Menú principal
Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (65), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA, PODER PÚBLICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: POSSIBILIDADES DE DISPUTAS E DE RECOMPOSIÇÃO DO PODER NO TERRITÓRIO[1]


Floriano José Godinho de Oliveira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
fgodinho@prolink.com.br


Reestruturação econômica, poder público e desenvolvimento social: possibilidades de disputas e de recomposição do poder no território (Resumo)

As ações e políticas que orientam as relações e formas de dominação do território são cada vez mais influenciadas pelos novos padrões tecnológicos e inovações na estrutura produtiva. É estabelecido, nesse contexto, um novo campo de disputas sociais em que se evidenciam estratégias renovadas dos diferentes capitais corporativos e dos demais sujeitos que atuam na organização do território. Para o capital, onde antes interessava o domínio do território, hoje predomina seu uso instrumental a partir de comandos originados em várias escalas. Para os que atuam na perspectiva de transformações nas estruturas, relações e processos econômicos, políticos e culturais, com vistas a bases mais dignas para a vida social, o controle das políticas públicas, manifesto nos diferentes instrumentos de planejamento e projetos de desenvolvimento, deve ser disputado na perspectiva de uma gestão compartilhada do território.

Palavras-chave: Geografia econômica e território; Reestruturação produtiva; desenvolvimento local.


Economical reorganization, public power and social development: possibilities of disputes and of resetting of the power in the territoty (Abstract)

The actions and politics that guide the relationand forms of domination of the territory are each time more influenced by the new technological standards and innovations in the productive structure. It is established, in this context, a new field of social disputes where they evidence renewed strategies of the differents corporative capitals and the other subjects that act in the organization of the territory. For the capital, where before it interested the domain of the territory, today its instrumental use from commands originated in some scales predominates. For they that act in the perspective of transformation in the structures, relations and processes economical, political and cultural, with sights towards bases worthiest for the social life, the control of the public politics, manifest in the different instruments of planning and projects of development, must be disputed in the prespective of a shared management of the territory.

Key-words: Economic geography and territory; productive reorganization; local development.


As mudanças observadas no ordenamento territorial no Estado do Rio de Janeiro evidenciam processos dinâmicos relacionados às formas de organização econômica, política, social e cultural no estado. Temos buscado acompanhar esses movimentos por meio da realização de duas pesquisas, que conjugam estudos dos indicadores econômicos e sociais, produzidos por diversos órgãos de pesquisas no estado e no país, e um acompanhamento das ações e políticas publicas nos municípios, na perspectiva de identificar o exercício do poder e transformações sociais no território fluminense. Trata-se, primeiramente, da pesquisa “Territórios e Reestruturação Econômica no Estado do Rio de Janeiro” – Uerj/CNPq – a partir da qual temos procurado identificar e qualificar os fatores dinâmicos da economia e mudanças sociais no território. A segunda pesquisa, “Sondagens Estruturais dos Fatores de Desenvolvimento no Estado do Rio de Janeiro”, Uerj/Cide (Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro), envolve o acompanhamento da execução de ações no âmbito de 17 dos 92 municípios que compõem o estado, com vistas à compreensão dos interesses e intencionalidades que atuam na gestão pública dos territórios municipais.

Pretendemos, com essas pesquisas, ampliar as bases analíticas sobre as dinâmicas e os ordenamentos territoriais gerados por novos critérios de gestão e pelos efeitos da reestruturação produtiva, bem como destacar a relação entre experiências de gestão e participação social e os novos interesses do capital no uso e domínio do território na escala local.

Como referência analítica desses processos, partimos do fato de que há um movimento importante de reterritorialização da organização industrial, que traz possibilidades de uma repactuação dos usos dos territórios.

Duas das mais importantes mudanças nas novas estratégias de localização dos empreendimentos produtivos são a mobilidade espacial e o interesse crescente no uso dos territórios que admitem as novas formas de integração. Os agentes ligados ao capital buscam fatores mais associados aos novos padrões produtivos, que privilegiam os denominados recursos genéricos, como a formação e qualificação da força de trabalho, sistemas de inovações regionais e locais, tecnologias de comunicação, logísticas e infra-estruturas viárias capazes de permitir rápidas movimentações de mercadorias e baixo custo de produção.

Disso resulta a dupla submissão territorial contemporânea. Parte significativa dos investimentos produtivos úteis a essa lógica é atribuída aos governos locais, que acabam estimulando a destinação dos fundos públicos à capacitação do território, com vistas à oferta de vantagens ao capital. Sob a bandeira do “desenvolvimento”, esses investimentos são apresentados como uma necessidade, uma condição para melhorias de gestão e de governança do território, que seriam fundamentais para sua maior inserção na economia global, mascarando-se as formas de submissão do Estado e os usos instrumentais dos territórios aí implicados.

Mas a análise dos processos concretos em curso mostra que há importantes tensões que sinalizam possíveis formas de enfrentamento e mudanças nesse cenário de incertezas. Há ações de agentes e sujeitos sociais nos territórios locais, que privilegiam o domínio público das políticas e ações, como forma de se evitar descontinuidades administrativas e usos instrumentais do território. A valorização de diferentes formas de exercício do poder por parte desses agentes e sujeitos, especialmente por meio da produção de mecanismos que permitam uma gestão compartilhada do território, como forma de limitar o patrimonialismo e ampliar a integração territorial, necessária em tempos de intensa fragmentação, é um desafio analítico e propositivo importante de ser enfrentado, constituindo o foco deste trabalho.


