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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 331 (49), 1 de agosto de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

URBANIDADES DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA E INCLUSIVA. A IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES DA USP (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO/ BRASIL) NA ZONA LESTE DE SÃO PAULO (REGIÃO ‘PERIFÉRICA’): LIÇÕES E APRENDIZADOS

Marcos Bernardino de Carvalho
Gestão Ambiental /EACH – Universidade de São Paulo
mbcarvalho@usp.br

Diamantino Alves Pereira
Gestão Ambiental /EACH – Universidade de São Paulo
diamantino@usp.br

Urbanidades de uma universidade pública e inclusiva. A implantação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo/ Brasil) na Zona Leste de São Paulo (região ‘periférica’): lições e aprendizados (Resumo)

A implantação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a mais nova unidade da Universidade de São Paulo (USP), na Zona Leste da capital paulista, tem caráter eminentemente urbanizador com marcante influência no entorno físico imediato e no próprio âmbito acadêmico em que se insere. Tal caráter apresenta potencial de se transformar em foco indutor de “urbanidades”, pois, além de influenciar e promover a expansão física de equipamentos tipicamente urbanos, direciona-se também para o estabelecimento de uma relação crescente com a comunidade da região, através dos projetos de pesquisa e de extensão implementados pelos docentes e discentes da nova Escola. De maneira mais ampla, tais “urbanidades” evidenciam-se também pelo fato de que a nova unidade contribui para alterar o perfil dos estudantes da própria universidade como um todo, além de inovar no oferecimento de cursos específicos, apoiados por projeto didático-pedagógico arrojado e inclusivo.

Palavras chave: urbanidades, USP, inclusão, Zona Leste, São Paulo.

Urbanities of a public and inclusive University. The implementation of the School of Arts, Sciences and Humanities from USP (University of Sao Paulo / Brazil) on the East Zone of Sao Paulo (‘peripheral’ area): lessons and learnings (Abstract)

The implementation of the School of Arts, Sciences and Humanities (EACH), the newest unit of the University of São Paulo (USP), on the East Zone of the state capital of São Paulo, has an urbanized character with remarkable influence on the immediate physical environment and on the academic context in which it operates. This character has the potential to become an inductive focus of “urbanities”, because in addition to influencing and promoting the physical expansion of typically urban equipments, it is also directed towards to establishing a growing relationship with the regional community, through research projects and extension activities implemented by teachers and students of the new School. More broadly, such “urbanities” also become evident by the fact that the new unit contributes to altering the University’s students’ profile as a whole, besides innovating in specific courses offered, supported by didactic-pedagogical project bold and inclusive.

Key words: urbanities, USP, inclusion, East Zone, São Paulo.

A Escola de Artes Ciências e Humanidades — EACH — da Universidade de São Paulo (USP), Brasil, é a mais nova unidade implantada por esta que é reconhecida como uma das principais instituições de ensino e pesquisa da atualidade, considerando os contextos brasileiro, latino-americano ou mundial. Segundo, por exemplo, o recentemente divulgado —julho de 2009—, Webometrics Ranking of World Universities, a USP ocupava o 38º lugar no ranking das melhores universidades do mundo, sendo ultrapassada apenas por uma única instituição européia, University of Cambridge (Inglaterra) e por nenhuma outra de países latino americanos[1].

Fundada em 1934, e após pouco mais de 70 anos de uma história muito breve (se comparada com as histórias de outras instituições do mesmo nível), a USP implantou essa sua nova unidade em uma das regiões mais pobres da cidade de São Paulo — o conjunto de bairros, vilas e aglomerados que compõem a chamada Zona Leste de sua periferia —, e na qual residem mais de 4,5 milhões de pessoas em uma área cujos serviços, equipamentos urbanos, condições de moradia, de emprego, saúde, educação ou lazer, estão muito longe de atender em condições minimamente aceitáveis a esse enorme contingente populacional, quase a metade da população da cidade.

Como parte do processo de comemoração dos 70 anos da universidade paulista, cuja fundação atendia um anseio das elites paulistanas do começo do século XX, foi deflagrado o projeto denominado de USP-Leste. A despeito das motivações originais de sua implantação, enquanto universidade, e das dificuldades de acesso para as camadas mais amplas da população, o fato é que na USP, seja pelos compromissos e engajamento de seus profissionais e estudantes, seja pelas pesquisas e atividades educacionais em que se envolveram, ou pelos serviços de extensão que sempre prestaram, tem prevalecido uma perspectiva de consolidação de vocação amplamente pública e muitas vezes engajada com os anseios importantes da maioria da população.

A implantação da EACH poderia ser entendida a partir da convergência resultante entre essa vocação pública e as reivindicações históricas de inúmeros movimentos populares existentes na Zona Leste de SP, há muito engajados nas diversas lutas para equipar seus bairros.

Em decorrência tanto das gestões internas ao âmbito da universidade, como dos fóruns e discussões havidos entre representantes da USP e dos movimentos populares da Zona Leste, em 22 de março de 2003 lançou-se a pedra fundamental para a implantação do projeto de ampliação da USP. Dois anos após, em 27/02/2005, inauguravam-se as primeiras dependências físicas da nova Escola. Os primeiros alunos e docentes iniciaram suas atividades precisamente naquele momento. Foram oferecidas 1020 vagas nos dez novos cursos implantados: Ciências da Atividade Física, Gestão Ambiental, Gerontologia, Gestão de Políticas Públicas, Licenciatura em Ciências da Natureza, Lazer e Turismo, Marketing, Obstetrícia, Sistemas de Informação, Têxtil e Moda.

Em 2009 formaram-se os primeiros bacharéis e licenciados pelos cursos da EACH.

Dos projetos iniciais e dos primeiros edifícios à situação atual, pouco tempo se passou. Embora ainda haja muito o que se fazer, os cursos consolidam-se, o corpo docente e administrativo caminha para atingir condições adequadas e o número de alunos já estabiliza-se em torno da quantidade esperada para seu funcionamento.

 

Figura 1

 

Já é possível fazer algumas primeiras e iniciais avaliações sobre os impactos produzidos pela implantação da USP naquela região da cidade, discutindo particularmente os benefícios e ganhos urbanos decorrentes dessa implantação e, ao mesmo tempo, avaliar os alcances e as escalas mais adequadas para a observação desses ganhos e impactos. Este trabalho pretende precisamente desenvolver e apresentar tais avaliações iniciando pela análise das razões que conduziram a USP a expandir-se em direção ao leste da cidade (v. mapa de localizações na fig. 1).

