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O PROGRAMA FAVELA-BAIRRO: MAIS DO MESMO? QUAIS AS POSSIBILIDADES PARA A SUPERAÇÃO DOS “PROBLEMAS” EXISTENTES NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO?
O programa favela-bairro: mais do mesmo? quais as possibilidades para a superação dos “problemas” existentes na cidade do Rio de Janeiro? (Resumen)
Desde dos estudios de caso del Programa Favela-Barrio, principal política pública de intervención en los barrios cariocas, en los últimos años del siglo pasado y en los primeros del actual, buscamos comprender hasta qué punto el programa es distinto realmente de las políticas anteriores y cuáles las posibilidades de superación de los problemas existentes en la ciudad del Río de Janeiro. En el general, las acciones del poder público en el Programa Favela-Barrio repiten los errores de la mayor parte de los programas adoptados con la finalidad de solucionar la ocupación y construcción informal por las clases populares, que desde la década de 1940, al miraren sus acciones en medidas paliativas envolviendo las consecuencias del proceso de “favelização” “olvidan” de las causas que producen ese proceso, no posibilitando “soluciones” concretas para muchos de los problemas existentes en la ciudad del Río de Janeiro e incluso agravándolos.
Palabras chave: política pública, programa Favela Barrio, barrios, Rio de Janeiro.The Favela-Bairro program: more of the same? Which are the possibilities for the overcoming of the existing “problems” in Rio de Janeiro city? (Abstract)
From two case studies of the Favela-Bairro program, the main policy intervention in the slums of Rio, in the last years of the last century and the first of the current, we seek to understand the extent to which the program really differ from previous policy and the possibilities to overcome the problems existing in the city of Rio de Janeiro. In general, the actions of government in the Favela-Bairro repeat the mistakes of most of the programs adopted in order to solve the occupation and informal construction by the popular classes, which since the 1940s, to focus its actions on mitigation measures involving the consequences of the process of slum formation, "forget" the causes that produce this process, not possible "solutions" to many practical problems in the city of Rio de Janeiro and even aggravating them.
Key words: public policy, Favela-Bairro program, slum, Rio de Janeiro.A favela não é uma realidade presente apenas na cidade do Rio de Janeiro e demais cidades brasileiras. Davis (2006), em seu estudo chega a cifra de mais de 1 bilhão de pessoas vivendo em “favelas” nas cidades dos países subdesenvolvidos do mundo e esse número só tende a aumentar nas próximas décadas.
Dentre as diversas políticas públicas direcionadas para as favelas cariocas ao longo do tempo, o presente trabalho visa analisar especificamente o Programa Favela-Bairro, a principal política pública de atuação nas favelas cariocas nos anos finais do século passado e nos primeiros do atual.
Entre os motivos para analisar o Programa Favela-Bairro, podemos assinalar: i) a quantidade de áreas atendidas, ii) os recursos destinados ao programa, iii) a sua duração (ainda hoje em operação) e iv) o programa tornou-se “garoto propaganda” do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, financiador do programa, como sinônimo de sucesso (ganhou prêmios e elogios internacionais, inclusive da Organização das Nações Unidas) e de programa a ser seguido por outras cidades brasileiras e países latino-americanos, africanos e asiáticos.
Para compreender o Programa Favela-Bairro realizamos dois estudos de caso: no Parque Proletário do Grotão e no Parque Royal. Ambas as favelas fizeram parte da primeira fase do programa.
A escolha dessas áreas levou em consideração as diferenças existentes entre elas – na topografia, no nível de renda, no grau de verticalização, na violência (associada direta ou indiretamente ao tráfico de drogas), entre outras – pois buscamos, entre outras coisas, compreender como o Programa Favela-Bairro atuou em condições diversas.
Dentre as questões analisadas, no presente artigo, buscaremos compreender três: i) a população local participou (ou não) na concepção do projeto, a suposta integração (ou não) entre a favela e o bairro e iii) o atual estado da infra-estrutura e dos equipamentos instalados pelo Programa Favela-Bairro, passados mais de dez anos do término das obras.
Para analisar as questões assinaladas acima, utilizamos documentos produzidos pelas empresas responsáveis pela elaboração e execução dos projetos do programa e entrevistas com a população local. No total, foram realizadas sessenta entrevistas: quarenta no Parque Royal e vinte no Parque Proletário do Grotão.O número total de entrevistas não foi escolhido via amostragem, sendo realizada de modo aleatório. A pesquisa buscou atender a totalidade da favela, no sentido da sua distribuição espacial.
Mais do que apresentar resultados conclusivos, o trabalho pretende permitir ao leitor uma noção geral sobre as favelas cariocas e, em especial, indagar sobre as reais possibilidades para a superação dos problemas atuais.
O surgimento e expansão das favelas cariocas
A partir da análise de uma série de autores que discutem onde e quando se originou a primeira favela carioca, Campos (2004) apresenta “três versões” para o sua gênese. A segunda versão apresentada pelo autor é a que acabou se tornando um mito e permanece de certa maneira até os dias atuais. A versão da ocupação do morro da Providência pelos ex-combatentes de Canudos em 1897. Estes ocupantes passaram a chamar o morro da Providência de morro da Favela.
