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ETNOGRAFIA DAS FRONTEIRAS POLÍTICAS E SOCIAIS NA AMAZÔNIA OCIDENTAL: BRASIL, PERU E BOLÍVIA
José Mª Valcuende Del Río
Universidad Pablo de Olavide (España)
jmvalrio@upo.es
Laís M. Cardia
Universidade Federal do Acre (Brasil)
lmcardia@uol.com.br
Fotografías: José Luis Fernández Sánchez
avifernandez@hotmail.com
Recibido: 16 de octubre de 2008. Devuelto para revisión: 15 de enero de 2008. Aceptado: 22 de enero de 2009.
As populações locais reafirmam ou negam as demarcações político-administrativas nas áreas fronteiriças dos Estados-nacionais, através de diferentes práticas e representações. É a partir dos processos de interação, tanto entre Estados como entre populações locais, que podemos compreender o significado discursivo da fronteira política e das fronteiras sociais. Interessa-nos analisar como ambas as fronteiras se superpõem, se complementam e se confrontam. Para isso, nos aproximaremos das localidades de Assis Brasil (Brasil), Iñapari (Peru) e San Pedro de Bolpebra (Bolívia), situadas na tríplice fronteira da Amazônia Ocidental. Uma área transnacional, do ponto de vista econômico e social, caracterizada por sua diversidade étnica e cultural.
Palavras chave: Estados, fronteiras, territórios, populações locais.Etnografía de las fronteras políticas y sociales en la Amazonía Occidental: Brasil, Perú y Bolivia (Resumen).
Las poblaciones locales reafirman o niegan las demarcaciones político-administrativas en las áreas fronterizas de los Estados-nacionales, a través de diferentes prácticas y representaciones. Es a partir de los procesos de interacción, tanto entre los Estados como entre las poblaciones locales, que podemos comprender el significado discursivo de la frontera política y de las fronteras sociales. Nos interesa analizar cómo ambos tipos de fronteras se superponen, se complementan y se confrontan. Para ello, nos aproximaremos de las localidades de Assis Brasil (Brasil), Iñapari (Perú) e San Pedro de Bolpebra (Bolivia), situadas en la triple frontera de la Amazonía Occidental. Un área transnacional, desde el punto de vista económico y social, caracterizada por su diversidad étnica e cultural.
Palabras clave: Estados, fronteras, territorios, poblaciones locales.Ethnography of the politics and socials boundaries in the Western Amazon: Brazil, Peru and Bolivia (Abstract).
Local populations assert or reject political and administrative demarcations, in the border areas of national States, through different practices and representations. Processes of social interaction, both between States and local populations, provide a better understanding of the discursive meaning of the political border and social boundaries. This paper analyses how these two kinds of boundaries overlap, complement one another or clash, by examining the areas of Assis Brasil (Brazil), Iñapari (Peru) and San Pedro de Bolpebra (Bolivia), situated on the triple border in the south-west of the Amazon; a transnational area from an economic and social perspective, characterised by its ethnic and cultural diversity.
Key words: States, frontiers, territories, local populations.Espaços, territórios, fronteiras
Em contextos fronteiriços, os processos de territorialização mostram o caráter sempre paradóxico de qualquer limite político-administrativo[1]. Uriarte analisa, de forma um tanto irônica esta questão, no caso da Codosera, situada na fronteira hispano-portuguesa:
“Uno puede tener simultáneamente un pie en España y otro en Portugal. Uno puede sentarse, como yo he tenido oportunidad de hacerlo, en el hito nº 695 (…). En este marco-hito, uno puede aposentar y repartir simultánea y respetuosamente sus glúteos entre dos Estados-naciones, dos provincias, un distrito y tres términos municipales. Excesivas fronteras, se me antoja, para unas mismas posaderas” (Uriarte, 1994, p. 43).
A demarcação política dos limites territoriais se confronta com outras lógicas, através das quais a fronteira se transforma em “fronteiras”, que assinalam formas diferentes de vivenciar e apropriar-se do espaço. Este fato nos remete aos aspectos sociais e organizacionais do próprio espaço, porém também ao seu caráter simbólico e cultural, noções presentes já em alguns dos autores clássicos da Sociologia e da Antropologia, como Durkheim & Mauss (2002 [1903]), Halbwachs (1968 [1950]) e Lévi-Strauss (1953).
Para Durkheim e Mauss o espaço está associado à organização social do grupo e, portanto, indissociavelmente vinculado à identidade. Em De quelques formes primitives de clasiffication, ambos os autores assinalam que o tempo e o espaço “sont, à chaque moment de leur histoire, en rapport étroit avec l'organisation sociale correspondante” (2002 [1903], p. 53). Lévi-Strauss reconhece Mauss e Durkheim como os primeiros autores que trabalham o espaço desde a perspectiva das Ciências Sociais. Em Tristes Trópicos (1996 [1955]), descreveu uma aldeia Bororo fazendo corresponder a sua estrutura física, complexa, baseada numa primeira oposição definida por um diâmetro que separava as suas duas metades, à estrutura dualista dessa sociedade, também ela complexa, em duas metades exogâmigas. Ao fazer essa descrição – relação entre as formas de organização e as estruturas sociais e simbólicas do grupo - procurou mostrar a existência de um laço indissociável entre a estrutura do espaço e as identidades (Cardia, 2004).
Halbwachs (1968 [1950]) também propõe uma correspondência entre organização social e espacial, embora considere que o espaço possua características estáveis. Para ele, essa imutabilidade seria o suporte ideal para as memórias, tanto coletivas como individuais. Primeiro porque o grupo “molda” o espaço, ao mesmo tempo em que se deixa “moldar” por ele e, segundo, porque o espaço “fixa” as características do grupo.
A ocupação do espaço, tal como estabelecem estes autores, implica uma tradução cultural, a superação de velhas fronteiras sociais e a criação de outras novas, em um movimento em que as formas de organização social se projetam sobre o meio e os limites vão se modificando. Nesse processo alguns âmbitos perdem significação, enquanto que outros adquirem um sentido relevante, em leituras não necessariamente cumulativas. O espaço é sempre traduzido culturalmente e seu processo de apropriação (territorialização) requer discursos de legitimação, a partir dos quais se definem os direitos e a normas sobre o mesmo e suas formas de exploração (Godelier, 1984). São as pessoas e grupos reconhecidos como membros da comunidade as que têm um acesso preferencial ao território. A idéia de comunidade articula pertenças e direitos, em função de um modelo de identificação que, ao mesmo tempo em que unifica a diversidade em relação aos outros, estabelece hierarquias internas de acordo com um modelo ideal de um nós (Valcuende & Narotsky, 2007), que tem diversos níveis que podem ou não ser excludentes: locais (Devillard, 1988), étnicos (Barth, 1976), nacionais (Anderson, 1991). Em todo caso, a comunidade necessita de uma memória a partir da qual poderá recriar a tradição (Connerton, 1989), e de um limite, que tanto une como separa.
Em algumas ocasiões o limite pode ser fixado territorialmente, com maior ou menor êxito a partir da fronteira. De acordo com Lisón (1994), esta noção tem um certo caráter de “antiestrutura”. Parafraseando Marc Augé (1993), poderíamos considerá-la um não lugar; âmbito intermediário, liminar, um lugar de passagem, a partir do qual se definem espaços, tempos e grupos. É por isso que as fronteiras adquirem um caráter polifuncional, considerando os atores e interesses que confluem para as mesmas (Valero, 2000). Apesar de seu caráter ambivalente, ou talvez por ele, a noção de fronteira tem uma especial relevância para as Ciências Sociais. É no século XIX, em um contexto histórico em que convergem a expansão colonial, a descolonização e a aparição de diversos movimentos nacionalistas, quando as investigações sobre fronteiras adquirem um avanço notável (Bazzana, 1997). Ratzel e Turner serão os expoentes máximos quanto às análises da fronteira nesse período. Ratzel (1900), desde uma proposta organicista e evolutiva, centra-se no caráter geoestratégico do Estado. Turner (1893), por sua vez, desenvolve uma noção de fronteira móvel, fluída, em constante avanço e retrocesso, o que remete não só a limites espaciais, mas também a uma forma de vida. A fronteira representa para Turner um desafio de conquista, o que para Rajchenberg e Héau Lambert (2007), estaria na base do expansionismo americano. A associação entre fronteira e formas de vida se produz, também, a partir de outros delineamentos: em noções como cultura de fronteira (Uriarte, 1994), ou culturas de fronteira, sendo que esta última incide no caráter plural da significação da fronteira política para as populações assentadas nos limites dos Estados (Valcuende, 1998).
As perspectivas presentes em Ratzel e Turner seriam uma constante em abordagens posteriores, tanto no que se refere aos aspectos lineares da fronteira, border, como no que se refere a seu caráter de área (Donnan & Wilson, 1999). Esta última tem sido conceitualizada sob as noções de frontier, apontada por Turner, ou de boundary, considerada por alguns autores mais apropriada nas análises antropológicas, por incidir mais nos aspectos culturais e identitários (Cohen, 1994). Em todo caso, o caráter zonal e dinâmico da fronteira, entendida a partir de uma perspectiva relacional (Raffestin, 1974), tem-se revestido de importância (como assinalam Hevilla e Zusman (2008) em uma revisão realizada sobre os últimos estudos de/nas fronteiras), seja na hora de abordar as fronteiras internacionais ou na hora de abordar as fronteiras internas, dentro do próprio Estado. A análise destas últimas adquire uma relevância especial no caso latinoamericano, onde os processos de colonização interna ainda não se consolidaram em sua totalidade, em muitos países. Um processo que implicou e implica ainda no deslocamento, principalmente, de populações indígenas.