Determinações cidadãs na escolha do local do novo campus

As razões para a escolha do local da cidade onde o novo campus da USP foi implantado, já as esboçamos brevemente em nossa introdução. Interesses políticos, governamentais, institucionais e/ou populares, aliados a uma perspectiva pública e inclusiva cada vez mais presente na Universidade de São Paulo, produziram a conjunção necessária para a concretização do projeto.

Entre esses fatores, no entanto, há que se destacar como determinante o nível de organização de um movimento popular, que desde o final dos anos 1970 e início dos 1980 constituiu um reconhecido Movimento de Educação da Zona Leste. Esse Movimento, a partir de 1993, com a maior adesão de trabalhadores e estudantes de escolas públicas, principalmente dos bairros que compõem aquela região da cidade, institucionalizou-se como Fórum de Educação da Zona Leste, incorporando definitivamente uma reivindicação que desde meados dos anos 1980 já fazia parte da pauta de objetivos dos integrantes do Movimento: uma Universidade Pública na Zona Leste[2]. No final dos anos 1990, uma comissão composta por integrantes do Fórum e por professores da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo, subordinada ao Governo Federal), iniciou estudos para implantação de uma unidade na Zona Leste, mas os trabalhos não prosperaram.

Logo no início desta década, e após um movimento vitorioso que conseguiu demover o governo da pretensão de construir um presídio, inaugurou-se, em seu lugar e no mesmo local antes destinado à penitenciária, o Centro Tecnológico da Zona Leste, a primeira instituição pública de ensino superior da Zona Leste com a oferta de alguns importantes cursos de formação tecnológica.

Após a experiência frustrada com a UNIFESP e o vitorioso movimento contra o presídio, o Fórum produziu um documento dirigido diretamente à USP: Manifesto pela USP na Zona Leste (2002). A USP não só acolheu como deu encaminhamento às reivindicações contidas no manifesto, nomeando comissão com o intuito de avaliar possibilidades e conveniências dessa implantação.

O fato é que a USP poderia ter direcionado seus esforços de expansão inclusiva para qualquer uma das duas grandes e carentes regiões periféricas da cidade, no sul ou no leste. A ação organizada dos movimentos educacionais presentes nesta última, no entanto, foi determinante para que esses esforços de ampliação para lá se dirigissem. Portanto, se o novo campus da USP é hoje uma realidade, há que se destacar, entre as muitas determinações possíveis de a terem produzido, o papel aí exercido pelos movimentos populares presentes nos diversos bairros da extremidade oriental da cidade.

Em função dessa concretização, já há muito que se dizer e avaliar sobre as conveniências acadêmicas e políticas, bem como sobre os benefícios e impactos sociais e econômicos, produzidos pelo novo campus desde sua implantação, mas o fato dele resultar em grande parte da trajetória vitoriosa e do engajamento de um movimento composto por lideranças e moradores de alguns dos bairros mais pobres e desassistidos de São Paulo, ao qual aderiram outras tantas pessoas e profissionais interessados (incluindo professores e estudantes vinculados à USP e diversas instituições públicas), já indica, de saída, o impacto altamente positivo que essa concretização possa ter na noção, no exercício e na compreensão prática do que é cidadania e de como isso produz espaços públicos e concretos para a sua ampliação. Ao conjunto de avaliações específicas nos entregaremos aqui, iniciando pelas razões e benefícios da escolha do espaço físico

Critérios para implantação física e seus benefícios ambientais

Antes de definir o atual lugar de implantação do novo campus, algumas outras possibilidades foram examinadas, descartadas ou consideradas, por razões diversas: inserção urbana, condições de acessibilidade, disponibilidade de infraestrutura, situação geomorfológica e ambiental etc.

A decisão final pelo local deu-se após a comparação entre as possibilidades e as restrições para duas áreas indicadas pela comissão encarregada dessa tarefa. Essas duas áreas estavam ligadas a parques ecológicos e zonas de proteção ambiental: Parque do Carmo e Parque Ecológico do Tietê. Considerando-se as restrições e possibilidades legais para edificação, em ambas, e considerando também as características apontadas há pouco (inserção, acessibilidade, infraestrutura e condições ambientais) optou-se pela indicação de terrenos presentes no Parque Ecológico do Tietê como os mais convenientes para a implantação do novo campus.

Em 18 de março de 2003, através do Decreto n. 47.710 o Governador de São Paulo autorizou a “permissão de uso em favor da Universidade de São Paulo — USP, de parte de área, destinada à implantação do Campus daquela Universidade na Zona Leste da Capital (...), pertencente ao Departamento de Águas e Energia Elétrica — DAEE, constituída de duas glebas com cerca de 1.240.578,00 m²...” [3]. Entre essas duas Glebas indicadas na figura 2, optou-se pelas edificações na Gleba 1 e pela manutenção da Gleba 2 como área de extensão, pesquisa e complementação das atividades acadêmicas.

 

Figura 2

 

As condições topográficas e ambientais, bem como a localização e formatos específicos da Gleba 1, que além de mais afastada e elevada em relação ao rio Tietê [4], é limitada por uma ferrovia e uma rodovia de utilizações regulares e integradas aos sistemas viário e de transportes metropolitanos, pesaram a favor da Gleba 1 e, ao mesmo tempo, evidenciaram os argumentos contrários às edificações na Gleba 2, precisamente por causa do distanciamento desta em relação às mencionadas vias e outras particularidades físico-geoambientais.

Além da dificuldade de acesso, a Gleba 2 apresentava um histórico de atividades antrópicas altamente degradantes (principalmente mineração), em um terreno situado entre o antigo e novo leito do Rio Tietê (resultante das inúmeras “retificações” nele promovidas nas últimas décadas de expansão urbana da cidade de São Paulo — v. na figura 3, em amarelo, o antigo leito do Rio Tietê), que produziram um quadro geoambiental não propício às edificações. A situação de contaminação e fragilidade dos solos, a possibilidade de inundações em vastos trechos, assim como a existência de outros com coberturas vegetais já em diferentes estágios de regeneração, ao lado de antigas áreas de cava (abandonadas pelas atividades mineradoras), propícios à conformação de ambientes brejosos e significativos para atração e manutenção de variada avifauna, levaram os responsáveis pela elaboração dos relatórios de avaliação e zoneamento ambiental dos terrenos destinados à nova USP a preconizarem para esta parte do campus (Gleba 2) a implantação de um “Centro de Pesquisas em Meio Ambiente Urbano” (cf. Silveira, 2004: 23).

