renda, ainda mais em um loteamento irregular: a autoconstrução.

Analisando os dois loteamentos irregulares, podemos fazer algumas comparações. A primeira é com relação a sua localização; os dois se encontram em áreas de expansão urbana, contudo o existente no bairro das Malvinas, que vem atualmente exercendo certa subcentralidade, apresenta melhores condições em termos de acessibilidade aos serviços, portanto, uma condição de vida menos precária. Já o Loteamento Jardim Europa, que se encontra bem distante do centro e que não tem em sua proximidade uma área ou bairro com infraestrutura e serviços, apresenta-se de forma mais precária, muito embora já exista há bastante tempo, ou seja, se configure em uma ocupação consolidada, porém bastante problemática. A segunda é em relação às condições de infraestrutura e do tipo de edificação das casas. Verificamos que o Loteamento do Campo 10 de Maio, nas proximidades das Malvinas, apresenta-se com um certo ordenamento e um padrão de construção um pouco melhor. No Jardim Europa há uma maior precariedade do ordenamento urbano, como também do padrão construtivo das habitações. Embora em locais bem distintos, em pontos extremos da cidade, esse dois empreendimentos têm em comum algumas características, uma delas é a própria edificação das casas, todas, foram os próprios moradores que as construíram, ou seja, são produzidas pela autoconstrução, outra é a ilegalidade da implantação desse empreendimento e uma terceira são as péssimas condições de infraestrutura das áreas ocupadas.

Assim, favelas, as ocupações e os loteamentos irregulares constituem formas de habitar em Campina Grande que revelam as contradições sociais, a precariedade da habitação que impulsionam a periferização e a fragmentação da cidade.

Os loteamentos e condomínios fechados

Uma outra periferia é produzida, muito embora não seja conhecida como tal, já que não corresponde à área de pobreza, mas sim onde se encontram os loteamentos e os condomínios fechados. Tal processo conduz à produção de uma cidade fragmentada e muitas vezes segregada, especialmente quando se depara em algumas áreas da cidade com as construções de condomínios horizontais fechados e em outras, ocupações com habitações improvisadas, bairros desprovidos de infra-estrutura e mais recentemente conjuntos habitacionais localizados em áreas periféricas.

Constata-se em Campina Grande um eixo de expansão em direção à área Noroeste, que começa a receber  uma atenção cada vez maior do setor imobiliário, principalmente com relação aos bairros do Alto Branco, bairro também considerado de alta renda, o Nações e o Jardim Tavares, que já começam a receber grandes investimentos, a exemplo da  construção de condomínios fechados horizontais, por possuírem em seus limites grandes vazios urbanos e também pela fácil acessibilidade ao centro através da via (BR 104), que constitui a saída para as cidades do Brejo[10] paraibano. Soma-se a isso os serviços que esse eixo vem recebendo como a recente instalação  do Atacadão, da rede de supermercados Carrefour. 

Visualiza-se, assim, uma espacialização muito nítida das camadas sociais na malha urbana campinense, caracterizando um processo de segregação espacial, onde há visivelmente eixos de forte especulação imobiliária e que se constituem bairros residenciais das camadas média e alta da população. Há, por conseguinte, a formação de uma área com certa homogeneidade concebida pelo mercado  imobiliário, entendido como “o instrumento através do qual as espacialidades são distribuídas se conformado certa acessibilidade” (Villaça, 1998, p. 342). Dessa maneira, identifica-se as duas formas de segregação, que apesar da simplificação do termo, é bastante elucidativa: Tem-se  a auto segregação realizada por aqueles que optam por viver separados dos outros e que dizem buscar melhor qualidade de vida e infraestrutura, e também as amenidades, como viver junto à natureza, com vistas agradáveis. E há também conforme exposto anteriormente, a segregação imposta traduzida pela constituição de áreas precárias, com problemas de infraestrutura, condições de habitabilidade e ainda renda familiar baixa. Esse tipo de segregação é induzida principalmente pela impossibilidade do acesso ao solo urbano. A respeito do conceito de segregação, Souza (2003, p. 84) afirma que a “segregação está entrelaçada com disparidades estruturais na distribuição da riqueza socialmente gerada e do poder. A segregação deriva de desigualdades e, ao mesmo tempo, retroalimenta desigualdades (retroalimentação positiva), ao condicionar a perpetuação de preconceitos e a existência de intolerância e conflitos”.

Villaça também entende a segregação de forma semelhante, afirmando  se trata de “ um processo dialético, em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros” (Villaça, 1998, p.148).  Portanto, o distanciamento cada vez maior e mais exposto ao invés de diminuir o conflito entre as classes, os intensifica, gerando mais violência e mais insegurança. Tal sentimento generalizado principalmente nas metrópoles, mas que já se faz presente nas cidades médias, é utilizado pelas campanhas publicitárias que vendem novas formas de moradia, que se dizem cada vez mais seguras e isoladas e, que, por sua vez, geram mais segregação.