O estudo dessas fronteiras deu lugar ao uso de alguns conceitos, sem dúvida, de grande interesse. É o caso das frentes de expansão (Velho, 1976). Uma noção que, com diferentes matizes, aparece en autores como Ribeiro (1972) e Martins (1997), no caso brasileiro, ou em Trinchero & Leguizamón (1995), no caso argentino. Estas frentes de expansão estão associadas a processos de ocupação efetiva, em função de diversos interesses econômicos, que implicam habitualmente na potencialização de movimentos migratórios. Albuquerque (2005) na investigação que realiza na tríplice fronteira Brasil, Argentina e Paraguai, articula a noção de frentes de expansão com fronteiras internacionais, em uma análise em que as denominadas fronteiras em movimento ultrapassam os limites demarcados pelos Estados, como ocorreu também no caso do Acre, situado na fronteira do Brasil com Bolívia, onde a expansão econômica foi o precedente para a modificação da demarcação política, um aspecto interessante que já havia sido apontado por Ratzel (1900).
O papel das áreas fronteiriças, bordelans (Alvarez, 1995), de caráter internacional constitui, nas últimas décadas, um campo frutífero de investigação potencializado em função de processos de integração transnacional nos quais essas áreas têm um papel central desde os pontos de vista político, econômico e cultural (Coelho, 1992). É nesses processos, onde se pode ver claramente a existência de diversas lógicas que confluem nas demarcações políticas internacionais: a lógica das populações locais e a lógica do Estado.
A fronteira internacional, consubstancial à existência do próprio Estado (Smith 1991), estabelece o campo de atuação da soberania nacional (Pérez-Agote, 1986). É, portanto, um claro marcador do continente, que dota de significado simbólico seu conteúdo. Sem dúvida, esta perspectiva abstrata adquire outra significação quando nos aproximamos das populações locais que vivem nessas áreas. Para essas populações, os “outros” são estrangeiros, mas ao mesmo tempo vizinhos e, assim, em determinados contextos esses “outros” se transformam em um “nós”. De acordo com Cardoso de Oliveira, em um trabalho em que trata das relações transnacionais em regiões de fronteiras:
“(…), vale considerar, no que diz respeito ao processo identitário, que se trata de um espaço marcado pela ambigüidade das identidades – um espaço que, por sua própria natureza, abre-se à manipulação pelas etnias e nacionalidades em conjunção” (Cardoso de Oliveira, 2000, p. 17).
As populações fronteiriças aprenderam a instrumentalizar a fronteira em função de interesses concretos, a partir dos quais se ativa a idéia da comunidade nacional, ou da comunidade interfronteiriça. Assim, as fronteiras políticas são reafirmadas ou negadas, à medida que as fronteiras sociais geradas a partir da interação social, sobrepassam as demarcações estatais. A articulação das populações entre diferentes zonas fronteiriças, tem sido habitual desde o princípio da delimitação dos limites jurídico-administrativos. Esta articulação se manifiesta de forma explícita através de atividades como o contrabando (Cáceres & Valcuende, 1996), onde se evidencia o caráter paradóxico que adquire a fronteira para as populações locais. Estas, por um lado, necessitam de sua existência para sobreviver (tanto que o caráter diferencial das realidades nacionais permite intercambiar produtos, moedas, saberes), ao mesmo tempo em que têm que buscar formas para ultrapassá-la, articulando redes suprafronteiriças (Sahlins, 1989), que também podem ser ativadas em caso de conflito (Mairal, 1994; Valcuende, 1998; Sidaway, 2002; Godinho, 2005; Simões, 2007).
Para as populações que vivem nos limites espaciais do Estado, a fronteira pode adquirir uma significação de mobilidade, de acordo com as conjunturas históricas e as dinâmicas locais de complementariedade ou competição. São essas especificidades, não necessariamente coincidentes com as estabelecidas através dos âmbitos centrais de decisão política, que nos ajudam a compreender o significado mutante da fronteira política, mas também, as imagens de identificação que são criadas entre os grupos que compartem um mesmo espaço, com “etiquetas” de identificação nacional diferentes. Em todo caso, não podemos esquecer que existem diversos tipos de fronteira, o que tem levado alguns autores a classificar tipologias fronteiriças, seja de um ponto de vista evolutivo (Valcuende & Cardia, 2007), seja em função dos contextos de interação, tal como propõe Cuisinier-Raynald (2001).
Valcuende e Cardia (2007) diferenciam entre um primeiro período de indefinição, quando são habituais os conflitos entre Estados, até a total demarcação das fronteiras internacionais. Um segundo período de consolidação quando, apesar da demarcação formal, a soberania do Estado tem que se fazer efetiva. Neste período são habituais os conflitos entre as populações locais e os centros do poder. Um terceiro período se dá quando se consolidam as instituições estatais e as populações locais interiorizam a idéia de Estado-nação, reafirmando-se, então, a própria noção de fronteira. Por último, o período de “transnacionalização”, quando as fronteiras políticas continuam a ter um papel central, como assinala Cataia (2007), independentemente de que o processo de globalização esteja mudando sua significação e se impondo de uma forma notável nas populações fronteiriças.
Cuisinier Raynald (2001), considerando os sistemas de relações gerados nos espaços fronteiriços distingue, apoiado em Foucher (1991), entre diferentes tipos de cenários que podem se desenvolver nos âmbitos fronteiriços (marges, marches, fronts, synapses, capillares). A Tríplice Fronteira Brasil, Peru y Bolívia, onde se situam Assis Brasil, Iñapari e San Pedro de Bolpebra, estaria caracterizada, por este autor, nos cenários capillaires:
“L’État n’est pas intervenu dans ces zones, soit par ignorance, soit par tolérance. Ce scénario est récurrent au Pérou. (…). Les capillaires sont autant de zones d’interaction voire d’intégration spontanée. La primauté des dynamiques y est locale avant d’être nationale ou bilatérale. Les échanges sont de type transactionnel basique ou de simples relations familiales ou culturelles. Certaines périphéries délaissées semblent avoir évolué sur le long terme de façon autonome, de sorte qu’elles fonctionnent aujourd’hui et se comportent comme de véritables sous-systèmes régionaux basés sur la complémentarité de certains produits” (Cuisinier Raynald, 2001, p.10).
Como assinala este mesmo autor, este cenário de fronteiras capilares é uma constante no caso peruano, reproduzindo-se em outros contextos tri-fronteiriços, como ocorre no caso de Letícia, Tabatinga, Benjamim Constant e Islândia (Cusiner, 2001, p. 10). Neste momento não pretendemos realizar um estudo comparativo de diferentes contextos fronteiriços tri-nacionais, mas compreender como, a partir de diferentes contextos nacionais e locais se reinterpreta uma mesma fronteira. Em todo caso, encontramos numerosas investigações que abordam as tríplices fronteiras no caso da América Latina. Dentre outros destacamos os estudos realizados, a partir de diversos olhares como, por exemplo: Pires (1999), Alburqueque (2005), Montenegro y Jiménez (2006), Sydney (2008).
Nas páginas seguintes nos aprofundamos em um dos contextos que Cusinier define como capillaire e analisamos o significado da fronteira política e das fronteiras sociais para as populações locais, que convivem nos limites territoriais definidos pelo Estado. Independentemente de que qualquer fronteira social tenha um componente político, e que qualquer fronteira política tenha um componente social, entendemos por fronteira política aquela que tenha sido demarcada a partir dos Estados nacionais. As fronteirais sociais, que nos interessam neste caso, resultam das relações entre grupos que convivem nos limites geográficos dos Estados. A interação social define outros limites, não necessariamente coincidentes com as divisões político-administrativas.
Para isso, selecionamos um contexto fronteiriço com uma especial complexidade, onde se encontram diferentes populações, que foram chegando em etapas sucessivas. Estamos nos referindo às populações de Assis Brasil (Brasil), Iñapari (Peru) e San Pedro de Bolpebra (Bolívia). Nessa região fronteiriça convivem pessoas com múltiplos referentes nacionais e étnicos que, em função dos contextos de interação, utilizam diversas formas referenciais que podem ou não ser excludentes: índios-não índios, serranos-amazônicos, bolivianos-peruanos-brasileiros. Como se articulam estes diferentes referentes de identificação? Qual o papel da fronteira política nas representações sobre “o outro”? Que vinculação se estabelece entre fronteiras políticas e sociais? Por fim, o que significa para as populações fronteiriças viver nesses contextos capillaires?
Nossa análise recairá sobre o caráter de “recurso”, que adquire a fronteira em contextos onde a presença do Estado tem sido especialmente débil. Para isto, analisamos tanto as redes de relações transfronteiriças, como as imagens e estereótipos que vêm se forjando em um contexto onde confluem diferentes fronteiras políticas e sociais. Trataremos de demonstrar que a significação da fronteira política não só está vinculada com as relações que se estabelecem entre localidades de países vizinhos, mas também, com aquela que se dá no interior de cada uma das localidades. A metodologia utilizada centrou-se no trabalho de campo, desenvolvidos com as três populações fronteiriças, durante os meses de junho a agosto de 2006. A observação participante e as entrevistas em profundidade constituiram as técnicas básicas de uma etnografia, que pretende aproximar-se das formas de vivenciar as fronteiras políticas e sociais, por parte das populações que se encontram nos limites geográficos dos Estados.
