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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 331 (23), 1 de agosto de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

REESTRUTURAÇÃO DOS SISTEMAS DE MOVIMENTO E DA LOGÍSTICA E SEUS IMPACTOS REGIONAIS E URBANOS NO TERRITÓRIO PAULISTA

Márcio Rogério Silveira
Universidade Estadual Paulista
marcio@ourinhos.unesp.br

Reestruturação dos sistemas de movimento e da logística e seus impactos regionais e urbanos no território paulista (Resumo)

Relatar algumas das transformações produtivas e de consumo, ocorridas no estado de São Paulo, através das reestruturações nos sistemas de movimento, de logística e de normas e tributação, como também os impactos nos espaços urbanos, através das novas dinâmicas econômicas, impostas pelas demandas corporativas, é o objetivo desse artigo. A desconcentração produtiva e de consumo rumo ao interior só foi possível pela combinação ordenada e hierarquizada de alguns elementos básicos, como as inovações tecnológicas (meios e vias de transportes) e organizacionais (logística, normas e tributação) que otimizaram a fluidez territorial no estado de São Paulo. Destaca-se, portanto: 1) o aprimoramento da logística enquanto estratégia, planejamento e gestão de transportes, armazenamento e comunicações (inclusive na concessão de serviços públicos à iniciativa privada); 2) o aprimoramento tecnológico e a expansão dos sistemas de movimento (infraestruturas, meios de transportes) e; 3) os sistemas de normas e tributação que através das regulações e desregulamentações interferem no sistema circulatório de um determinado espaço. Assim, ambos os sistemas tem como objetivo desembaraçar os fluxos econômicos (bens, serviços, informações, capitais e pessoas) e propiciar uma maior fluidez territorial. Os impactos no território paulista, principalmente através da sua dinâmica econômica, revertem-se positivamente e negativamente, mudando a forma como se pensa e se realiza o ordenamento do território.

Palavras chave: logística, fluidez territorial, sistemas de movimento, fluxos e dinâmica econômica.

Restructuring of the systems of movement and logistics and its regional and urban impacts on the São Paulo territory (Abstract)

Report some of the productive changes and consumption, occurred in the state of Sao Paulo, through the restructurings in the systems of movement, of logistics and of standards and taxation, as well as the impacts on the urban areas, through the new economic dynamics, imposed by the corporate demands, is the purpose of this article. The productive devolution and consumption towards the country was made possible by the orderly and hierarchical combination of some basic elements, such as the technological innovations (means and ways of transports) and organizationals (logistics, standarts and taxation) which optimized the territorial flow in the state Sao Paulo. It stands, therefore: 1) the improvement of logistics as strategy, planning and management of transport, storage and communications (including the grant of public services to the private initiative); 2) the technological improvement and the expansion of movement systems (infrastructure, means of transports) and; 3) the systems of standarts and taxations that through the regulations and deregulations interfere in the circulatory system of a given space. Thus, both systems aim to disentangle the economic flows (goods, services, informations, capitals and people) and provide a bigger territorial fluid. The impacts on the São Paulo territory, primarily through its economic dynamics, reverts positively and negatively, changing the way as we think and realize the territory planning.

Key words: logistics, flow territorial, systems of movement, flows and economic dynamics.

A “mundialização do capital” aprofunda atributos estratégicos capazes de fomentar a competição global e de definir os vencedores e os perdedores desse “grande jogo”.[1] Esses vencedores e perdedores se resumem às empresas de diferentes portes (concorrência intercapitalista) e aos trabalhadores que, no conflito entre capital e trabalho (luta de classes), tem perdido uma série de direitos e de benefícios. Tais fatos estão conectados, cada vez mais sutilmente, aos estados nacionais através da estruturação e da reestruturação dos espaços regionais e urbanos, ou seja, causam repercussões políticas, econômicas e culturais que impactam profundamente os territórios. Assim, os atributos do “globalitarismo”, expressos em algumas estratégias competitivas, têm uma grande capacidade de alterar os diferentes territórios através da criação, da destruição e das reestruturações.

Entre tantas estratégias competitivas, trataremos especificamente de três, ou seja, os sistemas de logística, os sistemas de normas e os sistemas de tributação, que, por conseguinte, interferem nos sistemas de movimento. Estas estratégias, portanto, através de suas capacidades de intervenção no movimento circulatório do capital, modificam a dinâmica econômica a ponto de serem fundamentais nas reestruturações territoriais. É um fato que observamos claramente no estado de São Paulo.

Logo, para a ampliação da circulação do capital há necessidade de diminuição dos custos de produção e de serviços e, por consequência, de ampliação de suas demandas. O aumento da velocidade, da quantidade e da seletividade dos fluxos econômicos são expressões claras das novas demandas corporativas que atuam e procuram ampliação no território paulista. Nesse sentido, as inovações organizacionais (como a logística), tecnológicas (como os sistemas de movimento) e normativas, observadas no território paulista, são expressões corporativas bastante sólidas da quinta revolução logística que se expressam, numa relação dialética, com as formas existentes para substituir e dinamizar as estruturas econômicas endógenas além de imputar ao território novas formas.

Algumas intervenções, com controle estatal, através dos planos nacionais e regionais de desenvolvimento, tiveram sucesso na geração de emprego e de renda e, por conseguinte, interferiram positivamente no desenvolvimento regional e urbano. Entrementes, outras intervenções, advindas do “globaritarismo”, são permissivas e interferem na fluidez territorial e nas interações espaciais, modificando as relações sociais e induzindo novas materializações nos espaços urbanos e rurais, por exemplo, grandes infraestruturas de transportes (autoestradas, aeroportos, estações aduaneiras de interior, modernizações portuárias e outras) além de concentrações produtivas e de consumo.

