Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (40), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

O FIO DA MEADA. DESAFIOS AO PLANEJAMENTO E À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA COSTA DOS COQUEIROS (BAHIA)

Ester Limonad
Universidade Federal Fluminense
ester_limonad@yahoo.com

O fio da meada. Desafios ao planejamento e à preservação ambiental na Costa dos Coqueiros, Bahia (Resumo)

A intenção deste texto é apontar alternativas às formas de condução do planejamento e gestão territorial. Muitas vezes se fazem diagnósticos críticos e propostas de intervenção, que tendem a agravar os problemas ao invés de solucioná-los. Isto tende a ocorrer na prática de planejamento ao se intervir sem buscar o fio da meada: a questão estratégica, como se buscará mostrar no caso das propostas de gestão costeira e ordenamento territorial da Costa dos Coqueiros, no litoral norte da Bahia. Embora estes planos contemplem preocupações sócio-ambientais e contem com a participação da população envolvida, partem de perspectivas pré-concebidas. Em decorrência não discutem qual tipo de urbanização privilegiar e se atém a propor um zoneamento do território para urbanização. Deixam de lado, assim, questões estratégicas relacionadas à implantação de infraestruturas, à gestão ambiental e à participação efetiva da população.

Palavras-chave: Turismo Litorâneo. Resorts, Bahia, Planejamento Regional, Desenvolvimento Local.


The hank’s thread. Challenges to environmental planning and preservation on coconut coast, Bahia State, Brazil (Abstract)

This essay intends to point some alternatives to the forms of conducing territorial planning and management. Many times critical diagnostics and intervention proposals are made, which rather contribute to exacerbate problems than to solving them. This usually happens on planning practice when interventions are taken on without searching where should lay the problem roots, in other words: the strategic issue, as it will be shown in the case of coastal and territorial management proposals aiming the Coast of the Coconut, in Bahia's north coast. Although these plans take in account social and environmental concerns, counting on the target population participation, they usually start from preconceived perspectives. Thus these plans rather consider territorial zoning for urban occupation than arguing which kind of urbanization must be emphasized. Therefore it left aside strategic issues concerning infrastructures implantation, environment management as well as an effective participation of the population.

Key-words: Seaside Tourism Development, Resorts, Bahia, Regional Planning, Local Development.


A prática de planejamento, enquanto uma ação de cunho transformador mais geral, emerge nos países capitalistas ocidentais após a segunda guerra mundial. São deste período os trabalhos sobre os modelos de planejamento, expostos na coletânea organizada por Andréas Faludi (1973), que em uma vã tentativa de se diferenciar do planejamento dos paises do bloco comunista, buscavam caracterizar o planejamento como uma técnica neutra e desinteressada.

Diversos estudos nas décadas subseqüentes, entre os quais “A Revolução Urbana” dce Henri Lefebvre (1974) contribuíram para desmistificar e mostrar que a despeito das “boas intenções” das propostas, o planejamento não era neutro e nem apolítico. Ao contrário constituía um potente instrumento ideológico a serviço daqueles que o promoviam. Nesse sentido, vários trabalhos sobre a prática de planejamento no Brasil (Ianni, 1971; Dreyfuss, 1981; Cintra & Haddad, 1978 e Sshmidt & Farret, 1986 entre outros) contribuíram para demonstrar como o planejamento contribuiu para conferir legitimidade social às ações dos governos militares entre 1964 e 1988.

Com a emergência e proliferação dos movimentos sociais (Castells, 1986) a questão da participação conquistou um lugar privilegiado no planejamento. Embora, a participação não fosse, em si, um elemento novo, uma vez que já na década de 1930, na Índia colonial os ingleses encaravam a participação social nos processos de educação de massa como um fator essencial para a cooptação e controle social (Limonad, 1984). De fato, os movimentos de vecinos em Barcelona e a implementação do plano estratégico em Barcelona contribuem para que a participação social no planejamento apareça como pedra de toque fundamental para conferir legitimidade social ao planejamento. Não obstante, como assinala Horacio Capel (2005, 2006 e 2007), não deixasse de haver uma sobrevalorização não só do modelo Barcelona, mas também da participação no processo de planejamento.

É interessante notar que a medida em que a participação passa a integrar o processo de planejamento, ela também passa a ser planejada (LIMONAD, 1984). Cabe indagar, neste sentido o nível de participação  e formas de participação previstos no processo de planejamento.

Muitas vezes, soe ocorrer de serem colocadas em discussão questões táticas e não questões estratégicas. Um exemplo desse tipo de prática é abrir a discussão para a população e entidades envolvidas sobre a localização da instalação de uma usina hidrelétrica e respectiva área a ser inundada, ou das formas de implementação de uma proposta de uso do solo e zoneamento. É facultado aos envolvidos opinarem onde e como, mas não lhes é facultado discutir a necessidade da ação em pauta, e tampouco se aventa outras possíveis soluções. Ou seja, no caso de usinas hidrelétricas não se discute se estas são necessárias, nem se haveriam outras possibilidades de gerar energia. No caso de propostas de uso do solo e zoneamento, é facultado aos envolvidos opinarem sobre a extensão das áreas de preservação e distribuição das diferentes formas de ocupação, no entanto não lhes é facultado opinar sobre o modelo pré-estabelecido e a real necessidade de sua implantação. Em síntese, deixa-se de lado o fio da meada, a questão estratégica que contribuiria para deslindar a própria prática de planejamento, como se procurará mostrar no caso da implementação do Projeto Orla na Costa dos Coqueiros na Bahia.