A Amazônia em geral, e o Acre em particular, são exemplos paradigmáticos de fronteiras em movimento (Alburquerque, 2005). Esta área se caracteriza pelas constantes mudanças e transformações, tanto no que se refere às divisões político-administrativas como aos componentes populacionais. No século XIX a chegada de migrantes do Ceará ao Acre, produziu transformações territoriais importantes, levando ao deslocamento das populações indígenas (Piccoli, 2006), mas também a uma transformação da própria fronteira, a partir de um novo sistema econômico, social e político sustentado no seringal[2]. A partir dele, a expansão da fronteira “interna” trouxe mudanças na demarcação política. Aos interesses econômicos vinculados com o caucho e a seringa, não importavam as fronteiras políticas (Cavalcanti, 1983; Cavalcanti, 1994; Rego, 1992; Cardia, 1998, 2004). Os patrões (seringalistas e caucheiros) atuavam em diferentes países e os trabalhadores das gomas naturais se deslocaram através dos rios em busca de trabalho, além dos limites impostos pelos Estados nacionais.
Os seringais condicionaram os tipos de assentamentos (de caráter disperso e próximos aos rios) e estiveram na base da conformação da maior parte das cidades da área (Ibéria, Xapurí, Iñapari, Brasiléia, Assis Brasil, Rio Branco...). Através da extração da borracha foi criada uma forma de ocupação e um sistema de relações sociais e econômicas, de caráter fortemente vertical, que atravessou os limites demarcados pelos Estados. A “Revolução Acreana” não poderia ser compreendida sem entender o papel dos seringalistas que definiram leis e, inclusive, as fronteiras no final do século XIX e primeiras décadas do século XX nessa área. De acordo com Cataia (2007), nem todas as mobilidades populacionais podem ser explicadas em função do papel do Estado. De fato, as empresas associadas à extração das gomas naturais estão na base dos primeiros movimentos migratórios nessa região. Um processo que levou a mudanças na demarcação da própria fronteira política.
A expansão da borracha ultrapassou os limites brasileiros e se traduziu em um período de fortes lutas e enfrentamentos entre a Bolívia e o Brasil. A partir do Tratado de Petrópolis, em 1903, reconhecem politicamente o que já era um fato do ponto de vista sócio-econômico: o Acre se inclui nas fronteiras brasileiras (Tocantins, 1979). Este é um claro exemplo de como uma ocupação socioeconômica acaba traduzindo-se em uma redefinição da fronteira política mesmo que, como assinala Esteves (2003), a ocupação brasileira tenha ido além do limite acordado e muitos brasileiros continuaram e continuam vivendo em um mundo “subterrâneo”[3] na Bolívia, em um raio de cerca de cinquenta quilômetros da fronteira Brasil-Bolívia.
“Gerações (de nordestinos) permaneceram nos seringais bolivianos, sobretudo na faixa de cinquenta quilômetros entre limites, área que pode ser caracterizada pelos sucesivos deslocamentos da população seringueira e agricultora com um espaço compartilhado por familias que viven subterraneamente” (Esteves, 2003, p. 108).
Essa indefinição da fronteira social se produziu não só entre os dois países mencionados, mas também entre Bolívia e Peru:
“ (…) Corrían los años de 1910 -11 (…) La presencia de gente boliviana del poderoso terrateniente Nicolás Suárez (en Perú) dio lugar a que se produjeran continuos enfrentamientos entre shiringueros peruanos y bolivianos con el resultado final que llegaron a peruanizar toda la zona del Manuripe, Muymanu y Tahuamanu.. Rodríguez se estableció en Iberia alrededor del año 1915, pero para hacerlo tuvo que desalojar de éste lugar a gente boliviana que bajo la razón social de Adriazola Hermanos, usufructuaban los recursos en forma ilegal. (...). (INEI, 2004, p. 37).
Em meados do século XIX até que seja firmado o Tratado do Rio de Janeiro, em 1909, os conflitos entre Brasil e Peru foram também habituais nas áreas fronteiriças[4]. (Equipo Frontera, 2008). Se a extração do látex definiu uma área que ultrapassava os limites nacionais dos três países, a progressiva decadência dessa forma de exploração supôs a desarticulação desse sistema sócio-político em Pando, Acre e Madre de Dios.
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Figura 1. Mapa da Triplice fronteira. |
Esse processo veio acompanhado pelo incentivo de novos modelos de ocupação patrocionados pelos próprios Estados, tanto no caso de Madre de Dios como do Acre. A potencialização da atividade pecuária, a partir dos anos sessenta do século XX, no caso brasileiro, e a extração do ouro, que se desenvolve desde os anos trinta e tem seu apogeu na década de oitenta do século XX, no caso peruano, estão na base dos novos processos de ocupação que, progressivamente vão integrando estes territórios no interior de seus próprios Estados nacionais. Tanto o desenvolvimento da agro-pecuária no Brasil, como a extração do ouro no Peru, possibilitaram a chegada de uma nova população. No caso brasileiro, os nordestinos são substituídos pelos paulistas, paranaenses, matogrossenses e outros. Estes grupos iniciam um processo de desmatamento dos seringais nativos, em favor da atividade pecuária, que expulsará os seringueiros de suas terras (Cardia, 2004). Os antigos “colonizadores” são agora “colonizados”, um fenômeno não isento de lutas.
No caso peruano, o desenvolvimento da atividade aurífera modificou substancialmente e a paisagem socioambiental da região. Milhares de migrantes andinos começam a se deslocar para esta zona, em função da maior ou menor rentabilidade do ouro, marcada pelos mercados internacionais. A chegada desta nova população, como veremos posteriormente, estará na base de uma nova fronteira social, reproduzida através de uma série de imagens e estereótipos, a partir dos quais se identificam e são identificados os antigos e novos colonizadores.
“El oro ha creado, por tanto una corriente migratoria de importantes consecuencias, muy similar a la que atraviesa el Departamento de Madre de Dios durante la época de la extracción del caucho, con el agravante de que la tala incontrolada y los grandes movimientos de tierras provocados por la maquinaria empleada pueden afectar considerablemente al ecosistema de toda esta área amazónica” (García, 1982, p. 268).
A ocupação da região fronteiriça boliviana é mais recente. As dificuldades de comunicação e o isolamento da área boliviana praticamente impediram o desenvolvimento de novos setores econômicos. De fato, a maior parte dos núcleos de população situados na Mancomunidad fronteiriça de Filadélfia – Bolpebra são dos anos noventa do século passado.
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Figura 2. A expanão da pecuária tem modificado a paisagem acreana (2006)[5]. |
O interesse por parte dos Estados em controlar os “espaços vazios” é um fato habitual, para o que utilizam diferentes estratégias. A idéia de espaço vazio acompanha, habitualmente, os processos de colonização. A negação ou desumanização do outro faz parte de um processo que facilita a apropriação territorial, um fato que se visualiza de forma especialmente clara na Amazônia, representada em nível discursivo como a quinta essência “do natural”, apesar de a presença dos povos indígenas ter sido realmente importante. A ocupação da Amazônia em geral e do Acre, em particular, teve um caráter duplo: por um lado, contribuiu para aliviar tensões em outras regiões e, ao mesmo tempo, foi um instrumento para afiançar a soberania nacional (Coelho, 1992). Um fato refletido nitidamente no slogan dos governos militares brasileiros “integrar para não entregar”[6]. A presença de população nas zonas fronteiriças é um requisito básico para garantir a soberania nacional sobre um território, mesmo que esse mecanismo não seja suficiente, porque as populações fronteiriças estabelecem redes de relações que atravessam os limites definidos politicamente.
Até há pouco tempo os mecanismos de controle por parte dos três países que interatuam nessa região foram reduzidos, independentemente de uma especial preocupação manifestada pela ocupação da área. A maior presença do Estado nas zonas fronteiriças, nos últimos anos, se percebe de diversas formas. Por um lado, a chegada de novas populações constitui uma forma de reafirmação da soberania nacional. Assim entenderam os militares brasileiros quando consideraram que a soberania na Amazônia estava em perigo; assim fizeram os governos peruanos ao detectar Madre de Dios como “zona de colonização”, e assim vêm fazendo os governos bolivianos ao potencializar as cidades de livre comércio em suas áreas fronteiriças. No Plan Nacional de Desarrollo de Bolívia (2006, p. 66), há menção a esse respeito:
“El Programa de Apoyo al Desarrollo de Fronteras, donde las FF.AA colaboran al desarrollo de las fronteras con la implementación de 25 polos de desarrollo en los puestos militares más desprotegidos estratégicos y vulnerables (Laguna, Colorado, Charaña, Silala, Bolpebra, Rio Machupo, Fortaleza del Abona y otros), con el objetivo de precautelar la soberanía nacional. Para ello se facilitará el asentamiento de familias alrededor de estos puestos, a las que se les dotará de infraestructura social y productiva con la participación activa de sus pobladores, Ejército e instituciones públicas y privadas”.
As dificuldades para efetivar a soberania nessa região se manifestam novamente no mesmo Plan de Desarrollo. Um plano que até este momento tem demonstrado ser pouco efetivo, como se pode observar com o fracasso da luta contra o narcotráfico.
“En el tema migratorio se debe señalar que las fronteras están desguarnecidas, las oficinas de migración están expuestas a la corrupción, y como consecuencia el contrabando se ha hecho incontrolable, así como el tráfico de armas y drogas que ingresan por este medio”. Problemas que los bolivianos han expuesto claramente, pero que están presentes también en otros contextos fronterizos” (Plan Nacional de Desarrollo de Bolívia, 2006, p. 57).