Assim, alguns pontos articulados, que tratam da nova relação dos sistemas de transportes, da logística e das normatizações com a dinâmica econômica atual paulista, podem ser visualizados abaixo:

No texto que segue, não trataremos diretamente da análise da dinâmica econômica paulista e dos diversos processos responsáveis pelas reestruturações produtivas e de consumo do estado de São Paulo. Isso já foi realizado por diversos pesquisadores, como Tartaglia (1988), Negri (1996), Lencioni (1983), Bogus e Baeninger (1995), Sposito (2006), Silveira (2009), Cano et al. (2005), entre outros.

Logística corporativa e a fluidez territorial no estado de São Paulo

Podemos afirmar que a logística corporativa entrou em destaque quando o conceito de logística foi readaptado ao “mundo dos negócios” devido à acirrada competição entre firmas, principalmente entre as denominadas “empresas globais” (Porter, 1986). Assim, o conceito de logística foi reformulado e intensificado para atender às demandas corporativas e para propiciar a fluidez territorial a fim de diminuir os custos de produção e de favorecer a atuação das grandes empresas em antigos e em novos mercados. Foi a partir desse momento que os serviços de logística envolveram diversos segmentos e se espalharam por várias “partes” do mundo, acompanhando a grande “onda global” (Silveira, 2009). A logística é, portanto, um tipo de estratégia, de planejamento e de gestão, sobretudo da cadeia de abastecimento (organização de estoques e dos transportes), representando para as firmas uma determinação fundamental no conjunto das estratégias de conquista de mercados e de diminuição de custos.

Assim, a logística corporativa pode ajudar nas vantagens de movimentação de produtos, de serviços e de informações mais rapidamente e com maior segurança e custo reduzido. Também é hábil de estender a distância, principalmente pela diminuição de custos de transporte e de armazenamento assim como pelo aumento da velocidade no deslocamento entre o produtor e os integrantes da cadeia produtiva e o consumidor final a um custo aceitável. Para isso, também se planeja e se gesta uma série de recursos que são colocados à disposição para uma melhor eficiência logística, como a tecnologia da informação, as tecnologias em transportes e em armazenamentos e os sistemas de movimento.

A empresa que melhor utilizar a logística intensificará a circulação do capital, obtendo maior lucratividade a ponto de ganhar, se tudo ocorrer de acordo, ou seja, se outras determinantes tanto quanto a logística funcionarem adequadamente, a concorrência intercapitalista. Quer dizer, não adianta ter uma logística eficiente e um produto de baixa qualidade. Produtos perecíveis, como hortifrutigranjeiros, chegando ao mercado rapidamente e com eficiência, podem, por um lado, ter preços diferenciados e, por outro, ficar mais tempo à disposição dos consumidores. Desse modo, a diminuição do tempo de percurso e a eficiência no transporte aumentam os lucros e diminuem os custos de produção (redução do ciclo do pedido à entrega). Para isso, a administração da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management) é basilar.

Mas como realizar esses interesses num espaço viscoso, pouco fluido, numa economia fechada, com sistemas de movimento precários e com um padrão de consumo diferenciado pelas características culturais? Há, nesse caso, a necessidade de uma orquestração que envolva diversos atributos. Assim, o conceito mais geral que podemos infligir às intenções de mudanças para atender às corporações é o conceito de globalização. É através da globalização que as estratégias são colocadas em prática para a readequação do território às demandas capitalistas globais. Delas advêm: as desregulamentações financeiras, cambiais e alfandegárias para a livre circulação de bens, de capitais e de informações; a “globalização cultural” para a padronização de gostos e de costumes para o consumo; a dependência dos agentes financeiros nacionais aos organismos financeiros internacionais; a dependência política; a intervenção militar na busca por fontes de matérias-primas (Afeganistão e Iraque), entre outros. Mas também há a necessidade de inovações básicas capazes de favorecer uma revolução que, nesse momento, é técnica, científica e informacional e, para sua realização, foi imperiosa uma revolução logística, ou seja, a “quinta revolução e evolução logística” (Silveira, 2009). Entre essas inovações, está uma inovação organizacional (logística), uma inovação tecnológica (meios e vias de transportes) e uma inovação normativa. Assim, em conjunto, numa determinada combinação, levando em consideração a formação socioespacial de cada região, a aplicação dessas estratégias modifica os territórios de acordo com os “interesses globais”. O que destacamos é um deles, ou seja, a fluidez territorial como um desses predicados, onde determinadas estratégias são aplicadas, como a logística, a modernização dos meios e das vias de transportes assim como as desregulamentações e as regulamentações de transportes e de tributação de circulação.

Como é no território paulista que há a maior concentração produtiva e de consumo do Brasil e a região metropolitana e a cidade de São Paulo são suas áreas core, esta são as áreas onde o capital corporativo mais tem interesse em impor seus mecanismos de atuação, ou seja, são os espaços nos quais o capital soberbamente procura estabelecer suas estratégias competitivas ligadas à circulação. Por isso que observamos, nesses espaços, apesar das contradições, as imposições e as readequações aos padrões metropolitanos globais que advêm do centro do sistema capitalista. É por isso que a logística, os sistemas de movimento e as normatizações sofreram grandes reestruturações nos últimos anos.