Como já dito anteriormente, a cidade se reproduz de forma desigual, revelando as grandes contradições socioespaciais. Se por um lado existem as favelas, os loteamentos irregulares e os conjuntos populares, por outro, se encontram os condomínios fechados, além dos denominados bairros nobres de residências de alto padrão de construção.

Foram identificados alguns condomínios residenciais e loteamentos horizontais fechados que configuram uma nova forma de morar nas metrópoles e também nas cidades médias. Estas construções, em sua maioria se localizam em áreas afastadas das áreas centrais, a exemplo dos condomínios fechados analisados por Teresa Pires Caldeira (2003) na cidade de São Paulo e por Oscar Sobarzo (2006) na cidade de Presidente Prudente - SP. As pesquisas e as análises dos referidos autores servem para se pensar e analisar as formas que os condomínios assumem nessas cidades e aqui, particularmente em Campina Grande.

Os condomínios fechados correspondem á versão ideal desse “novo conceito de moradia”. Supõe-se que condomínios fechados sejam mundos separados. Seus anúncios propõem um “estilo de vida total”, superior ao da cidade, mesmo quando são construídos dentro dela (Caldeira, 2003, p.265). Em Campina Grande foram identificados cinco condomínios horizontais fechados: o ‘Monteville Residence’, o ‘Santa Maria’ Residencial, o ‘Residencial Kadoshi’, o ‘Nações Residence Prive’ e o Sierra Resort. Com exceção do ‘Nações Residence Prive’ e o Sierra Resort que são loteamentos, os outros três são vendidos com as casas já construídas, o que se diferencia da maioria dos outros condomínios fechados que negociam apenas o terreno. Outra diferença é que esses três possuem poucos lotes quando se compara com a maioria dos condomínios fechados. No entanto, apresentam todo um aparato de segurança e possuem áreas livres, além das próprias habitações isoladas por muros que separam a rua ou mesmo a cidade desses locais privados, portanto, configuram-se como condomínios horizontais fechados. Obedecem, portanto, aos requisitos que a maioria dos autores utiliza para caracterizá-los:

São fisicamente demarcados e isolados por muros, grandes, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção á rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de segurança, que impõem as regras de inclusão e exclusão. São flexíveis: devido ao seu tamanho, às novas tecnologias de comunicação, organização do trabalho e aos sistemas de seguranças, eles são espaços autônomos, independentes do seu entorno, que podem ser situados praticamente em qualquer lugar” (Caldeira, 2003, p. 258-259).

O Santa Maria Residencial é o menor de todos os condomínios horizontais encontrados em Campina Grande. Com apenas 10 unidades, sendo cada uma de 105 m² de área; o ‘Residencial Kadoshi’ possui 11 unidades de casas já prontas com 110 m² cada e o maior é o ‘Monteville Residence’ com casas que variam de 176 a 221 m² e possui 25 unidades. Esses imóveis são destinados a uma camada de média renda e não de alta renda que ainda se concentra nos bairros como Alto Branco e Mirante. No ‘Nações Residence Prive’ os terrenos apresentam em média 450 m², com 230 lotes a venda. Contudo, no final do ano de 2008 surgiu um novo empreendimento, o Sierra Resort com 197 lotes, cuja área individual de cada lote corresponde a 535 m² e oferece um grande número de equipamentos para laser como quadra poliesportiva, quadra de tênis, quadras de squash, quadra de vôlei, campo de futebol, arquibancadas com 450 lugares, praças temáticas, saunas, piscina térmica com 3 sendo semi-olímpicas (25m) e piscina externa adulto e infantil. Devido ao tamanho da área do lote ser superior aos demais e à grande área destinada aos equipamentos de laser, o valor por unidade do lote também é bastante superior aos anteriormente apresentados.

 

Figura 12. Mapa – Localização dos loteamentos e condomínios horizontais fechados – Campina Grande-PB.

 

Quanto à localização, a maioria devido ao tamanho dos lotes, encontra-se nos bairros próximos ao centro, sendo o mais distante, o ‘Nações Residence Prive’ que está na Rodovia BR 104.  Os mais próximos são o ‘Residencial Santa Maria’ no Bairro Quarenta e o ‘Monteville’ no Bairro Alto Branco. A localização é um tema explorado pelas propagandas divulgadas pelos corretores imobiliários desses condomínios. Os anúncios fazem questão de anunciar a facilidade e a rapidez para se chegar à área central da cidade, mesmo considerando que os possíveis compradores desses novos modelos de habitação possuam transporte individual.

 

Quadro 8.
Campina Grande-PB. Condomínios fechados segundo número de lotes,
preço das unidades e área e localização, 2008

Nome do condômino

Número de lotes ou casas ofertadas

Preço das unidades ofertadas em R$ (reais)

Área(s) dos Lotes e casas

Bairro

Nações Residence Prive

230 lotes

70 mil*

450 m²

Nações

Monteville Residence

25 casas

309.000*

176, 210, 221 m²

Alto Branco

Residencial Kadoshi

11 casas

100.000

103 m²

Liberdade

Santa Maria Residencial

10 casas

110.000

105 m²

Quarenta

Sierra Home Resort

197 lotes

160.000

535m²

Jardim Tavares

Fonte: Informações obtidas através de consultas aos corretores responsáveis pela comercialização dos condomínios em novembro e dezembro de 2008.