As políticas de controle de fronteiras estão vinculadas aos denominados “processos de integração”. Nas últimas décadas toda essa região adquire um papel protagonista. A presença de importantes recursos naturais em toda a zona, seu caráter estratégico, na hora de potencializar as relações comerciais com os países asiáticos, através da Rodovia Transoceânica, que liga o Brasil com o Oceano Pacífico, e a existência de terras não ocupadas[7], vem possibilitando grandes mudanças (Paredes, 1992; Dourojeani, 2006; Valcuende e Cardia, 2007). Dessa forma apareceram novos agentes nacionais e transnacionais que intervêm no âmbito local. Algumas iniciativas, como o MAP[8], pretendem vincular, através de diferentes grupos de trabalho (os minimap’s temáticos), as três regiões em uma rede transnacional, articulando toda essa área, além das fronteiras políticas. Sem dúvida, até este momento a maioria da população local vive à margem de ações, que têm demonstrado pouca operatividade prática.
Aproximação às populações fronteiriças: Assis Brasil (Brasil), Iñapari (Peru) e San Pedro de Bolpebra (Bolívia)
As populações de Assis Brasil, Iñapari e San Pedro de Bolpebra[9], se encontram a uma distância não superior a dois quilômetros entre elas. O rio Acre define uma parte da fronteira que separa a população brasileira da peruana. Por sua vez, o igarapé Yaverija separa Bolpebra de Iñapari.
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Figura 3. Festa da praia. Rio Acre em primeiro plano e ao fundo o Rio Yaverija. Sua desembocadura delimita a trípice fronteira Brasil, Perú e Bolívia (2008). |
A origem de Iñapari e Assis Brasil, se encontra na atividade extrativista (caucho e látex, respectivamente)[10], que contribuiu para que ambas as localidades mantivessem relações muito estreitas, em função de um sistema socioeconômico, que atravessava as fronteras políticas. Ambas as localidades funcionavam, de fato, como uma unidade. O intercâmbio econômico era uma constante, como constante foram a mobilidade da população, os limites políticos que, mesmo demarcados, na prática eram praticamente inexistentes:
“Meu pai chegou aqui na época dos Soldados da Borracha no ano de 42. (...) Vieram para cortar seringa, mas meu pai não cortou seringa porque faziam um levantamento dos trabalhadores e acharam que ele não podia cortar seringa. O proprietário [do seringal] perguntou se ele era alfabetizado, e ele falou: sou sim senhor. Então, disse o senhor: vai ser gerente do seringal. Então meu pai foi gerente do seringal Paraguassu [atual Assis Brasil] e do seringal de Iñapari. O proprietário dos seringais era um português chamado Antonio Dias” (Habitante de Assis Brasil).
A crise definitiva do látex trouxe mudanças significativas para estas populações, que desenvolveram outros setores econômicos. Atualmente Assis Brasil constitui o núcleo mais importante desta área, com um setor comercial e de serviços, que experimentou um avanço significativo nos últimos anos. Iñapari também tem vivido nas últimas décadas, um incremento do setor comercial, ainda que a indústria madeireira continue sendo a atividade com mais peso econômico.
O caso de San Pedro de Bolpebra[11] é particular. O núcleo central dessa população, da forma como se apresenta hoje, se constitui a partir da década de 90 do século passado, quando chega um grupo de campesinos vindos de Tarija, ao sul do país (em 1992). Após uma primeira tentativa falida de ocupação na cidade, também fronteiriça, de Montevidéo, essas pessoas se deslocaram para seu atual assentamento, bem em frente a Assis Brasil. Seus atuais habitantes dizem que quando chegaram a região estava “vazia”[12]. Havia apenas alguns brasileiros que acabaram seguindo em direção ao interior do país e alguns grupos indígenas. O primeiro lugar de chegada foi junto ao rio, com o fim de potencializar a atividade comercial. De fato, essa localidade ficou conhecida como “cobijita”[13].
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Figura 4. Estabelecimentos comerciais de San Pedro de Bolpebra, junto ao Rio Acre (2006). |
Atualmente esse núcleo está formado por quatorze famílias que combinam uma agricultura praticamente de subsistência com um pequeno comércio, que tem um caráter complementar à economia doméstica.
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Figura 5. Vista geral de San Pedro de Bolpebra (2006). |
As relações nessa área foram marcadas pela escassa presença do Estado, ou pela ineficiência de seus mecanismos de controle. Na prática, a fronteira tem sido um espaço aberto, permeável. Não deixa de ser significativo a ausência da aduana em Assis Brasil até o meados do ano de 2008, ou a inexistência de providências fronteiriças em Bolpebra. Os controles fronteiriços vão se estabelecendo em função dos projetos de “integração” transnacional.
Independentemente dos limites jurídicos que estabelece a fronteira política, neste caso podemos falar na prática de uma área transfronteiriça, onde as redes de colaboração e solidariedade têm sido fundamentais para sobreviver. Um fato que foi facilitado por certo nível de especialização, permitindo que as economias locais, escassamente monetarizadas, tenham um caráter mais complementar que competitivo.
Esse sistema interfronteiriço vive, na atualidade, profundas mudanças, na medida em que a presença do Estado começa a ser mais efetiva, especialmente no caso brasileiro. A construção da ponte[14] que une Iñapari a Assis Brasil e a construção da Rodovia Transoceânica que liga o Brasil ao Oceano Pacífico, através do Peru, com o objetivo de facilitar o escoamento das produções brasileira e peruana para a Ásia, formam parte de um processo mais amplo que incide na ressignificação da fronteira política e na criação de novas fronteiras sociais (Cardia et al., 2006; Valcuende & Cardia, 2007).
A fronteira como recursos econômico, simbólico, social e político
A fronteira pode ser entendida como um elemento de separação, mas também é um elemento articulador e constitui um potencial recurso para as populações locais em regiões como a pesquisada, onde a presença do Estado tem sido limitada. Como já assinalamos na parte teórica, as populações fronteiriças aprenderam a instrumentalizar esta posição, a partir do ponto de vista econômico, social, simbólico e político, quatro eixos que devem ser analisados para compreender a significação última dessa área de fronteira.
Os processos de articulação transfronteiriça que surgem a partir da extração do látex foram se modificando posteriormente e adquirindo novas formas, em função das conjunturas históricas e a chegada de novas populações. A linha de demarcação política contribuiu para gerar produtos, preços e moedas distintos. Estes elementos, unidos às dificuldades internas de comunicação com seus respectivos países, estão na base das intensas relações comerciais nos três núcleos populacionais:
“Llegué aquí hace diez años. Entonces las comunicaciones eran a través de Brasil, íbamos hasta Brasilea, Cobija, Río Branco. De Cobija traíamos productos de la Sierra; de Brasiléia, pollo, arroz y leche (...) La carretera para Puerto Maldonado era instransitable entonces. Ahora ya podemos traer cosas de Puerto Maldonado, aunque con un coste muy alto” (Comerciante de Iñapari).
A região peruana oferece, atualmente, uma maior diversidade e melhores preços em relação a alguns produtos básicos de subsistência (verduras, tubérculos, por exemplo). Por sua vez, a Bolívia tem preços mais baixos que o Brasil em produtos tecnológicos, dada à sua condição de “zona de livre comércio”. Já o Brasil, oferece mais variedade e melhor preço no caso de alguns produtos alimentícios, especialmente os industrializados. A atividade de troca e a venda de diferentes produtos articulam um sistema de intercâmbio facilitado pela liberdade de movimento entre essas três populações, o que permite a criação de redes que ultrapassam os limites locais e possibilitam a existência de um pequeno contrabando, cujo raio de influência se estende à outras populações de Pando, Madre de Dios e Acre.
Um exemplo claro desse raio de influência são os taxistas de Iñapari que aproveitam suas viagens para transportar produtos de uma localidade a outra e, assim, obter algum dinheiro extra. Os pequenos comerciantes bolivianos fazem o mesmo, em função da demanda de alguns produtos, em um raio de ação tão extenso que chega à Puerto Maldonado, Cobija e Rio Branco. Este tipo de comércio, definido pelo Estado, como “contrabando”, é uma prática totalmente naturalizada nas zonas fronteiriças.
“O táxi que nos leva (dois pesquisadores) de Iñapari para Puerto Maldonado é parado no Posto Aduaneiro. Um dos policiais faz sinal ao taxista de que ele não pode passar um saco de açúcar de trinta quilos. Tivemos que voltar para Iñapari para que ele devolvesse o açúcar na loja. Pergunto a ele de onde trazia o açúcar e ele responde: “de Brasil, allí es más barato”. Voltamos e atravessamos novamente o Posto Aduaneiro sem problemas. Cerca de cinquenta metros à frente o taxista pára e eu pergunto: porque paramos? Sua resposta: “ahora traen el azucar”. Diante de nossa surpresa, em cinco minutos uma moto atravessa o posto fronteiriço com a carga. O senhor a coloca no carro e, então, seguimos. Pergunto: “quanto dinheiro ganha com este saco de açúcar? “Unos diez soles” (Extraído do caderno de campo).
Outra coisa muito diferente é o contrabando considerado “ilícito”, como o tráfico de drogas que é visto, pelo menos em nível discursivo, como uma realidade alheia a essas três localidades.
