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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIII, núm. 296 (4), de de 2009
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

A ORDENAÇÃO DO ESPAÇO LITORAL DE LISBOA, 1860-1940

Ana Martins Barata
Fundação Calouste Gulbenkian-Biblioteca de Arte
abarata@gulbenkian.pt

Recibido: 17 de enero de 2008. Aceptado: 25 de septiembre de 2008. Versión definitiva: 12 de marzo de 2009.


A ordenação do espaço litoral de Lisboa, 1860-1940 (Resumo)

Durante as últimas décadas de Oitocentos e as primeiras do século XX registaram-se algumas alterações significativas no espaço litoral de Lisboa, a par de um conjunto de propostas – por iniciativa pública e privada - porque nunca chegaram a ser concretizadas. As alterações estiveram directamente ligadas à construção das instalações que dotaram a capital de um novo porto. Foi também o desejo de transformar Lisboa no “cais da Europa” que motivou o aparecimento de vários planos de melhoramento e aformoseamento das margens ocidental e oriental da cidade onde, em alguns aspectos das soluções urbanísticas apresentadas, é possível perceber influências do modelo haussmanniano.

Palavras-chave: planos urbanísticos, melhoramentos, portos, Lisboa séculos 19-20.

The litoral space ordination of Lisbon, 1860-1940 (Abstract)

During the last decades of the 19th century and the first ones of the 20th some significant changes were made in the coast line of Lisbon. At the same time several plans were presented with the purpose to contribute to the urban development and embellishment of the city but with no visible results. The construction of a new port and the desire to transform Lisbon into the “waterfront of Europe” were the aim to all these plans – public and from private initiative – which the inspiration for some urbanistic solutions was Paris under the transformations of Baron Haussmann.

Key words: urban planning, urban improvements, waterfronts, Lisbon 19th-20th centuries.

O século XIX foi uma época marcada pela emergência da cidade industrial, pelo lançamento das bases da moderna urbanística e por transformações mais ou menos significativas em algumas cidades da Europa. Se os trabalhos urbanísticos da capital de França se iniciaram ainda antes da revolução de 1848, o seu arranque decisivo e marcante deu-se em 1852, com a nomeação do Barão Haussmann (1809-1891) para Perfeito do Sena. Com uma campanha de amplas transformações urbanísticas, subordinadas a um plano global e a um programa de acção, que implicaram a destruição de parte das ruelas estreitas e insalubres que constituíam o vieux Paris para a dar lugar ao rasgamento de amplos boulevards, substituiu-se uma malha urbana sinuosa e irregular por um desenho regularizador e geométrico, construíram-se espaços verdes, redes água e de esgotos e um sistema de circulação viário em articulação com a rede de caminhos de ferro. Haussmann e a sua equipa de engenheiros fizeram com que Paris se tornasse no modelo de cidade que serviu de inspiração um pouco por todo o espaço europeu (Bruxelas, Milão, Viena, Florença, Barcelona, Lisboa) e extra europeu (Belo Horizonte, Cidade do México)[1].

O perfil da margem ribeirinha de Lisboa em meados do século XIX

Cidade disposta em anfiteatro, em sucessivos terraços... ora perdendo-se lá longe,... ora avançando sobre o rio como o estreito tombadilho duma nau. [...] Como aproveitou o lisboeta estas condições naturais tão singulares, esta dádiva do céu e da água? Que partido tirou ele do Tejo? Voltou-lhe as costas, simplesmente”. Era neste tom pessimista que o escritor, ensaísta e jornalista Raul Proença (1884-1941) apresentava as suas impressões gerais da cidade no 1º volume do Guia de Portugal, dedicado a Lisboa e arredores, publicado em 1924. E Proença ia ainda mais longe: “Na faixa marginal da cidade tem-se a impressão de que as edificações que ali se ergueram obedeceram à intenção de tapar com um biombo de cantaria a vista do Tejo... E em vez de tudo convergir para o rio fantástico, de ele ser o fundo dos quadros decorativos, de constituir, por assim dizer, o leitmotiv da estética citadina, e de se abrir a seu lado uma das mais belas avenidas do Mundo, corre ali um paredão inestético de casaria, de fábricas, de armazéns, e até de gasómetros, ocultando ao lisboeta a vista do seu largo e claro rio[2].

Esta separação de Lisboa em relação ao rio era, em 1924, relativamente recente. Datava, mais concretamente das últimas décadas de Oitocentos, quando a cidade investiu o seu crescimento no eixo sul-norte, abandonando até muito recentemente o eixo ribeirinho. De facto, a partir da centúria de Seiscentos verificou-se que, de forma mais ou menos empenhada, Lisboa não deixou de tentar cumprir a sua vocação de cidade-portuária. Os primeiros projectos de arranjo urbanístico para a margem direita do Tejo datam do século XVIII e terão sido da iniciativa do rei D. João V. Um destes planos terá sido gizado por um engenheiro ao serviço do Senado da Câmara, Custódio Vieira (c.1690-1744?), e previa o arranjo urbanístico da frente ribeirinha em espaço ganho ao Tejo, através de aterros, onde se construiriam edifícios e uma rede viária, de que apenas se veio a construir uma parte, desde a Alfândega até ao Forte da Vedoria[3].

Alguns anos mais tarde, provavelmente já durante o governo do Marquês de Pombal, a margem ocidental do Tejo conheceu novos projectos e melhoramentos urbanísticos, dos quais merece destaque o projecto que o engenheiro Carlos Mardel (c.1695-1763) terá elaborado. Segundo o testemunho de um outro engenheiro, Miguel Correia Pais (1825-1888), existiriam, em 1880, no Arquivo da Direcção das Obras Públicas do distrito de Lisboa três plantas que continham um projecto de melhoramentos do porto de Lisboa e da margem direita do Tejo, entre o cais de Santarém até à actual Praça Afonso de Albuquerque, em Belém, assinado por Carlos Mardel[4]. Na opinião de Miguel Pais este projecto “seria notável... e colossal no tempo em que foi elaborado, um tempo anterior ao terramoto de 1755, mas já por iniciativa “do grande ministro, marquez de Pombal[5]. Para o engenheiro Adolfo Loureiro (1836-1911) que já só teve acesso no início do século XX a uma das plantas, este projecto “... obedeceu a um plano bem estudado, e que tinha em vista, juntamente com o caes, a construcção de docas e de outras obras para bem do commercio e da navegação, e bem assim o alargamento e melhoramento da cidade com novas ruas, avenidas e largos, e com a execução de grande número de edifícios, tanto publicos como particulares[6].

Do ponto de vista urbanístico, este projecto previa a construção de uma grande avenida arborizada e de dois bairros - um no sítio do actual jardim de Santos e um outro perto do antigo baluarte do Sacramento - com as respectivas ruas, praças e até igrejas, e deslocava o arsenal de marinha para a Junqueira. A ter sido concretizado, teria alterado bastante a fisionomia da cidade. Embora não datado, na opinião dos citados Miguel Pais e Adolfo Loureiro, terá sido elaborado antes de 1 de Novembro de 1755. Nos planos que se seguiram ao terramoto, Manuel da Maia, enquanto arquitecto responsável pela coordenação dos trabalhos de reconstrução de Lisboa, chegou mesmo a colocar a hipótese a construção de uma nova cidade de raiz, no sítio de Belém.

Se o desenvolvimento industrial do Portugal de Oitocentos não pode ser comparado com o que, pela mesma época, conheciam outros países da Europa, e se Lisboa não sofreu a ruptura causada pelo impacto da revolução industrial ao nível das cidades inglesas logo desde o final do século XVIII, ou de outras cidades europeias algumas décadas mais tarde, não significa que na cidade não existissem zonas de maior concentração da actividade industrial. Com efeito, desde o reinado de D. João V que se vinha registando a fundação de instalações manufactureiras em Lisboa, incrementadas mais tarde sob as medidas tomadas pelo Marquês de Pombal. Estes núcleos fabris estavam disseminados um pouco por toda a cidade, mas a grande parte estava situada junto à faixa ribeirinha, desde Xabregas (onde estavam instaladas uma fábrica fiação e a fábrica de tabaco) ao Vale de Alcântara, onde coexistiam com quintas, “terras de semeadura e palácios pertencentes à velha aristocracia. 