Essa modernização tecnológica “inovacional” só foi possível devido ao aparato tecnológico, especialmente aos microprocessadores (capazes de revolucionar a forma como se produz e como se distribui a informação). Ao serem aplicadas a favor da logística, essas tecnologias expõem a diferenciação entre os diversos serviços da cadeia de suprimentos (transportadoras, agenciadoras e operadoras logísticas) e, em seguida, igualam-nas (Operadores de Transporte Multimodal). Os serviços se especializam e um operador de transporte logístico pode ser responsável (transporte, eficiência, segurança, burocracia, etc.) pela carga da origem ao destino, incluindo as etapas de armazenamento. Há necessidade, para que isso ocorra, de se elevar a velocidade, assim, esta deve estar presente no planejamento, na transmissão dos dados e na execução. O que há de novo é que diferentemente do passado – e isso fez com que a logística se destacasse – existe uma visão sistêmica da cadeia logística. Tais atributos enfatizam a atual “quinta revolução logística”, que é preparatória e está em sintonia com a “terceira revolução tecnológica”.

Nesse sentido, as estratégias logísticas, através das empresas de transportes, têm aumentado a eficiência da circulação e a fluidez territorial. Soma-se a isso a melhora das infraestruturas de transportes e os meios de transportes, sendo que ambos utilizam para seu benefício as mais modernas tecnologias, principalmente as novas tecnologias (tecnologias da informação para transportes) para auxiliarem, enquanto ferramentas, o planejamento e a gestão de atividades tanto no âmbito público quanto no âmbito privado. As tecnologias da informação são utilizadas para ampliar a eficiência logística, como o “Sistema Inteligente de Transportes” (SIT), a radiofrequência, o GPS (Sistema de Posicionamento Global), os softwares de simulação para roteirização, o tráfego, o SIG (Sistemas de Informações Geográficas), os “Sistemas de Informações Geográficas para Transportes” (SIG-T), a Internet-car e outros (PONS; REYNÉS, 2003). O emprego das “Tecnologias da Informação Geográfica” (TIGs) já é destaque no âmbito geográfico, principalmente através da disciplina Geographic Information Science (que tem como principal ferramenta o SIG-T, ou seja, SIG para transportes).

Portanto, todas as modificações no campo da logística aumentam a eficiência do sistema de circulação, otimizando os sistemas de movimento. Mas, quando a eficiência logística se soma à ampliação e à modernização planejada dos sistemas de movimento assim como ao sistema de normatização e de tributação, há um aumento considerável da fluidez territorial. Abaixo, veremos a importância dos sistemas de movimento para o aumento da fluidez territorial, principalmente no estado de São Paulo. 

Os sistemas de transportes entre o público e o privado e as transformações territoriais no estado de São Paulo

Os sistemas de engenharia em transportes no estado paulista são considerados os mais densos e melhores do país e os fluxos econômicos são os mais significativos. Isso devido à dinamicidade de sua economia. Tais fatos são considerados, pelo governo e por seus órgãos competentes, como sendo, em parte, fruto do processo de concessões de serviços públicos à iniciativa privada, ocorrido após a segunda metade da década de 1990. As concessões atendem, na verdade, às demandas corporativas, com destaque para a demanda estrangeira, seja das empresas que são favorecidas pela eliminação das viscosidades no espaço e, com isso, aumentam seus lucros comerciais, seja das empresas que ganham com a administração dos serviços públicos de transportes.

 

Quadro 1.
Malha rodoviária do Estado de São Paulo, base out./2007
 

Órgão

 

Tipo de estrada

DER (km)

Concessões (km)

DERSA(km)

Total estadual (km)

Federal(km)

Municipal(km)

Total(km)

Eixo

Terra

947,56

   

947,56

 

163.818,78

164.766,34

Pista Simples

10.932,61

1.001,27

42,11

11.982,99

424,47

11.988,92

24.396,38

Pista dupla

1.140,51

2.494,70

309,31

3.944,52

631,02

 

4.575,54

Subtotal

13.027,68

3.495,97

351,42

16.875,07

1.055,49

175.807,70

193.738,26

 

Acessos e interligações

Terra

269,21

-

-

269,21

-

-

269,21

Pista Simples

2.320,15

11,67

-

2.331,82

0,29

-

2.332,11

Pista dupla

129,32

57,76

7,68

194,76

-

-

194,76

         Subtotal

2.718,68

69,43

7,68

2.795,79

0,29

0,00

2.796,08

Dispositivos

1.185,15

714,10

125,62

2.024,87

   

2.024,87

Total

16.931,51

4.279,50

484,72

21.695,72

1.055,78

175.807,70

198.559,20

Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO. Departamento de Estradas e Rodagem. Disponível em: <http://www. der.sp.gov.br>. Acesso em: 01 mar. 2008.

 

Duas verificações são contundentes na afirmação supracitada. Primeiro, a construção das vias e dos entrepostos de transportes concedidos foi realizada, na maioria dos casos, com dinheiro público e, por mais que isso tenha facilitado as interações espaciais, ela atendeu mais aos interesses corporativos do que ao conjunto da sociedade. Para uma camada considerável da população paulista e também brasileira, a sobretaxa através do pedágio interfere negativamente nas interações espaciais, principalmente para os pequenos negócios, na mobilidade para o trabalho e nas relações interpessoais. Os pedágios ajudam a segregação social que se materializa espacialmente. Além disso, as concessionárias pouco construíram e o que imperou foi a conservação e a sinalização de rotas. Fato que não justifica pedágios tão frequentes e com valores tão altos, isto é, as concessionárias de pedágios, com aval do Estado de São Paulo, cobram taxas de pedágios entre as mais caras do mundo. Verifica-se que há obras nos sistemas de pedagiamento que se deterioram rápido, como o trecho oeste da rodovia Raposo Tavares.

A Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo (2005) afirma que não há necessidade de se construir mais rodovias no estado, com exceção do “Rodoanel” na Região Metropolitana de São Paulo, e que o fundamental é facilitar a fluidez nas rodovias existentes, com ampliações e manutenções eficientes das pistas (Silveira, 2009). Ou seja, a fórmula encontrada foi conceder à iniciativa privada. Todavia, há necessidade tanto de duplicação e de melhoramento das rodovias existentes como de construção de novas rodovias que não atendem diretamente às demandas corporativas e que têm como objetivo o desenvolvimento regional e local. Ou seja, um sistema de engenharia de transportes pode ativar o desenvolvimento em uma região isolada e ampliar as interações espaciais, mesmo que seja na perspectiva de justiça social[2]. Esse é o papel do poder público.

No estado de São Paulo, onde há grandes fluxos econômicos, as rodovias são pedagiadas e onde há poucos fluxos econômicos, as rodovias são administradas pelo poder público. A quilometragem destes trechos, sob a administração pública e privada, é desproporcional em relação aos fluxos econômicos que circulam por elas.

Em 2002, segundo Ichihara (2007), existiam 3.853 km de rodovias pedagiadas. Essas eram responsáveis por 50,4% dos fluxos econômicos (116.668,32 bilhões de R$*km) no estado de São Paulo. Todavia, os 15.620 km de rodovias não-pedagiadas eram responsáveis por 49,96% dos fluxos econômicos (116.465,21 bilhões de R$*km). Tais fatos demonstram que há custos altíssimos por parte do poder público para a recuperação das rodovias sob sua concessão. A proporcionalidade de rodovias pedagiadas aumentou nos últimos anos e, em 2007, soma a marca de 9.043 km. Nesse mesmo ano houve novas concessões, com pedágios logo em funcionamento, como as rodovias federais e as rodovias estaduais. São exemplos disso os trechos da rodovia Raposo Tavares e do “Rodoanel” (Silveira, 2009).

O mesmo processo de controle e de exploração desenfreada ocorre no sistema ferroviário paulista. As ferrovias, concedidas a partir de 1991, foram alvo de depredações econômicas. A iniciativa privada, neste caso, investiu em trechos economicamente lucrativos que, em curto prazo, trariam alta lucratividade e desativou trechos que considerou antieconômicos, como no Oeste Paulista (Presidente Prudente e Presidente Epitácio), retirando dormentes e trilhos desses trechos para substituir os dormentes e trilhos dos trechos economicamente rentáveis. Na lógica do desenvolvimento nacional e regional, destacadamente nos governos de Fernando Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso, algumas atitudes do poder público[3] relacionadas às concessões de serviços públicos à iniciativa privada foram equivocadas e irresponsáveis. Um trecho que a iniciativa privada visualiza como antieconômico pode ser fundamental para o desenvolvimento regional e local, pois pode se constituir em um indutor de desenvolvimento espacial a médio e a longo prazo. Processos semelhantes podem ocorrer nos portos, aeroportos, dutovias e hidrovias. Por isso, a participação do poder público – enquanto planejador, investidor, fomentador, poder concedente e credor hipotecário – não pode ser substituída pelo maestream econômico.

O fluxo aumentou devido à diminuição da viscosidade gerada pela combinação da melhora das infraestruturas, mas, sobretudo, à utilização das estratégias de logística e das novas normatizações para a circulação e para os transportes. Entrementes, os pedágios – fruto das regulamentações econômicas e tributárias de interesse do grande capital – interferem nas interações espaciais e suscitam duas situações, ou seja, favorecem a fluidez para as grandes corporações e para os segmentos sociais mais abastados e prejudicam as interações regionais e locais para os pequenos negócios e para o consumo dos segmentos sociais de baixa renda. A passagem de ônibus entre Ourinhos/SP e Presidente Prudente/SP, distância que perfaz cerca de 200 km pela rodovia Raposo Tavares, aumentou R$ 4,00 (quatro reais) depois da instalação de quatro praças de pedágios. Constata-se que houve uma diminuição das interações espaciais entre as cidades que são separadas por praças de pedágios, como ocorre entre Jaú/SP e Pederneiras/SP e entre Jaú/SP e Bauru/SP, entre Ourinhos/SP e Jacarezinho/PR e entre Ourinhos/SP e Cambará/PR, entre Presidente Venceslau/SP e Presidente Prudente/SP e outros. No caso do pedágio urbano – proposto para a cidade de São Paulo - as praças de pedágios podem segregar ainda mais os diferentes bairros da metrópole, limitando suas interações espaciais.

O resultado dos pedágios é também prejudicial para o país, pois parte da arrecadação de taxas com a produção e com a movimentação de cargas, através da tributação, fica nas mãos do capital privado que, na maioria dos casos, é de origem estrangeira. Incentiva-se, portanto, um dos atributos criticados por Chesnais (1996), ou seja, a fuga de capitais de uma nação subdesenvolvida.

Os sistemas de engenharia voltados para a circulação estão concentrados na Região Metropolitana de São Paulo, de Campinas (RMC – Região Metropolitana de Campinas) e da Baixada Santista (RMBS – Região Metropolitana da Baixada Santista). A tabela 2 expressa a dinâmica regional do Brasil, de São Paulo e da “macrometrópole” (incluindo faixas de cidades que, a partir da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), alcançam Campinas, Jundiaí, Americana, Rio Claro, Paulínia, Piracicaba, São José dos Campos e Baixada Santista). São conjuntos de cidades que agrupadas em diferentes recortes escalares, através de índices de PIB (Produto Interno Bruto), índices de população e índices de frota de veículos demonstram uma densidade econômica, técnica, populacional, entre outras. Em ambas as situações, destaca-se a importância da “macrometrópole” e da RMSP.

 

Quadro 2.
Índices comparativos regionais em 2005

Índice

Região

Brasil

São Paulo

“Macrometrópole”

RMSP

Soma

Soma

Porc.

Soma

Porc.

Soma

Porc.