Mudanças nos paradigmas técnicos e estratégias de reprodução ampliada do capital

O esgotamento do modelo de organização industrial fordista, no decorrer dos anos 1970, induz à busca de novas formas de relações e dominação econômica, social, política, cultural e, sobretudo, territorial, por parte das classes dominantes ligadas aos interesses dos diferentes tipos de capitais em todo o mundo. Instituído nas primeiras décadas do século XX, esse modelo buscou estabelecer uma maior integração da estrutura produtiva, organizando-a em linhas de montagem, revelando uma forte dependência de trabalhadores especializados em todas as etapas da produção. Forja-se aí um “um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem” – já que “os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida” (Gramsci, 1985, apud Harvey, 1994:122) – que, embora tenha tido sua capacidade de criação e produção fragmentada, percebe-se como parte integrante de uma engrenagem produtiva, na qual sua organização corporativa, em sindicatos e outras formas de organização, ampliam seu poder de negociação.

Esse modelo sofre a primeira crise no final dos anos 1920, tendo-se como principal referência de sua extensão a quebra da Bolsa de New York, em 1929. A primeira fase de sua recuperação conta com a aceitação das teses de Maynard Keynes sobre o papel do Estado na formação de capitais brutos, caracterizado pela ampliação de seu papel como investidor nos setores de base da produção industrial e como produtor de infra-estruturas sociais capazes de desonerar os capitais dos custos de reprodução da força de trabalho. Essas teses são definitivamente abraçadas no pós-guerra, quando, então, o mundo conhece um intenso crescimento econômico – os trinta anos de ouro da acumulação capitalista – baseado nos avanços tecnológicos, particularmente nos segmentos eletro-eletrônicos, e no uso indiscriminado dos fundos públicos (Oliveira, 1998) que financiam projetos de desenvolvimento regionais e aprimoramentos das forças produtivas, fortalecendo os diferentes tipos de capitais, nacionais e, particularmente, os transnacionais.

Nesse longo período, cresce a influência dos Estados-Nação como reguladores das economias nacionais e, em grande medida, como controladores das forças sociais organizadas em sindicatos, produzindo-se relações mais próximas entre os principais agentes da organização econômica. Importa, para as classes dominantes, nessa conjuntura de fortalecimento dos Estados nacionais, a formação de novos mercados e controles da força de trabalho, de maneira a se consolidar uma expansão territorial e uma integração da economia mundo subordinadas aos interesses capitalistas e mantidas sob o domínio dos países centrais da economia capitalista.

No final dos anos 1960 e decorrer dos 70, o crescimento acentuado das economias industriais em todo o mundo, sobretudo com o fortalecimento das economias européias e a expansão da influência japonesa, põe em evidência uma nova fase de disputas dos diferentes capitais industriais por novos mercados, desencadeando uma crise mais aguda do modelo fordista. Os principais aspectos da crise residem, segundo Harvey (1994), “na rigidez” do modelo, que conferia maior capacidade de resistência dos trabalhadores em suas lutas por ganhos de produtividade, e no fortalecimento dos Estados-Nação, que implica a capacidade de imposição de regras aos interesses das grandes corporações industriais e financeiras.

A superação dessa crise passa, então, ao contrário da ocorreu nos anos 1930, pelo enfraquecimento e maior controle dos Estados nacionais – já que estes não dispõem mais, como antes, de fundos públicos para investimentos produtivos que minimizem os custos de produção – e pela eliminação da capacidade de resistência dos trabalhadores, organizados em sindicados e redes capazes de estimular permanentemente os movimentos sociais em todo o mundo. Isso se torna possível por meio da incorporação de novos padrões tecnológicos informacionais (Santos, 1996), capazes de reestruturar todo o sistema produtivo, flexibilizando as antigas formas de organização da produção e do mercado de trabalho e instituindo novos padrões de consumo e de circulação financeira (Harvey, 1994).

No transcorrer dos anos 1970, as tecnologias propiciadas pelo uso da informática e pelos avanços nos sistemas de comunicação, bem como a modernização dos sistemas de transportes e de logísticas, promovem uma completa reestruturação produtiva com fortes implicações na forma como os trabalhadores são incorporados e na mobilidade espacial das atividades produtivas.

Os investidores capitalistas utilizam, então, as tecnologias disponíveis para introduzir novos equipamentos que minimizam o fator trabalho, reduzindo o poder de pressão dos trabalhadores organizados, e passam a combater os Estados nacionais como investidores em suas respectivas economias, como forma de reduzir seus poderes sobre a economia e sobre seus territórios. Procuram, com isso, instituir uma economia global, fundamento primeiro da metáfora cunhada como globalização, em substituição às relações inter-nacionais mantidas até então.

Cabe lembrar que a globalização, mais do que maior circulação de mercadorias, culturas e valores, diz respeito à mundialização da capacidade produtiva e do sistema financeiro, indo além do processo de internacionalização da produção que caracterizou o período fordista, incorporando ainda mais o espaço como elemento estratégico de reprodução ampliada do capital. É preciso, como alerta Asheim (1998), atentar para a distinção entre internacionalização e globalização:

Enquanto internacionalização simplemente refere-se à extensão da atividade além das fronteiras, por exemplo, um alargamento da economia capitalista mundial como tal, globalização implica proposição de integração funcional em meio a atividades geograficamente dispersas (....) nós argumentamos que esta mudança de uma internacional para uma economia global representa uma potencialmente nova fase no desenvolvimento da economia capitalista no mundo (Asheim, 1998, p.201) (Grifos nossos).