Quanto à origem do termo “Favela”, Valladares (2005) vê duas explicações para a mudança de nome: “primeiro, a existência neste morro da mesma vegetação que cobria o morro da Favela do município de Monte Santo, na Bahia” (conteúdo material) e o “segundo, o papel representado nessa guerra pelo morro de Favella de Monte Santo, cuja feroz resistência retardou o avanço final do exército da República sobre o arraial de Canudos” (conteúdo simbólico).
A favela se originou na área central da cidade no final do século XIX. A proximidade do local de trabalho, amplamente concentrado nessa área, foi um dos principais motivos se não o mais determinante. Somado a este motivo, temos os meios de transportes ainda bastante ineficientes ou caros para a maior parte da população.
A população mais abastada, ao se deslocar para áreas mais afastadas, necessitava dos trabalhos realizados pela população de baixa renda fazendo com que estas pessoas também ocupassem aquelas áreas. Por isso, não se deve estranhar o fato de, já na primeira década do século XX, as favelas estarem se formando também nas zonas sul e norte da cidade.
De acordo com Abreu (1994), “a década de 1920 pode ser considerada como a década da afirmação definitiva das favelas na paisagem carioca”. Nela, as favelas se multiplicaram e adensaram.
O período de 1930 até 1960 foi cuidadosamente estudado por Silva (2003). A autora conclui que o processo de industrialização-urbanização contribuiu para a dispersão e difusão das favelas, que acompanharam a expansão urbana e a dispersão das indústrias na cidade e tiveram, em alguns casos, até mesmo a antecedido.
A quantificação do número de favelas e de sua população inicia-se somente passados mais de cinqüenta anos de sua existência. Os primeiros números resultam do Censo Oficial de 1948 realizado pela prefeitura entre 1947 e 1948. Nele foram detectadas 138.837 pessoas vivendo em 34.567 moradias num total de 105 favelas. Nesta época, os habitantes de favelas correspondiam cerca de 7% do total.
O processo mais recente de favelização na cidade do Rio de Janeiro, entre 1970 a 2000, foi estudado por diversos pesquisadores. Costa (1996) chama a atenção para o processo de expansão da cidade e da favelização que ocorre, a partir da década de 1970, no sentido da Zona Oeste, área mais tardiamente ocupada e que ainda apresenta os maiores vazios demográficos do município. A ação dos agentes imobiliários e do Estado tem induzido este processo.
Novamente, o deslocamento da população de alta renda na cidade do Rio de Janeiro acaba atraindo a população de baixa renda e cria, nestas áreas, em especial na Barra da Tijuca, um forte contraste (Costa, 1996).
O Censo de 2000 realizado pelo IBGE constatou que o processo de surgimento e adensamento das favelas verificado nos anos 1980 continuou na década de 1990. A população vivendo em favelas ultrapassa a marca de um milhão de pessoas (1.092.783) distribuídas em 513 favelas. Segundo dados recentes do Instituto Pereira Passos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2008), existem atualmente mais de 1000 favelas dispersas pela cidade do Rio de Janeiro
Breve histórico das políticas públicas nas favelas cariocas
“Motivo de poesia e música para uns, instrumento para políticos, amada pelos seus moradores e detestada por parte (pequena) da população urbana, a favela existe e cumpre a sua finalidade. É ela o primeiro estágio de urbanização e o atestado tácito do nosso subdesenvolvimento. Coexistem na mesma cidade duas estruturas: o concreto armado e o barraco. Reflete a dualidade de nossa estrutura econômica e social, o problema do desemprego e da distribuição de renda, do analfabetismo e muitos outros” (Parisse, 1969:9)
Passados mais de quarenta anos da constatação acima, muita coisa mudou. No entanto a essência permaneceu. Diversas políticas foram adotadas desde a década de 1940 com o intuito de remover ou amenizar o “problema favela”.
Para tratar das políticas públicas nas favelas cariocas, desde a criação dos Parques Proletários até o Programa Favela-Bairro, iremos utilizar os trabalhos de Parisse (1969), Valladares (1978), Valla (1986) e Burgos (1998).
Para intervir nas favelas, é necessário (re) conhecer o “problema” como coloca Parisse (1969) e é justamente quando se tem a necessidade de intervir, é que se realiza a sua oficialização pelo IBGE. A favela precisou de algo em torno de meio século de existência para que fosse reconhecida e passasse a compor parte da cidade. Antes de ser considerada oficialmente, as favelas sequer apareciam nos mapas da cidade. Eram vistas como moradia provisória.
No começo dos anos 1940, a favela se torna um problema urbano de tal magnitude que o poder público se sente impelido a agir. A cidade olha a favela como uma realidade patológica, uma doença, uma praga. Estas expressões se encontram em todos os jornais, sob a pena de jornalistas, professores, intelectuais, entre outros (Parisse, 1969).
Para tentar resolver o problema, o Dr. Victor Tavares fez um esboço de um plano que resultaria na experiência dos Parques Proletários. A ação do poder público tinha como finalidade resolver o problema das condições insalubres e de permitir a conquista de novas áreas. Ente 1941 e 1943 foram construídos 3 parques proletários (Gávea, Leblon e Caju) para serem moradia provisória da população deslocada enquanto as áreas previamente habitadas fossem urbanizadas, o que jamais ocorreu. Com a valorização das duas primeiras áreas, tais populações foram novamente deslocadas.