Em meados do século XIX, as atenções da cidade voltaram novamente a ocupar-se do espaço litoral, numa extensão que vai de Belém a Xabregas. Neste contexto, surgiram diversas propostas que incluíam não só a construção das tão necessárias instalações portuárias, como também o arranjo urbanístico de algumas zonas desta extensão. Uma vez mais, tornar-se-ia a colocar a hipótese da cidade crescer para ocidente e para oriente, mantendo-se fiel ao seu rio. O projecto da construção dum grande e moderno porto que começava a estar cada vez mais presente nas discussões da época, pode inserir-se numa vontade e desejo de devolver a Lisboa o esplendor e a importância perdidos, transformando-a novamente na cidade-portuária por excelência, “não o primeiro emporio do mundo, como quando arrancou das mãos de Veneza as chaves com que a rainha da Adriatico abria as portas da Europa ás mercadorias do oriente; mas sim um dos principaes emporios europeus dos generos coloniaes, tal como já o tinha sido “n'essa epocha venturosa em que todas as nações européas aqui vinham prover-se das especiarias da Índia”[7]. Este é talvez o denominador comum mais evidente que pode ser encontrado em todas as propostas e projectos urbanísticos apresentados para os melhoramentos e aformoseamento de Lisboa, nos finais do século XIX e primeiros décadas do XX.

A primeira zona a ser objecto de intervenção urbanística, por parte da Câmara Municipal, foi a zona onde vai existir o aterro da Boa-Vista que era, no início de Oitocentos, constituída por um conjunto de praias lodosas, onde se despejavam lixos e imundícies da cidade[8]. Esta era também, tal como a do Bom Sucesso junto a Belém, uma zona de implantação fabril. Aí se situavam, entre outras indústrias, fábricas de gelo, bebidas, tipografias, serrações, metalurgias, como a Fábrica Phénix no boqueirão da Palha, uma fábrica de gás e também a Casa da Moeda[9]. Toda a área desde a Ribeira Nova até Santos era servida por pequenos cais construídos por iniciativa particular e a ligação da rua da Boa-Vista, sua principal artéria, com a beira-rio era efectuada por numerosos boqueirões, verdadeiros locais de despejo de toda a espécie de detritos e, por conseguinte, ameaças latentes à saúde pública dos habitantes da cidade. Durante toda a década de 1860, as obras do Aterro da Boa Vista e a construção da Rua 24 de Julho, até Santos, estiveram na ordem de trabalhos da municipalidade da capital, que para elas não deixou de solicitar, repetidamente, ao governo central mais e melhores meios de actuação.

As intenções camárias de melhoramentos nos anos de 1860

Estava nas intenções do munícipio lisboeta o arranjo urbanístico de toda a área ocupada pelos novos terrenos ganhos ao Tejo. Nestas intenções incluía-se o projecto apresentado, em 1860, por Júlio de Oliveira Pimentel (1809-1884), ao tempo presidente da edilidade, da construção dum “bairro inteiramente novo que vem engrandecer a cidade de Lisboa com “grandes estabelecimentos e habitações saudáveis com grandeza decorativa, boas linhas architectonicas e boas distribuições internas com dimensões amplas e regulares, afim de se attender à boa hygiene dos novos prédios[10]. Quanto ao seu traçado urbanístico e tipologia das edificações, considerava-se necessário que os edifícios fossem construídos em “quarteirões com grandes logradouros centraes formando pateos, jardins, etc”. (onde se poderá adivinhar a inspiração subtil do exemplo dos squares que em Inglaterra se construíam por esta altura),fundando um bairro com boas condições hygiénicas muito superiores às dos mais bairros desta cidade”, segundo um planoapresentado e aprovado pelo governo. Muito possivelmente, este plano seria inspirado no gizado durante a década de 1850 pelo responsável pela repartição técnica municipal, o engenheiro-arquitecto francês Pierre Joseph Pézerat (1801-1872)[11].

Chegado a Portugal nos anos 40 de Oitocentos, Pierre Pézerat entrou para o serviço da Câmara Municipal da capital em 1852. Dois anos mais tarde publicou-se em Lisboa um pequeno estudo da sua autoria, intitulado Memoria descriptiva sobre o projecto de docka com portos-canaes e d’um novo bairro maritimo nas praias da Boa Vista, de Santos e da Rocha do Conde de Obidos comprehendo a rectificação do actual Bairro da Boa Vista[12]. O objectivo do seu autor era “pesquizar os meios de fazer desapparecer esta grande nódoa de lodo das praias da Boa Vista, e de Santos; e substituil-a por alguns projectos de embellezamento, e de utilidade, combinados com as vantagens d’uma boa e segura especulação[13].

Posteriormente, Pierre Pézerat voltaria a ocupar-se desta zona. Desta vez, as suas propostas surgiram integradas num texto publicado em 1865, intitulado Mémoire sur les études d’améliorations et embelissements de Lisbonne[14], escrito depois de uma vista à capital francesa, onde é visível a sua admiração pelas obras aí em curso resultantes da acção do barão Haussmann. Neste seu estudo, Pézerat destacou novamente as condições naturais privilegiadas de Lisboa que, por causa delas, se deveria tornar  “le plus grand entrepôt commercial de l’Europe. A novidade em relação à proposta anterior era o alargamento da intervenção a realizar à margem sul do Tejo, para onde Pézerat deslocava parte dos equipamentos portuários, o que lhe deixava mais espaço na margem norte para o estabelecimento do já referido bairro marítimo à Boa-Vista, e o alargamento da zona de intervenção urbanística até junto da Torre de Belém, utilizando terrenos ganhos ao Tejo[15].

Para além dos projectos setecentistas e dos planos da municipalidade já citados, a margem norte do Tejo continuou a ser alvo da atenção e de preocupações estéticas e urbanísticas durante o século XIX e os primeiros anos do século XX. Numerosos foram os projectos que apresentaram soluções diversas para os melhoramentos do porto, para a facilitação da circulação e da comunicação entre a cidade baixa e a zona ribeirinha ocidental e oriental e para o aformoseamento de Lisboa. Foram apresentados e defendidos pelos seus autores em livros ou artigos de jornais e revistas e apreciados e criticados pela opinião pública da época em análise, de forma mais ou menos apaixonada[16].

Grande parte dos projectos para a construção do porto e remodelação da zona ribeirinha de Lisboa apresentados posteriormente à década de 1860, foram-no por homens formados pelo ensino politécnico nacional e no estrangeiro. A empresa dos melhoramentos do porto exigia sólidos conhecimentos técnicos em vários domínios que o reduzido corpo de arquitectos portugueses da época, por carências dum ensino deficiente, não detinha. Não obstante a forte componente técnica da sua formação, os engenheiros não descuraram também o factor embelezamento, traduzido na dicotomia belo/útil, dedicando-lhe uma parte importante nos projectos e propostas que apresentaram para a zona ribeirinha de Lisboa. A questão do aformoseamento da cidade mereceu-lhes tanta atenção como a resolução dos problemas técnicos da construção das diversas instalações portuárias.

O projecto de Thomé de Gamond (1870)

O Projecto de engrandecimento da cidade de Lisboa, em cuja memória o engenheiro francês Thomé de Gamond (1807-1876)[17]  apresentava as suas soluções para o “estabelecimento de um grande porto marítimo e "a creação de novos bairros e o caminho de ferro de Collares”[18] pode considerar-se como um dos bons exemplos das preocupações com o embelezamento urbano por parte dos engenheiros oitocentistas. Este estudo, nas palavras do seu autor, tinha o “fimprincipal" de resolver o “melhoramento das condições nauticas e commerciaes d'essa grande cidade oceânica, como ele classificava Lisboa, dando-se igualmente “larga satisfação... às necessidades de extensão e de aformoseamento d'esta importante capital[19]. O seu “plano d'engrandecimento dividia-se em três aspectos: a criação de um grande porto comercial; o alargamento territorial da cidade a partir dos terrenos conquistados ao Tejo e, acessoriamente, a construção do caminho de ferro (sistema Larmanjat) de Lisboa a Sintra. Uma planta colorida acompanhava a memória descritiva para melhor se entenderem as propostas apresentadas (figura 1).

 

Figura 1. Planta que acompanhava o estudo de Thomé de Gamond.

 

Thomé de Gamond considerava o seu projecto para o engrandecimento de Lisboa completamente diferente dos que tinham já sido apresentados. A originalidade da sua proposta consistia, na sua opinião, na construção de vários diques, a começar por alturas da ribeira de Alcântara, continuando para Leste, envolvendo toda a superfície de terrenos a conquistar ao Tejo. “D'esta maneira explicava, a cidade expandia-se “ao mesmo tempo para Leste e para Oeste, ...ficando a praça do Commercio sempre ao centro[20] .