 

Figura 3

 

Segundo o professor e engenheiro Antonio Marcos Massola, atual Coordenador do Campus da USP em São Paulo e ex-responsável por sua Coordenadoria de Espaço Físico, a mencionada Gleba 2 deveria ser, de fato, destinada “a trilhas, área esportiva, laboratórios de apoio aos cursos ambientais, estufas, horto, hospedaria de animais, enfim, um destino nobre de recuperação da área, para sua efetiva preservação sem maiores agressões ao meio ambiente” (Massola 2005, pg. 187).

Em contrapartida, para a Gleba 1, a destinação mais adequada seria a da edificação, considerando as já mencionadas condições de distância e de elevação em relação ao leito do Rio Tietê (o que, em comparação com a Gleba 2, tornaria desprezível a possibilidade de enchentes — cf. o Relatório Ambiental Preliminar, RAP, coordenado pelo geógrafo Wanderley M. da Costa, 2004), somadas a outras características geoambientais e de infraestrutura ali presentes. Os terrenos dessa área foram utilizados basicamente como “bota-fora” do material dragado do rio (medida adotada com o intuito de aprofundar e desassorear o seu leito) e essa atividade, desenvolvida ao longo de muitos anos, produziu um horizonte significativo de sedimentos ali depositados, de espessura variável e tipicamente antropogênico (ou tecnogênico): arenoso e contendo plásticos, garrafas, pneus e objetos diversos. Sobre esse solo, praticamente não se desenvolveu vegetação arbórea. Além do mais, constatou-se o desenvolvimento de alguma atividade de extração de areia, por peneiração, e a sua utilização como pastagem de gado pertencente tanto aos moradores da vizinhança como também a um “posseiro”, que ocupava pequena porção de terra em uma de suas extremidades. Segundo o mencionado RAP (Costa, 2004), a maior parte da área da Gleba 1, no entanto, apresentava solo exposto. Portanto, a implantação física das edificações do novo campus ali, teria o potencial de mudar essa geografia de degradação e ocupação irregular.

 

Figura 4

 

Tais edificações são hoje uma realidade (fig.4). E embora o planejamento preconizado para a Gleba 2, ainda necessite de implementação e conclusão, o fato é que o conjunto de terrenos que hoje compõem a USP Leste, considerando as situações e destinações acima descritas, já contribuíram para estancar um processo de perda de territórios a que estava submetida uma das únicas e importantes unidades de conservação ainda presentes no município de  São Paulo: o Parque Ecológico do Tietê. Esse Parque, criado em Abril de 1976, com o objetivo de proteger a planície de inundação, a várzea e demais áreas lindeiras ao rio, foi perdendo terreno para inúmeras atividades. Construção de avenidas em suas margens, expansão urbana descontrolada e muitas ocupações ilegais, apropriaram-se da maior parte do terreno pertencente ao parque. Atualmente, essa unidade de conservação abarca apenas 1.450 ha dos 14.800 ha que lhe haviam sido destinados originalmente. Portanto, a construção da USP em seus limites, considerando os planejamentos e os projetos já executados nas duas glebas que constituem o novo campus, cuja área corresponde a quase 10% do total do parque, no mínimo interrompe o processo de perda e de degradação a que historicamente vem sendo submetida essa unidade de conservação.[5]

Estação USP-Leste: comunicação e indução urbana

Entre o lançamento da pedra fundamental para construção do novo Campus (22/03/2003) e a inauguração do último dos edifícios que se podem avistar ainda em construção na foto da fig. 4 (o ginásio poliesportivo, inaugurado em 2009), apenas pouco mais de seis anos se passaram[6]. O acesso ao novo campus, bem como a sua comunicação com a cidade e com os municípios vizinhos, se já existiam, desde o começo de sua implantação, por causa da estrada, do sistema viário e ferroviário presentes em seu entorno, ampliou-se qualitativamente com a inauguração da Estação USP-Leste, integrada ao sistema de transportes metropolitanos de São Paulo, em janeiro de 2008.

Antes, esse acesso e comunicação dependiam exclusivamente dos meios individuais, da precária rede de ônibus que serve a região e dos ônibus circulares que a USP disponibilizava para transportar estudantes, funcionários e professores à estação ferroviária mais próxima: Estação Engenheiro Goulart.

Os ramais ferroviários que ligam o centro da cidade à região leste são atualmente administrados por uma companhia estatal, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos -CPTM. Esses ramais careciam (e em muitos aspectos ainda carecem) de modernização, de novos equipamentos, reformulação nas estações, substituição de composições, readequação nos traçados das linhas, para que possam proporcionar aumento na frequência de trens, maior agilidade e pontualidade no transporte que proporcionam.

O ramal específico — Linha 12, Safira — que serve à USP leste, por exemplo, tem a sua construção e a da maioria de suas estações datadas ainda da primeira metade do século passado. Muito anteriores à construção do metrô, portanto. A CPTM, juntamente com a companhia que administra a rede de metrôs de São Paulo, em esforço conjunto estão administrando um plano de integração e cooperação com o intuito de adequar os velhos ramais ferroviários às novas demandas da expansão urbana[7].O peso institucional da USP, no entanto, e a demanda efetiva por uma nova estação (considerando o potencial significativo de usuários presentes entre os aproximadamente 5.000 frequentadores da EACH), além das necessidades induzidas no próprio entorno com a implantação do campus, contribuíram para estimular ainda mais as necessidades dessa adequação, convertendo-se, inegavelmente, em importante fator de sua agilização.