Nas eleições de 1945, é descoberta nas favelas uma massa eleitoral numerosa, concentrada em áreas determinadas e de interesses definidos. Os políticos favorecem a implementação de novas favelas ou a ampliação das já existentes com a finalidade de assegurar uma clientela política. Até a obtenção de uma casa nos Parques Proletários passa a ser favor político e não de direito (Parisse, 1969).
O comunismo preocupava as autoridades. A criação da Fundação Leão XIII, em 1946, pela arquidiocese do Rio de Janeiro em conjunto com a prefeitura, objetivava o combate ao problema moral através da assistência material e moral dos habitantes (BURGOS, 1998). Entre 1947 e 1954, a Fundação Leão XIII atuou em 34 favelas implementando serviços básicos e criou 8 centros sociais nas maiores favelas.
Os vários empreendimentos colocados em prática para solucionar o problema, entre 1940 e 1954, fracassaram. Os órgãos que atuavam nas favelas, apesar da simpatia inicial, com o tempo, são mal vistos e mal recebidos pelos interessados.
A politização do problema exigia da igreja e do poder público um maior aprofundamento do seu trabalho junto às favelas. Para isso, a igreja criou, em 1955, a Cruzada São Sebastião. Enquanto o governo municipal criou no ano seguinte o Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiências – SERFHA, através do decreto no 13.304 do prefeito Negrão de Lima. Tanto a Cruzada São Sebastião quanto a SERFHA procuravam articular o controle político a uma pauta mínima de direitos sociais referentes de infra-estrutura.
Na década de 1960, a identidade do favelado começa a ser reelaborada, uma Figura negativa de vício, promiscuidade, refugio de criminosos e lugar da desordem passa a predominar. Esta Figura é semelhante a que imperava até os anos 40 e terá repercussão na política pública adotada nas favelas (Burgos, 1998).
No início da década de 1960, o governo ainda não tinha decidido entre a remoção e a urbanização, realizando ao mesmo tempo as duas perspectivas.
Durante o governo de Lacerda foi adotada uma forte política de remoção de favelas da zona sul para áreas distantes da cidade. Neste período, foram criados quatro conjuntos habitacionais. Com a ascensão do regime militar, a via remocionista, realizada de forma autoritária, optou pela erradicação do problema favela e quase extinguiu o processo associativo das associações de moradores.
Uma exceção à via remocionista foi a criação da Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (CODESCO) que era formada por um grupo de jovens profissionais com o intuito de realizar a urbanização de três favelas sob a autorização do governador Negrão de Lima. O projeto piloto foi concretizado em Brás de Pina e no Morro União. Na favela Mata Machado, não saiu do papel.
Em 1968, com uma visão negativa da favela, o governo cria a Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (CHISAM), visando ditar uma política única de favela para os estados do Rio e da Guanabara. A meta da CHISAM era a remoção completa de todas as favelas do Rio de Janeiro.
O período de 1968 a 1973 representa um dos capítulos mais violentos da longa história de repressão e exclusão do estado brasileiro. Cerca de 60 favelas e 100 mil pessoas foram removidas. Em grande parte, estas favelas estavam localizadas em áreas de interesse do setor imobiliário, em especial na zona sul.
Segundo Valladares (1978) “o efeito do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro foi diametralmente oposto ao esperado: em vez de regressivo foi propulsor”. O programa atraia novos moradores para as favelas devido a duas questões: morar nela representava a condição para o acesso às unidades habitacionais da COHAB e, ao mesmo tempo, muitos acabam passando a casa recebida e retornavam para as favelas.
Entre 1975 e 1982, a política pública voltada para as favelas é praticamente nula, sendo caracterizada pelo ressentimento e o clientelismo a relação dos moradores de favelas e conjuntos habitacionais com o poder público existente (Burgos, 1998).
Na década de 1980, as administrações, tanto estadual quanto municipal, passam a realizar obras nas favelas de uma forma mais dinâmica do que as administrações anteriores. Em parte devido a retomada de um período democrático, frente às quase duas décadas de autoritarismo (Valla, 1986).
Em meio as crises políticas e econômicas que atravessaram a década de 1980, a favela volta a fazer parte das preocupações do poder público, pois é composta por um grande eleitorado. Nas eleições de 1982, o candidato Leonel Brizola capta os votos dos excluídos e em seu governo desenvolve uma agenda social voltada especialmente para as favelas do Rio de Janeiro. Brizola procurou reduzir a precária situação de infra-estrutura presente nas favelas cariocas a partir de uma série de políticas elaboradas para melhorar a distribuição da água, coleta de esgoto e lixo e iluminação pública.
Seu sucessor, Moreira Franco, ao invés de prosseguir com as melhorias de infra-estrutura, opta por uma política de segurança pública repressiva para inibir o tráfico de drogas em meio a violência crescente. Apesar dos investimentos realizados ao longo da década de 1980, o déficit de infra-estrutura continua elevadíssimo.
