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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 331 (40), 1 de agosto de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

DA TECNOCRACIA À PARTICIPAÇÃO POPULAR: A INSTITUCIONALIZAÇÃO E OS NOVOS RUMOS DO PLANEJAMENTO URBANO EM MARINGÁ, PARANÁ, BRASIL

Fabíola Castelo de Souza Cordovil
Departamento de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Estadual de Maringá
fabiolacordovil@hotmail.com

Ana Lúcia Rodrigues
Departamento de Ciências Sociais – Universidade Estadual de Maringá
alrodrigues@uem.br

Da tecnocracia à participação popular: A institucionalização e os novos rumos do planejamento urbano em Maringá, Paraná, Brasil (Resumo)

A legislação urbanística exerceu um papel preponderante no processo de desenvolvimento urbano da cidade de Maringá, Paraná, Brasil, desde sua fundação. A partir do levantamento e da análise de diversas leis que incidiram sobre a área urbana, identificamos dois momentos bastante distintos: o primeiro caracterizado por uma concepção tecnocrática que garantiu o controle do crescimento da cidade, principalmente, em atendimento aos interesses do mercado imobiliário; e o segundo, após a promulgação da Constituição de 1988, implementando diretrizes que incluem o cumprimento da função social e a gestão democrática da cidade. Apresentamos as mais recentes ações do poder público por meio das quais se identifica a dificuldade de rompimento com as tradicionais influências tecnocráticas na gestão do planejamento urbano.

Palavras-chave: legislação urbanística, participação popular, Maringá, PR, tecnocracia.   

From the technocracy to the popular participation: The institucionalization and the new directions of the urban planning in Maringá, Paraná, Brazil (Abstract)

The urbanistic legislation has played an important role in the process of urban development of Maringá City, Paraná, Brazil, since its establishment. From the research, analysis and decomposition of several legislations which focused on the urban area, it was possible to identify two distinct moments: the first one distinguish by a technocratic conception which guaranteed the total domination and control of the city growth, mainly as regard the Real State Market interests; the second one, after the promulgation of the 1988 Constitution, implementing guidelines that include the social funcion fulfilment and accomplishment as well as the democratic management of the city. It is also presented in this article the most recent actions from the public managers, through which it is possible to recognize the difficulty of rupture with the traditional technocratic influences in the management of the urban planning.

Key words: urban legislation, popular participacion, Maringá, PR, technocracy.

A cidade de Maringá estabeleceu-se a partir de um plano que se tornou modelo e parâmetro para que diversas administrações empreendessem o seu desenvolvimento urbano. O plano moderno para a cidade implantada ex-novo foi encomendado por uma empresa privada, em meados da década de 1940, a um dos engenheiros paulistanos que projetava inúmeros loteamentos em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de novas cidades e estâncias balneárias. Jorge de Macedo Vieira elaborava os seus projetos urbanísticos seguindo as ressonâncias de modelos europeus e norteamericanos e suas teorias. 

Na construção de Maringá, PR, o plano foi o ponto de partida para a formação da cidade, mas não contemplou a institucionalização do planejamento urbano que ocorreu paulatinamente. No início, os Códigos de Posturas e Obras de 1953 e 1959 incidiram sobre os rumos da cidade, regulando, entre outras questões, o crescimento urbano horizontal e vertical. Apesar de o plano inicial ser visto como modelo a ser seguido, diversas desconfigurações foram empreendidas, especialmente no que se refere à privatização dos espaços determinados como áreas públicas e institucionais.

Uma das principais características da expansão urbana de Maringá foi um intenso processo de segregação socioespacial que afastou moradores de baixa renda para conjuntos habitacionais afastados do centro urbano consolidado, a partir de meados da década de 1970, e para os municípios do entorno próximo. As condições socioeconômicas são as definidoras dos locais de moradia para as pessoas, restando àqueles com baixos salários apenas espaços periféricos para morar. Essa prática resulta de uma parceria bastante fecunda entre os interesses do mercado imobiliário e representantes do poder público.

A política de desenvolvimento sempre foi elaborada por via do planejamento e, portanto, a tecnocracia ocupou lugar de destaque em toda a história da cidade de Maringá. Foram diretrizes técnicas que definiram a cidade, mas é preciso destacar que os elementos técnicos não são neutros e atendem à implementação de concepções econômicas, políticas e sociais.

A tecnocracia era vista como capaz de refletir e resolver as questões urbanas que, no caso de Maringá, vinculavam-se à construção da infra-estrutura, dos equipamentos urbanos, além da definição da expansão da cidade, entre outros temas. Vinculados à gestão pública, os tecnocratas legitimavam as suas ações por meio do seu saber técnico, reconhecido para atuar nessa esfera visando aos interesses do bem comum.

Foi somente a partir de 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, cuja diretriz principal objetiva o cumprimento da função social da propriedade urbana, que a elaboração da política urbana no Brasil e em Maringá incorporaram interesses novos no cenário do planejamento. A garantia da participação da sociedade civil no processo encaminha para a democratização da política urbana, revertendo a preponderância histórica da tecnocracia. A nova legislação sistematiza o questionamento do modelo anterior, com a inclusão de outros agentes no processo de planejamento urbano, instituindo a disputa entre diversos atores

Não se trata de colocarmos em oposição os modelos tecnocrático e participativo com o intuito de fazer deles qualquer julgamento de valor, mas de inserirmos elementos que apontem as dificuldades de implantação das novas diretrizes urbanísticas no país. Diretrizes que se circunscrevem num processo de disputa entre os agentes que ganharam espaço no âmbito da nova legislação e a reação dos segmentos tecnocráticos, que não reconhecem aos novos atores as condições de planejar o urbano, mantendo ações para que não se modifique a estrutura anterior.