Um processo de desterritorialização e de mobilidade espacial se institui, a partir do qual os investidores capitalistas procuram eliminar as fronteiras existentes, tornando o mundo território do capital. Temos como referência analítica desse processo a identificação de mudanças expressivas na orientação geral do capital que, estrategicamente, amplia a escala de operação instituída no pós-guerra, orientada pela lógica do desenvolvimento regional/nacional, que lhe permitiu consolidar novos mercados e definir um novo ordenamento na divisão internacional do trabalho (Wallerstein, 2002). No decorrer das décadas 1980 e 1990, sob a égide dos projetos neoliberais, tendo como marco expressivo os debates firmados no chamado Consenso de Washington, a escala e perspectiva do desenvolvimento se deslocam, ou, melhor dizendo, se ampliam, incorporando o local como referencial importante para o capital. Inegavelmente isso representa uma nova concepção de dominação dos territórios, na qual ganha relevo o estabelecimento de novas interlocuções na escala local, sobrepassando as políticas dos governos centrais de cada país.

A mobilidade espacial das atividades produtivas, adquirida pelo aprimoramento das bases técnicas e dos novos sistemas comunicacionais, permite ao capital, então, um novo processo de “colonização” dos territórios, buscando incorporar às suas estratégias locacionais as vantagens oferecidas nos diferentes lugares. Os recentes movimentos de reterritorialização da organização industrial evidenciam que o capital opera com outra lógica em termos de localização espacial, implicando novas formas de uso do território. Trata-se da busca por fatores mais associados aos novos padrões produtivos, que, como dito anteriormente, privilegiam os denominados recursos genéricos, como a formação e qualificação da força de trabalho, sistemas de inovações regionais e locais, tecnologias de comunicação, logísticas e infra-estruturas viárias capazes de permitir rápidas movimentações de mercadorias e baixo custo de produção. Assim, ao contrário do que se poderia supor com a noção de globalização, referida à circulação de mercadorias, o fator estratégico para o capital é a globalização de sua capacidade de localização das unidades produtivas.

Partes significativas desses investimentos produtivos são, então, atribuídas aos governos locais, que acabam por estimular a destinação dos fundos públicos à capacitação do território para oferecer vantagens ao capital. Milton Santos, ao analisar a contraditória noção de produtividade espacial que se expressa na absurda guerra dos lugares, mostra que, para o capital, “Os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos (...) essa rentabilidade é maior ou menor em virtude das condições locais de ordem técnica e organizacional” (Santos, 1996:197). Assim, as crescentes pressões pela busca de maiores níveis de eficiência na utilização de fatores produtivos têm estimulado a localização de atividades em regiões onde a disponibilidade de fatores – força de trabalho, recursos naturais e, em especial, os recursos genéricos mencionados acima – sejam mais favoráveis, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Por outro lado, é possível mencionar também um processo de desconcentração espacial da indústria, com o conseqüente surgimento de novas áreas industriais, processo que remonta à década de 1970, mas que vem adquirindo nova dinâmica no período recente, inclusive em virtude dos estímulos de políticas econômicas, definidas pelos diferentes níveis governamentais em cada país (Brito, 2003).    

Com efeito, fica evidente que a superação da crise de acumulação recente ocorre pela instituição de novos paradigmas tecnológicos e comunicacionais, mas, sobretudo, pelo uso instrumental dos territórios e, consequentemente, o estabelecimento de novas formas de relacionamento com os sujeitos e poderes políticos, econômicos e sociais de cada país e lugar. Diferentemente das formas de relações anteriores, onde a subordinação dos Estados nacionais era o caminho para o uso e domínio de seus territórios e instalação de complexas estruturas produtivas, o estabelecimento de novas interlocuções ao nível de governos locais produz uma fluidez que, em grande medida, desloca, para níveis governamentais intermediários, as articulações e investimentos produtivos que serão capturados pelo capital em seu movimento de acumulação ampliada.  

Todo um arcabouço teórico é construído para dar legitimidade a essa nova estratégia, em geral aceita acriticamente nos países periféricos, pois é vista como possibilidade de maior integração e de um “desenvolvimento” cujo processo pode ser instituído localmente. São as formulações contidas nesse quadro que fundamentam as políticas incorporadas pelo Estado, em seus diferentes níveis governamentais, como uma pré-condição para as melhorias de gestão e de governança do território que, no novo contexto, seriam essenciais para que esse território possa lograr uma maior inserção na economia global.

Uma questão importante se apresenta nesse momento. A lógica atual de inserção de um território na economia global tem por base, fundamentalmente, expectativas de crescimento econômico, comumente identificado como o elemento central para o desenvolvimento. Mas os planos de inserção se empenham por associar tal expectativa a propósitos de melhoria da qualidade de vida da população, como se essa melhoria fosse o resultado inexorável de investimentos produtivos. É assim que esses investimentos, justificados publicamente segundo esse estratagema do novo empreendedorismo governamental, tornam-se destinatários legitimados dos fundos públicos (Oliveira, 1998). Não se quer afirmar, aqui, que os objetivos sociais dos projetos de desenvolvimento atuais são sempre meras fantasias. O que se quer é chamar atenção para a forma corrente como tais objetivos têm servido, simultaneamente, como argumento facilitador da apropriação dos fundos públicos e como recurso de mascaramento de propósitos de inserção cuja forma de organização não resulta em melhoria de condições de vida.