O Programa Favela-Bairro
Nos anos 1980 em diante, a via pela remoção foi perdendo força (mas não desapareceu, ganhando “nova roupagem” mais recentemente). Na década seguinte, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro criou o Programa Favela-Bairro para intervir nas favelas da cidade.
A concepção do Programa Favela-Bairro foi inspirada nos ideais presentes no Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro (1992), fruto de conquistas dos movimentos sociais, no período da redemocratização brasileira, nos anos 1980. Nele, consolida-se a idéia de um programa global de integração das favelas ao restante da cidade e a participação democrática efetiva de todos os moradores nesse processo.
Em 1993, o prefeito César Maia, em sua primeira gestão (1993 – 1996), cria o Grupo Executivo de Assentamentos Populares (GEAP) com a iniciativa de centralizar a política habitacional em um único órgão. Esse grupo concebeu seis programas, entre eles o Favela-Bairro (para atender as favelas de médio porte, que possuem entre 500 e 2500 domicílios). Seguindo as recomendações do GEAP, o prefeito cria a Secretaria Extraordinária de Habitação (SEH). No final de 1994, a SEH é transformada em Secretaria Municipal de Habitação (SMH).
Em 1994 foi divulgado o edital do Concurso Favela-Bairro para a escolha de 15 propostas metodológicas e físico-espaciais relativas à urbanização de favelas no Município do Rio de Janeiro. Os objetivos do Programa Favela-Bairro são expostos da seguinte forma no edital do concurso:
“Implementação de melhorias físico-ambientais que integrem as favelas aos bairros onde se localizam, através da complementação da estrutura urbana em cada uma das favelas, da introdução de valores urbanísticos presentes no restante da cidade, tais como condições básicas de acesso e circulação viários, infra-estrutura urbanística essencial, equipamentos urbanos, contando com a adesão e a participação da população residente durante o processo de implementação das melhorias físico-ambientais”. (Edital do Concurso Favela-Bairro,1994)
Juntamente com esses objetivos, em diversos documentos, a implementação de programas de cunho social (como geração de renda, capacitação profissional, esporte, cultura e lazer entre outros) para a melhoria da qualidade de vida da população aparece como um dos objetivos do programa.
Cada uma das quinze equipes selecionadas, a partir do concurso público, ficou responsável por uma favela, enquanto a equipe composta pelo quadro de funcionários da prefeitura realizou o projeto piloto no Complexo do Andaraí. Assim como os projetos, as obras também foram realizadas por empresas privadas a partir de contratos temporários.
A Prefeitura iniciou as obras, com recursos próprios, em 1995, investindo R$ 43.000.000, porém no final do mesmo ano, na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, é assinado o convênio no valor de US$ 300.000.000 entre a Prefeitura e o Banco para a execução do que passou a ser denominado de Programa de Urbanização de Assentamentos Populares (PROAP) sob a coordenação da SMH.
O surgimento do Programa Favela-Bairro foi recebido com alegria e esperança, pelos movimentos sociais, pela população favelada e pelo meio acadêmico, uma vez que incorporou em sua concepção vários elementos presentes no Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro e que já estavam presentes também no Movimento de Reforma Urbana, nos anos 1980.
Para Davidovick (1997: 1473), “o Programa Favela-Bairro se constitui na retomada da problemática da favela” após um longo período de ausência ou atuação pontual do Estado, enquanto Abramo e Faria (1998: 442) destacam a inovação em relação às “parcerias envolvendo a concepção do projeto e seu financiamento”. Já Ribeiro (1997:16-17), destaca o “empenho de autoridades e técnicos da Prefeitura no sentido da regulamentação operacional do Programa”.
O BID considera o Favela-Bairro seu principal projeto voltado para a política urbana e social, difundindo-o nacionalmente e internacionalmente. Entre os resultados positivos destacados pela instituição e pela prefeitura encontram-se: i) indicação pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um dos programas de urbanização de áreas carentes a ser seguido, ii) a seleção entre os melhores projetos do mundo apresentados na Expo 2000, em Hannover (Alemanha) e iii) servir como modelo para programas de atuação em favelas no Brasil e no exterior.
Dentro dessa esfera de “sucesso”, em 2000 foi assinado um novo convênio, entre a Prefeitura e o BID, dando inicio ao PROAP II. Cabe registrar que o valor e a contrapartida (40%) são os mesmos do anterior.
Apesar de toda a visão otimista do programa num primeiro momento, os resultados apresentados ao término das intervenções ficaram, na maioria das vezes, muito aquém do esperado. Medeiros (1999) constatou que nas intervenções da primeira etapa prevaleceram obras de infra-estrutura, sendo a integração social tratada superficialmente. Esta crítica é recorrente em muitos estudos em relação ao programa, como por exemplo, em Martins (1999) e Rodrigues (2002).
Em Martins (1999: 118), encontramos uma crítica a um dos pilares do Programa Favela-Bairro: a participação da população local na tomada das decisões. “As comunidades não tiveram uma participação efetiva no acompanhamento de todas as fases do projeto”.
Rodrigues (2002) constatou um triste problema presente na maior parte das políticas públicas realizadas no Brasil: o total abandono, por parte do poder público, após a realização das obras. Toda política pública, que valorize o aspecto social e os recursos empregados em uma intervenção, deve se preocupar com a manutenção do que foi realizado.