Apresentamos uma descrição e análise da legislação e as suas conseqüências para a cidade que se edificou. Primeiramente, são explicitados o contexto histórico de fundação e as características socioespaciais da cidade e região; em seguida, os principais conjuntos de legislação urbana que resultaram numa configuração social que expressa profundo processo de segregação socioespacial no território. Por último estão expostas ações bastante atuais que descrevem as recentes iniciativas do poder público e se referem à descaracterização da vertente democrática que compôs a última fase de construção da política urbana municipal. O Plano Diretor elaborado por um processo que incluiu todos os segmentos da sociedade civil, apesar de não implementado, foi alterado e descaracterizado em algumas das suas diretrizes, num movimento que se vincula à reação das forças tecnocráticas que compõe a esfera do planejamento urbano em Maringá e em todo o Brasil.

A formação de Maringá

Para entender a fundação da cidade de Maringá, é necessário contextualizar a formação da rede urbana norte paranaense e os interesses da Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP, posteriormente denominada Companhia Melhoramentos Norte do Paraná – CMNP.

As companhias colonizadoras que atuaram no Norte do Paraná, em especial a CTNP/CMNP, com sua política de colonização dirigida, compreenderam a importância do caráter planificado de todas as operações no intuito de transformar o território, portanto, as cidades surgiram como polos de desenvolvimento e polos modernizadores. Gonçalves (1999) aponta que, entre os aspectos que constituíram o planejamento empreendido pela CMNP/CTNP, estão: a forma hierarquizada e funcional urbana; a distribuição das propriedades e a atenção especial ao traçado de inúmeras cidades; a delimitação da rede viária que garantiu o escoamento das safras; e a integração entre zonas rurais e cidades. Em Maringá, especificamente, a planificação de todas as operações abrangeu desde a publicidade sistemática até a rigorosa delimitação das formas de assentamento nas áreas agrícolas e urbanas.

Antes da compra, pelos ingleses, entre 1924 e 1928, dos 515 alqueires de terras no Norte do Paraná e da Companhia Ferroviária São Paulo – Paraná, a formação da rede regional vinha sendo articulada (ver figura 1). Desde o início da década de 1920, empresários brasileiros vislumbravam a importância da implantação de uma estrada de ferro para o escoamento das safras que, consequentemente, estabeleceria as cidades. Os ingleses fundaram a Parana Plantations Ltda e a sua subsidiária brasileira: Companhia de Terras Norte do Paraná.  

Na década de 1930, a fundação de cidades e a comercialização de pequenas e médias propriedades vinculadas à construção de estradas e ferrovias tornaram-se parte integrante do amplo projeto de loteamento, feito por empresas e seguindo o padrão da CTNP/CMNP. A geógrafa Nice Lecoq Müller (1956) afirma que o planejamento antecedeu a fundação das novas cidades com critérios rigorosos de localizações que permitissem o acesso da população rural.

O geógrafo francês Pierre Monbeig (1984, p. 230) destaca o estreito entendimento entre as empresas loteadoras e a ferroviária. No caso da CTNP, constata que “... não abre oficialmente seus loteamentos aos compradores e não intensifica sua propaganda senão quando há a certeza de que eles serão atingidos logo depois pelos trilhos”.

Com as mudanças políticas no Brasil, a partir de 1937, o governo federal apropriou-se das estradas de ferro, a exportação de capitais passou a ser severamente controlada e os impostos sobre os ganhos estrangeiros tornaram-se proibitivos. Em vista disso, os acionistas britânicos tinham dificuldades crescentes para receber os lucros dos investimentos feitos no Brasil. A CTNP, então, foi vendida a um grupo de banqueiros paulistas, passando a denominar-se Companhia Melhoramentos Norte do Paraná – CMNP – que não perdeu o caráter de empreendimento comercial (Monbeig, 1984).

Oswald Nixdorf, citado pelo historiador Nelson Tomazi (1999, p. 79), diz que a venda de lotes pequenos criava povoados, o que seria mais lucrativo do que se as terras fossem compostas por grandes fazendas. Nesse caso, a Estrada de Ferro São Paulo – Paraná – EFSPP – só faria o escoamento de cargas e não traria nada de volta. Os povoados criariam mercados e, com isso, transporte de carga e passageiros.

 

Figura 1.  A área de concessão da CTNP/CMNP, com a fundação dos núcleos principais.
Fonte: CMNP, 1975.

 

Tratava-se de um empreendimento capitalista e o que se visava era a melhor relação custo-benefício, segundo avalia a geógrafa Tânia Maria Fresca (2004). Na estrutura interna das cidades, havia diferenciações sociais transpostas nos preços e nos tamanhos dos lotes.

No final da Segunda Guerra Mundial, nas imediações do que seria a cidade de Maringá, começa a se formar, por volta de 1942, o núcleo posteriormente denominado de “Maringá Velho”. Nesse período, o Estado acentua as políticas de colonização.

Os geógrafos Angela Maria Endlich e Dalton Aureo Moro (2003) asseveram que a estratégia de planejar previamente o traçado das cidades pela Companhia tinha o intuito de garantir o sucesso da rede urbana implantada. Os usos eram indicados pelo zoneamento e o povoamento dos núcleos urbanos era estimulado pelos prazos para se edificar nos terrenos adquiridos. Em Maringá, o prazo dado para que os proprietários construíssem em seus terrenos foi de um ano. Além disso, “... a Companhia tinha outras estratégias para a produção do espaço interno das cidades: construção de um escritório da CMNP, uma estação de jardineiras, escola, doação de terrenos para a administração pública local e outras repartições” (Endlich; Moro, 2003, p. 21, grifo dos autores).

Assim, estabeleceu-se a cidade de Maringá que emergiu rapidamente em meio à mata e a partir de um plano inicial elaborado por um engenheiro. Inúmeras cidades formaram-se na região, principalmente a partir do início do século XX, e várias delas com plantas pré-determinadas por agrimensores, topógrafos e engenheiros. As cidades forma implantadas em um espaço considerado por muitos como um “território vazio”[1] e a partir da formação de uma rede urbana concebida sob a noção de modernidade e de planificação.

A fundação e o plano da cidade

Maringá foi criada em 10 de maio de 1947, como Distrito de Mandaguari, e elevada a município em 14 de novembro de 1951. France Luz (1997) aponta Maringá como um dos mais importantes centros urbanos do norte do Paraná, como propulsor do desenvolvimento regional e tendo o seu desenho urbano traçado a partir da definitiva demarcação da linha ferroviária no sentido nordeste-noroeste.