Políticas de desenvolvimento, propósitos econômicos e sociais e mudanças no território

É verdade que a busca, por parte dos governos, de uma gestão do território mais participativa e voltada para os interesses de sua população é algo desejado e, em alguma medida, tal forma de gestão tem sido implantada nos lugares, sobretudo, na esfera municipal. Os resultados obtidos, porém, são limitados devido ao fato de que as políticas nessa direção estão mais subordinadas à criação de condições de reprodução do capital e ao atendimento de seus interesses.

O conceito de desenvolvimento que embasa tais políticas, portanto, precisa ser mais problematizado, de forma a termos mais elementos para a compreensão dos limites e das possibilidades de melhoria da qualidade de vida implicados em tais processos. Reportamo-nos, para isso, a dois autores que definem o desenvolvimento enfatizando a conjugação entre a produtividade do fator trabalho e a distribuição da riqueza socialmente produzida. Nessa linha, nos termos de Furtado (2000:15), o desenvolvimento, numa perspectiva macroeconômica, deve ser entendido como “aumento persistente da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social”. Cândido Grzybowski (2006:7), numa perspectiva mais sociológica, delineia o conceito como “(antes e acima de tudo) transformação de estruturas, relações e processos econômicos, políticos e culturais, para que a sociedade tenha novas bases de vida”.

A utilização do conceito de desenvolvimento atrelado às inovações tecnológicas é recorrente em todos os setores da sociedade, mas o real desenvolvimento não é só o desenvolvimento econômico ou tecnológico, ou ainda a multiplicação dos bens produzidos pela sociedade. Sobre isso, concordamos com Castro, quando nos diz:

A superioridade da noção de desenvolvimento sobre a do crescimento da riqueza e sobre a mais vulgar, de progresso, é que o desenvolvimento implica o aumento da riqueza e a transformação social, ambos a serviço do homem. O desenvolvimento é a ação humana, o desenvolvimento do homem (...) O homem fator de desenvolvimento, o homem beneficiário do desenvolvimento. É o cérebro do homem a fábrica de desenvolvimento. É a vida do homem que deve desabrochar pela utilização dos produtos postos à sua disposição pelo desenvolvimento. (Castro, 2003: 104)

Neste sentido, o desenvolvimento pode ser sim econômico, tecnológico, porém, acrescido do valor social. As riquezas socialmente produzidas devem estar à disposição da própria sociedade e não somente de alguns setores dela. Não se pode negar, entretanto, que o real desenvolvimento deve contemplar um maior conhecimento sobre a realidade brasileira e de todas as suas contradições e especificidades locais. Considerando esses fatores, o território[2] assume vital importância para o que se costuma chamar de desenvolvimento em escala local, ou simplesmente desenvolvimento local.

Partindo dessas considerações, devemos ressaltar que as ações dos poderes públicos, na busca do desenvolvimento, não deveriam ser orientadas para a instrumentalização do território para os interesses dos empreendimentos, que exigem investimentos prioritariamente na infra-estrutura produtiva, e sim para o estabelecimento de mecanismos de controle do uso do território de forma que, de fato, ocorra a distribuição da riqueza e/ou a geração de mudanças que produzam novas bases de vida.

Dizemos isso porque, o que se infere de algumas pesquisas em curso sobre a ação do Estado, no Brasil, em termos de estratégias de desenvolvimento – nossa pesquisa sobre o caso fluminense corrobora – é o distanciamento entre medidas econômicas e sociais, com a multiplicação de programas sociais com vistas à melhoria dos indicadores (o trabalho de Algebaile, 2004, permite perceber esse movimento em escala nacional), sem que isso se traduza em mudanças nas estruturas políticas locais, que viabilizem a gestão compartilhada do território. A maior parte dos poderes públicos ainda age em um sentido predominantemente patrimonialista, defendendo interesses dos setores dominantes e proprietários, deixando a direção econômica completamente dissociada dos interesses sociais amplos e, por conseguinte, em momento algum ordenando a estrutura produtiva para que esta cumpra algum tipo de contribuição para o desenvolvimento, em seu sentido amplo.

Com efeito, multiplicam-se os instrumentos de elaboração de planos de desenvolvimento, sem que sejam explicitados os mecanismos que poderiam concorrer para a distribuição da riqueza e a gestão compartilhada do território. São, nesse caso, propostas que mobilizam os poderes públicos para que estes atuem como indutores de um “desenvolvimento econômico local” que, no entanto, é entendido como o resultado da execução de planos estratégicos que visam mobilizar os recursos sociais e naturais, existentes no território, para viabilizar os interesses do capital. Para além das possibilidades reais de desenvolvimento, tais instrumentos, predominantemente, apenas viabilizam o uso do território para os capitais corporativos e isso se evidencia no fato de que apenas os lugares que sejam de interesse direto das empresas logram algum tipo de aprimoramento das forças produtivas.