Ao confrontarmos as informações repassadas pela Prefeitura e pelo BID com os resultados obtidos nas pesquisas acadêmicas referentes ao programa, podemos constatar fortes contrastes entre o que é anunciado e o que ocorre de fato.
Atualmente, o Programa Favela-Bairro está na 3a Fase, também sob financiamento do BID, no mesmo valor dos anteriores. Segundo a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (2008), o programa já atendeu 143 favelas e aproximadamente 556 mil moradores.
O Programa Favela-Bairro no Parque Royal e no Grotão
O Programa Favela-Bairro no Parque Royal
A favela Parque Royal está localizada em uma área plana, na Ilha do Governador (zona norte da cidade do Rio de Janeiro), no bairro Portuguesa. O primeiro registro de ocupação data do ano de 1973 e segundo o IBGE, via o recenseamento realizado no ano 2000, existiam 5722 pessoas vivendo em 1586 domicílios.
A empresa Archi 5 foi responsável pela concepção e execução do projeto. Dentre as preocupações assinaladas pela empresa, podemos destacar o crescimento horizontal da favela sobre a Baía da Guanabara através da construção de palafitas, a forte descontinuidade da favela ao bairro e a preocupação com a preservação e manutenção da infra-estrutura e dos serviços a serem oferecidos a médio e longo prazo.
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Figura 1. Localização das áreas de intervenção do PROAP e das favelas pesquisadas. |
Para tratar da participação, não podemos esquecer a falta de uma cultura participativa, por parte da população local, na tomada de decisões políticas. Com frisou Burgos (1998), a regime militar podou os movimentos participativos, como as associações de moradores, que se formavam nas favelas e o período de redemocratização coincidiu com o avanço do tráfico de drogas e a formação de um “poder paralelo” nas favelas, como assinala Souza (1993).
Segundo a pesquisa realizada, 73% dos entrevistados afirmaram que foram informados sobre reuniões para a elaboração do projeto ou que participaram das mesmas. Contudo, ao indagarmos a participação dos entrevistados através de suas sugestões ao programa, apenas cerca de 5% afirmaram ter proposto algo.
Utilizando a tipologia proposta por Souza (2002) e analisando as entrevistas realizadas, podemos afirmar que o Programa Favela-Bairro não realiza uma participação efetiva da população residente no Parque Royal, mas uma pseudoparticipação.
No dicionário Michaelis, a palavra integração é definida como “ato ou processo de integrar; incorporação, complemento”, podendo ser compreendida também como “condição de constituir um todo pela adição ou combinação de partes ou elementos”. Passando pelas acepções matemática, médica e zoológica, chegaremos à sociológica. Nela a integração é definida como “processo social que tende a harmonizar ou unificar diversas unidades antagônicas, sejam elementos da personalidade dos indivíduos, dos grupos ou de agregações sociais maiores”.
O Programa Favela-Bairro parte da negação da favela enquanto forma de ocupação e de vida existente na cidade do Rio de Janeiro. A favela não é e não pode ser parte constituinte da cidade. Para que ela seja aceita é necessária uma série de intervenções que a transforme em bairros. Nesse sentido, o Programa Favela-Bairro volta a repetir diversas outras políticas voltadas para a questão da favela.
No Parque Royal os equipamentos e as instalações para a prestação de serviços estão distribuídos ao longo da única via de acesso à favela (Estrada Governador Chagas Freitas) e na principal rua da favela (Rua Jornalista Alaíde Pires). A única exceção foi à construção de uma ciclovia a beira da Baía de Guanabara, limite interno da favela (com o objetivo de conter uma possível expansão da favela sobre a Baía de Guanabara).
A empresa Archi 5, ao elaborar o projeto, enfatizou que a localização dos equipamentos e das instalações para a prestação de serviços, ao longo da via principal de acesso a favela ou na sua principal rua, possibilitaria uma maior acessibilidade para a população do entorno, permitindo assim benefícios para essa população e uma maior interação (integração) entre a população do Parque Royal e do entorno.
Segundo entrevistas com os responsáveis pela prestação de serviços e lideranças locais, foi constatado que a população do entorno não utiliza os serviços (saúde e educação) prestados no Parque Royal e os equipamentos urbanos. O que demonstra que a interação não passa apenas pelos aspectos urbanísticos, mas, principalmente, pela posição de classe e o seu respectivo consumo.
A instalação dos equipamentos urbanos na favela, ao mesmo tempo em que não integra a população do bairro do entorno, pode contribuir para aumentar a segregação da população favelada, visto que essa população deixa de executar determinadas ações fora da favela, reduzindo o seu encontro com o outro e a sua mobilidade na cidade.
A instalação desse mobiliário urbano, concentrado em uma área, altera a estrutura interna da favela. Apesar do princípio integrador do Programa Favela-Bairro, ele atua de forma diferenciada no interior da favela, criando assim desequilíbrios em sua estrutura interna
Após mais de uma década do término das obras, a ausência de políticas que visassem reduzir ou até mesmo conter as causas do processo de favelização e a falta de fiscalização contribuíram para um rápido crescimento desordenado (Figuras 2, 3 e 4) e, conseqüentemente, para a saturação da infra-estrutura e dos serviços, gerando a rápida perda dos “benefícios” proporcionados pelo programa nos primeiros anos.