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Figuras 6 e 7. Estabelecimentos comerciais de Iñapari e Assis Brasil. Ambas se especializaram na atividade comercial, aproveitando suas posições fronteiriças (2008). |
Se a fronteira é um recurso econômico também é um recurso social, a partir do qual se formam redes de solidariedade e parentesco, que atravessam os limites nacionais. Os matrimônios entre pessoas das três áreas têm sido habituais, de acordo com os depoimentos orais colhidos. A articulação econômica dessas populações da fronteira e o alijamento do poder central estão na base de uma intensa relação social, que não só se sobrepõe à fronteira, mas se instrumentaliza. A instrumentalização se traduz em uma visão absolutamente pragmática sobre a “nacionalidade”, tal como ocorre em uma prática habitual até há pouco tempo: o registro dos filhos no país mais conveniente, neste caso o Brasil. Um fato documentado também em outras áreas fronteiriças (Valcuende, 1998).
“A.N., pai peruano e mãe boliviana, nasceu em Bolpebra, mas foi registrado em Iñapari. Quando cresceu e foi trabalhar no Acre solicitou o visto brasileiro. Hoje tem dupla nacionalidade. Sua irmã também é peruana e vive em uma localidade próxima a Brasiléia. Seus filhos foram registrados no Brasil para que, nas palavras de A.N, “queden registrados como brasileros” (Extraído do caderno de campo).
Alguns peruanos e bolivianos registraram o nascimento dos seus filhos no Brasil, com o fim de que obtivessem a nacionalidade brasileira. Da mesma forma que os fluxos comerciais estão definidos, em boa parte, pelo caráter diferencial que a fronteira impõe aos preços e produtos, no caso das redes sociais estas se ativam em função dos meios de que dispõem os países. A existência de melhores recursos sanitários ou as melhores expectativas salariais e de emprego, no caso do Brasil, contribuiu para que os habitantes dos outros países buscassem formas de beneficiar-se de possibilidades que lhes são negadas pela existência de uma linha arbitrária.
“Nosotros por lo menos [en Bolpebra] nos servíamos del servicio de salud [de Assis Brasil], no teníamos nosotros aquí ni un puesto, ni una enfermera ni nada y todos acudíamos a Brasil o a Perú” (Habitante de Bolpebra).
Neste sentido, é especialmente interessante observar as redes de solidariedade criadas na região. Afinal, contar com uma boa rede de parentes e/ou de amigos que atravessem os limites jurisdicionais facilita a instrumentalização da posição fronteiriça. É por isso que a presença de contextos e ações simbólicas que permitam a interação entre populações se converte em um elemento central, um fato que nos aproxima do terceiro eixo de análise proposto: a fronteira entendida como “recurso” simbólico, através do qual torna possível a comunicação em contextos extraordinários. No cotidiano os habitantes da tríplice fronteira estão habituados ao uso dos dois idiomas. O português e o espanhol apresentam escassas barreiras idiomáticas, o que facilita a interação entre ambos os lados da fronteira. Entre a população mais velha é habitual que, pelo menos, se entenda a outra língua e, em alguns casos, se utilize uma mescla dos idiomas (portunhol).
As ações simbólicas, em sua vertente festivo-cerimonial, são âmbitos especialmente propícios para a análise das redes de relações, que pode ser observada também em outras fronteiras, (Valcuende, 1996; Hernández et alt, 1999; Hevilla, 2001; Silla, 2003). Os contextos festivos e cerimoniais propiciam a comunicação e o intercâmbio entre populações de uns e outros países, tanto do ponto de vista social como econômico. A conformação de uma devoção, ou a participação em rituais ordinários e extraordinários, é a expressão de uma série de relações, representadas por imagens e ações, que não só servem para “representar” como, também, para “retroalimentar” esta interação.
Na tríplice fronteira foram os seringais que, no passado, eram lugares de interação onde se concentravam os trabalhadores em determinados momentos festivos:
“Antes, na minha juventude, a gente ia às festas no Peru e ainda vai, continua do mesmo jeito, tinha festas nos seringais, mas só era em janeiro, quatro de outubro...” (Habitante de Assis Brasil).
Na atualidade, as festas locais continuam sendo motivos centrais de interação, tal como pudemos comprovar no Carnavassis de Assis Brasil, conhecido como carnaval fora de época, em maio de 2006. No aniversário da cidade, a presença de habitantes de Iñapari e Bolpebra é significativa em diferentes momentos. Os peruanos e bolivianos ocupam um papel especialmente ativo durante os bailes noturnos, ou nos desfiles dos quais participam, entre outros grupos, as escolas de Assis Brasil quando a elas se juntam os estudantes bolivianos e peruanos. Por sua vez, os representantes políticos das três localidades realizam atos institucionais conjuntos, como o ato de içar as bandeiras dos três países.
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Figuras 8 e 9. Escolas peruana e brasileira em Carnavassis (Assis Brasil) (2006). |
Porém, não é somente nas festas locais que se pode observar a articulação simbólica dessas localidades. A celebração, no seringal Icuriã de Assis Brasil, da Romaria de Bom Sucesso (em meados de agosto), como é conhecida no Peru, ou de Santa Raimunda, como é conhecida no Brasil, evidencia a existência de rituais que articulam as populações locais, além do seu pertencimento estatal. Esta romaria atrai centenas de peruanos que se deslocam da região de Madre de Dios. A extensão dessa devoção ao Peru, evidencia as estreitas relações que tem mantido esta área com o outro lado da fronteira, segundo uma das múltiplas versões da história de Raimunda.
Raimunda era uma boa mulher, muito querida por todos, mas tinha um marido que a maltratava. O fato é que Raimunda ficou grávida e, chegado o momento de dar a luz, teve que deslocar-se até um seringal. Seu marido ia adiante e em nenhum momento esteve perto dela, de tal forma que chegou primeiro. Então, perguntaram a ele: onde está Raimunda? Ele pensou que ela chegaria em seguida, mas não chegou. Um grupo de homens voltou e a encontrou morta. Tentaram levantá-la, mas foi impossível. Raimunda não queria ir-se dali e resolveram enterrá-la no lugar de sua morte[15].
Aqui se encontram todos os elementos para que o mito adquira um significado relevante em toda a área: em um seringal, uma boa mãe grávida, um mau marido que paga com a morte de sua mulher e seu filho. A seringa foi tudo até há pouco tempo nesta região; assim não é estranho que as santas (não reconhecidas oficialmente) sejam seringueiras e que o próprio seringal tenha se convertido em um lugar de veneração, aonde vão pessoas de toda a fronteira.
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Figura 10. Romaria de Santa Raimunda. Peruanos e brasileiros se unem em sua devoção (2008). |
A articulação econômica, social e simbólica na zona fronteiriça tem também uma tradução política. Nos três países, até pouco tempo, o Estado Central era visto como uma realidade alheia, à margem do que ali ocorria. Este fato se traduz em um discurso a partir do qual os moradores da fronteira potencializam seus vínculos políticos em oposição aos seus respectivos Estados. Essa visão longínqua do poder central aparece na declaração de alguns líderes locais. No caso de Iñapari comentaram que eles, historicamente, haviam sido os “guardianes de la frontera” e tiveram que exercer a função de “diplomáticos”. A idéia é interessante porque a diplomacia, nesse caso, foi exercida em relação a seu centro de poder (Lima), devido aos interesses compartilhados com as populações situadas do outro lado da fronteira.
“–¿Cómo eran las relaciones con Brasil, han cambiado?
–Nunca han cambiado, nosotros teníamos una relación muy estrecha, hemos crecido como hermanos con la gente antigua de Assis Brasil.
–¿Y cuando había problemas entre los distintos estados, qué pasaba?
–A veces mandaban autoridades de la guardia republicana, y creaban problemas con la gente de allá, que nosotros teníamos que arreglar. A ellos que les importaba. Con poco tiempo se largaban de acá, y nosotros teníamos que resolver los problemas con la amistad, todos éramos amigos, una amistad muy estrecha” (Ex-Alcalde de Iñapari).
Nesta entrevista há três aspectos que são interessantes. O primeiro, é a importância que dá nosso informante às relações entre as populações vizinhas de um e outro lado da fronteira; o segundo, é sua visão do poder central como alheio à realidade fronteiriça, e o terceiro, é a diferença que estabelece entre as pessoas antigas e as novas, o que nos remete a outro fato: a aparição de novas fronteiras culturais entre a própria população da fronteira. Para os antigos, o seu referente de identificação central é precisamente o espaço local representado, neste caso, pelo espaço fronteiriço. Para as pessoas que chegaram há pouco tempo, a fronteira e os referentes de identificação passam precisamente pela identificação nacional. Se observarmos as características da população que tem vindo nos últimos anos a Assis Brasil, podemos comprovar como uma boa parte dela tem relacionamento com o crescimento das estruturas do Estado. Para essas pessoas a fronteira já não é um recurso central de subsistência.
A fronteira política adquire uma nova significação, assim como as novas fronteiras sociais. Estas fronteiras sociais ficaram evidentes no passado, no caso acreano, entre seringalistas e fazendeiros. Na atualidade, são muito mais evidentes no caso de Iñapari, entre a população amazônica (os mais antigos na área), e aqueles que chegaram nos últimos anos, os chamados serranos. Toda uma série de imagens e estereótipos repete-se desde a capital da região de Madre de Dios (Puerto Maldonado) até Iñapari, o que evidencia a existência de fronteiras sociais que se articulam com a fronteira política. Porém, quais são as imagens de identificação que se moldam em uma área plural? Em que medida os referentes nacionais de identificação são utilizados na hora de definir os vizinhos estrangeiros e os de fora em relação àqueles que estão há mais tempo assentados?