Área (km2)

8,5 milhões

248 mil

2,9

21 mil

0,2

8 mil

0,1

População

190 milhões

41 milhões

22

27 milhões

14

19 milhões

10

PIB (R$)

2.150 bilhões

730 bilhões

34

530 bilhões

25

370 bilhões

17

Frota

45 milhões

15 milhões

33,33

10 milhões

22,22

7,5 milhões

16,66

Fonte: DER, 2007.

 

As cidades de São Paulo, de Campinas e de Sorocaba são responsáveis por uma demanda de transportes, em valores monetários, maior que o conjunto dos outros municípios do estado de São Paulo. Para isso, são utilizados, nesses espaços, todos os modais disponíveis e, por conseguinte, eles têm o maior adensamento de sistemas de engenharias em transportes para a circulação de bens, de serviços, de informações e de pessoas do país.

A Região Administrativa de Campinas concentra fluxos econômicos significativos. Sua conexão com a RMSP se faz por duas importantes rodovias: a Anhanguera e a Bandeirantes. Também se destaca o aeroporto de Viracopos que, depois da desconcentração dos voos de Congonhas, passou a fazer parte de forma mais intensa do circuito de voos nacionais. A rodovia Anhanguera é a rodovia paulista que apresenta, depois do complexo Anchieta-Imigrantes, o maior fluxo econômico e faz a conexão da Região Metropolitana de São Paulo e da Região Administrativa de Campinas com a Região Administrativa de Ribeirão Preto assim como também faz a conexão de Franca com o Triângulo Mineiro. Nesse trecho é onde se concentram as maiores interações espaciais de ordem econômica do estado, formando, portanto, um eixo de propagação de desenvolvimento na lógica da desconcentração produtiva e de consumo que vem ocorrendo no estado de São Paulo desde a década de 1970.

A Região Administrativa de Sorocaba, a maior em extensão territorial, possui duas importantes rodovias, ou seja, a Castelo Branco (via de acesso rápido à Região Administrativa de Bauru e de Marília) e a Raposo Tavares (pedagiada recentemente e que dá acesso à Região Administrativa de Presidente Prudente). O fluxo econômico pela rodovia Castelo Branco é mais intenso que pela rodovia Raposo Tavares devido ao fato dela realizar conexões mais fáceis com os municípios de Bauru e de Marília. Parte do fluxo da Região Administrativa de Presidente Prudente e de Marília flui primeiramente na rodovia Raposo Tavares e depois na rodovia Castelo Branco. Isso ocorre por causa da rodovia Castelo Branco ser uma autoestrada com pista dupla, plana, retilínea e por permitir maior velocidade que a Raposo Tavares. Os fluxos direcionados para as Regiões Administrativas de Presidente Prudente e de Marília possuem a opção de seguirem somente pela rodovia Raposo Tavares, já que ela “corta” praticamente todo o estado de São Paulo, ou seja, vai desde a cidade de São Paulo até a divisa com o estado do Mato Grosso do Sul, na cidade de Presidente Epitácio/SP, sendo que nesse percurso ela se aproxima da fronteira com o estado do Paraná (captando parte dos fluxos que passam por esse estado em Ourinhos e em Assis) e propicia fluxos econômicos com o estado do Mato Grosso do Sul. Com intensidades aproximadas de fluxos, há as rodovias Raposo Tavares, Washington Luís e Marechal Rondon. A Washington Luís, a partir da rodovia Anhanguera, interliga a RMSP à Região Central, à região de São José do Rio Preto e à região de Barretos. A Região Administrativa de Barretos também é facilmente conectada a outros espaços do território paulista por diversos trechos rodoviários que se ligam à Anhanguera. A rodovia Marechal Rondon, com acesso à Região Metropolitana de São Paulo e à rodovia Bandeirantes, contribui para a conexão das Regiões Administrativas de Bauru e de Araçatuba (Silveira, 2009).

A Região Administrativa da Baixada Santista, apesar da menor extensão rodoviária e territorial, possui grande densidade devido à movimentação de cargas no Porto de Santos. Ao mesmo tempo, ela recebe uma grande quantidade de turistas oriundos da RMSP e de outras partes do estado. Assim, o número de veículos particulares e de cargas é elevado no complexo Anchieta-Imigrantes. Igualmente há uma destacada movimentação, apesar de bem menor que na Anchieta-Imigrantes, na rodovia Rio-Santos (BR-101).

Como a BR-101, há outras rodovias federais no estado de São Paulo que apresentam estimáveis fluxos econômicos e de tráfego, notadamente por estarem em conexão com outros estados e regiões do país. Enfatiza-se a rodovia Presidente Dutra, que conecta a Região Metropolitana de São Paulo à Região Administrativa de São José dos Campos e à Região Metropolitana do Rio de Janeiro; a rodovia Fernão Dias, que conecta a RMSP à Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG, e; a rodovia Régis Bittencourt, que conecta a RMSP à Região Metropolitana de Curitiba/PR. Ambas as rodovias federais, com exceção da BR-101 no estado de São Paulo, foram concedidas à iniciativa privada. Todavia, o modelo de concessões do Governo Lula da Silva se diferencia dos modelos de concessões dos governos anteriores e do modelo empregado no estado de São Paulo, principalmente pela diferença nas taxas dos pedágios, que possuem valores menores. Essa diferença se relaciona a diversos fatores, que não nos cabe analisar aqui, como o modelo de concessões, as obrigações do poder público e das concessionárias privadas e os fatores políticos e de planejamento territorial.