Assim, três anos após o início das atividades acadêmicas na EACH-USP (início de 2005), a inauguração da estação USP-Leste, fez-se acompanhar pela reinauguração (em edificação modernizada e reformulada) de uma das mais antigas estações do ramal — Estação Comendador Ermelino —, e, em meados daquele mesmo ano, duas novas estações foram inauguradas: Jardim Helena e Jardim Romano. Essas novas estações e reformulações estão longe de atender às reais demandas que pressionam esse ramal, que mesmo não sendo o único a conectar os diversos bairros da Zona Leste com o resto da cidade — há pelo menos mais um ramal da CPTM e uma linha de metrô nessa mesma região —, trata-se de um ramal evidentemente subdimensionado para atender alguns dos trechos mais populosos de São Paulo. A despeito, no entanto, da precariedade que ainda caracterizam os serviços prestados particularmente pela CPTM para aquela região da cidade, as “repaginações” e as novas estações da Linha 12, no mínimo, contribuem para facilitar as conexões e necessidades de deslocamento de muitos dos moradores e/ ou trabalhadores que até agora, (2008, mais precisamente), só tinham o direito de ver o trem passar perto dos seus locais de moradia e/ou trabalho, mas não de nele embarcar.

Evidentemente não se pode dizer que apenas a presença da USP é que veio alterar esse panorama, mas o fato é que para esta ser atendida em apenas 3 anos por uma estação localizada praticamente no interior de seu campus, as populações dos bairros próximos que há anos reivindicam os mesmos benefícios não poderiam mais ser ignoradas. A pressão pelas atitudes “politicamente corretas” e preocupações político-eleitoreiras de nossas autoridades governamentais, ao lado das boas e sinceras intenções que ainda possam existir em algumas delas, não recomendariam privilegiar a nova USP. Assim, coincidência ou não, as mesmas autoridades (entre elas o governador do Estado e o prefeito de São Paulo) em 25/01/2008, dia do aniversário da Cidade de São Paulo, participaram de ato solene de inauguração da Estação USP-Leste, e ali mesmo embarcaram em trem que na sequência os levou para a reinauguração da Estação de Ermelino Matarazzo, nome do bairro onde localiza-se a USP na região leste. As duas outras estações, novas e inauguradas também em 2008 — Jardim Helena e Jardim Romano —, só tiveram suas obras concluídas em maio e julho, respectivamente, daquele ano, e igualmente contaram com o prestígio das autoridades governamentais nos atos solenes de suas inaugurações.

Importante acrescentar ainda que a nova estação USP-Leste, segue os padrões que têm norteado a implantação e remodelamento particularmente de estações da rede do Metrô de São Paulo, as quais têm sido concebidas não apenas como pontos de embarque e desembarque de passageiros, mas também como espaços de informações e de manifestações artístico-culturais, transformando-as em pequenos polos de lazer e difusão de arte, com algumas delas já dotadas de significativo e valioso acervo permanentemente exposto ao público. Essas ações fazem parte de programas institucionalmente estabelecidos pelas companhias. Denomina-se “Programa Ação Cultural”, no Metrô, e, na CPTM, “Cultura e Arte nas Estações” [8].

Na estação USP-Leste, no período da inauguração houve uma exposição da história da Universidade de São Paulo. Após isso, optou-se pela manutenção permanente de parte dessa exposição, com destaque para fatos históricos da própria cidade e do país em suas interseções com a história da Universidade, o que não foi difícil de fazer uma vez que, entre outras personalidades do mundo da política, pelo menos 12 ex-presidentes da república (além de inúmeros prefeitos e governadores de São Paulo, incluindo os atuais) se formaram em algum de seus cursos, sem falar no destaque a figuras importantes do mundo artístico, intelectual e cultural que também passaram pelos bancos da Universidade. Difundindo tais informações e considerando, particularmente, a importância de alguns fatos históricos, bem como as características das ações e obras produzidas por muitos dos personagens destacados na pequena exposição, igualmente se promove a explicitação do potencial “urbanizador” da Universidade, em um sentido não apenas restrito à expansão física dos equipamentos tipicamente urbanos que sua presença promove ou induz, mas também naquele sentido, hoje um pouco esquecido, que os dicionários ainda teimam em registrar para sinônimos para o vocábulo “urbano”: cortês, afável, civilizado, solidário...

Esses sentidos, que além do físico estendem-se para os conteúdos comportamental e cultural das “urbanidades” produzidas pela expansão da Universidade de São Paulo em direção ao leste, reforçam-se também com a implantação do próprio campus, considerando-se particularmente as políticas de ocupação estabelecidas para as duas Glebas, como há pouco caracterizamos, mas não se esgotam aí, pois, das movimentações produzidas no comércio e no mercado imobiliário do entorno às influências exercidas pela abertura da USP leste no perfil do estudante da própria USP, ou, ainda, dos cursos oferecidos pela nova unidade aos projetos pedagógicos que os caracterizam, há muitos outros aspectos que reforçam ainda mais o sentido e o caráter das urbanidades promovidas pela implantação da EACH. Do conjunto deles trataremos nos itens seguintes.

A construção de novas centralidades

Solucionados em grande parte os problemas de acessibilidade, o novo “equipamento urbano” representado pela ampliação do Campus da USP na capital paulista, busca integrar-se ao entorno mais imediato, com o qual tem estabelecido uma relação de permeabilidade e reciprocidade não isenta das oscilações e dificuldades típicas das implantações pioneiras

Em 01/06/2005, a jornalista Laura Diniz escrevia uma matéria para o jornal o Estado de São Paulo intitulada “Zona leste já vê mudanças com a chegada da USP” onde descreve os primeiros impactos da chegada da EACH nas proximidades da estação Engenheiro Goulart (que, como vimos no item anterior, era a mais próxima do Campus, antes da inauguração da Estação USP-Leste): «O antigo “Bar da Lingüiça” incrementou seu cardápio e alterou a sua razão social para “Estação USP Lanches Ltda.”, com o objetivo de se transformar em ponto de encontro dos estudantes. »

«Nos supermercados, —prossegue a jornalista—, marcas pouco conhecidas deram lugar a produtos consagrados. Novas lojas abriram em busca do público diferenciado e, segundo a Subprefeitura de Ermelino Matarazzo, houve uma concentração maior de residências em Engenheiro Goulart nos últimos meses. (...) A instalação da universidade e das novas estações de trem irão, realmente, dinamizar a região, segundo a urbanista Marta Grostein, coordenadora do Laboratório de Urbanismo da Metrópole (Lume), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “O Tatuapé emergiu como espaço privilegiado de uns 10 anos para cá, devido à facilidade de acesso trazida pelo transporte público de massa, à boa localização na zona leste e à proximidade do centro”, afirmou Marta. Segundo ela, a região da Cidade Universitária – “hoje próspera, antes distante” - é outro exemplo de que a concentração de jovens exige serviços de apoio, novas moradias e estimula o desenvolvimento no entorno. »