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Figuras 2, 3 e 4. Crescimento desordenado no Parque Royal após o programa. |
A Associação de Moradores do Parque Royal é a responsável pela manutenção da infra-estrutura e dos equipamentos instalados pelo Programa Favela-Bairro, assim como o serviço de limpeza das vias públicas, entrega de carta e muitas outras funções que caberiam ao poder público. Para realizar tal função a Associação de Moradores do Parque Royal conta com uma equipe contratada pela própria associação de moradores, mas paga pela prefeitura. Cabe registrar que essa é uma prática recorrente nas áreas atendidas pelo Programa Favela-Bairro (que reduz custos, ao mesmo tempo em que enfatiza a “geração de emprego e renda”).
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Figuras 5, 6 e 7. Situação atual de uma praça, da ciclovia e do esgoto no Parque Royal |
As Figuras acima (5, 6 e 7) ilustram a atual precariedade das instalações realizadas pelo programa.
O Programa Favela-Bairro no Grotão
O Parque Proletário do Grotão, também chamado de Morro da Chatuba, está localizado numa das encostas do maciço do Caricó, no bairro da Penha.
Na área onde está localizada a favela, funcionava uma pedreira até 1969. Após a falência da empresa, diversas tentativas de ocupação da área fracassaram devido à ação policial. Apenas em 1979, um grupo de moradores de três favelas da região e do Parque Proletário da Penha conseguiram ocupar o local, com o auxílio de padres. Segundo o IBGE, via o recenseamento realizado no ano 2000, existiam 868 domicílios e um total de 3.162 pessoas vivendo no Parque Proletário do Grotão.
O projeto foi realizado pela empresa Terravista – Agência de Planejamento Ltda, em 1995. As sugestões apresentadas pela empresa foram divididas em quatro “famílias de intervenção”. Dentre essas famílias de intervenção, podemos destacar a primeira e a quarta.
A primeira trata da integração viária entre a favela e o bairro. Para realizar a integração viária, era necessário garantir o acesso da favela pelas quatro vias formais que ligam a favela ao bairro. Até aquele momento apenas uma via era utilizada pelos moradores, a Rua Tenente Luiz Dorneles.
A quarta elege (pela empresa e não pelos moradores) a área mais baixa da favela e próxima do bairro como a localização ideal para a instalação de todos equipamentos urbanos, além de conter obras faraônicas (rua em forma de túnel com casas em cima, em frente a uma espécie de mini-shopping que também seria construído), que por motivos óbvios – custo – não foram incluídas no projeto final.
Segundo a pesquisa realizada, um pouco mais da metade dos entrevistados (55%) afirmaram ter ouvido ou participado de uma ou mais reuniões sobre o projeto do Programa Favela-Bairro para o Parque Proletário do Grotão. A respeito do projeto, uma liderança local entrevistada denunciou que o mesmo veio pronto, sem margem para alterações. Diante desse quadro, podemos afirmar que o Programa Favela-Bairro não realizou uma participação efetiva da população local na tomada das decisões no Parque Proletário do Grotão. Sendo a participação, na realidade, uma mera informação podendo ser classificada segundo Souza (2002), como uma pseudoparticipação.
A primeira família de intervenção visava possibilitar a integração física da favela ao bairro pelas suas quatro vias de acesso. O Programa Favela-Bairro previa melhorar todas essas vias, mas apenas uma escadaria foi reformada. A Rua Gonçalves Magalhães foi projetada, mas não “saiu do papel” (Figura 8), enquanto que nas ruas Tenente Luiz Dorneles e Jurumirim (Figura 9) os traficantes colocaram obstáculos para dificultar a entrada e saída de veículos.
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Figuras 8 e 9. Ruas Gonçalves Magalhães e Jurumirim, respectivamente. |
No estudo elaborado pela Terravista, a violência aparece como um fator limitante para o exercício da cidadania e conseqüentemente para a integração da favela ao bairro. A empresa inclusive reconhece as limitações do seu projeto, uma vez que essa questão é bastante complexa e necessita da mobilização de diversas políticas.
Em relação a distribuição espacial dos equipamentos e serviços urbanos, a intervenção concentrou na parte baixa da favela e contígua ao bairro todos os equipamentos e serviços. Ao privilegiar uma dada área da favela, na verdade a área mais “desenvolvida” até aquele momento e mais próxima do bairro, o projeto reforçou e agravou a diferenciação interna já existente na favela.
Para quase metade dos entrevistados (45%), o estado atual da infra-estrutura e dos equipamentos realizados pelo programa está pior em relação ao final da década passada, enquanto para 35%, o estado atual é o mesmo.
Quando indagados sobre o fator determinante para a piora do estado da infra-estrutura e sobre os equipamentos instalados pelo Programa Favela-Bairro, cerca de 80% dos entrevistados afirmou que foi devido à falta de manutenção, enquanto 20% não souberam explicar, o que chamou nossa atenção. A presença extremamente ostensiva do tráfico de drogas pode ter influenciado na resposta desses entrevistados.