Para a zona oriental, onde existiam já algumas instalações fabris, eram projectados um porto e um bairro “do trabalho, reservado à actividade da marinha, do commércio e da industria. Esta decisão de remeter o novo porto comercial para esta zona, afastando-o assim da parte mais central e populosa da cidade, mereceu-lhe críticas diversas em posteriores apreciações[21]. Gamond, porém, preconizava com esta localização não só uma melhor conjugação do novo porto com a recente estação de caminho de ferro construída no Cais dos Soldados, como também a libertação da zona ocidental para outro tipo de equipamentos e actividades. Toda a zona Oeste, para lá da Praça do Comércio, ficava reservada para o “bairro de luxo, dos prazeres, largamente apropriado às aspirações de uma das grandes metropoles do Oceano[22] destinado aos estratos mais abastados da sociedade lisboeta da época. Não é possível apurar, contudo, se foi por desconhecimento da realidade existente que Thomé de Gamond, ao projectar para a margem ocidental a habitação de qualidade e os melhores equipamentos de lazer, omitia a forma como se realizaria a articulação deste novo tecido urbano com as pré-existências duma zona onde se concentrava a parte mais significativa das instalações industriais e as habitações da população operária de Lisboa em meados do século XIX.

Segundo os cálculos apresentados, a área dos terrenos conquistados ao rio destinada às vias públicas era maior na parte oeste, com um total de 40 hectares, dos quais 25 eram para a construção de boulevards de 25 m. de largura. Na zona oriental (menos nobre e de carácter marcadamente "laborioso"), não se previa a construção de boulevards e o total de área destinada a novas ruas (que não excederiam os 15 m. de largura) era de 35 hectares. O maior destes boulevards era “uma avenida de 115 m. de largura, coberta de arvores bastas, projectada ao longo da margem do Tejo, a começar na zona Leste, passando diante da Praça do Comércio e terminando junto da ribeira de Alcântara. Para o engenheiro francês, esta “Avenida do Tejo constituíria, “por sua posição e amplidão, um passeio único no mundo. Este projecto da construção de uma grande avenida ribeirinha tornou-se num projecto recorrente ao longo das últimas décadas de Oitocentos e primeiras do século XX, com vários intérpretes e soluções diversas.

Os outros “principaes embellezamentos que Thomé de Gamond propunha consistiam em dotar Lisboa de numerosos espaços verdes que deviam ter um triplo papel: contribuir para o aumento de salubridade da cidade, constituir locais de lazer para os seus habitantes e embelezá-la. Para isso, propunha a criação de três novos parques. O maior deles, denominado “Jardim de Alcântara, ficaria situado no final da “Avenida do Tejo (junto da ribeira de Alcântara) e teria uma superfície de 42 hectares, “igual à metade do Bosque de Bologne, em Paris. À semelhança do seu óbvio e referido modelo francês, a colocação deste parque na “extremidade da ampliação da cidade evitava o inconveniente de um grande parque entreposto no interior da cidade, que Gamond considerava como “um obstáculo à communicação entre bairros[23]. Mais dois parques, de menores dimensões, eram ainda projectados : o “Parque da Moeda, (…) no centro dos bairros do Oeste e o Bosque da Marinha, (…) jardim coberto de sombreados, de uma superfície de sete hectares, e em terraço sobre o rio, destinado a servir de “lugar de reunião do pessoal marítimo e à restante população laboriosa da zona oriental[24], contribuindo, simultaneamente, para a sua distracção e para o embelezamento desta parte da cidade[25].

Em relação ao modo como se realizaria a harmonização do tecido antigo da cidade – a parte pombalina e o tecido urbano existente entre a Praça do Comércio e a Ribeira de Alcântara -  com os novos bairros e arruamentos, é enunciada uma solução de compromisso entre as duas malhas urbanas, “de sorte que, os bairros antigos e os novos ficão confundidos em um só todo, com as novas ruas a serem prolongamentos das antigas[26]. Uma observação atenta da planta permite perceber que esta conjugação das duas malhas urbanas apenas acontecia a um nível muito superficial. A zona a construir é apresentada como uma malha composta por quarteirões cortados por artérias transversais e rotundas, de acordo com os príncipios do urbanismo oitocentista de inspiração haussmanianna, com a qual os antigos bairros existentes não ficavam, de modo nenhum, “confundidos.

Da leitura desta proposta é possível detectar em vários aspectos a influência que terão tido no seu autor as renovações urbanísticas a desenrolarem-se nas principais cidades do seu país natal - Paris, Lyon, Marselha[27] - sob o impulso orientador e inspirador do perfeito do Sena, o barão Haussmann. Estamos a referirmo-nos à opção por uma zonificação do espaço a construir, separando os bairros habitacionais para as classes mais abastadas dos destinados às classes “laboriosas”, acentuando uma tendência que já se fazia sentir por causa do processo de industrialização em curso e do crescimento do operariado, de relegar para as periferias a actividade industrial e os bairros da população a ela ligados[28], assim como a criação de espaços verdes que servissem cada uma destas zonas.

A proposta de melhoramentos da Comissão de 1871

Quatro após Thomé de Gamond ter publicado a sua proposta de engrandecimento de Lisboa, surgiu uma outra, da autoria da comissão nomeada, em 1871, por iniciativa governamental[29],  para apresentar um plano geral de obras para a margem direita do Tejo, desde a estação de Santa Apolónia até Belém. A proposta que esta comissão composta, maioritariamente, por engenheiros pertencentes aos quadros do exército e da marinha, e onde os únicos dois representantes civis eram do quadro da Câmara Municipal de Lisboa (o presidente e o responsável, na altura, pela repartição técnica, o arquitecto Domingos Parente da Silva) é mais vasta e o grau de intervenção urbanística é alargado a outras zonas marginais da faixa ribeirinha.

Este estudo, em forma de relatório, inicia-se com uma primeira parte, abordando o Tejo e suas condições naturais, as condições higiénicas de Lisboa - onde se conclui serem estas as piores possíveis, com os esgotos e despejos da cidade depositados ao longo da margem direita do rio, lamentando-se que “as margens pittorescas de um rio tão magestoso se encontrem assim contaminadas por uma atmosphera infecta[30] - e o estado da situação, disposição e condições de defesa do porto, cujas obras contribuiriam para o “desenvolvimento e vantagens, que o commercio, a navegação, e em geral todas as industrias devem colher[31]. Na segunda parte surgem as intervenções propostas para a construção do novo porto e os destinos a dar aos novos terrenos conquistados ao Tejo. Para além do projecto duma grande avenida marginal, comum à proposta de Gamond, os problemas de circulação viária e de articulação entre a actividade portuária e o caminho de ferro mereceram desta comissão uma atenção muito especial.

Neste contexto, e considerando-se “pouco central para os lisboetas a recentemente construída gare ferroviária de norte e leste no Cais dos Soldados (a estação de Santa Apolónia, construída em 1865)[32], propunha-se que a estação de passageiros fosse transferida para o edifício da antiga alfândega que, por sua vez, seria deslocada para um novo edifício a construir junto de duas grandes docas que se projectavam, para uma melhor articulação com o novo porto, entre a Ribeira Nova e a Rocha do Conde de Óbidos[33]. Por outro lado, preconizava-se o prolongamento da linha de caminho de ferro desde a Madre de Deus até à nova Alfândega omitindo-se, no entanto, a resolução para a sua passagem defronte da Praça do Comércio. Para a zona de Santa Apolónia, na altura servida pela estreita e tortuosa rua com o mesmo nome, era proposta a abertura de “uma boa estrada, disposta pelo norte da nova linha ferrea, e que, tendo 15 metros de largo e quasi nullas inclinações substituíria a antiga via.

Para além desta via no lado oriental e do boulevard marginal entre Santos e Belém, outros arruamentos eram propostos para a zona oeste, até Alcântara, todos com a largura de 20 metros. Aliás, a largura mínima desejada para todas as ruas deste novo tecido urbano era de 15 metros, para facilitar a “ventilação ou renovação do ar... circunstancia certamente mui attendival debaixo do ponto de vista hygienico[34]. Esta nova malha urbana era ainda enriquecida com a construção de três praças distribuídas da seguinte forma: “uma grande praça entre o arsenal de marinha e a nova alfândega, como muito convirá para satisfazer ao grande movimento futuro d'aquelle importante local, (…) uma outra nos terrenos destinados à edificação de um bairro industrial em frente da junqueira e, finalmente, previa-se a ampliação da já existente Praça D. Fernando (actual Afonso de Albuquerque), em Belém[35].

Também neste estudo os espaços verdes não foram descurados, se bem que com menos dimensão do que na proposta de Gamond. Assim, esta comissão propunha a construção de um “grande passeio arborisado...em frente dos Jeronymos abrangendo uma superfície de 3,8 hectares, e que teria como fim “offerecer grande commodidade aos habitantes de Lisboa, principalmente para digressões de carruagens. Curiosamente, afirmava-se que “n'este genero só temos o passeio do Campo Grande", numa total omissão em relação aquele que era ainda o principal passeio da população da Lisboa oitocentista: o já condenado Passeio Público[36]. O novo passeio trazia como vantagens “ficar muito mais central” e uma “posição consideravelmente mais pittoresca[37].