 

Quadro 3.
Trechos rodoviários federais pedagiados em 2007 (destaque em itálico para os trechos que passam pelo estado de São Paulo)

Rodovias

Trecho

Extensão (km)

Concessionária/Consórcio

Investimento nos Trabalhos Iniciais (R$)

Investimento Total (R$)

BR-116/PR/SC

Curitiba – Div. SC/RS

412,70

Autopista Planalto Sul

85.891.459,50

1.9 bilhões

BR-376/PR – BR-101/SC

Curitiba – Florianópolis

382,33

Autopista Litoral Sul

111.064.927,73

3.1 bilhões

BR-116/SP/PR

São Paulo – Curitiba (Régis Bitencourt)

401,60

Autopista Régis Bittencourt

123.890.087,37

3,8 bilhões

BR-381/MG/SP

Belo Horizonte – São Paulo (Fernão Dias)

562,10

Autopista Fernão Dias

142.199.708,27

3,4 bilhões

BR-393/RJ

Div. MG/RJ – Entroncamento com a Via Dutra

200,35

ACCIONA (Consórcio)

57.147.945,31

1.1 bilhões

BR-101/RJ

Ponte Rio-Niterói – Div. RJ/ES

320,10

Autopista Fluminense

79.768.227,29

2.3 bilhões

BR-153/SP

Div.MG/SP – Div. SP/PR

321,60

Transbrasiliana

106.435.038,02

1.5 bilhões

Total

07 trechos

2.600,78

07 concessões

706.397.393,50

17,3 bilhões

Fonte: BRASIL. Agência Nacional de Transportes Terrestres. Ministério dos Transportes. Disponível em: <http://www.antt.gov.br>. Acesso em: 05 mar. 2008.

 

As rodovias com importantes fluxos de transportes se iniciam na cidade de São Paulo. Esta é responsável por aproximadamente 51% do PIB estadual e por 17% do PIB nacional, evidenciando o motivo da polarização dos fluxos na capital e no seu entorno. Por isso que as principais cidades com projeções de crescimento estão próximas da metrópole paulista e das rodovias pedagiadas. Somada às EADIs (Estações Aduaneiras Interior), que estão atraindo mais firmas para sua proximidade, temos uma concentração de atividades produtivas e de serviços, que se destacam em eixo, na superação dos modelos em áreas (grandes manchas de atividades econômicas, como um polo de desenvolvimento que desencadeou mais atividades no seu entorno) e em pontos (distritos industriais isolados), modelos estes que ainda são muito comuns.

O modal aéreo, através dos aeroportos, localizados em centros urbanos mais intensos, agrupa atividades econômicas ligadas a cargas de alto valor agregado, mas principalmente ao atendimento de passageiros, que é seu principal público-alvo. O modal aéreo, ultimamente, devido ao aquecimento da economia, vem intensificando seus serviços para atender ao setor turístico e, por conta disso e de outros motivos, o transporte aéreo regional no estado de São Paulo foi, nos últimos anos, ampliado, criando novos hubs. A alta demanda pelo transporte aéreo e os poucos investimentos em infraestruturas ocasionaram um estrangulamento, em muito sazonal, nos aeroportos paulistas, chamado de “apagão aéreo”.

Os modais ferroviário e hidroviário já não exercem tanta concentração de atividades econômicas, pois principalmente o setor ferroviário manteve sua atuação em produtos tradicionais de menor valor agregado. Com a revolução logística, em processo, as grandes áreas de armazenamento e de estocagem foram substituídas por um sistema mais eficiente de origem-destino, ou seja, just in time. O que remete a uma série de galpões abandonados nas áreas portuárias litorâneas e de interior, nos nós ferroviários, etc., que são denominados de brown fields  (“campos marrons” devido às construções ociosas).

A matriz de transportes no Brasil é baseada nas rodovias (55,8% de toneladas por quilômetros úteis transportados, enquanto nos Estados Unidos a porcentagem é de 38,5%)[4], tanto para atender a um mercado interno de dimensões continentais, quanto para atender ao escoamento da produção até os principais portos para exportação. Determina-se, portanto, fretes altos e custos adicionais que redundarão na perda da competitividade de todos os setores que dependem dos transportes de cargas. O mesmo vale para o transporte de passageiros e de cargas nos espaços urbanos e que não entrou em colapso devido à implementação, cada vez mais atuante, da logística urbana. Numa metrópole como São Paulo, a demora na mobilidade do trabalhador, de cargas e de serviços aumenta substancialmente os custos de produção (custo São Paulo de transportes). A mobilidade do trabalhador na RMSP varia, atualmente, entre duas e quatro horas de deslocamento diário, com congestionamentos que ultrapassam os 250 km.

O crescimento da economia causa impacto nas infraestruturas em São Paulo, especialmente na infraestrutura rodoviária. O estado de São Paulo tanto recebe como distribui fluxos, todavia, é o estado onde os fixos estão mais pressionados. Isso é um fato que aumenta com o desenvolvimento das cidades médias e estas, por conseguinte, já sofrem com as demandas infraestruturais.

O estado de São Paulo concentra um terço da economia nacional e possui uma relação bastante intensa com os outros estados da federação. Por mais que o estado e a RMSP sejam importantes no contexto nacional, ao mesmo tempo dependem da produção e do consumo de outros espaços. Assim, o estudo dos fluxos econômicos deve considerar o Brasil como um todo e também sua relação com o exterior. Nesse contexto é que o governo federal lançou, em 2006, o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), numa tentativa de dar maior fluidez à integração econômica nacional e de aumentar e de melhorar os corredores de exportação. A ideia básica do PNLT é diminuir a importância do modo rodoviário pelo aumento da capacidade de transporte, principalmente das ferrovias e das hidrovias (de interior, de cabotagem e de longo percurso).