Em linhas gerais, o plano urbanístico de Maringá possui, como diretrizes de implantação principais, o eixo da ferrovia e o eixo central que o corta transversalmente. No plano formulado, verifica-se uma concepção fortemente permeada pela ideia de cidade-jardim de Ebenezer Howard, entre outras influências europeias e norteamericanas.

O eixo da ferrovia foi traçado no sentido leste-oeste e conforma-se na parte mais alta e plana do sítio e, a partir dela, configuram-se as vias paralelas. O eixo central segue a mesma lógica do eixo da ferrovia, situando-se no espigão que divide os córregos Moscados e Cleópatra. Estes possuem a vegetação nativa preservada e abrigam dois parques[2] (ver figura 2).

 

Figura 2. Plano elaborado por Jorge de Macedo Vieira, em meados de 1945.
Em amarelo, a linha férrea e o eixo central em vermelho.

Acervo do Museu da Bacia do Paraná, modificado pelas autoras.

 

O desenho da cidade foi traçado, como vimos, por Jorge de Macedo Vieira que projetava, na época, vários bairros na cidade de São Paulo, além de outros projetos no interior deste Estado e na cidade do Rio de Janeiro. O engenheiro estudou na Escola Politécnica, de 1912 a 1917, estagiou, em seu último ano do curso, na City of San Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited que, neste mesmo período, contratou os serviços do escritório dos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker, expoentes do movimento cidade-jardim na Inglaterra e que propagavam a obra de Ebenezer Howard (Andrade; Steinke, 2002). Logo que se formou, fez parte do corpo técnico da Cia City, como engenheiro, por dois anos. 

Vieira ingressou na Escola Politécnica num momento em que os engenheiros eram formados para resolver os problemas da cidade, principalmente daquelas que serviam de ponto de escoamento de matérias-primas vindas do interior do país para os portos que ligavam aos mercados do exterior, como São Paulo.

Características socioespaciais

A cidade foi projetada por meio de um planejamento que indicou espaços para funções residenciais, comerciais e de serviços, industriais, de lazer etc. Não obstante a efetiva espacialização funcional dos seus espaços, as zonas residenciais do projeto de Maringá não se configuram apenas enquanto espacialização de distintas funções, mas têm sua ocupação claramente definida por uma classificação socioeconômica: “principal”, “popular” e “operária” (ver figura 3).

 

Figura 3. Legenda do projeto inicial de Maringá.
Acervo do Museu da Bacia do Paraná. Recorte das autoras.

 

Ou seja, explicita-se no desenho original uma segmentação residencial pela posição socioeconômica do morador, que definiu qual espaço da cidade ele tem condições de ocupar. A produção do espaço urbano constituído, não apenas por Maringá, mas por toda a área da região metropolitana maringaense, obedeceu, desde sua gênese, a uma orientação que reproduziu, no território, processos de desigualdade social pela ação do mercado imobiliário. Ao segmentar as áreas a serem comercializadas, segundo as especificidades socioeconômicas dos adquirentes, esse mercado fomentou, ao longo de mais de seis décadas e até os dias atuais, uma ocupação residencial claramente segregada.

Quando falamos sobre segregação, segmentação e diferenciação[3] do espaço no projeto inicial de Maringá, referimo-nos a uma categoria que expressa a hierarquia social no território e, ainda, às chances desiguais de acesso aos bens materiais e simbólicos oferecidos pela cidade (Mendonça, 2002). Noutras palavras, entendemos que a cidade acabou definindo uma espacialidade que separou os moradores conforme suas possibilidades econômicas de acesso ao solo urbano e, ao fim, segregou-os num limite tão extremo que os grupos de renda baixa da população só encontraram possibilidade de moradia fora dos limites da cidade, no entorno metropolitano. Tal processo originou-se no plano inicial e teve sequência nas estratégias das ações públicas na área urbana, como veremos.

As primeiras leis sobre o urbano

O plano por si não bastava para a construção da cidade. Emancipado o município, inicialmente, houve uma complicada demarcação entre o público e o privado, ou seja, o que seria da CMNP e o que seria da municipalidade. Todavia, as primeiras leis que se referem às ações públicas na área urbana, aprovadas em 1953, mostram a tentativa de se seguir as diretrizes do zoneamento que se definiram no plano de Jorge de Macedo Vieira.

Em 1959, também foi aprovado o novo Código de Posturas, chamado de Código de Posturas e Obras. A Lei no 34/59, de 31 de outubro de 1959, constituiu-se em importante indicação para a expansão urbana que se verificou a partir da década de 1960. A Lei estimulou mudanças tanto nos usos quanto nos índices urbanísticos, o que refletiu diretamente na conformação da paisagem urbana. A orientação para a consolidação de eixos lineares de comércio opôs-se à proposta inicial de centros secundários. No plano de Jorge de Macedo Vieira, as unidades de vizinhança propostas inicialmente formariam núcleos comerciais e de serviços distribuídos pela malha urbana. A pulverização destes núcleos ocorreria concentrando a vizinhança de determinada área da cidade em torno e próximas a escolas e serviços locais, comuns à comunidade residente.

Assim, a Lei nº 34/59 pode ser considerada a primeira legislação que enfatiza a configuração espacial em Maringá no âmbito legislativo municipal. Ao considerar aspectos mais amplos do espaço urbano, sem deixar de abranger, obviamente, as demais regulamentações de um Código de Posturas, a Lei endossa e consolida as tendências de verticalização e da expansão urbana sem limites, além de estimular diversos aspectos da configuração espacial que determinariam o crescimento urbano.

O primeiro conjunto de lei urbanística formulada para Maringá teve grande influência para a configuração das primeiras expansões do plano inicial e para a mudança de seus usos e parâmetros urbanísticos, contribuindo para as reformulações das zonas propostas por Vieira. A Lei nº 34/59 influenciou a localização do comércio e apresentou a tendência que determinou os usos das avenidas principais até os dias atuais. Em menos de 10 anos da aprovação do Código de Posturas de 1959, o município aprovou o seu primeiro Plano Diretor, com assessoria de técnicos formados em grandes centros urbanos.