Segundo a atual vice-presidente da associação de moradores local, o número de garis comunitários diminuiu nos últimos anos, dificultando a limpeza de toda a comunidade com eficiência. Sem contar a questão do material necessário para tal manutenção. A justificativa para tal redução, segunda a mesma, se deveu a concentração dos recursos para atender os Jogos Pan-americanos (2007) na cidade.
O projeto atuou nas áreas de riscos, localizadas nas partes média e alta da favela, desapropriando moradias e realizando a contenção de encostas (na verdade esse serviço foi realizado pelo GEORIO). Após mais de uma década da intervenção, podemos observar novamente a ocupação dessas áreas (Figura 10), assim como o adensamento e crescimento vertical das áreas existentes e a expansão horizontal na área denominada “favelinha” devido a ausência de infra-estrutura (Figura 11).
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Figuras 10 e 11. Reocupação e ocupação após o programa no Grotão. |
Sobretudo nas novas áreas ocupadas, após a implantação do programa, a infra-estrutura é bastante precária. Infelizmente a violência não reduziu após o Programa Favela-Bairro, pelo contrário, piorou ainda mais desde então. Cabe registrar que o cotidiano dos moradores é alterado de tal forma que dependendo da situação o posto médico não funciona e muitas crianças, moradoras do próprio local, ficam dias sem freqüentar a creche.
Para além do Programa Favela-Bairro: as atuais políticas públicas nas favelas cariocas
Conforme vimos anteriormente, o Programa Favela-Bairro foi a principal política pública de intervenção nas favelas cariocas por mais de uma década. Porém, mesmo com a terceira fase do programa em andamento, atualmente outras ações do poder público, em seus diferentes níveis, ganham relevância.
Uma análise mais completa sobre essas políticas públicas foge ao objetivo desse trabalho. No entanto, cabe ressaltar que uma breve apresentação das mais recentes ações do poder público sobre as favelas cariocas visa promover uma atualização das mesmas.
Mais recentemente, desde 2007, o Governo Federal, em conjunto com o Governo do Estado do Rio de Janeiro e da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC iniciou a intervenção nos Complexo do Cantagalo/Pavão-Pavãozinho, do Alemão e de Manguinhos, na Rocinha e em 11 comunidades localizadas na Tijuca. Em uma escala de intervenção e de recursos (cerca de 1 bilhão de reais) superior ao Programa Favela-Bairro.
Uma rápida consulta na internet sobre as principais notícias veiculadas sobre as favelas em dois dos principais jornais em circulação na cidade do Rio de Janeiro, O Globo e O Dia, nos permite observar quanto a Figura da favela é associada a violência, em especial, a relacionada ao tráfico de drogas, como nas recentes reportagens: “Madrugada de tiros no Morro da Providência” (O Globo, 01/10/2009), “Polícia apreende 220 kg de drogas e armas em favela” (O Dia, 27/09/2009), “PM prende gerente do tráfico na favela Parque União” (O Dia, 22/09/2009) e “Polícia resgata 6 corpos no Morro do Juramento” (O Globo, 20/09/2009).
As notícias acima, relacionadas a violência, alimentam uma “sensação” de medo e insegurança na cidade e favorecem práticas de separação e isolamento que são vendidas pela “indústria da segurança” e pelos empreendimentos imobiliários que vendem a cidade (sem a cidade) para moradia, lazer, comércio e serviços em condomínios e centros comerciais fortemente controlados e vigiados por sistemas de segurança complexos e modernos, que Caldeira (2000) denominou “enclaves fortificados” e Souza (1996) “auto-segregação”.
Essa “sensação” de medo na e da cidade não é nova e sequer imutável. Tuan (2005) descreve os diferentes e principais tipos de medo vivenciados nas cidades desde a antiguidade até o século XX. Em Fobópole, Souza (2008) levanta, entre outras questões, as possibilidades de atuação dos movimentos sociais em uma “era do medo” e destaca a militarização da questão urbana tendo como cenário privilegiado a cidade do Rio de Janeiro.
A sensação de medo na cidade do Rio de Janeiro decorre, em grande parte, da violência associada direta ou indiretamente com o tráfico de drogas. O Estado há quase três décadas insiste numa política de segurança de “morte” investindo, sobretudo em armas para combater o tráfico de drogas nas favelas, que por sua vez também se arma cada vez mais, aumentando o poder de destruição e de perda de vidas.
Não se questiona de onde vêm as drogas e as armas. A “solução” novamente encontrada pelo Estado é levar o policiamento as favelas através das Unidades de Polícia Pacificadora – UPP.
Até o final de 2009, eram cinco as UPPs, mas essa política deverá se expandir sobretudo nas favelas localizadas nas áreas mais valorizadas da cidade. No jornal O Globo (15/08/2009), na série de reportagens “Democracia nas favelas”, fala-se dos custos e principalmente dos possíveis benefícios, com destaque para os econômicos, de se levar o policiamento para todas as favelas. Desconsiderando uma série de particularidades, desde a precária remuneração dos polícias até a diversidade da quantidade e intensidade dos conflitos existentes atualmente nas favelas cariocas.