Constatamos isso ao observarmos o novo ordenamento do território no estado do Rio de Janeiro, no qual os movimentos de reestruturação econômica só influenciam diretamente as áreas de interesse das empresas que utilizam um padrão tecnológico informacional e/ou logísticas de transportes e industriais de alto valor agregado. São significativas, nesses casos, as mudanças em áreas em que predominam serviços especializados – sobretudo, os relacionados ao trabalho imaterial ligado às grandes firmas de comunicação e informação, típicos dos núcleos metropolitanos – e as novas áreas industriais no interior do estado. Secundariamente, também são de interesse, e apresentam algum tipo de maior inserção na economia global, as áreas que desenvolvem o setor de turismo, face ao maior fluxo de pessoas em função de eventos, negócios ou lazer.

Em nosso estudo, identificamos que os setores que alteram o ordenamento do território no estado do Rio de Janeiro são, particularmente, os relacionados: à indústria do petróleo, no que denominamos região petrolífera; aos setores de serviços no núcleo metropolitano e nas áreas de dispersão, para a periferia metropolitana, de empreendimentos industriais mais dependentes da proximidade aos centros de pesquisas e serviços; à maior dinamização do setor metal-mecânico no médio Vale do Paraíba, particularmente, o setor automobilístico; à reestruturação do Porto de Itaguaí, em cuja proximidade está sendo instalado o mais novo pólo siderúrgico no estado; e à consolidação de um eixo petro-gás-químico na área que circunda a Baía de Guanabara.

A compreensão desses processos recentes indica, portanto, a necessidade de constituição de objetos de investigação que tenham em conta as tensões entre novos processos produtivos e as relações políticas e sociais locais, envolvendo investigações acerca da organização do território e do território propriamente dito.

As informações até aqui levantadas mostram que as mudanças territoriais mais evidentes, no estado, estão vinculadas às infra-estruturas já instaladas – como as metropolitanas – ou às novas infra-estruturas cuja instalação mais recente se dá por força da localização dos recursos naturais, como é o caso da bacia petrolífera. Mas há importantes empreendimentos novos, como os pólos automobilístico, siderúrgico ou petroquímico, que são diretamente influenciados pelos recursos técnicos disponíveis no território.

Não sabemos se, a princípio, poderíamos já partir para uma formulação de que o território teve um “papel ativo” na definição da localização desses empreendimentos. A compreensão desse conceito deve ser muito aprofundada antes de qualquer conclusão. Mas cremos poder afirmar que nunca o território, uma categoria central para a compressão do espaço geográfico, esteve tão presente nas análises econômicas e sociais.

Cabe esclarecer que nossa compreensão de que a produção do espaço é resultante das relações sociais de produção nos permite falar do espaço geográfico como espaço social, seguindo os passos teórico-metodológicos de Henri Lefebvre (1976). Só assim podemos ter a real compreensão do território como sistemas de objetos implicados com sistemas de ações, como propõe Milton Santos (1996). Considerar o território como expressão de relações econômicas e sociais implica levar em conta que “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social” (Santos, 1996:15).

O artigo de Milton Santos do qual extraímos a passagem acima recebeu o título de “O retorno do território”, de maneira a enfatizar a necessidade de recuperarmos o “papel ativo” do território na análise dos processos econômicos, políticos e sociais contemporâneos. Para o autor, há uma necessidade crescente de repensarmos as relações que organizam o território. Este, hoje, conjuga, de forma mais intensa, os processos que se realizam por meio das verticalidades (redes) e das horizontalidades (domínio das contigüidades). Horizontalidades, como “domínios da contigüidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma contigüidade territorial”, e verticalidades, “formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais” (Santos, 1996:16), constituem o território como espaço formado de lugares contíguos e de lugares em redes.

Nessa conjuntura, marcada por relações que têm origem em ordens próximas – que orientam a organização social em espaços contíguos – e em ordens distantes – orientadas por interesses e estratégias do capital corporativo – o território conhece novas formas e relações sociais que tentam dar novos usos e sentidos a sua formação.

Nesses processos, dois aspectos se destacam, exigindo uma maior atenção na análise sobre a produção do espaço social. O primeiro é o fato de que há uma nova forma de organização do trabalho, baseada em novas tecnologias, segundo a qual as empresas passam a ter mais interesses nos recursos sociais, naturais e técnicos disponíveis no território, recursos já preparados para seu uso. Nesse caso, não há mais interesse por parte do capital em dominar, hegemonizar, exercer o poder direto no território, mas sim em usá-lo com liberdade, estabelecendo nele uma razão meramente instrumental. A organização do trabalho se torna, talvez mais do que antes, uma importante referência analítica:

...renova-se a importância do fator trabalho, condicionado pela configuração técnica do território no campo e na cidade, e que está ligado ao processo imediato da produção e os resultados auferidos desse trabalho... Essa nova geografia do trabalho é um dado importante no entendimento da sociedade atual. (Santos, 1996:18)

Disso também resulta a necessidade de um novo olhar sobre as relações de poder no território. O poder político institucionalizado, historicamente, cumpre um papel diretamente subordinado ao capital, atuando, como desde os primórdios da formação do Estado moderno, como “um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia” (Marx, 1998:13). Atualmente, porém, renova-se o papel do Estado, na medida em que ao capital interessa outras formas de ação – mais relacionadas ao aparelhamento do território em termos de recursos técnicos e sociais que, por si, repercutem em termos de controle social. Segundo Santos, "(...) antes do enfraquecimento atual do Estado Territorial, a escala da técnica e a escala da política se confundiam. Hoje essas duas escalas se distinguem e se distanciam. Por isso mesmo, as grandes contradições do nosso tempo passam pelo uso do território" (Santos. 1996:19)