O bairro industrial para as “classes laboriosas assim como mais edificações particulares e novos mercados eram remetidos para o espaço conquistado ao Tejo entre Santos e Belém, depois de construídas as necessárias instalações portuárias. Para o novo bairro destinado “à edificação de casas para operários, aos estabelecimentos commerciaes indispensáveis, e a diversas outras industrias era reservada uma área de 22,45 hectares, disposta por 16 quarteirões e situada para além do rio de Alcântara, “fora de portas. Isto é, remetendo para a periferia da cidade os equipamentos industriais e as populações a eles associados, tendência que Thomé de Gamond tinha igualmente expressado.

A ideia de construir um bairro que servisse de habitação das classes laboriosas da capital não era nova e tinha já sido apresentada anteriormente, como foi observado por Pierre Pézerat, embora este o situasse na zona do Aterro da Boa-Vista. Em qualquer dos casos, é sempre a mesma reacção contra o estado insalubre dos bairros populares da cidade - cita-se o lamentável exemplo do bairro de Alfama - associada à aspiração de melhores condições de habitabilidade de acordo com as “boas regras higyenicas prescritas por médicos e higienistas ao longo do século XIX. Ventilação e luz: eram estas as condições que norteavam as edificações do novo bairro, que teriam  dois andares e um pequeno quintal, dispostas por ruas "muito espaçosas". Em relação à área restante - "48 grandes espaços destinados a edificações particulares e estabelecimentos de commercio - nos quarteirões junto a Belém, porque este local se prestava "commodamente pela sua proximidade das praias", propunha-se a construção de um bairro de casas para banhistas, "accommodadas pela sua capacidade e forma às necessidades da respectiva epocha"[38] .

Os mercados eram os restantes equipamentos urbanos previstos: nada mais do que cinco novos, "para bem servir os futuros habitantes d'esta parte da cidade". Para a Ribeira Nova, junto da Praça D. Luis, dois: um para peixe e outro para "hortaliças, fructos e differentes generos”; o terceiro ficaria "ao sul da Praça de Alcântara"; o quarto serviria a população do industrial bairro a oeste do caneiro de Alcântara; finalmente, o quinto e último mercado era proposto para junto do Largo dos Jerónimos. Como se vê, a comissão apenas previa o aumento da população na zona ocidental da cidade, ignorando por completo a zona oriental e as necessidades dos seus habitantes. A parte oriental, embora menos povoada, detinha por estes anos também uma importante concentração fabril, como a fábrica de tabacos, a Xabregas.

Neste "plano de melhoramentos" da comissão de 1871 não existe qualquer preocupação de articulação do espaço a construir com o tecido urbano já construído, estando ausente do espírito dos seus autores uma visão global de crescimento integrado da cidade. A sua acção é restringida à zona dos terrenos conquistados ou a conquistar ao Tejo, prevendo e privilegiando em exclusivo a extensão e ocupação territorial de Lisboa para ocidente. Por seu lado, o poder central, promotor desta iniciativa, poderia ter aproveitado para encarar as obras do porto como pretexto e um factor de dinamização do crescimento da cidade (é certo que em termos demográficos, Lisboa só começou a crescer significativamente nos finais da década de 1870), aproveitando a oportunidade para, numa conjugação de esforços, apressar a realização do tão necessário plano geral de melhoramentos da capital. Não o fez neste momento, como não o fará posteriormente, ao repetir semelhante iniciativa.

As propostas de construção de uma Avenida do Tejo

Neste contexto de melhoramentos da zona ribeirinha de Lisboa e do seu embelezamento, como já anteriormente foi salientado, o projecto da construção de uma larga avenida marginal, da qual o Aterro seria apenas um troço, foi talvez dos mais partilhados ao longo das últimas décadas de Oitocentos e primeiras do século seguinte, através das diferentes propostas sucessivamente apresentadas. Pode ser considerado como fazendo parte de uma imagem de Lisboa que se vai construindo desde o século XVIII e que afirma e reivindica novamente a cidade como “um dos grandes emporios maritimos e commerciaes do continente europeo”[39]

Como foi observado, o engenheiro francês Thomé de Gamond propunha, como um factor de embelezamento da Lisboa, a construção de uma enorme avenida marginal. Em 1874, no relatório da comissão criada para apresentar um plano geral de obras para a margem direita do Tejo avançava-se com a proposta da construção dum "grande boulevard desde Santos até Belém", prevendo-se a sua continuação além desse ponto. Afirmava-se que "a disposição do boulevard é a que mais se accommoda ao rasoavel destino, que foi dado aos espaços conquistados", e "foi projectado com a largura de 55 metros ... arborisado no centro, formando passeios para pessoas de pé, e deixando por consequência duas estradas lateraes para o transito de viaturas"[40]. Esta mesma ideia de boulevard arborizado, estendendo-se desde o Beato até Belém, expressou-a igualmente o engenheiro Miguel Pais nos seus melhoramentos para o porto de Lisboa e  engrandecimento da cidade, publicados em forma de livro em 1882[41]. E durante as últimas décadas de Oitocentos esteve também nas pretensões da Câmara Municipal construir, nos terrenos conquistados ao Tejo, uma longa avenida marginal que, partindo do Cais do Sodré, ligasse a cidade a Algés.

Já no início do século XX, porque a construção de tão projectado boulevard continuava adiada - o único boulevard que a cidade tinha entretanto ganho estava bem longe das margens do rio e direccionava o seu crescimento para norte - e porque entre a Lisboa e o Tejo se tinha começado, em 1887, a erguer uma "muralha" constituída pelos edifícios portuários, esta proposta foi novamente avançada. Surgiu, em 1906, enunciada na "Lisboa Monumental" que o escritor Fialho de Almeida (1857-1911) sonhou e deu a conhecer na revista Illustração Portuguesa. Esta artéria seria, na sua interpretação, uma monumental "Avenida da India."  Propunha Fialho de Almeida que esta avenida se aproximasse o mais possível do rio e "com o triplo da largura" que tinha na altura a parte já construída e que "fosse enfileirando no relvão central, por ali fóra, a começar d'Algés, até Santa Apolónia, estatuas de todos os heroes das descobertas e conquistas, o que daria... à beira-mar lisboeta uma cara soberba de receber visitas ... e as pagar..."[42]

Nesse mesmo ano de 1906, o assunto da avenida marginal ocupava espaço nas páginas de outros periódicos da capital. No dia 19 de Junho, no Diário de Notícias, publicava-se um pequeno artigo intitulado, significativamente, “Lisboa Caes da Europa”, em que se colocavam pertinentes questões acerca do arranjo urbanístico desta artéria ribeirinha. Um dos aspectos abordados era o da sua arborização: “porque será que a camara não adoptou para esta arteria o systema seguido na nossa Avenida, isto é, porque se não faz no Aterro uma placa central arborisada com 2 ou 3 renques d’arvores com 2 «trotoirs» lateraes?”, perguntava-se o autor destas palavras, que fazia ainda outras considerações importantes. Para ele era necessário que a avenida marginal, “destinada a ligar a rua 24 de Julho com Belem e Pedrouços”, fosse o mais rapidamente concluída, pois ela conduziria aos “Jeronimos e Torre de Belem... monumentos tão dignos de ser visitados por nacionaes e estrangeiros”, reclamando, quer do governo, quer da Câmara, uma intervenção nesse sentido. Por último, exigia-se legislação para obrigar os “proprietários de terrenos, nas vias publicas consideradas de 1ª ordem ou em Avenidas, a edificar em certas e determinadas condições”, porque as construções que iam surgindo naquela que era considerada a “parte mais bella” da cidade, muito prejudicavam a sua “esthetica”.

Em 1924, o desejado boulevard ribeirinho era cada vez mais uma miragem. E em 1927, a avenida marginal tornava a saltar para as páginas da imprensa. O motivo era agora um projecto elaborado pelo engenheiro Jean Claude Forrestier para o pequeno troço desta tão desejada avenida, compreendido entre as praças do Comércio e Duque da Terceira. Convidado, em 1926, pela edilidade lisboeta para elaborar um plano geral de melhoramentos da capital, Jean Claude Forestier (1861-1930), francês de nacionalidade, engenheiro com formação na Escola Politécnica de Nancy, tinha já provas dadas no domínio do planeamento e embelezamento de cidades[43]. A sua carreira ao serviço dos melhoramentos de Lisboa acabaria por se traduzir na elaboração de apenas dois projectos: um para a zona mais a norte da cidade, que previa o prolongamento da Avenida da Liberdade, e este para a zona ribeirinha ocidental.