 

O preço varia conforme a localização no terreno

Como já expresso anteriormente, a busca pela acessibilidade, pela melhor localização, considerando  os serviços e o tempo gasto nos deslocamentos são fatores, pelos quais as incorporações imobiliárias lutam e, portanto sempre vão ser elementos valorizados pelos construtores imobiliários. Isso ficou demonstrado no caso do Condomínio Fechado Sierra Home Resort, que teve sua construção vinculada à confirmação da instalação do supermercado  Grupo Carrefour ao lado desse condomínio, além da boa acessibilidade pela Av. Manoel Tavares que leva em direção ao centro.

 

Figura 13. Condomínio Horizontal Fechado Nações Residence Prive – Campina Grande-PB.
Fonte: Trabalho de campo, 2008. Foto: Leonardo Barboza Costa.

 

A implementação dos loteamentos e condomínios horizontais fechados modifica a morfologia urbana, impulsiona a periferização da cidade e expressa a auto-segregação, alterando por conseguinte o processo de crescimento da cidade, onde se prioriza o consumo e não a moradia. A esse processo, Sobarzo (2006) denominou de socialização privada, onde os espaços se destinam sempre a uma determinada classe, que busca o lazer, o trabalho e o lar, distante daqueles que não podem pagar pelo mais novo, pelo mais moderno.

Tal processo conduz à produção de uma cidade periférica, fragmentada e segregada, especialmente, quando se depara em algumas áreas com as construções de condomínios horizontais fechados e em outras, com áreas de habitações improvisadas, bairros desprovidos de infraestrutura e, conjuntos habitacionais localizados em áreas periféricas.

 

Notas

[1] Esse texto foi produzido a partir da pesquisa Cidades Médias Brasileiras: agentes econômicos e reestruturação urbana e regional, financiada pelo CNPq através do Edital Casadinho (Processo 620008/2008-3). Parte do seu conteúdo integra relatórios, bem como textos (artigos, trabalhos em eventos, monografias de conclusão de curso, dissertações de mestrado e relatórios de iniciação à pesquisa) produzidos pela equipe que realiza a pesquisa na cidade de Campina Grande: Carlos Augusto de Amorim Cardoso, Sergio Fernandes Alonso, Rogério Bezerra, Ernani Martins Filho, Andrea Leandra Porto Sales, Yure Silva Lima, Rafaela Fernandes, Péricles Batista, Leonardo Barboza Costa, Sonale Vasconcelos Costa, Mateus Augusto Araújo e Karlla Raquel da Silva.

[2] Lei de 21 de agosto de 1964, publicado no Diário Oficial da União – DOU de 11/09/64. Disponível em http://

www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm. Acesso em 10 de março de 2010.

[3]  Os INOCOOPs, entidades com caráter de Sociedade Civil sem fins lucrativos e regulamentados pelas Resoluções 68/66 e 95/66, ambas do BHN, foram instalados nos estados e tinham como atribuições prestarem assessoria técnica e política com a finalidade de orientar as Cooperativas Habitacionais, em todas as operações necessárias para a produção e aquisição da moradia.

[4] Lei Federal  Nº 11.124 de 16 de Julho de 2005.

[5] O Pró-Moradia financia o acesso à moradia adequada à população em situação de vulnerabilidade social e com rendimento familiar mensal preponderantemente de até 3SM.

[6] Programa cujo objetivo é oferecer acesso à moradia adequada a cidadãos com rendimento familiar mensal bruto não superior a R$ 1.050,00 por intermédio da concessão de subsídio.

[7] http://server.ew3servers.com/~cehap/regioes.php?regiao=2 em agosto de 2008.

[8] O termo aglomerado subnormal é o utilizado pelo IBGE e corresponde a “um conjunto constituído por um mínimo de 51 domicílios, ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia – pública ou particular – dispostos, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais. Podem se enquadrar, observados os critérios de padrões de urbanização e/ou de precariedade de serviços públicos essenciais, nas seguintes categorias: invasão; loteamento irregular ou clandestino; e áreas invadidas e loteamentos irregulares ou clandestinos regularizados em período recente (IBGE. Série Relatórios metodológicos, volume 25, Metodologia do Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro, 2003).

[9] Em uma primeira visita, no ano de 2007 foram identificados 10 barracos, mais recentemente em julho de 2009 contabilizamos 25 barracos.

[10] Brejo é uma denominação dada a uma região do estado da Paraíba, caracterizada pelo clima úmido e relevo acidentado – Planalto da Borborema.

 

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© Copyright Doralice Sátyro Maia, 2010. 
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Ficha bibliográfica:

SÁTYRO MAIA, Doralice. A periferização e a fragmentação da cidade: loteamentos fechados, conjuntos habitacionais populares e loteamentos irregulares  na cidade de Campina Grande-PB, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (80). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-331/sn-331-80.htm>. [ISSN: 1138-9788].

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