O Plano Diretor de 1968

O Estado do Paraná preocupava-se com um projeto de desenvolvimento econômico com bases mais amplas que incluísse, além da economia, o planejamento territorial e as reformulações das estruturas administrativas. Segundo a pesquisadora Denise Cristina Mansur (2008), o estudo realizado pela SAGMACS – Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais – em 1963, determinou vários polos regionais que seriam o foco de investimento da Codepar – Companhia de Desenvolvimento do Paraná – para o desenvolvimento do Estado que, além da sede, Curitiba, contemplava cidades como Maringá. 

O Plano Diretor de Maringá foi elaborado por uma equipe técnica multiprofissional, contratada pela Comissão de Desenvolvimento Municipal – CODEM – que orientava os trabalhos em outras cidades, como Ponta Grossa, Paranaguá e Apucarana (Maringá, 1967). A formação das equipes era realizada pelo IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal – que ministrou curso na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba (Soccorro, 2009).

O diagnóstico é amplo e detalhado e, junto com as propostas e os anexos, somam quase 400 páginas. Quanto aos aspectos metodológicos, o Plano enfatizou que se baseava nos procedimentos sugeridos pelo Pe. Lebret, sistematizados por Francisco Whitaker Ferreira[4]. A partir do diagnóstico, as propostas consideraram os aspectos sociais, econômicos, da saúde, administrativos e, principalmente, os físico-territoriais, com intervenções e sugestões para adequação do espaço urbano.

Maringá era uma cidade com função regional, segundo os estudos empreendidos, e solicitou o financiamento do programa de planos diretores, com o compromisso de apoiar a sua implantação (Maringá, 1967). O Plano Diretor de Desenvolvimento foi um marco nos estudos urbanos da cidade, porém poucas propostas foram colocadas em prática. Rodrigues (2004) argumenta que:

“São duas as principais causas que determinaram a elaboração do plano naquele momento. A primeira foi a necessidade de se fazer um grande planejamento para a cidade, buscando corrigir as distorções que, (...), começavam a surgir na área externa (relacionadas à ocupação das chácaras) ao plano original com a ampliação do perímetro. A segunda, referente a determinações do Estado, que propunha um projeto de desenvolvimento econômico para o Paraná. Mediante diagnóstico realizado, o Norte do Estado se mostrava uma região tributária da economia de São Paulo, cuja safra de café, por exemplo, era escoada via porto de Santos e não através do Porto de Paranaguá, mantendo poucas relações com a região Sul e o sul do Estado, inclusive com a capital”.

Além dessas diretrizes, para acompanhar e implantar o plano diretor, recomendava-se a criação do Eteplan – Escritório Técnico de Planejamento – que se formou como organismo de planejamento de um polo regional e tinha como tarefa principal assessorar a administração. Foi criado em 1968, mas colocado em prática pelo prefeito seguinte, Adriano José Valente (1969-1972). Portanto, no sistema administrativo da Prefeitura, o Eteplan compunha um dos órgãos de assessoramento, juntamente com a Procuradoria Municipal. Para as ações do Escritório, argumentava-se que seria necessário um cuidadoso conhecimento da região, já que o polo era visto como a “síntese regional” (Eteplan, 1970, s/n).

A assessoria à Administração Municipal reveste-se de um caráter amplo, regional, enquanto se constitui no suporte técnico às decisões do Poder Executivo e conduz à aceitação do Planejamento como instrumento indispensável de qualquer política de desenvolvimento (Eteplan, 1970).

De caráter tecnocrático, o Eteplan concentrava amplas atribuições e diversas atividades que englobavam pesquisas regionais, revisões de leis, formações de equipes das mais distintas e projetos arquitetônicos pontuais.

Entre as principais atividades deste organismo de planejamento estava a pesquisa da realidade regional, pois, segundo os princípios do Escritório, seria por meio do conhecimento da região na qual se inseria o polo que se obteria a “consciência de planejamento micro-regional”. As pesquisas da realidade seriam as “bases científicas” para as ações de planejamento, “numa conjugação quase didática de conclusões, análises e síntese, necessárias à implantação de um organismo desse gênero” (Eteplan, 1970, s/n).

Porém, convém destacarmos que, segundo declara o relatório, houve a formação de equipes junto ao IBAM, a elaboração do Cadastro Técnico Municipal por meio de fotografias aéreas, o cálculo de alíquotas para o imposto Predial e Territorial, entre outros. O Eteplan apresentou diversos trabalhos, com diagnósticos repetitivos.

O Cadastro Técnico foi efetivo e, com ele, a arrecadação de IPTU aumentou, sendo uma das principais contribuições do Eteplan. Porém, o Escritório teve vida curta, sendo extinto na gestão seguinte, de Silvio Magalhães Barros (1973-1976). Em seu lugar, o próximo prefeito criou a Assessoria de Arquitetura e Urbanismo que atendeu projetos pontuais. Para projetos de grande envergadura, como o do Estádio e Ginásio Municipal, contrataram-se escritórios renomados como o de Jaime Lerner e equipe.

Na sequência das gestões municipais, houve a necessidade de se estabelecer um organismo técnico que desempenhasse as funções relacionadas ao urbano. Criou-se a Coordenadoria de Arquitetura e Urbanismo na gestão de João Paulino Vieira Filho (1978-1982). Nessa gestão, estabeleceu-se o plano viário e ampliou-se o perímetro urbano.

A expansão da cidade e as diretrizes técnicas

No início de 1978, com a mudança da chefia do executivo municipal, houve a cassação de vários loteamentos aprovados na gestão anterior por haver irregularidades. Entre elas, havia o impedimento da continuação de ruas e avenidas. Em vista disso, a municipalidade percebeu ser imprescindível a apresentação dos procedimentos legais para a abertura de vias para o acesso às suas glebas, entre outras questões.