Sistemas de normas e tributação e as estratégias de desenvolvimento

A tecnologia que se materializa nos sistemas de movimentos (redes técnicas e meios de transportes) e de comunicações, assim como nas estratégias logísticas, complementa-se em diferentes intensidades para estabelecer fluxos que atendam às demandas gerais, mas especialmente às demandas corporativas. Porém nada disso seria viável sem um sistema de normas e de tributação que proporcionasse viabilidade legal ao aumento dos fluxos e à fluidez territorial. O pedágio, uma sobretaxa que atinge diversos interesses mas que beneficia poucos, é um exemplo gritante. Além do mais, as taxas e os impostos de circulação desiguais espacialmente, como o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação), colocam o Brasil na dianteira dos tributos mais altos e desiguais do mundo, ou seja, com pouco retorno social.

A proposta mais salutar para resolver o problema exposto, no que se refere a alguns impostos e a taxas de circulação, é a mudança na matriz de transportes, isto é, a substituição do modo rodoviário pelo conjunto dos outros modais numa relação de multimodalidade. Assim, não haveria a necessidade de estradas de rodagem pedagiadas, pois teríamos um sistema de transporte público coletivo (metrô, trens de passageiros de longo percurso regional, transporte aéreo regional e extrarregional) e de cargas (ferrovias, dutovias, transporte marítimo interior, de cabotagem e marítimo de longo percurso). O modal mais significativo, possível de ser mais dinâmico para os interesses nacionais, é o ferroviário. Mas o importante é pensar na multimodalidade funcionando adequadamente através da OTM (Operação de Sistemas Multimodais), ainda muito precária no Brasil. Para o funcionamento adequado de um sistema OTM é necessário um conjunto de fatores funcionando em harmonia, como a logística, os sistemas de movimento e o sistema de normas e de tributação, já que um operador multimodal é o responsável por administrar e por transportar a carga, da origem até o destino, o mais rápido possível, sem embaraços burocráticos, com segurança e com baixo custo. Assim, a carga deve fluir facilmente através das conexões nos principais nós da rede de transportes, como estações de armazenamento de mercadorias, portos secos e/ou EADIs (Estações Aduaneiras de Interior), Centros Logísticos Integrados, portos fluviais, marítimos e aeroportos.

O modelo instalado é territorialmente percebido, ou seja, as demandas corporativas, em pleno momento de “globalização econômica” e de “regime de acumulação flexível”, estão interferindo nos sistemas de normas e de tributações para atuarem mais eficazmente, além de exigirem fixos de transportes, de armazenagem e de comunicações do poder público. As estratégias organizacionais, como a logística, também possibilitam a ampliação dos fluxos e, assim, no conjunto, definem a fluidez territorial a favor de uma melhor circulação do capital. Caso contundente que justifica essa assertiva é a discussão sobre reforma tributária, com destaque para o ICMS, no Poder Executivo e no Congresso Nacional. O ICMS, por ter base de cálculo diferente para cada estado federativo, atua no sistema de circulação e interfere diferentemente nas interações espaciais.

Um sistema adequado de normatização e de tributação da circulação tende, portanto, a dinamizar os fluxos econômicos e a interferir no ordenamento do território que, em grande parte, é voltado para os interesses corporativos. O aumento da fluidez territorial para atendimento do grande capital não seria problema se o capital não fosse utilizado para ocasionar perdas regionais e locais através da seletividade espacial que é estabelecida na busca por maiores lucros através da concorrência intercapitalista e da exploração do trabalho. Assim, cada vez mais há dinamização de determinados espaços em detrimentos de outros, solidificando as diferenciações regionais, principalmente no estado de São Paulo.

Considerações finais

O grande capital, nas últimas décadas, vem se reestruturando, criando estratégias capazes de substituir o modelo de multinacionais pelo modelo de “empresas globais”. Entre as estratégias destacáveis, está a logística corporativa (planejamento e gestão de transportes, armazenamento e comunicações) e, a partir dela, as mudanças nos sistemas de normatização, de tributação e de movimento. Assim, a logística é uma estratégia que, através do planejamento e da gestão, interfere nos fixos e nos fluxos de transportes, de comunicações e no armazenamento. A logística, os sistemas de movimento, de tributação e de normas, funcionando conjuntamente, são responsáveis pela reestruturação econômica de diversos espaços. O estado de São Paulo, com destaque para seu interior, demonstra bem esses fatos.

O estado de São Paulo é responsável pela geração de 34% do PIB nacional, ou seja, nele há uma grande concentração espacial das atividades econômicas do território brasileiro que interessam às corporações. Esses comparativos econômicos vêm diminuindo a partir de uma desconcentração produtiva para outros estados do território brasileiro, mas, por outro lado, há uma centralização da gestão, principalmente das grandes empresas, na metrópole paulista. A maior concentração produtiva e de consumo está sediada desde a metrópole até a “macrometrópole” e nos eixos de circulação da rodovia Anhanguera e da rodovia Presidente Dutra. Há, portanto, uma concentração das atividades econômicas que representa 58% do PIB na região metropolitana e 73% na macrometrópole[5]. O “interior”, nesse caso, o conjunto das regiões e municípios que não compõem a macrometrópole, produz 27% do PIB do estado. Mesmo assim, esses índices, no interior, concentram-se em algumas cidades, em especial, as sedes das regiões administrativas, como São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Bauru, Marília, Araçatuba e Presidente Prudente.