«No setor imobiliário,— ainda segundo a jornalista —,  a mudança já é evidente. Há várias placas de pensões para estudantes e os imóveis próximos ao campus são muito mais disputados. “A procura por apartamentos para alugar neste ano cresceu uns 30% em relação aos primeiros cinco meses do ano passado”, estima o diretor-executivo do Grupo Atual Imóveis, Arthemus Pires Barbosa, que atende toda a zona leste. “O preço dos aluguéis ainda não aumentou, mas a tendência, sem dúvida, é valorizar bastante.” » [9]

Com a chegada de pouco mais de mil alunos por ano a partir de 2005, a população discente do campus foi aumentando progressivamente, atingindo a cifra de 4 mil alunos em 2008. A esse número, devemos agregar o montante de funcionários, prestadores de serviços e professores, o que permite alcançar facilmente a cifra de 5 mil pessoas frequentando o campus diariamente.

 

Figura 5

 

Um fluxo de pessoas de tal monta evidentemente apresenta consequências locais. Podemos perceber no mapa da figura 5 duas áreas próximas à EACH que apresentam as maiores densidades de concentração de alunos. Trata-se de trechos adjacentes à Avenida Assis Ribeiro, nas proximidades da estação de Engenheiro Goulart. Pelas informações de cadastro, podemos afirmar com grande margem de certeza de que se tratam, sobretudo, de alunos oriundos de lugares mais distantes, inclusive de fora da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que encontraram nesse lugar a possibilidade de aluguel de imóvel com acessibilidade facilitada ao ponto inicial do ônibus circular que antes fazia a conexão com o campus. Já existia no local um pequeno centro comercial e de serviços destinado às áreas residenciais adjacentes e movimentado pelo fluxo de passageiros da estação.

Apesar de não termos informações específicas a respeito da demanda por imóveis e serviços nessa região, é justo supor que ocorreu uma ampliação a partir de 2005. Além da localização de moradias estudantis, o local passou a ser demandado como ponto de acesso ao ônibus circular (desativado após a inauguração da estação USP-Leste) e aumentou significativamente o tráfego de pessoas em suas imediações.

Com a nova estação, consequentemente com a modificação do principal ponto de afluxo ao Campus, esse quadro sofreu algumas alterações. Mas isso só poderá ser evidenciado com o transcorrer do tempo, já que essa alteração é muito recente (2008). Além disso, o local de influência da nova estação ferroviária, ao contrário do que acontecia com a de Engenheiro Goulart, não se constituía anteriormente em polo ou local de concentração comercial, mas principalmente em área industrial e residencial.

Abrangência territorial da EACH

As figuras 6 e 7 identificam os locais de moradia dos alunos da EACH na RMSP e em particular no agrupamento “Grande Leste”. O mapa nos mostra claramente que a maioria dos alunos concentra-se no vetor que vai da área central do município de São Paulo em direção a leste. O gráfico mostra mais claramente a variação anual da participação do agrupamento “Grande Leste”.

 

Figura 6

 

Figura 7

 

Esse agrupamento tinha sido formulado por Costa (2005) no artigo “A USP na Zona Leste da Capital: Região, Sociedade e Meio Ambiente” e seria composto pela Zona Leste do município de São Paulo, por Guarulhos, Alguns municípios do chamado ABCD[10] e pelos municípios do leste da RMSP. O autor já identificava, com base apenas nos dados de 2005. que mais de 40% dos alunos da EACH localizavam-se nesse conjunto sócioespacial estabelecido com base em relações de vizinhança e interconexões. Nos anos subseqüentes, essa participação regional persistiu com a manutenção de índices superiores a 40%, apesar da ocorrência de oscilações anuais.

 

Figura 8

 

Alguns índices relativos à qualidade de vida, como por exemplo, o de educação superior, diminui na medida em que caminhamos no sentido leste (v. fig. 8). Talvez nesse aspecto o impacto da implantação da USP Leste, deva ser significativo pois, apesar de grande concentração dos alunos estar localizada nas áreas da zona leste mais próximas do centro, é significativo o número de alunos nas áreas mais orientais do município de São Paulo e outros municípios da RMSP da mesma área.

Entretanto, não devemos ter ilusões, pois as áreas que mais contribuem para o fornecimento de alunos no ensino superior, inclusive na EACH, são aquelas de renda média e alta, onde as famílias podem proporcionar condições para que os filhos tenham acesso à educação de qualidade e que estes apresentem melhores condições de competir por vagas em cursos mais concorridos nas universidades públicas.

A periferização da pobreza, observável no mapa de renda familiar da RMSP, identifica também áreas de renda mais elevada na região. Para além das políticas públicas relacionadas à distribuição de renda, essa diversidade «além de desmistificar a idéia predominante de que “toda a zona leste é carente”, também é útil para indicar a existência de condições endógenas favoráveis (...) na região capazes de sustentar programas de revitalização. É nesse sentido que as pesquisas ocupam um lugar central nas interações com a Universidade. Por isso, o potencial da Universidade como um todo pode ser mobilizado para a realização de pesquisas aplicadas e fortemente endereçadas a essas áreas diferenciadas, tais como o desenvolvimento ou a disseminação de tecnologias específicas para determinados empreendimentos econômicos. » Costa (op. cit.)

Esse potencial, a que se refere Costa, começa a ser empreendido nos cursos da EACH, sobretudo no âmbito de algumas das pesquisas desenvolvidas nos espaços de Resolução de Problemas (como veremos mais adiante, tratam-se de disciplinas obrigatórias e oferecidas aos estudantes de todos os cursos que ingressam na nova Escola) e também nos Trabalhos de Conclusão de Curso. O escopo e a profundidade dessas pesquisas, no entanto, ainda são muito restritos, mas poderão ser ampliados com a implantação dos primeiros programas de pós- graduação a partir de 2010 e 2011.

A EACH e o sistema público de Ensino

Além das políticas de distribuição de renda, colocam-se em pauta também as políticas de incentivo ao ingresso nas universidades públicas das camadas mais carentes da população. Essas políticas têm apresentado formatos variados, indo de cotas e reserva de vagas para alunos oriundos da rede pública de ensino, até a utilização do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio, promovido e coordenado pelo Ministério da Educação) e processos classificatórios atribuidores de bônus.