Discursos de identificação: imagens estatais, étnicas e locais
Os referentes locais de identificação continuam sendo centrais na interação cotidiana, o que permite aos habitantes da fronteira diferenciar entre “bolivianos”, “peruanos”, “brasileiros” e “bolivianos da fronteira”, “peruanos da fronteira” e “brasileiros da fronteira”. Em algumas entrevistas realizadas em Iñapari aparece uma visão negativa sobre os “bolivianos”: son traidores, poco de fiar, o que se contrapõe com alguns aspectos positivos: son buenos trabajadores. Porém, esta visão é matizada quando nos referimos aos habitantes de Bolpebra: ellos son buenas personas.
Os brasileiros se situam no vértice da pirâmide social e a imagem sobre os mesmos é compartilhada, em muitos casos, por peruanos e bolivianos da fronteira. O brasileiro tem fama de cumpridor de sua palavra e de pessoa direta, clara, em quem se pode confiar; mas, “por las malas”, é um inimigo perigoso: “le gusta la faca”. Os brasileiros são, considerados também, muito nacionalistas, olham muito pelo que é seu, um aspecto que dificultaria, a partir desses delineamentos, a realização de uma política transfronteiriça conjunta, além dos centros de decisão política dos respectivos países.
“La verdad es que la gente brasilera sinceramente son muy buenos, son muy cooperadores, ayudan, cumplen con sus reglas Muchas veces cuando veníamos de Cobija teníamos que quedarnos en Brasil y la gente brasilera siempre es muy amable, nos dicen pase usted, sírvanse ¿qué es lo que quieren? A gusto de nosotros, entramos en la cocina y nos servimos, muy bellas personas la gente de Brasil, sinceramente no tengo porque dudar de ellos” (Comerciante de Bolpebra).
“Los brasileños son más nacionalistas, uno va al Brasil y enseguida te mandan para acá (Iñapari), y ellos trabajan acá en la industria maderera y en el comercio, y allí enseguida viene “la federal” y no te lo permiten, en cambio ellos vienen a vender aquí sus productos” (Concejal Iñapari).
Os estereótipos anteriores em relação aos brasileiros são compartidos por peruanos e bolivianos, ainda que com matizes em função dos referentes diacríticos que podem ser tomados em nível referencial. Em alguns testemunhos recolhidos na população peruana, o brasileiro é ignorante, se preocupa pouco com sua formação. Porém, como são os estereótipos entre bolivianos e peruanos? Basicamente funcionam as mesmas imagens nos dois sentidos: os bolivianos desconfiam dos peruanos e vice-versa. O qualificativo de pessoas “poco de fiar” atua de forma recíproca.
“Mucha gente dice de los bolivianos que son traidores. Mi padre me decía cuídate de los bolivianos, porque cuando fue a La Paz le robaron todas las joyas. Antes los serengalistas compraban mucho oro y joyas, y a él le robaron todo en Bolivia” (Dona de casa. Iñapari).
“Ahhhh con los peruanos (risos) no son igual que los brasileros, siempre tienen un poquito de alejamiento, yo más que todo me alejo de ellos porque no me llevo muy bien. Más me acostumbro con la gente brasilesa” (Morador de Bolpebra).
As imagens dos brasileiros em relação aos povos limítrofes é mais difusa e isso não é casual, já que indica qual é o centro de interação. Afinal, aqueles que ocupam uma posição de poder não têm porque justificar-se perante os “outros”, já que são o vértice da pirâmide social. A desigual posição econômica e social de peruanos e bolivianos é um aspecto fundamental. Para alguns brasileiros da fronteira, os bolivianos são “coyas”. O referente indígena que, em todo caso, se situa na base da pirâmide social, serve precisamente para hierarquisar, não de um ponto de vista positivo, os habitantes de um e de outro lado da fronteira. Porém, essas imagens não são produzidas só entre pessoas dos diversos países. A clara diferenciação entre “coyas” e “cambas”[16], no caso boliviano, se reproduz também nas relações das novas populações que chegaram à fronteira:
“–¿Alguien dice que ustedes son “coyas”.
–¿Coyas? Bueno aquí tenemos esa costumbre de decir que somos coyas del interior, por ejemplo coyas de Cochabamba, de Uru, de Potosí… Donde nos dicen coyas es generalmente por el oriente, en Santa Cruz, en Beni, Pando… a todos los que somos de allá del interior, esos nos dicen coyas (…)
–¿Lo dicen de una forma despectiva?)
–Sí, exactamente, hay alguno así, digamos con odio, tal vez por broma: hola coyita, siendo boliviano mismo a veces hay ese egoísmo” (Comerciante Bolpebra).
Este exemplo evidencia o caráter referencial das imagens de identificação, a partir das quais se agrupam realidades heterogêneas através de referentes que facilitam a interação com um “outro” estereotipado. O coya exemplifica o boliviano, uma imagem simplificada, mas efetiva quando ocorre em contextos de interação marcados pela fronteira política.
O papel desenvolvido pelos poderes centrais é um elemento fundamental na hora de compreender o caráter variável na representação da fronteira política. Os períodos de colaboração ou conflito entre Estados incide nas relações cotidianas dessas populações. Entretanto, chama a atenção a leitura desigual sobre a significação da fronteira para as três localidades. No caso de Iñapari, incide fundamentalmente no caráter “distante” de um Estado que deixou de lado essa área fronteiriça, motivo para se relativisar, em maior medida, o significado de “separação” da fronteira. No caso de Assis Brasil, a fronteira tende a ser reafirmada à medida em que as inversões do Estado têm aumentado consideravelmente e pelo incremento de um processo de integração no próprio interior do Brasil. Quanto à Bolpebra, o poder central é visto com certa desconfiança. Este fato ficou claro durante a ameaça, pelo governo boliviano, de despejo dos brasileiros assentados ilegalmente em seu território, em 2006. Um morador de Bolpebra explica o fato da seguinte forma:
“Pero hoy [quando têm que passar pela fronteira] nos están restringiendo por razón de algunas acciones que el Presidente está tomando en cuanto a la nacionalización, en cuanto al desalojo de los extranjeros del territorio boliviano. Yo considero que nos está alejando las relaciones[17] un poco y eso nos preocupa”.
Não podemos esquecer que os espaços fronteiriços são especialmente sensíveis às relações interestatais, sobretudo quando as populações dependem de um sistema transnacional, onde é fundamental manter uma boa relação com os vizinhos “estrangeiros”.
O território fronteiriço tem se caracterizado por seus níveis de mobilidade populacional. Estamos em uma zona que vem experimentando diversos processos de colonização, o que pode ser traduzido pela coexistência de grupos com distintas características culturais, sociais e econômicas, a partir das quais se delimitam as fronteiras sociais que se plasmam nos discursos de identificação utilizados nesses contextos. Cada nova população que chega à região necessita construir uma legitimação na hora de apropriar-se do território, a partir da qual serão justificados novos aproveitamentos e formas de uso do espaço. Este processo fica claro na relação entre “indígenas” e “não indígenas” (Maldi, 1997). A ambivalência das populações não indígenas em relação às indígenas e a visão do Estado sobre as mesmas, põem em evidência uma marcada fronteira social que ainda não foi superada, e que se superpõe, se reforça e se contradiz com os limites jurisdicionais. Esta situação chega ao ponto de tornar a própria conceitualização de indígena, como categoria de identificação, especialmente ambígua.
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Figuras 11 e 12. Assentamento Yaminawa em Assis Brasil (2006). |
A fronteira simbólica, que separa os “índios”[18] daqueles que não o são, em teoria parece clara no caso estudado: os indígenas são identificados com as populações amazônicas, que antecederam à grande transformação que se produziu nessa zona a partir do século XIX. Sem dúvida, e além desta definição geral, na prática a categoria “índio” é muito mais difusa do que possa parecer em princípio, por diversas razões. Primeiro, unifica realidades culturais diversas sob etiquetas simplificadoras que homogeneízam a diversidade interna. Segundo, a afirmação imposta e a auto-afirmação se modificam em função de múltiplos fatores. O “índio” é uma categorização social que separa, de certa forma, os “nacionais” daqueles que não o são. Não é estranho, portanto, que populações que em outros contextos poderiam ser categorizadas como indígenas aqui deixam de ser, e populações que não são indígenas acabam sendo equiparadas em determinados discursos. Algumas populações indígenas não amazônicas quando chegam à região urbana da fronteira deixam de ser consideradas como tais: os “verdadeiros” índios são aqueles que vivem na floresta.
Desta forma, a homogeneização vinculada à categorização de “nacional”, conforma uma hierarquia onde são situados distintos grupos, em função de sua proximidade com o “dever ser”, que implica qualquer modelo de identificação com base na nação. O caráter relacional da categoria “indígena” aparece nessa região fronteiriça, como ocorre em outros contextos (Rodrigues, 2007). Independentemente dos critérios “objetivos” através dos quais se define quem é e quem não é indígena, na prática essa categoria continua sendo um referente estigmatizador, que serve para marcar uma posição inferior dentro de uma hierarquia social:
“Los Yaminawas son ladrones, no quieren trabajar, vivían atacando a la gente, ellos son ociosos, matan. ¿Por qué ellos no están en sus aldeas? Son los mejores atendidos, va un indio y un blanco al hospital y los mejores atendidos son los indios. El indio no tiene pena de cárcel, puede robar, puede matar. Aquí hay balaseras en orillas del río, horrible” (Morador de Iñapari).