Segundo a notícia publicada pelo O Século, ilustrada com uma planta, o projecto elaborado por Forestier destinava-se “a corrigir o erro da reedificação pombalina, que” não teria deixado “no centro da cidade, um passeio junto ao rio”(Figura 2)[44]. Contudo, apesar de todos estes apelos e projectos, a ligação com Algés apenas se concretizaria no início dos anos 1940, graças à Exposição do Mundo Português, e as actuais avenidas de Brasília e da Índia são as pálidas e modestíssimas concretizações de todos estes desejados boulevards ribeirinhos.

 

Figura 2. Desenho de J.C. Forestier para a Av. do Tejo (Museu da Cidade).

 

Outros projectos e planos de melhoramentos e embelezamento do espaço litoral de Lisboa surgiram durante o período em análise. Aliás, durante a década de 1880 Lisboa beneficiou de uma conjuntura interna favorável: o último governo chefiado por Fontes Pereira de Melo manteve-se no poder entre 1881 e 1886, garantindo um período de relativa estabilidade governativa; por outro lado, a Câmara Municipal de Lisboa conseguiu, entre 1877 e 1895, manter na sua presidência o mesmo homem, Rosa Araújo (1846-1893). Estes dois factores  contribuíram para uma relativa estabilidade no seio do município da capital e permitiram dar continuidade a certos projectos iniciados, entrando a cidade numa fase dinâmica de transformação urbanística.

As propostas da Sociedade de Propaganda de Portugal versus as do arquitecto Ventura Terra

Na primeira década do século XX, a tendência da municipalidade de tornar a apostar no embelezamento da zona ribeirinha, nomeadamente do Aterro da Boa-Vista e avenida 24 de Julho, continuava na ordem do dia. Em 1906, o vereador Sabino Coelho (1853-1938) colocou na ordem de trabalhos a questão do embelezamento da zona ribeirinha ocidental. A causa desta nova chamada de atenção era o “emprehendimento de promover Lisboa á cathegoria de caes da Europa”, em que estava empenhada a recém-formada Sociedade de Propaganda de Portugal.

Esta Sociedade, criada por um conjunto de personalidades das diversas sensibilidades político-partidárias da época[45] patrocinou durante estes anos diversas propostas de melhoramentos e embelezamento de Lisboa. Uma das zonas da capital que lhe mereceram especial atenção foi, precisamente, a zona ribeirinha, para a qual tinha as seguintes aspirações: promover a transferência do arsenal de Marinha; promover o prolongamento do caminho de ferro de Cascais até Santa Apolónia; promover a entrega de todos os cais e terrenos do Porto de Lisboa aos serviços de passageiros, mercados e comércio maritimo; promover a construção de terraços sobre colunas nas margens do Tejo para que o publico pudesse daí avistar o rio, segundo o modelo adoptado para o porto de Anvers.

A maior oposição a este projecto veio do arquitecto Miguel Ventura Terra (1866-1919) que era, desde 1908, vereador municipal eleito pelo Partido Republicano. No contexto da sua acção ao serviço do município da capital, Ventura Terra defendeu vigorosamente o que, na sua própria visão era necessário para os melhoramentos da zona ribeirinha, incluindo a construção do porto de Lisboa. Ventura Terra propunha, por exemplo, que se fizesse um acordo com a Companhia Real de Caminhos de Ferro para que a estação terminal do caminho de ferro de Cascais fosse construída em Santos, e não no Cais do Sodré (como acabou por sê-lo), proposta que aliás conseguiu ver aprovada em sessão camarária. 

Parte desta visão foi divulgada numa entrevista que a revista Ilustração Portuguesa fez a Ventura Terra, em 1910, e onde, a propósito da proposta da Propaganda de Portugal, de transferência do Arsenal para a margem esquerda, afirmou: “Por mim até gostaria“porque então essa avenida do Aterro que eu planeei, a extensão desde Santos, com os seus jardins, prolongar-se-hia mais, tomaria os terrenos do actual Arsenal e seria no famoso Terreiro do Paço que iria terminar”[46]. Na extensão entre Santos e o Cais do Sodré, o arquitecto-vereador sonhava com “edificios importantes sem duvida os mais bem situados da Capital, grandes hoteis, casinos, museus, etc. Constituindo o todo um esplendido vestibulo desta cidade”, permitindo aos turistas que desembarcavam em Lisboa ter “a impressão de entrar n’uma capital civilizada[47]. Este plano para a margem ribeirinha da cidade era, em suma, uma versão mais modesta da grandiosa monumentalidade que, em 1906, Fialho tinha também sonhado para a Lisboa ribeirinha.

Se para Miguel Ventura Terra, o plano da Propaganda de Portugal não devia ser tido em conta, o contrário também sucedia. Isto é, para a direcção daquela sociedade, o plano do arquitecto era “nocivo e chimerico[48]. Estas divergências de opinião em relação aos melhoramentos a empreender na margem ocidental de Lisboa, no sentido de aformosear a cidade, foram objecto de algumas iniciativas levadas a cabo pela Sociedade de Propaganda pela voz do seu presidente, o engenheiro Fernando de Sousa (1855-1942), durante os anos de 1909 e 1910 .

O objectivo era demonstrar que os alvitres avançados por Ventura Terra, nomeadamente a transferência da estação terminal da linha de Cascais do Cais do Sodré para Santos e o ajardinamento da faixa dessa faixa ribeirinha, eram “inoportunos e contraproducentes[49]. Por outro lado, respondia-se às objecções do arquitecto com os inconvenientes do seu próprio projecto. Por exemplo, que o “affastamento para mais longe, da estação do Caes do Sodre traria grandes inconvenientes para o publico; que, se o terreno compreendido entre o Cais do Sodré e Santos era “preciso para jardins, era “ainda mais preciso para o trafico commercial, cargas e descargas, etc.”; que a avenida marginal deveria ser construída entre a Praça do Comércio e o Cais do Sodré, assim que o Arsenal fosse mudado para a margem sul do Tejo. Deste modo, “nos terrenos devolutos, construir-se-hiam edificações magnificas, um hotel de primeira ordem, por exemplo”, ficando assim, “resolvido o problema do arsenal, da respectiva rua, e o de se arranjar, á beira Tejo, um formoso passeio[50]

Alguns meses mais tarde, em reacção à entrevista de Ventura Terra à Illustração Portuguesa, o presidente da Propaganda realizou uma conferência sobre o mesmo assunto, onde tornou a  rebater as afirmações de Ventura Terra, e afirmou que o seu único desejo era conciliar “as duas ideias - o Aterro, passeio de luxo e logar de trabalho[51]. Estas mesmas ideias eram também defendidas nas páginas da revista A Construção Moderna, nomeadamente num artigo intitulado “O ajardinamento da margem do Tejo entre Santos e Santa Apolonia”, onde se afirmava que embora “o alvitre apontado [pela Câmara Municipal] é certo que com louvavel intuito do embelezamento de Lisboa, teria o grave inconveniente de prejudicar não só a economia geral,.... mas obstaria á realisação do vasto plano integral que Emygdio Navarro condensou nas palavras «Lisboa caes da Europa»....”[52].

Os melhoramentos da margem do Tejo tornaram-se para Miguel Ventura Terra uma quase obsessão, não se tendo poupando a esforços para os conseguir ver realizados, mobilizando para a sua causa diversas entidades com influência na vida social e económica de Lisboa[53]. Ao longo dos anos em que ocupou a cadeira de vereador (1908-1912), Ventura Terra não deixou de insistir para que o poder central aprovasse e disponibilizasse os meios suficientes para pôr em prática a sua visão. Numa dessas vezes, fazendo uma espécie de ponto da situação, recordava que “ ha cerca de dois annos que a Camara vem representando naquele sentido [aprovação do plano de melhoramentos da margem do Tejo] aos respectivos ministerios, sem que tenha até hoje recebido resposta; nem mesmo consta que tivesse sido acusada a recéção das sucessivas representaçãoes (...)”, pelo que concluia propondo que “novamente se represente ao Ministerio do Fomento, pedindo urgencia na resposta”[54]. A Câmara Municipal necessitava que o poder central lhe cedesse os terrenos que lhe pertenciam e que negociasse com a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses os terrenos que esta possuía entre o Cais do Sodré e Santos. Para isso, foi Ventura Terra o autor de numerosas representações ao poder central que, pura e simplesmente, as foi sucessivamente ignorando. Mesmo o governo central saído da revolução de 5 de Outubro de 1910 que partilhava dos ideais políticos que a equipa que administrava a cidade do país, demonstrou a mesma indiferença que os anteriores executivos. Quem acabou por ganhar esta causa foram a Companhia de Caminhos de Ferro, a Administração do porto de Lisboa e a Sociedade de Propaganda de Portugal, que acabou por levar de vencida algumas das suas aspirações, ao conseguir ver construída no local que defendia - o Cais do Sodré - a estação do caminho de ferro para Cascais[55].