As indicações existentes até então não projetavam a expansão das vias, dando oportunidade para a abertura de loteamentos desvinculados da malha urbana consolidada e, por vezes, obstruindo a continuidade viária. A administração tinha o interesse de expandir o perímetro urbano do município e, para tanto, a localização dos conjuntos habitacionais em áreas longínquas, financiados pelo BNH, bem como a pavimentação das antigas vias rurais que levavam a eles, foram estrategicamente pensadas para concretizar a intenção. Designado como assessor de arquitetura e urbanismo pelo prefeito João Paulino (1977-1982), o arquiteto Nildo Ribeiro da Rocha comandou o mais importante plano de expansão realizado para Maringá, denominado “Plano de Diretrizes Viárias”.

O plano, segundo Rodrigues (2004, p. 65) “...restituiu o crescimento da cidade aos parâmetros iniciais, com a continuação das grandes avenidas do traçado original, partindo do centro da cidade e seguindo nas diversas direções, inclusive, muitas vezes, sendo abertas em meio ao cafezal...”.

 

Figura 4. Plano viário.
Elaborado pelo arquiteto Nildo Ribeiro da Rocha, em 1979. Acervo do arquiteto.

 

Naquele momento, diversos conjuntos habitacionais inauguravam-se em áreas periféricas ao norte da cidade, como o Ney Braga, o Herman Moraes de Barros e o Branca de Jesus Camargo Vieira que, juntos, compunham-se de 1.958 unidades construídas com financiamento do BNH – Banco Nacional de Habitação – por meio de diversos programas do governo federal (FINC, Projeto Cura, Profilurb). Com eles, abriam-se e pavimentavam-se grandes artérias que levavam aos extremos do perímetro urbano. Dessa forma, reproduzia-se no território o processo de segregação referido acima, com o afastamento da população carente para áreas residenciais localizadas em pontos longínquos dos espaços urbanizados que contavam com infraestrutura instalada.

Ou seja, a ampliação da infraestrutura mantém e aprofunda a hierarquização social do espaço urbano, pois as opções feitas não foram no sentido de ocupar as áreas com infraestrutura instalada ou em instalação, mas, ampliar o perímetro em direção ao território rural. Na fundação da cidade, o mercado era exclusivamente representado pela Companhia Melhoramentos, a quem interessava a segmentação socioespacial, à medida que a elitização de determinados espaços possibilitaria sua comercialização a preços muito maiores (Rodrigues, 2004). Aquela prática continuou a guiar a futura atuação dos novos agentes do mercado imobiliário que foram se estabelecendo na cidade e região, especialmente os loteadores e incorporadores.

Percebe-se, dessa forma, que o principal agente responsável pela definição do tipo de urbanização excludente que se implementou em Maringá foi o poder público que, em última instância, reiterou, por meio do planejamento e das políticas urbanas definidas, o modelo de cidade desejável, indo ao encontro dos mesmos interesses do mercado.

O mercado imobiliário, ao qual as baixas rendas não tiveram e ainda não têm acesso, manteve-se economicamente forte, congregando também forças políticas que, no passado e no presente, fazem-se representar em todos os fóruns de decisão do município, o que tem possibilitado o atendimento às suas demandas. No extremo oposto, está a população de baixa renda a quem é oferecida moradia em áreas longínquas, nas extremidades do perímetro urbano. Essa é a equação que resultou no processo de segregação socioespacial em Maringá. Afinal, as diretrizes da companhia urbanizadora foram incorporadas pelo poder público na implementação das políticas urbanas, prevalecendo absolutas no jogo político acima mencionado. Os demais agentes imobiliários que foram se estabelecendo, passaram a ocupar o mesmo espaço privilegiado que a primeira empresa – CTNP/CMNP – imobiliária conquistara, reproduzindo as práticas especulativas que deram continuidade ao padrão segregador do projeto inicial.

Enquanto isso, várias leis alteravam os usos das avenidas e ruas, especialmente tornando mistas as vias residenciais. As modificações das leis ocorreram sem vínculos com as leis específicas, como as de zoneamento que foram aprovadas em 1968 e em 1983.

O plano diretor de 1991 e seus sucessores não implantados

O novo Plano Diretor Integrado de Desenvolvimento foi aprovado em 1991, pela Lei Complementar 01, de 27 de dezembro. A Lei do Plano contou com um amplo diagnóstico elaborado pelo Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Metropolitano da Região de Maringá, Marialva, Sarandi e Paiçandu – METROPLAN, o IBAM e as Prefeituras Municipais. Inseria-se a abordagem metropolitana para o estabelecimento das diretrizes de desenvolvimento do espaço urbano e regional. A Lei foi atualizada em 1994 e em 1999. Porém, apenas no que se refere ao zoneamento (Rodrigues, 2004). Manteve-se a vertente tecnocrática.

Em 1997, ocorreu uma reestruturação administrativa da prefeitura, o que criou dois órgãos que seriam responsáveis, posteriormente, pelo encaminhamento das ações públicas e da fiscalização na área urbana. A Lei Complementar 180, de 06 de janeiro de 1997, estabeleceu a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH – e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Maringá – IPPLAM, a primeira, de administração direta, e o segundo, uma autarquia. Entre as competências do IPPLAM estava: “Elaborar projetos de lei que assegurem o desenvolvimento urbano harmônico, tais como zoneamento urbano, perímetro urbano, parcelamento do solo urbano, código de obras, código de posturas, entre outros” (Item V, Art. 45, Lei Complementar 180/97, grifo nosso).

Porém, na Lei Complementar 270, de 22 de dezembro de 1998, que reorganiza a estrutura administrativa, o IPPLAM não compõe os órgãos de administração indireta, presumivelmente, foi extinto em menos de dois anos.

Um novo conjunto de leis foi aprovado no ano de 1999, entre elas, a lei do Sistema Viário Básico. Podemos dizer, contudo, que a visão tecnocrática que perpassa a elaboração dos planos anteriores permaneceu naquele momento, pois ainda não havia a orientação de incluir participação da sociedade civil no processo.