Esta hierarquização tem a ver com o maior ou menor nível de legitimidade, sempre necessário na hora de se apropriar de um território e de reivindicar direitos acima daqueles que se distanciam da idéia de comunidade nacional. Tanto é assim que, como já assinalamos anteriormente, os grupos de “brancos” podem também ser aproximados das populações indígenas. Isto ocorre de certa forma, com os seringueiros que estão incluídos nos denominados “povos da floresta”. É significativo como populações que no passado ocupavam um papel central na transformação sociopolítica na região, os antigos “invasores”, agora passam a ser os “pioneiros”, e à medida em que estes tendem a se converter em um grupo secundário, do ponto de vista quantitativo, adquirem um valor simbólico de primeira magnitude junto aos outros “povos da floresta”.
No caso dos indígenas, a referência ao Estado também está carregada de certa ambigüidade. Para ser “índio” é fundamental “viver como um índio”. Um jovem índio Manchineri disse: “Vou ficar vivendo em Assis Brasil. Aqui tenho um primo que vive há um tempo e é quase brasileiro”.
Esta frase deixa claro que, na visão desses índios, para “ser brasileiro” tem que deixar de ser índio. Não podemos esquecer que o Estado tem sido o principal instrumento de dominação, que se reproduz de duas formas de acordo com o contexto histórico: a exploração e negação de direitos ou a proteção a partir de políticas paternalistas, que situam novamente as populações indígenas em uma posição de inferioridade. Uma visão que também se reproduz em uma parte da população não indígena que, em nível discursivo, situam os indígenas em uma categoria intermediária entre nacional e estrangeiro. Uma relação não isenta de conflitos:
“ –Melhoraram as relações com os indígenas?
–Não, estão pior, algumas índias já têm filho com brasileiros” (Habitante Assis Brasil)[19].
Para as populações indígenas a fronteira é, do ponto de vista espacial, uma ficção e do ponto de vista político, um recurso importante que pode e é instrumentalizado. Com relação ao primeiro aspecto, tanto os Jaminawa como os Manchineri, têm populações nos três países e estão habituados a mover-se com total liberdade para um lado e para outro. A delimitação jurídica do espaço se confronta com os territórios destes povos, fragmentados a partir de lógicas muito diferentes. Com relação ao segundo feito, a pertença a um e outro país tem suas vantagens e inconvenientes. O Brasil oferece maiores vantagens o que, segundo alguns depoimentos, têm levado a deslocamentos de algumas populações indígenas do Peru, para o lado brasileiro. A mobilidade da população de um a outro lado da fronteira é uma estratégia habitual, tal como ocorre em outros contextos fronteiriços (Valcuende, 1995). Afinal, as populações fronteiriças aprenderam a instrumentalizar sua posição liminar para sobreviver.
Se a fronteira social entre “índios” e “brasileiros”, “peruanos”, “bolivianos” é marcada e difusa ao mesmo tempo, já que como categoria de auto-identificação é variável, também foram sendo produzidas outras fronteiras sociais entre velhos e novos colonizadores. Enquanto as populações já assentadas (os antigos colonizadores) constroem a legitimidade em virtude de sua vinculação com o território local, os recém-chegados a constroem em função de sua pertença ao Estado, um aspecto fundamental na hora de compreender a ressignificação da fronteira política.
Este processo foi especialmente claro no passado no caso do Acre[20], e atualmente em Madre de Dios, com a chegada de pessoas procedentes das áreas andinas, colocadas na categoria de “serranos”, um grupo plural unificado sob determinadas representações, que se confronta com a imagem daqueles denominados “amazónicos”. O encontro entre “velhos” e “novos” povoadores evidencia as profundas diferenças existentes em Estados pluriétnicos, onde a geração de discursos legitimadores na ocupação do território se converte em um aspecto central, assim como se reflete em uma série de estereótipos a partir dos quais se confrontam os grupos, separados por uma marcada fronteira social. Convém, portanto, que nos aproximemos das representações geradas, no caso peruano, entre “serranos” e “amazônicos”, o que nos permitirá compreender a vinculação entre fronteiras sociais e políticas.
De acordo com a visão dos serranos, os amazônicos gostam especialmente “da festa”. Estes são considerados pessoas sem nenhuma projeção de futuro, incapazes de ter uma visão a longo prazo. Isto faz deles, segundo “os outros”, pessoas sem nenhuma ambição. Não gostam de trabalhar, ou ganham e gastam rapidamente. E são mais preocupados com a aparência, cuidando muito de seu aspecto e das suas roupas, especialmente para a diversão. As mulheres amazônicas são mais promíscuas e de menor confiança. Dedicam pouco tempo aos trabalhos da casa e àqueles próprios de sua condição “feminina”.
Os amazônicos vivem, portanto, o dia com o que a floresta lhes oferece e não se preocupam em ascender econômica ou socialmente. Estes se movem bem em um espaço que é considerado por uma boa parte dos serranos como ameaçador e perigoso: a floresta.
Como se tratasse de um jogo de espelhos, os amazônicos percebem os serranos como sujos. Não cuidam da higiene pessoal e as mulheres se vestem com “muitas saias pouco higiênicas” e não próprias para o clima da Amazônia. Uma outra característica dos serranos é que “son muy machistas”. Em linhas gerais os serranos são vistos como feios e pouco cuidadosos. Não gostam de trabalhar na floresta, que lhes causa medo e não sabem se mover nela. Resumindo, são definidos como “brutos” e incapazes de se adaptar a um novo meio.
Estas imagens com as quais se define o “outro” servem também para autodefinição, ou seja, os serranos aceitam alguns dos qualificativos com os quais são definidos, ainda que eles tenham outra leitura e o mesmo ocorre com os amazônicos. O trabalho é visto como um valor fundamental para os serranos e, nesse sentido eles são “muy trabajadores”, enquanto que para os amazônicos o trabalho é visto como um meio que permite conquistar outras coisas. A higiene é um valor fundamental para os amazônicos, enquanto que para os serranos é apenas um meio. Um abuso com a limpeza significa uma aproximação com a “feminilidade”.
Como vemos, as fronteiras internas entre as distintas populações se evidenciam na medida em que outros grupos, procedentes do mesmo país, chegam à Amazônia. Este fenômeno é indicativo da progressiva mudança populacional que está ocorrendo e que afeta a diversos planos da vida social e cultural, porém também a importância da fronteira como referente de identificação.
Para os novos moradores a legitimação, a partir da qual se justifica sua chegada, tem correspondência com o fato de pertencer a um mesmo país. O ser peruano concede o mesmo direito de usar parte do território nacional. A fronteira adquire assim um novo valor como referente fundamental de identificação, a partir do qual se unifica os que estão além do limite político-administrativo marcado pelo Estado. Para os antigos moradores, a fronteira é parte de um sistema que articula populações de um e de outro lado. Um fato que aparece nas relações econômicas, de parentesco e amizade, inclusive de caráter cerimonial. Estes velhos colonizadores articulam a legitimidade no uso do território em função da importância de um espaço local que sobreviveu, em boa parte, à margem de seus respectivos Estados. Afinal, aqueles que estão há mais tempo vivendo na fronteira conhecem os outros, seus vizinhos; os novos moradores chegam com outras normas, outras formas de compreender as relações com o entorno e, claro, com outra forma de justificar o direito a um mesmo espaço territorializado de forma diversa.
“–En ‘el pueblo’[21] la gente es de afuera, no hay uno de aquí.
–¿Se nota la diferencia entre la gente de afuera y la de aquí?
–Sí, no se con que idea vienen ellos… aquí nosotros somos más humanos, nos ayudamos más entre nosotros (Dona de casa, bairro Colonia - Iñapari).
A fronteira não é só uma realidade espacial. É também uma representação que se ativa nos diferentes grupos sociais (Kavanagh, 1994). E é por isso que a chegada de novos contingentes populacionais supõe também a reafirmação da fronteira, tanto que a visão do estrangeiro está forjada por imagens transmitidas a partir de diferentes instâncias, incluídas ai os aparatos do Estado, mas não pela interação cotidiana, e toda uma série de interesses complementares entre os povos. Não causa surpresa, portanto, que as imagens, em relação à fronteira, daquelas populações “recentes”, independentemente do país a que nos referirmos, perdem em riqueza de matizes quando comparados com aqueles grupos que vivem há mais tempo nessa região. Estas novas populações olham para o interior do próprio Estado, um fato que se fica facilitado pela construção de novas infraestruturas, como a Rodovia Transoceânica. À medida que as vias de comunicação mudam e que os centros de decisão econômicos e políticos se distanciam dos espaços locais, a velha fronteira política se vê matizada por novas fronteiras sociais.
Considerações finais
Habitualmente as análises sobre as fronteiras incidem na perspectiva dos Estados e nas perpectivas das populações locais. A articulação dessas duas perspectivas é fundamental para comprender uma dinâmica onde a fronteira política, apesar de sua aparente inmobilidade, adquire um significado mutante para as populações locais.