Os novos processos sociais nos põem diante de um imenso desafio teórico: a compreensão da variável espaço social na produção do conhecimento e, nela, do papel do território na formação das estruturas e das dinâmicas sociais contemporâneas. A esse respeito, é expressiva a fala de José Reis, que destaca a relevância das investigações territorialistas, ao mostrar que “a determinante espacial do desenvolvimento econômico é tão fundamental como o tempo” (Reis, 2005:51). Para esse autor,

Um território – não sendo um dado, não sendo estático é, sem dúvida, um lugar em que se inscrevem relações de poder. Mas é, antes de tudo o mais, um lugar que define a morfologia das relações de poder em presença. As quais, não sendo lineares nem heteronimamente estabelecidas, têm que ser definidas e mapeadas para cada território e cada processo relevante. (Reis, 2005:69)

Essas formulações ajudam a evidenciar que há novos fatores e dinâmicas sociais na produção do espaço social e na organização do território, face aos atuais processos produtivos e recursos à disposição do capital. E isso nos remete à necessidade de investigação e análise das novas formas de composição e ação das diferentes forças políticas e dos interesses do capital nas diferentes partes que compõem o território.

Um primeiro aspecto a ressaltar, nesse caso, está vinculado a uma discussão já brevemente apresentada neste texto. Inúmeros processos atuais sinalizam que, se antes interessava ao capital “dominar” o território, atuando nele como “pólo de desenvolvimento”, subordinando nele todos os agentes à sua própria lógica, hoje, a localização, baseada nas redes de comunicação e tecnologias avançadas, dispensa o domínio e faz prevalecer o uso instrumental do território. A discussão dos impactos dessa nova lógica de ação do capital, sobre o território, requer que se indague, em primeiro lugar, se e de que maneiras esses processos induzem as instituições e sujeitos locais a prepararem o território para atender aos interesses do capital, em termos de disponibilidade de recursos genéricos. Em segundo lugar, indagar se e como isso pode se reverter, também, em desenvolvimento social efetivo para todos os cidadãos.

Fica subjacente a essa questão a necessidade de se discutir se os novos processos produtivos alteram a forma como o capital se relaciona com a formação social no território e, ainda, se as instituições locais adquirem, de fato, maior poder de intervenção na organização do território.


Gestão compartilhada do território como recurso de recomposição do poder

As referências analíticas apresentadas acima são constatadas quando investigamos as políticas de desenvolvimento local junto às administrações municipais no estado do Rio de Janeiro. Pesquisando 17 municípios selecionados no estado, por meio de entrevistas com os principais agentes econômicos e da administração pública, verificamos uma tendência à realização de projetos que financiam a atração de empreendimentos para as cidades, a partir da ampliação de oferta de infra-estrutura, qualificação da força de trabalho dirigida a setores específicos e, principalmente, renúncias fiscais e subsídios generalizados. Tais projetos, no entanto, raramente integram um planejamento e conjuntos de ações que garantam retornos sociais à população.

No campo social, o que acontece nas administrações municipais hoje é a multiplicação de programas com vistas à melhoria dos indicadores. Esse objetivo instrumental, evidentemente, reduz as possíveis repercussões das ações do setor social sobre as estruturas políticas locais, favorecendo-se uma reiteração das desigualdades de participação econômica, política e cultural que funcionam como verdadeiros obstáculos à instauração de práticas de gestão compartilhada do território. Agindo em sentido predominantemente patrimonialista, defendendo interesses das classes burocráticas e proprietárias, a maior parte dos poderes públicos dissocia a direção econômica dos interesses sociais no território, o que repercute negativamente sobre o próprio dinamismo da economia. Como não há um ordenando da estrutura produtiva e um planejamento econômico para que a economia cumpra algum tipo de contribuição para o desenvolvimento, em sentido amplo, as ações econômicas deixam de ativar dinamismos que escapem ao horizonte curto dos objetivos privados conservadores.

Os interesses patrimonialistas são os mais evidentes, como no caso das práticas persistentes de domínio da estrutura política municipal por famílias que se revezam no poder, ou até mesmo se perpetuam como gestores e, com isso, direcionam os fundos públicos para o financiamento de investimentos próprios que envolvem não apenas atividades econômicas, mas também não econômicas, orientadas por objetivos restritos de reforço do prestígio e do poder político. Exemplo inquestionável do poder exercido nesse sentido pode ser verificado no empenho do atual prefeito do município de Quissamã, Armando Cunha Carneiro da Silva, situado na região petrolífera do estado, em financiar associadamente a recuperação da usina, a plantação de cana e o tombamento do solar da fazenda Mandiqüera, contruída em 1875, pelo Conde de Araruama, Bento Carneiro da Silva.

Vários são os exemplos que poderíamos trabalhar aqui. Importa, no entanto, discutirmos em um sentido mais geral duas questões para reafirmar alguns princípios que norteiam nossas análises.

Destacamos, inicialmente, no caso do Brasil, o caráter municipalista da administação local. A autonomia conferida, pela Constituição Federal de 1988, aos municípios, independentemente de seu porte populacional, no que diz respeito à gestão do território, vem sendo sistematicamente apropriada como uma “autorização” para que tal gestão fique subordinada aos interesses dos proprietários e agentes econômicos de cada cidade. O fato de que o município seja constitucionalmente um ente da federação, lhe confere tal poder de autonomia em relação aos demais níveis governamentais, estadual e federal. Face à forma como tem sido exercida essa autonomia, a escala local vem sendo associada diretamente à esfera municipal, já que nos municípios se concentram poderes suficientes para regular os interesses e empreendimentos no território. Por isso a conquista desse governo é estratégica para os interesses dos agentes do capital.