Assim, o entendimento do significado de “desenvolvimento urbano harmônico” torna-se facilmente compreensível dentro da orientação tecnocrática e autoritária. O modelo de cidade desejável, dentro do contexto em que o IPPLAM atuaria, possivelmente, tinha como pressuposto uma cidade sem conflitos.

 

Figura 5. Sistema Viário Básico. Aprovado pela Lei 333/99.
Fonte: Maringá, 1999.

 

É importante ressaltar que, apesar de não se tornarem lei, os dois Planos Diretores foram elaborados, respectivamente, no ano de 2000 e 2002. Contratada assessoria técnica, os diagnósticos e os textos das leis foram desenvolvidos; todavia, aqueles planos não foram sequer encaminhados para o legislativo. Tampouco o de 2000 se encontra nos arquivos da Prefeitura[5] para consulta. O Plano Diretor de Desenvolvimento de Maringá de 2002 foi disponibilizado por um dos técnicos que elaborou o documento, o arquiteto José Vicente Alves do Soccorro. Neste, não foram encontrados os instrumentos do Estatuto da Cidade, mesmo porque, segundo o arquiteto, o Plano de 2002 foi uma atualização do de 2000, incorporando os dados do Censo Demográfico que não estavam disponíveis em 2000. É muito provável que, assim como o plano de 2002, o plano de 2000 tenha a mesma orientação tecnocrática dos anteriores.

Participação democrática na construção da política urbana: o Estatuto da Cidade

Foi somente com a promulgação do Estatuto da Cidade e seus instrumentos urbanísticos e jurídicos que se iniciou o processo de participação democrática. Previsto na Constituição de 1988 nos artigos 182 e 183, foi aprovado pela Lei 10.257 de 10 de julho 2001, estabeleceu as diretrizes para a política urbana nacional. Objetiva regular o uso do solo urbano em prol do bem coletivo, por meio de um conjunto de leis urbanísticas e de instrumentos jurídicos, cujas principais diretrizes referem-se ao cumprimento da função social da cidade e à implantação da gestão democrática.

O Estatuto da Cidade apresenta os instrumentos para a gestão democrática da ocupação do solo urbano que devem ser regulamentados por meio dos Planos Diretores municipais, obrigatórios em cidades com mais de vinte mil habitantes; integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; locais onde o poder Público pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal (Parcelamento ou Edificação Compulsórios, IPTU Progressivo, desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública); integrantes de áreas de especial interesse turístico; inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. No Paraná, especialmente, o Governo do Estado, pelo Decreto nº. 2.581, de 17/04/2004, definiu que somente serão firmados convênios de financiamento de obras de infraestrutura e serviços com os municípios que já possuírem planos diretores ou com os que executarem planos diretores ou planos de zoneamento em conformidade com o Estatuto da Cidade (Rodrigues; Cordovil, 2007).

O processo democrático apresentado passou a compor a elaboração da legislação urbana em Maringá no final de 2003 e início de 2004, quando os órgãos de planejamento da Prefeitura Municipal instalaram o “I Congresso da Cidade de Maringá”, um evento que visou, por meio da participação popular, colher subsídios para a revisão do Plano Diretor vigente desde 1991. A cientista política Celene Tonella (2010), detalha a descrição do processo que se configurou na mais participativa de todas as ações do poder público em Maringá. A autora afirma, por exemplo, que:

“O tema geral do Congresso foi Desenvolvimento Econômico e Social, subdividido em três eixos: desenvolvimento econômico, controle ambiental e planejamento urbano e democracia. Cada eixo esteve composto por subtemas que foram debatidos nas Assembléias Temáticas: participação popular e democracia, juventude, mulher, comunidade negra, participação popular e assistência social, idoso, crianças, pessoa com deficiência, educação, cultura, esporte e lazer e saúde” (Tonella, 2010, p. 101).

O fórum constituído por 29 assembleias locais e plenárias temáticas congregou representantes de vários segmentos organizados da sociedade, especialmente aqueles relacionados ao mercado imobiliário e aos proprietários de terrenos urbanos. Esses agentes mostraram grande preocupação com a possível regulamentação de alguns dos instrumentos do Estatuto da Cidade, especialmente o parcelamento compulsório e o IPTU progressivo no tempo sobre os terrenos não edificados, tendo em vista o alto percentual de vazios urbanos existentes.

A comissão de acompanhamento era composta pelos técnicos da prefeitura, assessoria contratada e, na sua maioria, pelos representantes da sociedade civil. Uma das maiores polêmicas surgidas foi acerca da proposta apresentada pela equipe assessora de gravar Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em áreas definidas por meio do diagnóstico socioeconômico e territorial. Todavia, a proposta foi derrotada, à medida que, nesse fórum, prevaleciam representantes de entidades vinculadas aos interesses do mercado imobiliário.

Inúmeras propostas foram sistematizadas nas diversas etapas do Congresso e reunidas em 95 diretrizes votadas na plenária final do evento, em meados de 2004, por 209 delegados eleitos na segunda rodada das assembleias. Dentre as diretrizes relacionadas ao planejamento urbano, destacam-se muitas que incluem vários instrumentos do Estatuto e, de um modo geral, todas atendem aos novos princípios que objetivam garantir a função social da cidade e da propriedade urbana. Por meio da participação de mais de 2 mil pessoas em todo o processo, inaugurou-se a gestão democrática da cidade, incluindo segmentos que jamais participaram diretamente dos processos decisórios sobre o uso e a ocupação do solo. Representantes de segmentos populares, como associações de bairros, grupos étnicos, religiosos etc., participaram pela primeira vez de um fórum democrático, desempenhando um papel que coubera até então, apenas, aos técnicos e aos segmentos detentores do poder político e econômico do município.