 

Quadro 1.
Alunos oriundos do sistema público de ensino (%)
 

2005

2006

2007

2008

2009

EACH

40,1

32,1

32,5

31,1

34,8

USP-EACH

22,1

21,7

23,9

24,2

28,1

Fonte: Estatísticas Fuvest <www.fuvest.br>. [janeiro de 2010].

 

A EACH apresentou em 2005 uma taxa de recebimento de alunos do sistema público de ensino que era quase o dobro do restante da USP (cf. tabela acima). Esse resultado inicial, entretanto, foi conseguido através de uma ampla mobilização da população escolar. Em projeto articulado com a secretaria da Educação, foram organizados cursinhos pré-vestibulares que contaram com a participação de aproximadamente 5 mil estudantes recém egressos do ensino médio da rede pública. Desse total, um pouco mais de 50% concluiu o curso.

Nos anos seguintes, tal articulação não mais ocorreu, e o que se observou foi que a participação de rede pública recuou para a faixa em torno dos 30% para a EACH, enquanto no restante da USP observou-se uma evolução, sobretudo a partir de 2007. Nessa evolução, possivelmente já se notam resultados das políticas de inclusão articuladas em um programa denominado Inclusp, cujo objetivo é o de aumentar a participação de alunos oriundos da rede pública de ensino na USP.

Para atingir esse objetivo, estabeleceram-se critérios destinados a distribuir bônus que são computados quando o aluno presta o vestibular da Fuvest (fundação ligada à USP e que organiza o processo de seleção de seus estudantes). Um bônus de 3% de acréscimo no vestibular pode ser atribuído para alunos que tiverem feito todo o ensino médio na rede pública do país. Até 6% podem ser conseguidos dependendo do desempenho do aluno no ENEM. Finalmente, mais 3% podem ser conseguidos em função da pontuação em um programa de avaliação seriada promovido pela USP, constituído por uma prova que pode ser feita por quem tiver cursado os dois primeiros anos do ensino médio na rede pública e que esteja cursando, no ano da prova, o terceiro ano na rede pública paulista. 

Com a possibilidade de acréscimo de até 12% na nota final do vestibular, a participação dos alunos da rede pública vem crescendo, como assinalamos, mas no caso da EACH, apesar de se encontrar em níveis superiores ao restante da USP, ainda é inferior ao patamar de 2005.

O fato é que após 2005, não se repetiram as ações específicas de articulação com os estudantes da rede pública da região, o que refletiu na queda do índice. Mesmo o aumento que ocorreu em 2009, ocorreu também no restante da USP.

Tecendo as relações do espaço comunitário

Parte das ações específicas mencionadas, junto aos estudantes e à comunidade da Zona Leste, eram promovidas ou estimuladas pelo Núcleo de Apoio Social, Cultural e Educacional -- NASCE --, ligado à Pró- Reitoria de Extensão Universitária da USP, e que desde 2004 (portanto, desde antes do início de funcionamento da própria EACH), já vinha atuando na região.

O NASCE, que foi criado com o objetivo prioritário de se tornar um pólo aglutinador de eventos culturais, de projetos de extensão universitária e de pesquisa articulados com a comunidade da Zona Leste da capital, constituiu-se em um instrumento importante no estabelecimento e fortalecimento das relações com a comunidade.

Além da constituição da sede em Ermelino Matarazzo, a previsão inicial era a de ampliação dessa base territorial, com a implantação de núcleos em outros bairros da Zona Leste, tais como Itaim Paulista, Itaquera e Cidade Tiradentes, com o objetivo de uma maior aproximação com a diversidade regional e buscando uma ampliação dos estudos sociais e culturais. Esses núcleos não foram efetivados, nem as ações do NASCE prosseguiram com o mesmo ímpeto dos anos iniciais de seu funcionamento, mas o engajamento de professores e, sobretudo, alunos mantiveram a ação cultural e de extensão do núcleo, por onde já passaram mais de duas mil pessoas que participaram das ações, cursos e de seminários de integração entre a universidade e a comunidade.

Neste início de 2010 temos assistido à ampliação dos debates internos (muitas vezes potencializados por artigos publicados na grande imprensa), seja em relação à necessidade de retomada das ações de extensão universitária, como as promovidas pelo NASCE, seja em relação ao projeto político pedagógico da Escola (tema que aprofundaremos logo a seguir). Tais debates evidenciam um desafio que acreditamos como permanente para a nova Escola, afinal, a EACH, que em grande medida descende das ações promovidas pelos movimentos populares de seus bairros vizinhos, adotou uma estrutura de organização institucional (não departamentalizada) e didático-pedagógica arrojadas (com oferta de Ciclo Básico e orientada por metodologias ativas de aprendizagem), com o intuito de produzir condições favoráveis à preservação de uma identidade vocacionada para o engajamento social e, ao mesmo tempo, cuidadosa do nível de excelência identificador da universidade que a abriga.

Dessa forma, os envolvidos com a nova Escola da USP, se buscam não ficar de costas para os anseios da comunidade, especialmente aquela que foi exaustivamente nominada quando de sua implantação na Zona Leste da capital, igualmente recusam-se a reduzir tais vínculos apenas àquelas ações locais que ou simplificariam o próprio papel da universidade, ou promoveriam confusões quanto a esse papel (que é distinto das secretarias de governo e outros institutos voltados para a assistência social, por exemplo). Trata-se de uma equação de gestão complexa, mas que tem mantido, particularmente o corpo de professores, em uma espécie de vigília permanente que não deixa o debate sobre os vínculos e engajamentos sociais esmorecer, que força novas reflexões e, quando é o caso, sugere inclusive a retomada daquelas articulações que, por contingências da vida universitária ou por causa das pressões da burocracia acadêmica, possam dar sinais de que estejam perdendo o vigor.

Assim é que, a EACH, mesmo em seu pouco tempo de existência, retoma antigos projetos e desenvolve novas ações. Contando agora com um quadro docente quase estabilizado, com programas de pós-graduação que iniciam seu funcionamento e/ou implantação, as perspectivas de afirmação de uma personalidade própria colocam-se de forma muito mais concreta.

Se a chegada a este ponto pode ser atribuída ao empenho e ao trabalho dos funcionários e professores, que desde o início se dedicaram à construção da qualidade e da consistência que já podem ser atribuídas à EACH, importante registrar que tal engajamento foi auxiliado decisivamente pelas características do projeto didático-pedagógico da unidade, cujos principais aspectos destacamos brevemente a seguir.