Desse processo decorre a principal limitação da implantação de políticas locais que sejam de fato discutidas de forma participativa e que obedeçam a estratégias de longo prazo para o desenvolvimento. O controle político da administração é diretamente capturado por agentes econômicos que não conseguem agir para além de seus próprios interesses imediatos. Nesse sentido é que destacamos a luta pelo domínio público da gestão, por meio de mecanismos que limitem o poder de decisão dos administradores e ampliem a participação popular na administração, independentemente da representação dita democrática nas instituições legislativas, “posto que a forma democrática representativa é insuficiente para dar conta da profunda separação entre governantes e governados na escala moderna” (Oliveira, 2001: 14).

O que antes era desvantagem absoluta, atualmente pode ser um instrumento relativamente a favor das lutas sociais. Em tempos de governos autoritários e centralizadores, como é tradição nos países latino-americanos e em todos os demais países periféricos, o planejamento e a determinação do uso do território obedeciam a estratégicas e determinações estabelecidas em nível de governos centrais. A democratização dos países ainda passa por combater as políticas econômicas dos governos centrais, não há dúvidas. Como ocorre atualmente, as estratégias dos agentes do capital na escala global buscam um uso instrumental dos territórios locais, produzindo novos níveis de interlocuções. Porém, essa multiplicidade de interlocuções pode também ser usada como estratégia de lutas das comunidades e sujeitos sociais, em um processo de construção de uma contra-hegemonia por ações moleculares (Gramsci, 2002), impondo localmente limites ao uso instrumental do território. Temos no Brasil uma grande experiência nessa direção, vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Nesse movimento, a luta contra o latifúndio e a reforma agrícola e agrária se estrutura por meio das manifestações e formas de lutas organizadas em cada lugar, em cada município. Organizações locais cuja repercussão e impactos, porém, são nacionais.        

É possível, então, sob o domínio público, a partir de diferentes formas de organizações populares, que os projetos e relações que se estabeleçam na perspectivas do uso do território ocorram a favor de toda a população e não sofram descontinuidades administrativas, comuns quando da troca de governos, melhor dizendo, da troca de interesses das classes dominantes representadas nas administrações municipais.

Nessa perspectiva, a segunda questão se apresenta. Do ponto de vista da economia, a escala local não se confunde com a esfera municipal, embora tenha se disseminado no Brasil que projetos de desenvolvimento devam ser produzidos nessa esfera. Na esfera do município, é possível a realização de mudanças sociais importantes que melhorem as condições de vida e organização social. Mas como esses objetivos não se dissociam da melhoria geral das condições de trabalho e geração de renda, os planos de integração e crescimento econômico dependem de um uso racional do solo e compartilhamento de fatores situados em espaços sociais muito mais amplos que os territórios municipais. Defendemos, por isso, a gestão compartilhada, tanto internamente ao município, como forma de restringir o patrimonialismo e o jogo de interesses de grupos econômicos locais, quanto para criar maiores níveis de integração econômica entre os municípios, reconhecendo que os fatores produtivos numa economia globalizada não se restringem a uma cidade ou município.

Essa proposição se baseia na constatação de que não há tradição no Brasil de integração das administrações municipais – certamente porque assim se evita interferências na condução dos “negócios” patrimonialistas. Não há, formalmente, um projeto de desenvolvimento regional que possa ser caracterizado como instituinte de uma nova forma de gerir e promover o crescimento econômico no território. Em nossas pesquisas, tem sido regra que cada prefeito, secretário municipal ou técnico perguntado sobre o crescimento econômico da região, somente faça referência aos “seus” empreendimentos e investimentos. Sob a ótica desses agentes, só são reconhecidas como “voltadas ao desenvolvimento econômico e social” as ações de interesse específico de cada lugar e dirigidas pelas administrações municipais. Todavia, todos os demais protagonistas que participam dos processos e disputam os sentido da gestão do território, como os empresários, líderes sindicais (dos trabalhadores e patronais), profissionais autônomos com atuação nas regiões, pesquisadores das universidades, membros de movimentos sociais, ONGs, líderes sociais etc., percebem e referem-se sempre às possibilidades regionais de crescimento econômico e desenvolvimento social.

Por outro lado os governos estaduais operam em uma lógica de investimentos que obedece a interesses partidários municipalmente referenciados. Tudo isso faz com que se intensifiquem as disputas entre administrações municipais, limitando-se as possibilidades de associações para o desenvolvimento e gestão de serviços de interesse comum e de promoção de ações que fortaleçam regionalmente as cidades e permitam que sua integração à economia global ocorra de forma não subordinada aos interesses do capital.

Os efeitos mais negativos dessa postura são percebidos nos espaços metropolitanos, onde a intensa fragmentação política e administrativa amplia as dificuldades de soluções de problemas comuns e limitam as possibilidades de promoção de projetos com vistas a políticas locais (não necessariamente municipais) de desenvolvimento e enfrentamento da imensa exclusão social presente nesses espaços. Graves também são as formas de submissão da gestão do território aos interesses do capital, presentes nas novas áreas de intensa reestruturação espacial das atividades produtivas, que estão ocorrendo nas novas regiões dinâmicas para além das metrópoles. Em nome de um pretenso desenvolvimento econômico local, inúmeras concessões são realizadas ao capital, sem nenhum movimento que reestruture as formas de participação e controle público das políticas que organizam o território. Tal fato ofusca a percepção de que esse movimento de descentralização espacial é uma das formas de realização do atual processo de acumulação ampliada.