Mas o Plano Diretor – PD – não foi aprovado na mesma gestão que se encerrou em 2004. O então prefeito, João Ivo Caleffi, enviou ao legislativo o Projeto de Lei no 838/2004, endereçado ao presidente da Câmara Municipal, Sr. João Alves Corrêa, todavia, não lhe foi dado qualquer tramitação. Caleffi não se reelegeu e, assim que o prefeito seguinte tomou posse, solicitou o projeto, em 14 de fevereiro de 2005, e nomeou uma comissão para revisar o Plano Diretor construído por meio de um amplo processo participativo. Contrariamente, a revisão foi feita por um grupo de cerca de 10 membros, a maioria técnicos do poder público e da sociedade civil, pois não se admitiu convocar representantes que não tivessem formação na área.

Houve constantes debates entre os que defendiam a preservação das diretrizes da Lei original e outros que propunham alteração de muitos pontos da mesma. No período entre março e setembro de 2005, aconteceram inúmeras reuniões. Alguns impasses foram gerados e deixados para serem equacionados posteriormente, dentre eles, a proposta do executivo de alterar a composição do Conselho.

A partir de então, não houve mais convocação para qualquer reunião da comissão e o assunto só veio à tona novamente no ano seguinte, quando o prefeito Silvio Barros II encaminhou mensagem de Lei no 135/2006, em 14 de agosto de 2006, endereçada ao presidente da Câmara Municipal, Sr. João Alves Corrêa. O texto enviado não era exatamente o mesmo sistematizado no âmbito do Congresso da Cidade, mas foi encaminhado ao legislativo e, rapidamente, tramitou, sendo aprovado naquela casa e sancionado pelo poder executivo como Lei Complementar no 632/2006, em 06 de outubro de 2006.

O PD não é totalmente autoaplicável e carece de regulamentação. Em Maringá, não foi regulamentado a não ser em alguns pontos que interessavam diretamente aos loteadores e donos de construtoras, como, por exemplo, a Lei Complementar que regulamentou a “outorga onerosa do direito de construir”; a transformação pontual de algumas áreas em ZEIS – Zonas Especiais de Interresse Social etc. Mas os instrumentos que assegurariam o direito à cidade por meio do acesso à terra urbana não foram implementados e, assim, o problema de falta de moradia para a população de baixa renda e as desigualdades no acesso ao solo urbano não foram enfrentados. Entretanto, poderia ter sido, pois a Lei do Plano fornece prerrogativas ao gestor municipal para coibir a especulação imobiliária: prefeito e vereadores podem construir leis como parcelamento e edificação compulsória, taxações progressivas do IPTU e desapropriação.

A reação tecnocrática

O poder executivo aprovou a Lei do Plano Diretor em 2006, mas não a implementou durante os dois anos seguintes de sua gestão. Em 2008, deu continuidade ao mandato, pois foi reeleito, mas não deu regulamentação ao plano, descumprindo todos os prazos que a própria Lei definiu. 

Ao contrário, desde o final de 2008, o poder público maringaense, ao invés de regulamentar o plano, fez várias tentativas de alterá-lo. Após um ano de tentativas frustradas, devido a erros de encaminhamento, uma conferência pública foi realizada para alterar o plano. É importante destacar que o executivo não cumpriu nenhum dos prazos para regulamentar o Plano Diretor por meio de leis complementares que deveriam ter sido elaboradas.

Portanto, não fez cumprir a função social da cidade. Não criou mecanismos para baixar o preço da terra e promover a ocupação dos inúmeros vazios urbanos que continuam intocáveis, gerando alta valorização imobiliária para um conjunto de proprietários privados e sofrimento para toda coletividade que continua sendo expulsa para a periferia mais distante da cidade ou para municípios vizinhos, em busca de casa própria.

As alterações propostas no Plano Diretor atendem a uma demanda dos loteadores e de outros agentes imobiliários, permitindo a continuidade da prática especulativa e se constituindo num empecilho para a efetivação da função social da propriedade e para uma ocupação mais democrática do solo urbano. Compondo o processo de avanços e de reações à nova legislação, foram aprovadas alterações da lei, na I Conferência Pública Municipal, realizada em 21 de dezembro de 2009.

Destacamos que a Conferência foi convocada para uma segunda-feira, às 8h30 da manhã. Em consequência do dia e horário, a maioria dos credenciados não se compunha por representantes de segmentos populares, pois os mesmos estavam impossibilitados de comparecerem devido às suas atividades de trabalho. Mesmo diante da baixa presença desses participantes, um conjunto de representantes da população compareceu à conferência. Diante de problemas para o credenciamento, da impropriedade do dia e horário, bem como dos encaminhamentos dados ao evento, um contingente de participantes se retirou da Conferência e redigiu uma ata paralela que foi entregue ao Ministério Público (CMPGT, 2010).

A “Ata paralela” questiona diversos pontos, incluindo situações registradas em vídeos que se encontram disponíveis na internet[6]. Entre os principais, está a não publicização do Regimento Interno da Conferência que, segundo o artigo 10, inciso I, da Lei no 8.508 que regulamenta as Conferências Públicas Municipais, deve ser elaborado por uma Comissão Preparatória, e a sua não disponibilidade com antecedência de 30 dias para que todos soubessem dos procedimentos. No Regimento, deveria constar que haveria vagas para somente 120 pessoas com direito à voz e ao voto, além de sua distribuição em relação às representações. Segundo a “Ata paralela”, mais de 100 pessoas foram credenciadas apenas como observadores. O Secretário de Planejamento, também presidente do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial – CMPGT, não apresentou o Regimento ao ser solicitado, fazendo-o algum tempo depois (às 14h), sem explicar os motivos da indisponibilidade prévia e afirmando que o mesmo havia sido elaborado por todos os membros do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial e não apenas por uma Comissão Preparatória.

Destacamos que o CMPGT foi criado em atendimento ao previsto na lei do Plano Diretor, composto por representantes da sociedade civil, possibilitando a ampliação da participação popular no processo de decisão das políticas urbanas. É nessa esfera que os conflitos se explicitam entre os agentes que defendem a manutenção do modelo tecnocrático e os que buscam implantar a democracia participativa, pois a sua composição não se caracteriza pela presença exclusiva de técnicos vinculados ao poder público.