Em 1916, a Administração do Porto de Lisboa[56] e a Sociedade de Propaganda de Portugal fizeram parte de uma comissão destinada a resolver o problema dos melhoramentos da margem ocidental do Tejo. Esta comissão, cujos outros membros eram o presidente da comissão executiva da Câmara Municipal, o director geral dos Correios e Telégrafos, um engenheiro da exploração do porto de Lisboa, um engenheiro da Companhia dos Caminhos de Ferro, um engenheiro da Companhia do Estoril, acessorados pelos vereadores dos pelouros de Engenharia e Arquitectura e os chefes da 3ª (engenharia) e 4ª (arquitectura) da edilidade elaborou um ante-projecto classificado como “uma obra absolutamente realizavel”, com inúmeras “vantagens de ordem economica e estetica”, destinado a “fazer desaparecer da margem do Tejo as construções marroquinas” que por aí imperavam[57]. Contudo, neste ante-projecto as aspirações do arquitecto Ventura Terra acabaram postas de lado. Quem perdeu não foi Miguel Ventura Terra, mas Lisboa.

Infraestruturas, equipamentos e ordenação urbana realizados no século XX

Não obstante esta sucessão de projectos e propostas sempre adiados, depois do arranque  das obras do porto de Lisboa e durante as décadas seguintes, até 1940, a margem ribeirinha da cidade viu surgirem, quer do lado oriental quer na parte ocidental, diversas infraestructuras e equipamentos urbanos que, de certo modo, modularam esse espaço. Estas obras importantes e necessárias, em articulação com o novo porto e no âmbito do desenvolvimento dos transportes ferroviários e fluviais, nasceram nos progressivos aterros que foram sendo realizados, através dos quais se regularizaram as margens do rio.

Depois da construção da estação ferroviária de Santa Apolónia (1855), construiu-se no Cais do Sodré uma outra, cujo projecto de arquitectura, de marcada influência Déco, foi entregue ao arquitecto Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957). O projecto foi elaborado em 1925 e a obra foi concluída em 1928. A intenção desta estação vinha do século anterior e o traçado da linha destinava-se a fazer a ligação da capital com Cascais[58]. A sua construção implicou o arranjo urbanístico da zona, onde ainda subsistiam diversas construções do século XVIII. A inserção da nova estação no tecido urbano já existente foi uma preocupação que esteve subjacente à elaboração do projecto de Pardal Monteiro. E ao longo da linha foram sendo construídas outras estações, de dimensão e projecto arquitectónico mais modestos.

Na ausência de uma ponte que fizesse a ligação das duas margens do rio, a travessia do Tejo era realizada através do transporte fluvial. Neste contexto, foram construídas a Estação Fluvial do Cais do Sodré, em 1904[59] e, alguns anos mais tarde, a oriente da Praça do Comércio, a Estação Fluvial de Sul e Sueste. Sobre a primeira não existe muita informação disponível e não terá durado muito tempo, uma vez que terá sido demolida no início da década de 1940[60].  Em relação à segunda, construída para servir as linhas do Barreiro, Montijo, Alcochete e Seixal, era da autoria do arquitecto Cottinelli Telmo (1897-1948). De facto, este novo edifício vinha substituir um anterior a funcionar num barracão de madeira em frente do torreão ocidental da Praça do Comércio, desde finais do século XIX. A sua construção, com a inauguração em 1932 (projecto aprovado em 1928), acabou por resultar por causa de dois factores: por um lado, a realização, em Sevilha, da Exposição Ibero-America, prevista para 1929, que se pensava viria a aumentar o tráfego entre Lisboa e o Barreiro, de onde partia a ligação para Espanha; e por outro, a abertura de uma nova via na zona ribeirinha, a Avenida da Ribeira das Naus, que implicava a deslocação do Arsenal da Marinha para o Alfeite e a destruição da velha estação[61].

Os anos de 1930 virão a revelar para o país e para a capital renovados desejos de regeneração. O novo regime político, que a partir de 1933 se consolidou no poder durante mais de quatro décadas, pretendeu reivindicar uma nova atitude em relação à transformação e à imagem de Lisboa. Expressar-se-ão novos desejos traduzidos em ambições que não se contentam apenas com a transformação de Lisboa em “grande cidade europeia”, mas que reclamam para ela o estatuto de “capital do Império”, em consonância com os princípios ideológicos da nova ordem vigente no país.  Talvez a figura mais decisiva desta nova fase da cidade tenha sido o engenheiro Duarte Pacheco (1899-1943) que durante um curto, mas marcante, período de tempo assumiu os destinos da capital, acumulando com este, o cargo de Ministro das Obras Públicas, entre 1938 até 1943. Sob a sua acção, Lisboa alterou substancialmente a sua fisionomia: modernizou e ganhou novas e necessárias infraestruturas - o aeroporto, o Parque do Monsanto, a cidade universitária, a auto-estrada para o Estoril – ; e reorganizou-se em termos urbanísticos.

Uma das zonas de intervenção neste período foi a zona de Belém que, desde 1873, se ligava ao Rossio por uma linha de carros “americanos” de tracção animal. Em 1891, tinha sido erguida, mesmo ao pé da Torre de Belém, a Fabrica de Gaz de Belem, que no seu conjunto incluía dois gasómetros, depósitos de carvão, fornos, etc[62]. Nas imediações ficava o Mercado de Belém que, por sua vez, tinha sido inaugurado em 1882.  Foi esta zona que o Estado Novo escolheu para, em 1940, realizar uma grande exposição da sua auto-consagração, juntando a esta data outras duas com significado na história do país: 1140, ano da fundação da nacionalidade e 1640, data da independência em relação à coroa de Espanha. Para os trabalhos necessários empreendeu-se uma limpeza e arranjo urbanístico da zona, tendo como centro uma enorme praça, denominada Praça do Império, onde ontuava uma fonte luminosa monumental. Esta praça organizou o espaço junto dos Mosteiro dos Jerónimos, numa área de cerca de 560 mil metros quadrados, onde se construíram diversos pavilhões, um espelho de água, espaços ajardinados, restaurantes, um parque de diversões... Durante os meses em que a Exposição esteve aberta – espécie de cidade encenada -, esta zona da cidade recebeu milhares de visitantes. Posteriormente, foram destruídos quase todos esses  equipamentos, projectados para serem efémeros, com materiais  como o estuque e o papelão. A fábrica de gás junto à Torre de Belém, porém, só alguns anos mais tarde veio a ser definitivamente desmantelada, em 1944, e limpa toda a área envolvente. Urbanisticamente, a zona só viria a ser alvo de nova uma intervenção mais profunda, como a aprovação dos projectos para a construção do Centro Cultural de Belém, já na década de 1980.

Considerações finais

Como reflexão final poderemos observar que ao longo deste período se registou de facto uma alteração significativa no perfil da linha da costa junto da cidade de Lisboa. Por outro lado, com a construção das instalações portuárias que a capital carecia, os responsáveis pelos destinos do país e da cidade perderam, simultaneamente, duas oportunidades: a propósito da construção das instalações necessárias ao moderno porto que se desejava, fazer uma reflexão sobre a cidade e realizar o ordenamento de toda a sua zona ribeirinha, oriental e ocidental. Refira-se ainda que ao tomarem a decisão de localizar o porto na faixa entre o Cais do Sodré e a Rocha do Conde de Óbidos "desistiram", por assim dizer, de fazer Lisboa crescer ao longo da margem ocidental do rio, contrariando as propostas de melhoramento mais interessantes do ponto de vista urbanístico que foram apresentadas durante estes anos. O Tejo e os melhoramentos do porto foram as duas faces do mesmo desejo: a recordação nostálgica do passado glorioso, na vivência de um presente sempre aquém das expectativas, foi-se projectando um futuro onde, através da dinamização do eixo ribeirinho, se desejava recuperar para Lisboa a glória perdida e, simultaneamente, ombreá-la com as grandes capitais europeias.

Por outro lado, se o Paris de Haussmann foi, efectivamente, o modelo que Lisboa tentou, à medida das suas possibilidades imitar (e apenas nos aspectos exteriores, faltando-lhe sempre a reflexão ideológica e teórica que esteve subjacente aos trabalhos do Perfeito do Sena) durante as últimas três décadas de Oitocentos e as três primeiras do século seguinte, outras cidades foram igualmente fonte de inspiração para a desejada transformação urbanística da cidade. Encontram-se, sobretudo nas propostas para a margem norte ocidental do Tejo, os exemplos de cidades que, à semelhança de Lisboa, tinham em comum o facto de serem cidades de vocação portuária. Curiosamente, verifica-se pela análise dos textos produzidos na época, que as transformações urbanísticas em curso em várias cidades portuárias do país vizinho desde meados do século XIX, como Barcelona (1859) sob os planos do engenheiro Ildefonso Cerdá, Bilbao e San Sebastian, só muito rara e pontualmente suscitaram o interesse e atenção em Portugal.