Os cursos oferecidos e o projeto didático-pedagógico da EACH difundindo urbanidades

Além de todos os aspectos que examinamos (das questões físico-ambientais às de localização e comunicação com o entorno imediato e com a área metropolitana, ou, ainda, das interferências no mercado imobiliário local às ampliações de vínculos com moradores e estudantes residentes ou provenientes de diversificadas regiões de São Paulo), há um conjunto de outras características, relacionadas aos conteúdos dos cursos implantados e seus projetos pedagógicos específicos, e também relacionadas ao projeto pedagógico geral da nova Escola e aos seus objetivos, que merecem ser minimamente relatados, pois reforçam aquela ideia de que promover urbanização é também ampliar os espaços de compromisso e de solidariedade com os interesses de uma coletividade cujos alcances não se restringem, necessariamente, aos limites de espaço e de tempo que imediatismos de mercado ou a estreiteza de certos horizontes acadêmicos costumam demarcar.

Assim, implantar a expansão da USP na zona leste de São Paulo, como dissemos uma das regiões mais populosas e carentes da cidade e do estado, sinaliza, antes de mais nada, compromisso e preocupação com uma condição que infelizmente não está restrita à banda oriental de São Paulo, mas não indica obrigatoriedade de ação pontual apenas nas vizinhanças do campus, pois isso manietaria os horizontes de liberdade a que necessariamente devem estar atados os objetivos de uma universidade pública com pretensões de excelência acadêmica para todas as suas unidades, independentemente das localizações de seus campi.

Nesse sentido, observamos que tanto no conteúdo bem como nos projetos pedagógicos dos cursos implantados pela nova Escola, considerando particularmente seus engajamentos e afinidades, há nítidas preocupações em aliar os compromissos sociais aludidos com a realização de objetivos acadêmicos plenos e conduzidos por projetos didático-pedagógicos ousados, que investem na projeção de um futuro organizado por espaços de ampla solidariedade com as demandas públicas, e com igual atenção seja para as novas, seja para as antigas que ainda não tenham sido devidamente consideradas.

Tais solidariedades expressam-se, em nossa opinião, na própria definição do conjunto de cursos oferecidos pela nova Escola, cuja lista já enumeramos nos itens iniciais deste artigo, mas que vale a pena aqui brevemente retomar, pois a simples menção agrupada de vários deles evidencia o que estamos dizendo. Assim, se no âmbito desses compromissos, são evidentes os vínculos com a sociedade de agora e a do futuro, o oferecimento de formação em Gestão Ambiental, Gestão de Políticas Públicas, Gerontologia, Sistemas de Informação ou Lazer e Turismo, por exemplo, são igualmente inegáveis as preocupações sociais que nortearam a implantação de cursos, em nível de bacharelado, para formação de professores de ciências, como é o caso de Licenciatura em Ciências da Natureza, ou para formação de profissionais motivados e comprometidos com a promoção da saúde, considerando os novos padrões de exigência do mundo contemporâneo, como é o caso dos que serão formados pelo bacharelado em Ciências da Atividade Física, ou, especificamente, com a promoção da saúde da mulher que é o caso do curso de Obstetrícia em seu explícito compromisso com o chamado “parto normal”.

Mesmo os bacharelados em Marketing ou Têxtil e Moda, adquirem uma nova perspectiva simplesmente pelo fato de serem cursos da EACH, e por isso configurados em um ambiente inclusivo que facilita as possibilidades de engajamentos e compromissos prioritários com o mundo do trabalho.

Importante acrescentar, ainda, que no caso da EACH, a conformação desse ambiente recursivo entre os compromissos das diversas carreiras profissionais oferecidas, não é apenas uma figura de retórica, tampouco se reduz a um mero esforço de exortação, pois isso é semeado no cotidiano pelo exercício de um projeto didático-pedagógico que inclui a oferta de um ciclo básico composto de um núcleo de disciplinas comuns e oferecidas ao conjunto de estudantes que entram anualmente na Escola, além dos espaços de Resolução de Problemas (RPs), compartilhados igualmente por estudantes de diferentes especialidades e assistidos por professores-tutores provenientes das mais diversas áreas do conhecimento. Ao menos durante a realização do Ciclo Básico esses espaços de RPs são por todos vivenciados. Nos outros semestres de pelo menos quatro cursos (Gestão Ambiental, Gestão de Políticas Públicas, Obstetrícia e Lazer e Turismo), tais espaços continuam sendo oficialmente oferecidos e, ao lado de disciplinas específicas vinculadas à especialidade profissional, permitem que o estudante, em formação, já conheça e seja desafiado a enfrentar muitos dos problemas práticos (e teóricos) que nas formações tradicionais lhes são apresentados apenas nos momentos de conclusão do curso, quando da realização dos projetos de formatura, ou, o que é pior, após a diplomação e normalmente por quem os emprega, não por quem os forma.

O espírito que norteia esses espaços de RPs, no entanto, claramente inspirado nas diversas possibilidades que as estratégias de ensino baseado em problemas (PBL na sigla inglesa)[11] oferecem, já inspira e é adotado por diversas outras disciplinas, independentemente da maior ou menor adesão que determinado curso possa apresentar com relação a essa estratégia. O fato de todos os estudantes vivenciarem no ciclo básico a experiência comum de dois semestres de RPs, ao lado da participação em disciplinas lastreadas nos diálogos interdisciplinares, tais como “Sociedade, Meio Ambiente e Cidadania” e “Sociedade Multiculturalismo e Direitos”, entre outras, igualmente vivenciadas por todos[12], constituem-se em fator  potencial de pressão positiva para estimular adoção de estratégias ativas de aprendizagem também nos semestres de curso mais integralmente voltados à formação profissional especializada.

Uma estrutura institucional não departamentalizada é responsável pela gestão e organização desses projetos pedagógicos comuns, bem como pela coordenação das graduações especializadas.

Evidentemente, há resistências, contrariedades e inúmeros problemas derivados da implementação do conjunto de novidades aludidas. Das dificuldades em conduzir (em se tratando do corpo docente, ou aceitar, em se tratando dos discentes e também de muitos docentes) esses processos por mentalidades formadas disciplinarmente, ou das incompreensões das perspectivas futuras que as carreiras oferecidas pela nova Escola indicam, há um conjunto de fatores que também pressionam fortemente no sentido de “departamentalizar”, isto é, de dissolver os espaços comuns ou interdisciplinares em espaços disciplinares e especializados, e até mesmo descaracterizar ou extinguir o ciclo básico.