Vários participantes abandonaram a Conferência como protesto aos encaminhamentos. As alterações propostas foram aprovadas pelos remanescentes presentes à conferência e as mudanças encaminhadas pelo poder executivo, sob alegação de que acarretariam a diminuição do preço do solo urbano.

Todavia, o preço não diminuiu, pois o valor imobiliário urbano contém múltiplos componentes. Além da localização, é, antes, a baixa disponibilização de lotes para parcelar que onera os preços. Isso resulta de estoque de terra urbana mantido como objeto de investimento e concessões garantidas pela legislação municipal, o que significa desvios de sua finalidade, como ora analisamos. São práticas como essa que aprofundam e mantém a histórica segregação social que compõe o cenário regional metropolitano.

Considerações finais

A nosso ver, a disputa foi estabelecida, pois o processo participativo para a construção da cidade de Maringá não obteve o resultado almejado por muitos representantes da sociedade civil. A antiga estrutura tecnocrática e autoritária que originou a cidade insiste em manter-se atuante, apesar dos novos direcionamentos garantidos em lei. De qualquer forma, o modelo de construção de cidade foi questionado pela primeira vez, obrigando a discutir com os diversos segmentos sociais.

A participação popular constitui-se em uma novidade para a população maringaense, pois a sociedade participa com direito à representação, mas acontece uma profunda resistência dos técnicos que atuam junto à municipalidade. Os técnicos formaram-se segundo a concepção tecnocrática para elaboração das ações públicas na área urbana, o que era a possibilidade daquele período. Jamais, na história da planificação da cidade, um tecnocrata havia sido questionado. As suas atitudes e as suas convicções foram debatidas e não se aceitaram as decisões autoritárias como única opção. Isso foi garantido também pelo Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial cuja composição dá-se com representantes da sociedade civil dos diversos segmentos, alguns deles responsáveis pela quebra do consenso esperado nos diversos espaços garantidos em lei (audiências e conferências públicas).

A resistência revelou-se tão intensa que aqueles que deveriam ser os primeiros a cumprirem a legislação, hoje, são os que as descumprem. No entanto, há subsídios e garantias jurídicas para restituir a legalidade, com recursos às instâncias competentes, como o Ministério Público e os Conselhos das Cidades, tanto na esfera Estadual como na Federal. No caso em que discutimos neste artigo, encontram-se em processos de tramitação junto à Promotoria uma ação coletiva e duas outras individuais que ainda não chegaram a termo, questionando situações e encaminhamentos da Conferência Municipal.

É evidente que as mudanças que advirão são de longo alcance, mas se garantem as conquistas de novos campos de debate e de novos rumos para um novo tempo.

Os novos rumos imediatos adotados estão em consonância com os velhos parâmetros definidos pela escolha de um modelo de cidade para o investimento imobiliário e, portanto, uma cidade que prossegue se expandindo para atender interesses econômicos em detrimento das necessidades sociais. Todavia, a legislação atual imprime o caráter social ao crescimento urbano, o que garante possibilidade de reversão a médio prazo, possivelmente, da segregação da população de baixa renda no território municipal.

De fato, tal processo de participação no Congresso da Cidade e na subseqüente implementação da legislação atual, nunca antes ocorrera em Maringá. No entanto, os antigos protagonistas das cenas tecnocráticas anteriores, se movimentaram no intuito de manter os tradicionais padrões, nos quais a democracia não era participativa e os atores não se compunham de representantes dos segmentos populares, mas somente de técnicos vinculados aos interesses mercado e da produção imobiliária. Por isso, identificamos a possibilidade de novos rumos mas, desconhecemos a sua direção.

 

Notas

[1] TOMAZI, Nelson. “Construções e silêncios sobre a (re)ocupação da região Norte do Estado do Paraná”. In: DIAS, Reginaldo B.; GONÇALVES, José H. R. Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: EDUEM, 1999. Tomazi, ao pretender demonstrar a falácia existente no processo de (re)ocupação da região norte do Paraná, discute o discurso dominante que trata o território como “vazio demográfico e mata virgem”, que desqualifica e omite a presença indígena na região. Mostra que só se considera a efetivação da ocupação do território com a chegada da “cultura ocidental cristã”. Os índios não são considerados humanos nas narrativas. O autor destaca anacronismo ao considerar que o “Norte do Paraná” já é constituído no século XVII. Cita Monbeig que analisa a situação dos índios como se não mais existissem, pois, ao falar que a mudança de nome dos lugares para língua indígena comprova o que o índio era para o habitante da língua pioneira: “uma recordação que entrou no domínio da legenda” (p. 54).

[2] Discutimos aspectos do plano inicial de Maringá em ANDRADE; CORDOVIL, 2008

[3] Os conceitos de diferenciação, segmentação e segregação social que utilizamos são objetos que vêm sendo (re)elaborados por diversos autores no âmbito da sociologia, dentre os quais, RIBEIRO (2007).

[4] O arquiteto urbanista Francisco Whitaker Ferreira atuou nos quadros da SAGMACS no início de sua carreira, no final dos anos 1950, aprimorando seu conhecimento sobre economia no IRFED - Institut International de Recherche et de Formation em vue du Developpemenet Harmonisé em Lyon. Na SAGMACS, coordenou a pesquisa da aglomeração urbana de Belo Horizonte e vários outros trabalhos de planejamento urbano. Engajou-se na política, atuou no Plano de Ação do governo Carvalho Pinto, em 1961, e foi vereador em São Paulo no final dos anos 1980 pelo PT. Atualmente, é assessor da CNBB - Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil e do CONIC - Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CESTARO, 2009).

[5] Cópia do Plano Diretor de Desenvolvimento de 2000 foi requisitada conforme processo 11.300/2010, protocolizado na Prefeitura de Maringá. Porém, até meados de março, não foi levado a termo.

[6] <http://www.youtube.com/watch?v=IY_pIESWrUk&feature=related>, <http://www.youtube.com/watch?v=WERWT3aW_BE&feature=related>, <http://www.youtube.com/watch?v=hY8hXJZvErM&feature=related>.

 

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