Enfim, para deixar uma contribuição à reflexão acerca desse processo e das possibilidades de ampliação de nossas lutas por mais cidadania e direitos, fechamos com a reiteração de um alerta de Francisco de Oliveira, sobre a necessidade de pensarmos formas de lutas que incluem novas formas de exercício do poder nos territórios: “o desenvolvimento local não pode ser pensado como contratendência à concentração; pelo contrário, ele pode inserir-se numa estratégia de descentralização que agrave as desigualdades” (Oliveira, 2001:18). Esse, creio, é o sentido dado por Milton Santos quando nos fala do retorno ao território. As lutas sociais, hoje, mais do que antes, passam por esse retorno.


Notas

[1] Artigo elaborado em colaboração com Leandro Gondim Monteiro, Bolsista de Iniciação Científica da UERJ.

[2]Segundo SANTOS (1996, Pág. 15): “vivemos com uma noção de território herdada da modernidade incompleta e do seu legado de conceitos puros, tantas vezes atravessando os séculos praticamente intocados. É o uso do território, e não do território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social. Trata-se de uma forma impura. (...) Seu entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco da alienação, o risco da perda de sentido da existência individual e coletiva, o risco de denúncia ao futuro”.


Bibliografia

ALGEBAILE, Eveline. Escola pública e pobreza: expansão escolar e a formação da escola dos pobres no Brasil. Tese de doutorado em Educação. Universidade Federal Fluminense. Niterói/RJ, 2004. Disponível em: www.bdtd.ndc.uff.br

ASHEIM, Bjorn T. e COOKE, Philip. Localized innovation networks in a global economy: a comparative analysis of endogenous and exogenous regional development approaches. London, Comparative Social Reserch, 1998, Volume 17, JAI Press Inc, p. 199-240.

BRITO, Jorge. Arranjos Produtivos locais: Perfil das concentrações de atividades econômicas no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SEBRAE/RJ, 2004.

CASTRO, Josué de. Estratégia do desenvolvimento. In.: CASTRO, Anna Maria de (org.). Fome, um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003.

FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 2000

GRAMSCI, Antonio. Risorgimento italiano. In : GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, vol. 5. Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 13 a 127.

GRZYBOWSKI, Cândido. Jornal O Globo, 07 de dezembro 2005, p.7

LEFEBVRE, Henri. L'idéologie structuraliste. Paris, Éditions Anthropos, 1971.

LEFEBVRE, Henri. El Derecho a la ciudad: historia, ciencia, sociedad. Barcelona: Ediciones Península, 1978.

LEFEBVRE, Henri. Une pensée devenue monde. Faut-il abandonner Marx? Paris: Fayard, 1980.

LENCIONI. Sandra. Reestruturação urbano-industrial no Estado de São Paulo: a região da metrópole desconcentrada. In.: SANTOS, Milton et alli (Orgs) Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo: Editora Hucitec / ANPUR, 1996.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1994.

OLIVEIRA, Floriano J. G. de. Reestruturação produtiva e regionalização da economia no território fluminense. Tese de Doutorado em Geografia Humana. São Paulo, FFLCH/Departamento de Geografia/USP, 2003, www.teses.usp.br

OLIVEIRA, Floriano J. G. de. Mudanças tecnológicas e produção do espaço: considerações sobre desenvolvimento na escala local. In.: Investigaciones Geográficas. México, Boletín Del Instituto de Geografía de la UNAM, nº 52, Diciembre/2003, p. 72-82.

OLIVEIRA, Francisco de. Os direitos do anti-valor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis / RJ: Editora Vozes, 1998.

OLIVEIRA, Floriano J. G. de. Aproximações ao enigma: o que quer dizer desenvolvimento local? São Paulo: Pólis; Programa Gestão Pública e Cidadania/EAESP/FGV, 2001. 40p.

MARX, Karl e FRIEDRICH, Engel. O manifesto comunista. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1998, 14ª edição.

REIS, José. Uma epistemologia do território. In.: Revistas Estudos Sociedade e Agricultura, CPDA/UFRRJ, Ed. Mauad, Vol. 13, número I, 2005.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica e tempo – razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 1996.

SANTOS, Milton. “O retorno do território”. In.: SANTOS, Milton et alli (Org`s) Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo: Editora Hucitec:ANPUR, 1996.

VAINER, Carlos B. “As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local”. In: Ética, Planejamento e Construção Democrática do Espaço. Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro, ANPUR, 2001, Vol. I, p.140 a 152.

WALLERSTEIN, Immanuel. Após o liberalismo: em busca da reconstrução do mundo. Petrópolis (RJ), Editora Vozes, 2002.


© Copyright Floriano José Godinho de Oliveira, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

OLIVEIRA, Floriano José Godinho.  Reestruturação econômica, poder público e desenvolvimento social: possibilidades de disputas e de recomposição do poder no território. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (65). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24565.htm> [ISSN: 1138-9788]


Volver al índice de Scripta Nova número 245
Volver al índice de Scripta Nova

Menú principal