 

Notas

[1] Parte da investigação deste artigo foi feita no âmbito do projecto PPCDT/60698/2004– Networked Cities: urban infrastructures in Portugal (1850-1950).

[2]Guia de Portugal. [S.l.]:Fundação Calouste Gulbenkian, (imp. 1991). Texto integral que reproduz fielmente a 1ª edição publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa em 1924, p. 180-81.

[3]Sobre as intenções de D. João V para a zona ribeirinha existe ainda o testemunho duma obra anónima, denominada Description de la ville de Lisbonne, publicada em 1730, na qual se dá noticia que aquele monarca tencionava ampliar a cidade para o sítio da Boavista através da construção de diversas estructuras portuárias, tendo para isso mandado elaborar os necessários estudos e trabalhos (Cf. Loureiro, Adolfo. Os portos marítimos de Portugal e ilhas adjacentes. Lisboa: Imprensa Nacional, 1904-1906, vol. III, parte I, p. 158-59). Raquel Henriques da Silva não partilha da mesma convicção de Loureiro acerca desta possível encomenda de D.João V.(Cf. Silva, Raquel Henriques da. Lisboa romântica 1777-1874. Lisboa: s.n., 1997; nota 35, p. 448. Diss. de doutoramento em História da Arte apresentada à F.C.S.H. da U.N.L.).

[4] pais, Miguel C.. Melhoramentos de Lisboa e seu porto. Lisboa: Tipografia Universal, 1884, p. 105.

[5] Idem, p. 106. Para Júlio de Castilho, o encomendante deste projecto terá sido também o Marquês de Pombal (Cf. Castilho, Júlio de. A ribeira de Lisboa: Descrição histórica da margem do Tejo. 2ª edição. Lisboa: s.n., 1943, vol.V, p.95-96). Em relação à atribuição da encomenda deste projecto, Raquel Henriques da Silva contraria os testemunhos de Castilho, Loureiro e Pais atribuindo-a não ao ministro de D.José, mas ao rei D.João V. (Cf. Silva, Raquel Henriques da, op.cit, p. 431). Walter Rossa considera também D. João V como o responsável pela encomenda deste plano urbanístico elaborado por Carlos Mardel, datando-o de 1733 (Cf. Rossa, Walter. “Do plano de 1755-1758 para a Baixa-Chiado”. Monumentos. Lisboa. Nº21 (Setembro de 2004), p. 34).

[6] loureiro, Adolfo, op. cit., p. 161. Adolfo Loureiro faz uma descrição da planta que existe actualmente no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas: uma extensa via marginal ao rio, com cerca de 12 kms, ao longo da qual eram projectos diversos cais e espaços ajardinados.

[7] Archivo Pittoresco, 1866, tomo IX, p. 25. ".

[8] Para mais informações sobre a história do aterro da Boa-Vista ver a obra de Júlio de Castilho A Ribeira de Lisboa. Nesta obra, para além de se referir aos projectos setecentistas já enunciados, faz-se alusão a um outro que teria vindo a lume nas páginas da Revista Universal Lisbonense em 1844 (Cf. Castilho, Júlio de,  op. cit., p. 97).

[9] Custódio, Jorge. Reflexos da industrialização na fisionomia e vida da cidade . Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994, p. 461.

[10] Em 1860, Júlio de Oliveira Pimentel, ao abandonar o lugar de presidente da edilidade lisboeta, apresentou um relatório onde descrevia as iniciativas que a vereação por si chefiada tinha tomado durante o biénio 1858-60.

[11]No Arquivo Municipal do Arco do Cego encontram-se algumas plantas. que terão sobrevivido ao incêndio dos Paços do Concelho em 1863. uma das quais é do projecto da Praça D. Luís a construir no Aterro  assinada por Pézerat : Projecto de praça a edificar na extremidade Oriental do atterro da Boa-Vista, proposto pelo Ex.mo Snr. Vereador Jose Carlos Nunes Na sessão de 20 de 1862, Pelo Engº da C.M.al Pézerat”. (23/V, pl. 10972).

[12] Pézerat, Pierre Joseph. Memoria descriptiva sobre o projecto de docka..... Lisboa: Typografia Manoel Jesus Coelho, 1854.

[13] Pézerat, P.. op.cit., p.3

[14] Pézerat, Pierre Joseph. Mémoire sur les études d’améliorations et embelissements de Lisbonne. Lisboa: Imprimerie Franco-Portugaise, 1865.

[15] Pézerat- op. cit., p. 7; 9.

[16]  A questão das obras do porto de Lisboa foi a que mais projectos e propostas suscitou ao longo da segunda metade do século XIX. O levantamento exaustivo de todos esses projectos elaborados para o melhoramento do porto de Lisboa foi realizado por Loureiro, Adolfo. op. cit., p. 225 e segs.

[17] Este engenheiro, formado em Louvaina e na Holanda, foi um dos pioneiros nos estudo para a resolução da comunicação entre a França e a Inglaterra, através da construção de um túnel sob o Canal da Mancha (Cf. Figuier, Louis. Les nouvelles conquêtes de la science: l’electricité: les grands tunnels et railways metropolitains. Paris: Corbeil Imp. A.Lahure, s.d., 2º vol., p. 415-425).

[18] Gamond, Thomé de. Memoire sur le  project d’ agrandissement de la  ville de Lisboa... Paris: Dunod 1870, p. 5.

[19]  Idem, ibidem.

[20]  Idem., p. 10.

[21]  "N'este projecto tomou o seu auctor como principios fundamentaes, não deslocar o centro do commercio do da população, e livrar as dockas de algum golpe de mão do inimigo; porém se com elle alcançou o segundo resultado,... não remediou o mal que resultaria para o commercio, do estabelecimento das dockas a uma distancia considerável do mais importante centro de população e consumo". Foi esta a apreciação do projecto de Gamond, realizada pela Comissão encarregada pelo governo de elaborar um plano geral para os melhoramentos do porto de Lisboa. Plano geral das obras que convém levar a effeito nas margens do Tejo..... Lisboa: Imprensa Nacional, 1874; p. 22.

[22]  Gamond, Thomé de.  op. cit., p. 21.

[23]  Gamond, Thomé de.  op. cit. , p. 24.

[24]  Idem, p. 24-25.

[25] É importante notar aqui que nos planos de transformação urbanística de Marselha (iniciados na década de 1860 por influência do exemplo de Paris), uma cidade portuária à semelhança de Lisboa, era prevista a construção de três parques-jardins, o mesmo número que Gamond projectava para a capital portuguesa. (Cf. Roncayolo, Michel.”La production de la ville”. Histoire de la France urbaine. Paris: Seuil, 1981-1985. Tomo 4 : La ville de l’âge industriel: le cycle haussmannien. , p. 191).

[26]  Gamond,Thomé de-  op. cit. , p. 25.

[27] A denominada “haussmanização” das cidades francesas. Paris, Lyon, Marselha, Lille e Bordéus, só para citar aquelas em que as transformações urbanísticas foram mais profundas. teve lugar durante as décadas  de 1850 e 1860.  Em Marselha, os trabalhos de renovação da cidade arrastaram-se mesmo até ao final do século XIX. (Cf. Roncayolo, Michel, op.cit, p. 77-83).

[28]  Em Paris, o debate sobre a alegada segregação social provocada pela haussmannização, que concentrou os ricos e as actividades económicas mais prestigiadas na parte norte-oeste, enquanto que o centro e a "rive gauche" se iam tornando cada vez mais pobres e degradadas, levou à reflexão sobre a própria unidade e coesão da cidade. (Cf. Roncayolo, Michel, op. cit. p.115-116).

[29] Portaria régia de 9 de Setembro de 1871, pelo Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar do governo regenerador que reconhecendo que se tornava cada dia maior a necessidade de adoptar o plano geral das obras que convém fazer na margem norte do Tejo... em conformidade aos preceitos estabelecidos na portaria de 27 de Julho de 1865, nomeava uma comissão para que com a maior brevidade possivel os seus membros propusessem um plano geral das obras que se devem fazer na margem direita do Tejo desde a estação do caminho de ferro de leste até à torre de S. Vicente de Belem.

[30]  Plano geral das obras..., p. 16.

[31]  Idem, p. 10.