No ano passado (2009), o Governo do Estado do Rio de Janeiro, ao custo de 40 milhões de reais, iniciou a construção de 11 quilômetros de muros, com 3 metros de altura, em 13 favelas cariocas sob a alegação de que pretende conter o crescimento desordenado nas áreas de proteção ambiental.
Segundo a reportagem da Folha de São Paulo (02/04/2009), utilizando dados do Instituto Pereira Passos – IPP, as favelas cariocas cresceram 6,88% em área, entre 1999 e 2008, sendo que as selecionadas para a construção do muro cresceram apenas 1,18%. No morro Dona Marta no período assinalado houve redução (0,99%). O que mostra que as favelas selecionadas, apenas uma não está na zona sul da cidade, não são as que mais cresceram horizontalmente, uma vez que o crescimento vertical não pode ser contido com a construção de muros e que “outros” interesses que passam bem longe da questão ambiental estão por trás dessa medida.
O projeto para a construção dos muros gerou profunda repercussão negativa na mídia nacional e internacional e foi manchete nos principais jornais do Brasil e do mundo. O escritor português José Saramago, por exemplo, comparou esses muros ao Muro de Berlim e o da Palestina e um perito na ONU acusou o governo de iniciar uma “discriminação geográfica”. Ambos criticaram a corrupção e a falta de justiça no país.
No Brasil, uma diretora da SOS Mata Atlântica também rechaçou essa medida como a melhor, sendo mais proveitoso o envolvimento da comunidade na proteção das áreas verdes e o sociólogo Ignácio Cano vê na medida um elemento de segurança, enquanto que o presidente da empresa pública estadual responsável pelas obras nas favelas (Emop) afirmou não ver problema algum na construção de muros, uma vez que eles existem nas casas, condomínios e linhas ferroviárias.
No Morro Dona Marta, espécie de “laboratório” para as políticas do Governo do Estado, uma das favelas onde se iniciaram as UPPs, a construção do muro está em fase final e já foram instaladas 9 câmeras para o monitoramento da população local.
As atuais políticas, juntamente com o Programa Favela-Bairro, possivelmente estão ligadas a duas questões: i) o nível insustentável de sensação de medo da população carioca devido a violência urbana associada direta ou indiretamente ao tráfico de drogas e ii) a necessidade de transmitir uma Figura de uma cidade que consegue “solucionar” ou a menos amenizar sensivelmente seus graves problemas sociais – mesmo que temporariamente com medidas paliativas – para atrair investimentos e grandes eventos, como a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Considerações finais
No estudo buscamos compreender duas questões fortemente presentes no Plano Diretor e na concepção do Programa Favela-Bairro: a participação da população local na tomada das decisões e a integração da favela ao bairro.
Em relação à primeira foi constatado que não ocorreu a participação efetiva da população na tomada das decisões do programa, na melhor das hipóteses ocorreu uma pseudoparticipação, segundo a tipologia elaborada por Souza (2000). No caso do Grotão, ficou latente os limites para a participação da população local frente à atuação e intervenção ostensiva e permanente do tráfico de drogas no lugar.
Para justificar a integração com o bairro, os projetos concentraram os equipamentos urbanos e a prestação de serviços (creche e posto de saúde) nas favelas, nas áreas contíguas aos bairros. Na prática não ocorreu a interação “esperada” (a população do bairro não passou a utilizar os equipamentos e serviços prestados nas favelas). O que mostra, entre outras coisas, os limites de uma “integração” com ênfase apenas na questão urbanística.
As intervenções, ao priorizarem determinadas áreas, as contíguas aos bairros, reforçou a segmentação interna (já) existente nas duas favelas. Uma vez que, via de regra, são essas as áreas mais desenvolvidas das favelas.
Ao observarmos a situação atual das duas favelas pesquisadas (Parque Royal e Parque Proletário do Grotão), constatamos um quadro de precariedade devido à falta de manutenção e o crescimento desordenado, que acaba comprometendo a infra-estrutura e os equipamentos urbanos instalados pelo programa.
No geral, as ações do poder público no Programa Favela-Bairro repetem os erros da maior parte dos programas adotados com a finalidade de solucionar a ocupação e construção informal pelas classes populares, que desde a década de 1940, ao focarem suas ações em medidas paliativas envolvendo as conseqüências do processo de favelização, “esquecem” das causas que produzem esse processo, não possibilitando “soluções” concretas para muitos dos problemas existentes na cidade do Rio de Janeiro.
A cidade, após sediar os Jogos Pan-Americanos 2007, prepara-se para receber a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, mesmo apresentando graves problemas de violência, transporte, moradia, entre outros. O próprio custo dos Jogos Pan-Americanos 2007 foi vergonhoso e o seu legado para a cidade e para a maior parte da população foi irrisório.
A questão que se coloca é: continuaremos produzindo uma cidade fragmentada que atende a interesses específicos ou reduziremos as desigualdades existentes? Se a primeira opção realmente se concretizar, as medidas paliativas atuais poderão ter sucesso em curto prazo, até o final dos Jogos Olímpicos. Mas o que virá depois? O certo é que o momento atual nos abre possibilidades. Possibilidades para pensar e buscar uma cidade melhor para toda a população, ou pela menos para a maior parte que hoje se encontra excluída ou integrada precariamente.
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Ficha bibliográfica:
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