A fronteira política não tem uma mesma significação para uns e outros grupos sociais, que vivem nos limites territoriais do Estado-nação. Portanto, seu sentido muda não só considerando as relações de colaboração ou rivalidade que são produzidas entre as populações situadas em países distintos, mas também em função das relações internas de cada uma dessas populações. Enquanto que para alguns grupos a fronteira é só uma imposição do Estado, a partir da qual separa coletivos com características semelhantes, para outros coletivos a fronteira é um fato central na construção da identidade. Para as populações que estão há mais tempo assentadas, o viver em um espaço transfronteiriço reforça sua posição em relação aos novos migrantes que vão chegando. Assim, para os mais “antigos” o espaço local se converte em um referente central de identificação. Por outro lado, para as novas populações que se assentam na região a legitimidade, na hora de apropriar-se do território, se constrói com base nos referentes nacionais. Estes fatos evidenciam a importância das fronteiras sociais no interior de cada uma das áreas nacionais, e a interrelação entre fronteiras políticas e fronteiras sociais. Estas últimas fronteiras ficam evidentes, por exemplo, nas imagens e estereótipos a partir das quais os “amazônicos” se separam dos “serranos”. Uma imagem mais marcante que a separação que se produzia entre as “pessoas antigas” de Iñapari e os habitantes de Assis Brasil. A população “antiga” se articulava além do limite político definido pelo Estado, enquanto que a nova população aspira uma nova integração, que passa pela necessidade de reforçar a posição destas localidades no interior de seus próprios países.
Para as populações que estão vivendo alí há mais tempo, o espaço local constituiu o âmbito central de atuação e, também, o referente central de identificação. O Estado central é visto como uma realidade distante e alheia, que não soube compreender as especificidades da área. Desse modo, os estereótipos que utilizam como referência às nacionalidades, são matizados. Uma situação são os bolivianos, peruanos e brasileiros em nível geral, outra são os bolivianos, peruanos e brasileiros da fronteira. Por outro lado, para a população que foi chegando depois, a nacionalidade adquire um papel muito mais importante do que a idéia de comunidade fronteiriça, tanto no caso de Iñapari como Assis Brasil. Suas redes de relações se articulam no interior de seus próprios países, um fato que foi facilitado pela melhora substancial nas comunicações e, no caso brasileiro, pela forte inversão do Estado que, nas últimas décadas tem melhorado substancialmente seus serviços. Nestes casos, os estereótipos nacionais adquirem uma importante centralidade.
A “inidigenização” dos amazônicos supõe uma forma de marcar as diferenças entre os verdadeiros nacionais e aqueles que não o são. Os processos de territorialização não se legitimam com base na centralidade do espaço local, mas no espaço nacional. São precisamente aqueles que são mais trabalhadores, que têm mais capacidade e que, claro, provêm do mesmo país, os que têm o direito de usar e transformar o espaço. Sem dúvida, há algumas diferenças significativas no caso de Bolpebra. Sua população é muito recente e o isolamento desse pequeno núcleo obrigou seus habitantes a manter vínculos com as outras localidades e é por isso que a noção de área transfronteiriça que se reflete nos discursos dos moradores, constiui uma estratégia fundamental de subsistência. Assim, a fronteira política tem um papel importante também na hora de organizar as imagens e estereótipos que estão na base das fronteiras sociais, fato que ficou claro, como pôde ser observado, no caso de antigos e novos moradores mas, também, entre os denominados “indígenas” e aqueles que não o são. As populações pré-hispânicas que foram chegando à zona fronteiriça do Peru e da Bolívia, categorizadas como indígenas em seus próprios contextos, deixam de considerar-se como tal. Eles são mais nacionais que os verdadeiros indígenas e, por isso, têm tanto ou mais direitos que os antigos habitantes do lugar. Neste caso, a legitimidade passa pelo reforço na “nacionalidade”. Assim, a nacionalidade se nos apresenta como um “dever ser” e as fronteiras sociais acabam por definir fronteiras políticas, independentemente de que sejam ou não reconhecidas nos mapas.
Notas
[1] Este artigo foi escrito em Sevilha, entre outubro de 2007, como uma das atividades do Projeto apresentado à Fundación Carolina – Madri, para a concessão de uma bolsa para Laís M. Cardia, e março de 2008, em São Paulo, a partir de bolsa obtida por José M. Valcuende, através do Ministério de Educação e Ciência (MEC) da Espanha. A primeira fase do projeto foi realizada com financiamento do CNPq/Brasil, em 2006. Em 2007 e 2008 foram realizadas outras duas fases, financiadas pela Agencia Española de Cooperación Internacional al Desarrollo – AECID.
[2] O texto À Margem da História, de Euclides da Cunha (1999 [1909]), é, possivelmente uma das obras que faz melhor reflexão das duras condições de vida e trabalho dos seringueiros e o poder dos seringalistas em toda essa zona.
[3] As normas bolivianas proibem que estrangeiros tenham terras próximas às zonas fronteiriças. Muitos desses trabalhadores se encontram em situação ilegal. Esteves (2003) calcula que nessas áreas se encontrem uns trinta mil brasileiros dispersos.
[4] Os conflitos entre caucheiros brasileiros e peruanos, durante os primeiros anos do século XX, são constatados pelo antropólogo Klaus Rummenholer, em uma investigação em andamento, (comunicação verbal).
[5] Todas as fotografias apresentadas neste trabalho são da autoria de José Luis Fernández e fazem parte do Arquivo do Projeto.
[6] Especialmente nos anos 70 e 80, do século passado, a queda na economia extrativista veio acompanhada pela propaganda dos governos militares que “vendiam” o Acre como o “el dorado” para pequenos e médios empresários das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, para implantação da pecuária. “Os paulistas”, como eram chamados pela população local, começam a adquirir os seringais, forçando o aparecimento de um novo modelo econômico.
[7] Nas áreas bolivianas e peruanas, até muito pouco tempo, existiam terras não tituladas, o que foi um dos motivos fundamentais para os deslocamentos das populações andinas.
[8] A Região MAP, formada pelos Estados de Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia), é uma iniciativa entre as três nações para combater grandes mudanças no cenário regional, especialmente a pobreza, as enfermidades, o analfabetismo e a contínua degradação dos ecossistemas locais. Participam dela pessoas e instituições com as mesmas preocupações. Suas ações estão baseadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos. http:/map-amazonia.net. Consulta realizada em 08 de dezembro de 2008.
[9] Em 2006 o município de Assis Brasil possuia 5.153 habitantes (IBGE, 2006). Iñapari faz parte da Província de Tahuamanu. Em 2005 sua população era de 791 pessoas (Censo de Población, 2005). Nas diferentes populações que formam parte de Bolpebra, há um contingente de 1.194 habitantes (INE, 2001). Quatorze famílias estão assentadas em San Pedro de Bolpebra. As três populações têm diversos povos indígenas. Os Jaminawa e os Manchineri são as mais numerosas, que habitualmente se deslocam para os centros urbanos. Ambos se encontram presentes nos três países. Em Iñapari se encontra também uma pequena população de Yines.
[10] Em 26 de Dezembro de 1912 é criado o Departamento de Madre de Dios e o Distrito de Iñapari (INEI 2004). Por sua vez, no início do século XX, Assis Brasil era conhecida como Seringal Paraguassu, que dependia administrativamente de Brasiléia. Em 1976 passa à condição de cidade.
[11] O termo Bolpebra é anterior ao assentamento dos bolivianos na localidade de San Pedro. Essa denominação faz referência ao caráter trinancional da região: bol, de Bolívia, pe, de Peru, e bra de Brasil.
[12] Na área havia um pequeno destacamento militar, que “controlava” a fronteira. JD, filho de um seringalista peruano, que trabalha próximo a essa zona, assinala em uma entrevista o escasso controle existente nessa região, por parte do Estado: “En Bolpebra no había cuartel ni nada, y las armas quedaban en casa de mis padres, siempre era un sargento el que iba a cuidar de eso ¿no?, y se iba a Cobija y no regresaba en un mes, tres meses, y mi padre cuidaba de los soldados y de las armas, y con eso cazaban también”.
[13] Este termo faz referência à capital da região (Cobija), zona franca dedicada especialmente ao comércio com os brasileiros.
[14] A ponte foi inaugurada em 21 de janeiro de 2006.
[15] Até há muito pouco tempo não existia nada escrito sobre a “Alma do Bom Sucesso” (Santa Raimunda), porque as versões sobre a mesma são várias. Nos últimos anos a Igreja Católica potencializou sua celebração em uma área onde a presença de grupos evangélicos é significativa. Em toda essa região fronteirça encontramos também outras “almas”, que têm sido estudadas por Klein (2003).
[16] A distinção entre “coyas” e “cambas” é uma imagem simplificada da dualidade social, econômica e política boliviana. A categoriação “coya” agrupa os diferentes povos e culturas andinos. Já sob a denominação “camba”, se agrupam os povos e culturas amazônicos. A utilização desses referentes de identificação são analisados na fronteira Bolívia-Argentina por Jerez (2002).
[17] Refere-se às relações com os povos vizinhos do Brasil e Peru.
[18] É importante destacar que, durante a investigação, trabalhamos com os representantes dos grupos Jaminawa e Manchineri que estavam nos centros urbanos, já que não possuíamos autorização para entrar nas áreas indígenas.
[19] Referência à prostituição das mulheres indígenas.
[20] Para uma análise mais pormenorizada dos enfrentamentos entre fazendeiros, seringueiros e indígenas ver Cardia, 2004.
[21] O “pueblo” se contrapõe à “colonia”, um dos bairros de Iñapari onde é maior a presença de pessoas “de aqui”. Esta diferenciação espacial dentro de Iñapari evidencia a geração de novas fronteiras sociais entre a população que chegou nos últimos anos e a população “amazônica”.
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