[32] Na Europa, as estações de caminho de ferro que se foram construindo em todas as principais cidades, foram-no nas periferias do centro histórico, a ele ligadas por largas e arejadas avenidas (cf. Naissance de la métropole. In Histoire de l’art: Époque contemporaine XIXè-XXè siècles. Paris: Flammarion, 1995; p. 188). A estação de Santa Apolónia foi edificada igualmente na periferia do centro de Lisboa, mas não houve, no caso português, qualquer preocupação com a acessibilidade rápida com esse centro, através da construção de uma avenida. Não admira, portanto, que a Comissão a considerasse, no seu relatório, pouco central.

[33] Esta mudança da estação ferroviária de Santa Apolónia para o edifício da Alfândega defendeu-a também o olissipógrafo Júlio de Castilho na sua obra A Ribeira de Lisboa, na qual não deixou de expressar as suas modestíssimas considerações acerca do arranjo da zona ribeirinha. No projecto da comissão, no Cais dos Soldados ficaria apenas a estação de mercadorias.

[34]  Castilho, Júlio de. op. cit., p. 36.

[35]  Idem, ibid..

[36] O Passeio Público era uma herança da Lisboa que a vontade do marquês de Pombal fizera nascer das cinzas após o terramoto de 1755. Este Passeio, um jardim-gaiola. espaço murado e fachado. ficou pronto em 1764, mas os lisboetas só começaram a frequentá-lo mercê da influência de D.Fernado II, no final da década de 30 de Oitocentos. Até a sua destruição, em 1879, para dar lugar ao primeiro boulevard de Lisboa. a Avenida da Liberdade. o Passeio Público ocupou  nos ritmos sociais e vivenciais da capital um papel fundamental.

[37]  Pais,Miguel. op. cit., p. 36.

[38]  Plano geral das obras..., p. 37.

[39] Camara, P.P. da. Descripção geral de Lisboa em 1839 ou ensaio historico de tudo quanto esta capital ...  Lisboa: Tipografia Academia de Bellas-Artes, 1839;  p. I-II.

[40] Plano geral das obras que convem levar a effeito nas margesn do Tejo.... . Lisboa: Imprensa Nacional, 1874; p.35.

[41] PAIS, Miguel Correia. Melhoramentos de Lisboa e seu porto. Lisboa: Tipografia Universal, 1882.

[42]Almeida, Fialho. "Lisboa monumental". Illustração portuguesa, II vol., 29/10/1906, pp. 397-405 e 19/11, p. 497-509.Este texto foi publicado posteriormente no volume Barbear, pentear: jornal d’um vagabundo. Lisboa: Liv. Clássica ed., 1911, p.87-144.

[43] Em Espanha, foi convidado a desenvolver trabalhos em Sevilha (em 1911, para ajudar a embelezar a cidade para a Exposição Ibero-Americana de 1929) e Barcelona (a partir de 1915, com vista à Exposição Internacional de 1929). Fora do espaço europeu, ainda na década de 1910, foi solicitado para desenvolver estudos para as cidades marroquinas de Rabat, Fez, Méknes e Marrakech (1913). Em 1923, as autoridades municipais de Buenos Aires tinham-lhe dirigido o convite para acessorar os trabalhos da elaboração de um plano de desenvolvimento da cidade  e em 1926 semelhante convite foi-lhe também dirigido pelas autoridades governamentais de Cuba para transformar a capital, Havana. Sobre a vida e obra de Jean-Claude Forestier ver : Jean-Claude Nicolas Forestier, 1861-1930: Du Jardin au paysage urbain. Paris: Picard, 1994. (Actes du Colloque international sur J.C.N. Forestier, Paris, 1990).

[44] “A Avenida marginal: um projecto do engenheiro paisagista mr. Forestier, relativo ao troço entre as praças do Comercio e Duque da Terceira”. O Século, 14/10/1927, p. 6.

[45] A Sociedade de Propaganda de Portugal foi fundad  em 1906 congregava entre os seus sócios personalidades de sensibilidades tão diversas como Sebastião Magalhães Lima (republicano e maçon) e Fernando de Sousa (monárquico e católico). Desde o início que teve como objectivo a judar a promover e inventivar o turismo interno e estrangeiro, através de uma série de acções que passavam pelo inventário dos monumentos nacionais, pela publicação de guias turísticos e pelo patrocínio de propostas de melhoramentos, como foi o caso de Lisboa.

[46] Terra, Miguel Ventura. “Lisboa futura: a projectada avenida da Santos ao Cais do Sodré”. Ilustração Portuguesa, 2ª série, (1910) 9ºvol.; p. 372.

[47] Sessão de 23 de Março. Archivo Municipal, 1910, p. 180.

[48] “Melhoramentos de Lisboa”. Boletim da Sociedade de Propaganda de Portugal. 4ºano, nº6 (Junho de 1910), p. 43.

[49] “Melhoramentos de Lisboa”. Boletim da Sociedade de Propaganda de Portugal. 3ºano, nº9 (Setembro de 1909), p. 70. Oficio enviado à Câmara Municipal pela direcção da Sociedade, expondo os melhoramentos por ela considerados úteis e urgentes para a margem ocidental da cidade.

[50] “Melhoramentos de Lisboa: Conferencia na «Propaganda». Boletim da Sociedade de Propaganda de Portugal. 4ºano, nº2 (Fevereiro de 1910), p. 10.

[51] “Melhoramentos de Lisboa na margem do Tejo”. Bol. Sociedade de Propaganda de Portugal. 4ºano, nº5 (Maio de 1910), p. 35

[52] A Construção Moderna. Ano X, nº12 (10/12/1909), p. 90-92. Este artigo era da autoria dos responsáveis editoriais da revista, cujo director era o engenheiro Melo de Matos que, não por acaso, era membro da Propaganda de Portugal.

[53] Foi por sua iniciativa que a Câmara Municipal solicitou o parecer das influentes Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa e da Associação Comercial de Lisboa, que não tiveram qualquer dúvida em aplaudir e apoiar o plano de Ventura Terra. No parecer que a primeira enviou aos responsáveis do município, afirmava-se que “tão facil se lhes afigura a resposta quanto é certo que pelos melhoramentos da parte marginal de Lisboa, o Caes do Sodré e Santos, vem ella pugnando de ha muito, como reconhecimento d’uma necessidade que se impõe e julga inadiavel para o aformoseamento do importante trecho marginal de ligação da cidade com o seu formoso rio”. (Ofício da direcção da Associação, datado de 28 de Fevereiro de 1910. Archivo Municipal, 23 de Março de 1910, p. 197-199).

[54] Sessão de 26 de Junho. Actas das sessões da Camara Municipal, 1911, p. 387-88.

[55] Sessão de 18 de Julho. Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, 1916, p. 522-525.

[56] Em Março de 1887, depois de várias comissões e  muitos projectos, foram inaugurados os trabalhos para a construção do novo porto de Lisboa. A Carta de Lei de 16 de Julho de 1885, do governo de Fontes Pereira de Melo, finalmente abriu o concurso para a apresentação dos projectos para o novo porto. Vários foram os projectos apresentados a concurso,  de autoria de engenheiros portugueses e estrangeiros. A honra do início dos trabalhos acabou por caber  a Emídio Navarro, ministro das obras públicas do governo de Luciano de Castro. A adjudicação das obras foi concedida ao engenheiro Pierre Hersent, que tinha no seu currículo as obras do porto belga de Antuérpia.

[57] Actas das sessões da Câmara Municipal de Lisboa, 1916, p.522-525.

[58]Esta linha foi a primeira no país a ser electrificada, em 1926.(Cf. Caldas, João Vieira. Porfírio Pardal Monteiro, arquitecto. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1997, p. 33).

[59] Araújo, Norberto. Peregrinações em Lisboa. Lisboa: Parceria A.M. Pereira, 1938-39, vol. 13, p. 41.

[60] “Os efeitos do ciclone”. Diário de Notícias. Lisboa. 17 de Fevereiro, 1941.

[61] A transferência do Arsenal só aconteceu, contudo, em 1939, e a avenida só foi inaugurada em 1948. (Cf.  “O problema do trânsito: a demolição da doca do antigo Arsenal para a abertura da Av. Infante D.Henrique que ligará o Cais do Sodré ao Terreiro do Paço”. Diário de Notícias. Lisboa (25 de Setembro 1946).

[62] A construção desta fábrica provocou uma enorme reacção na época, com a opinião pública a expressar-se em jornais e revistas como O Século, Diário de Notícias, Diário Ilustrado e O Occidente, quer a favor, quer contra. A zona ribeirinha já tinha visto instalar-se no Aterro, na década de 1850, a Fábrica de Gás da Boavista que também suscitou discussão por causa dos perigos que representava para aquela zona da cidade em caso de acidente.

 

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Ficha bibliográfica:

BARATA, A. A ordenaçao do espaço litoral de Lisboa, 1860-1940. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, de de 2009, vol. XIII, núm. 296 (4) <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-266-4.htm>. [ISSN: 1138-9788].


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