Ao mesmo tempo, o tamanho do território da macrometrópole e da RMSP representa uma porcentagem ínfima do território brasileiro e paulista, ou seja, em áreas relativamente pequenas ocorre a maior parte das atividades econômicas e o adensamento populacional do estado de São Paulo e do Brasil. Os sistemas de engenharia não suportam o “peso” dessa demanda e, assim, observamos problemas que se tornaram crônicos, como os problemas de mobilidade (pessoas, mercadorias e informações), os problemas ambientais (chuvas, temperatura, enchentes e deslizamentos), os problemas sociais (violência urbana, habitação, saneamento e custo de vida) e os problemas de logística urbana e interurbana. Quer dizer que, mesmo com todo o planejamento territorial, as corporações não conseguem manter uma fluidez territorial adequada aos seus interesses. Isso é de fácil visualização, pois as filas quilométricas causadas por problemas ambientais, sociais e outros tanto diminuem a lucratividade das empresas, através do aumento do custo logístico, como também aumentam os preços dos produtos para o consumidor final. O custo logístico é, nessa situação, bastante elevado. Também diminuem a produtividade do trabalho devido à dificuldade de mobilidade urbana causada pelos mesmos problemas.

Os pedágios, ao mesmo tempo em que facilitam a fluidez territorial, imputam valor sobre os custos de produção e sobre o preço final das mercadorias. Algumas empresas facilmente conseguem eliminar esses custos de produção, pois uma rodovia melhor elimina alguns custos logísticos, de manutenção do veículo, entre outros. Mas dificilmente o sistema de pedagiamento eliminará a incidência dessa taxa sobre as mercadorias e sobre a mobilidade para o trabalho. Assim, além dele ser uma sobretaxa, ajuda a diminuir a renda do trabalhador. Outro fator destacado, nesse trabalho, é a interferência do pedágio nas interações espaciais, pois ele as diminui entre os segmentos mais baixos da população. A rodovia deixa de fazer parte de um sistema de movimento democrático e livre para se tornar um dos mais segregadores. Enquanto o meio de transporte (carro e motocicletas) se popularizou, as vias (rodovias) sofreram intervenções segregacionistas, dificultando a mobilidade populacional. Pequenos serviços (jardinagem, manutenção e construção civil), pequenas relações comerciais, inclusive informais, e a produção, responsáveis pela renda de milhões de brasileiros, foram afetados pelo pedagiamento que atingiu o circuito inferior das economias urbanas.

Assim, deve-se levar em conta a importância dos sistemas de movimento, de normas e tributação assim como a logística para o desenvolvimento do capitalismo, pois são essas estratégias, em conjunto, que ampliam a circulação e, por conseguinte, a circulação do capital (ponto crucial do capitalismo) nos novos tempos. São atributos que modificam os territórios e, nesse sentido, algumas regiões são mais atingidas que outras, pois o grande capital é vigorosamente seletivo. O estado de São Paulo e algumas de suas regiões e eixos foram nomeados pelas corporações para serem os novos espaços produtivos, de consumo e de fluidez e, assim, diferenciam-se dos demais, ampliando ainda mais as desigualdades regionais. Todas essas imposições do capital só foram colocadas em prática porque o neoliberalismo econômico e seu sistema de desregulamentações, de enfraquecimento do Estado, de eliminação do planejamento para o desenvolvimento nacional e regional e outras estratégias da globalização foram implementados com sucesso. Assim, o fim do planejamento nacional e regional para o conjunto da sociedade foi substituído pelo planejamento de interesse exclusivamente do capital. A solução seria a volta da intervenção econômica, do planejamento nacional e regional e do Estado forte capaz de intermediar e de resolver problemas mais abarcativos em vez de somente resolver problemas setoriais. Todavia, há tentativas, ainda que desarticuladas, de retomada do planejamento pelo governo Lula da Silva, como o PNLT (Plano Nacional de Logística e Transportes) e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o que não ocorre no governo de São Paulo.

A solução que se apresenta possível, para o estado de São Paulo e para o Brasil, é o fim ou, pelo menos, a diminuição do sistema de pedagiamento e a mudança na matriz de transporte, ou seja, aumentar a porcentagem de cargas e de passageiros no modo ferroviário e diminuir proporcionalmente esta porcentagem no modo rodoviário. Outros modais poderiam auxiliar nisto, como o aéreo, o hidroviário, o dutoviário e o de cabotagem.

Por mais que nenhum dos modais supracitados resolva sozinho o problema do predomínio do transporte rodoviário, as melhorias nos sistemas de movimentos e de circulação e suas integrações físicas e logísticas criarão um sistema multimodal eficiente. Todavia, o planejamento dos transportes e da logística deve levar em consideração não só as demandas corporativas, mas, em especial, ajudar a resolver os problemas das desigualdades regionais e, antes disso, a desigualdade nacional. Para isso é preciso um Estado forte e uma sociedade civil crítica e organizada.

 

Notas

[1] Trabalho integrante do Projeto Temático: “O mapa da indústria no início do século XXI. Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no Estado de São Paulo”, coordenado pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito, desenvolvido pela UNESP, USP, UFPR e UNIOESTE e financiado pela FAPESP.

[2] “Com a futura consolidação da “macrometrópole” e uma previsão de duplicação das cargas no estado de São Paulo entre os anos de 2000 e 2020, a matriz de transporte rodoviária não comportará tanto fluxo e a solução será a mudança da matriz de transportes, ou seja, ela deverá ser multimodal e integrada. A lógica é um aumento da participação dos outros modais, sobretudo o ferroviário” (Silveira, 2009, p. 14).

[3] Milton Santos afirmava que a iniciativa privada tende a cuidar mais de seus interesses, que são muito seletivos, e que o Estado, se for bem administrado, é o único capaz de resolver problemas mais abarcativos através da regulação dos conflitos sociais.

[4] Retirando as cargas de minério, transportadas pelas ferrovias, estas não transportarão mais que 8% das cargas gerais no país.

[5] Essa concentração, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo, foi estabelecida pela formação socioespacial do estado, mas, a partir da década de 1970, essa concentração deixa a metrópole e vai se estabelecer em outros espaços intermediários e, depois, em dois eixos principais, ou seja, pela rodovia Presidente Dutra e pela rodovia Anhanguera.

 

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