Mas, apesar das oscilações e das resistências, acreditamos que com a estrutura adotada pela nova Escola da USP semeia-se um ambiente favorável à inovação, que extrapola inclusive os âmbitos de sua localidade e os limites de seu próprio campus. Tal modelo tem sido abraçado e defendido tanto por profissionais da EACH, como de outras unidades da USP e de outras instituições universitárias. E entre esse conjunto de adeptos não é incomum observar quem indique a EACH como exemplo dos caminhos que devam ser adotados para o desenvolvimento, aprimoramento e difusão de novas estruturas de ensino e aprendizagem, que sejam lastreadas no diálogo e na cooperação interdisciplinares, preocupadas em formar profissionais socialmente engajados, dotados de espírito público e sensíveis às dimensões políticas da cidadania, ou seja, avessos às reduções corporativas, mercadológicas e consumistas dessas dimensões e engajamentos.

Entendemos assim, que as ‘urbanidades’ produzidas pela nova Escola, expressam-se também na afirmação da institucionalidade desse projeto didático-pedagógico que aqui brevemente examinamos. O conteúdo e a proposta desse projeto têm o potencial de ampliar as conexões dessa nova unidade da USP para além das carências sócio-econômicas e dos entornos mais imediatos da Escola, revelando igualmente um potencial urbanizador -- naquele sentido, reiteramos, não apenas restrito à expansão física dos equipamentos tipicamente urbanos, mas ampliado para a difusão de comportamentos e dimensões, que, embora esquecidos são igualmente admitidos para o significado do que é urbano (afável, civilizado, solidário...) --, que sequer foi imaginado pelos seus idealizadores, como é normal acontecer nas dialéticas de superação e de aprimoramento que as criaturas costumam apresentar em relação aos seus criadores, sobretudo nas criações exitosas.

 

Notas

[1] Esse posicionamento varia segundo os critérios dos diversos rankings disponíveis. Entre alguns dos mais respeitáveis, as posições da USP para 2009 eram as seguintes: 196º lugar no The Times, 121º no ranking da Shanghai Jiao Tong University, 78º no Higher Education Evaluation & Accreditation Council of Taiwan e 38º no mencionado Webometrics Ranking Web of World Universities (cf. Vilella e Lajolo, 2009)

[2] Segundo Avanza e Boueri em dezembro de 1985 essa reivindicação foi apresentada ao então Secretario de Educação de São Paulo (Avanza e Boueri, 2005: 68)

[3] Para efeito de comparação a área onde está a Cidade Universitária, na qual localiza-se a sede administrativa da USP, apresenta dimensão aproximada de 4.000.000 m²

[4] Trata-se do principal rio em cuja bacia hidrográfica localiza-se a cidade de São Paulo e cujas cheias periódicas não raro invadem as ruas e avenidas localizadas em suas margens, ou às margens de seus principais afluentes.

[5] Na verdade há duas unidades de conservação envolvidas com as áreas do novo campus: a que corresponde ao Parque Ecológico do Tietê, em seus atuais 1.450 ha, e a Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê, que abrange uma área de 7.400 ha em 12 municípios.  A APA Várzea do Rio Tietê foi criada cerca de dez anos após a criação do parque, em 1987 (Lei Estadual nº 5.598) para proteger as várzeas desse curso d’água. Ambas unidades são estaduais e suas áreas são parcialmente sobrepostas no município de São Paulo.

[6] As primeiras edificações, como informamos na introdução, haviam sido inauguradas já no início de 2005. Há ainda algumas outras planejadas para serem entregues neste e nos próximos anos, mas a estrutura física necessária para o desenvolvimento dos dez cursos lá implantados, considerando os 4 anos de graduação de cada um deles, bem como as atividades administrativas, de docência e de pesquisa a eles vinculadas, já está edificada. A ampliação desta, no entanto, é uma necessidade seja para atender a implantação dos primeiros cursos de pós-graduação (previstos para 2010), seja para ampliar sua oferta, como também para ampliar e consolidar as atividades de pesquisa e de extensão.

[7] Para maiores detalhes dessa operação, v. <http://www.cptm.sp.gov.br/e_projetos/ProjetoSPTrens.asp>

[8] Informações e conhecimento dos acervos distribuídos nas diversas estações podem ser obtidos nos sites: <http://www.metro.sp.gov.br/cultura/tearte.asp> e < http://www.cptm.sp.gov.br/e_sociais/cultura_e_arte.asp>

[9]  (http://www.universia.com.br/noticia) acessado em 27/01/2010)

[10] Conjunto de municípios vizinhos (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema) à cidade de São Paulo, que cresceram e se desenvolveram em torno das inúmeras empresas, sobretudo metalúrgicas e montadoras de veículos, que ali se implantaram.

[11] PBL é acrônimo de Problem Based Learning, Refere-se a um conjunto de metodologias ativas para a aprendizagem que tem sido adotado e difundido por um grupo crescente de pesquisadores e professores em diversas Universidades do mundo, com o intuito de dinamizar e tornar mais eficazes os processos de formação profissional. Para um razoável panorama do grau de adesão e de pesquisa em torno dessas metodologias na aatualidade recomendamos uma consulta aos anais do último congresso internacional realizado sobre o tema (PBL 2010, International Conference) que pode ser acessado em: http://each.uspnet.usp.br/pbl2010/.

[12] Além destas, nos dois semestres do ciclo básico, e ao lado de algumas disciplinas especializadas segundo a opção profissional do estudante, são oferecidas, ainda para todos, as disciplinas: “Psicologia, Educação e Temas Contemporâneos”; “Arte, Literatura e Cultura no Brasil” e “Estudos Diversificados”.

 

Bibliografía

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Ficha bibliográfica:

CARVALHO, Marcos Bernardino de y Diamantino Alves PEREIRA. Urbanidades de uma universidade pública e inclusiva. A implantação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo/ Brasil) na Zona Leste de São Paulo (região ‘periférica’): lições e aprendizados. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol.XIV, nº 331 (49). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-331/sn-331-49.htm>. [ISSN: 1138-9788].

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