O Gerenciamento do Litoral e o Projeto Orla

O litoral brasileiro, um dos mais extensos do mundo com cerca de 388 mil km² de área, uma extensão de 8.698 km e largura variável, possui uma ampla diversidade de ecossistemas.  Em 2007, encontrava-se nesta área ao menos metade das capitais estaduais e aproximadamente trezentos municípios, muitos dos quais com elevadas densidades demográficas. A maioria das referidas capitais constitui núcleos de regiões metropolitanas. Não obstante, em contraste com as áreas litorâneas mais densamente ocupadas, ainda se pode encontrar vastas extensões do litoral com reduzidos índices de ocupação, embora em alguns casos sua preservação esteja ameaçada pela ação de empreendedores imobiliários, grupos turísticos internacionais e prefeituras, que buscam de todos os modos maximizar as possibilidades de desenvolvimento local .

Ao final da década de 1980, durante o governo do Presidente José Sarney, com a meta de disciplinar e normatizar a ocupação das áreas litorâneas e de possibilitar a preservação da diversidade de ecossistemas costeiros o governo federal aprovou a Lei 7.661, que instituiu o Programa de Gerenciamento Costeiro do Brasil (GERCO) (Brasil, 1988) como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar e da Política Nacional do Meio Ambiente. 

Em 2002, durante o segundo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi implementado pelo coordenado em conjunto pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio da Secretaria de Qualidade Ambiental (MMA/ SQA), e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio da Secretaria do Patrimônio da União (MP/ SPU), o Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima – Projeto Orla. Este Projeto elaborado como uma política de cunho nacional busca harmonizar e articular as práticas patrimoniais e ambientais com o planejamento de uso e ocupação do espaço litorâneo (Brasil, 2002), ao mesmo tempo em que se propõe a “articular ações de incentivo ao turismo, de proteção ao meio ambiente e de ocupação urbana, entre outras, por meio do planejamento do uso e ocupação da orla brasileira e da construção de um pacto entre os atores envolvidos em cada localidade” (Brasil, 2006).

O Projeto Orla (Brasil, 2004) e o Programa de Gerenciamento Costeiro (Brasil, 1988) oferecem uma análise detalhada da situação do litoral brasileiro. O Projeto Orla apresenta diversas sugestões de solução, com a meta de  subsidiar alternativas e análises de gerenciamento costeiro, que contribuam para o desenvolvimento sustentável de atividades relacionadas à ocupação das áreas de costa. No entanto, embora possua uma uniformidade nas preocupações e na forma de apresentação, o Projeto Orla não foi todo elaborado ao mesmo tempo.

Atualmente, o Projeto conta com cinco volumes. Os dois primeiros volumes foram publicados em 2002, durante o segundo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O primeiro volume, “Fundamentos para Gestão Integrada”, não só “apresenta a estrutura conceitual e os arranjos político-Institucionais, como base para orientar e avançar na descentralização da gestão da orla para a esfera municipal” (Brasil, 2002b), como também enfoca enfatiza a articulação entre a implementação do projeto e as possibilidades de aumentar as receitas municipais.

O segundo volume, “Manual de gestão”, elaborado com uma linguagem simples, fornece orientação para “a composição de cenários de usos desejados e respectivas ações de intervenção para alcançá-los” (Brasil, 2002b) por meio de uma linguagem técnica simplificada. A intenção, então, era de que esses dois documentos possibilitassem a elaboração de um Plano de Intervenção, que adquiriria legitimidade ao se buscar “formas efetivas de articulação e parcerias entre o governo e a sociedade, por meio de um Comitê Gestor” (idem) com vistas a propiciar a incorporar no “contexto da gestão integrada a visão estratégica de planejamento e de busca de identidade local à solução de conflitos, e à manutenção das riquezas naturais, culturais e sociais do litoral brasileiro” (idem).

O terceiro volume, intitulado “Subsídios para um Projeto de Gestão”, publicado em 2004, durante a primeira gestão do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, congrega estudos e análises comparativas acadêmicos acerca de experiências internacionais, com algumas sugestões de cenários desejáveis, que no caso do Plano de Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte da Bahia foram incorporadas integralmente.

Posteriormente, ainda durante o primeiro mandato do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, foram elaborados outros dois volumes. O quarto volume, “Guia de Implementação”, tem por meta detalhar “o fluxo de atividades e tarefas, contribuindo para a organização de uma agenda gerencial que oriente as instituições da esfera federal, dos estados, municípios e da sociedade para a execução de cada uma das etapas de implementação do Projeto Orla”. (Brasil, 2005). Além de fornecer “orientações para desenvolvimento de estratégias de mobilização que integrem e potencializem as ações das três esferas envolvidas e a participação da sociedade” (idem).

O quinto volume, “Implementação em Territórios com Urbanização Consolidada”, publicado em 2006 “busca contribuir para a garantia do cumprimento da função socioambiental da propriedade ao longo da costa brasileira urbanizada” e entre vários temas foram selecionados como prioritários os temas: “Articulação com o Programa Nacional de Regularização Fundiária dos Assentamentos Informais em Imóveis da União; Articulação do Plano de Gestão Integrada da Orla com outros Instrumentos de Planejamento e Gestão Territorial e Fortalecimento da Participação Cidadã” (BRASIL, 2006).

Como se pode depreender do exposto nos quatro anos de sua elaboração o Projeto Orla sofisticou-se e aparentemente praticamente  todas ações e questões encontram-se contempladas, desde as ações necessárias para educar e orientar a população envolvida, instrumentalizar os técnicos, elaborar e implementar os projetos até as formas de mobilizar a sociedade, articular os diferentes interesses e propiciar a participação cidadã. Em síntese, o Projeto Orla planeja, em dois volumes (o quarto e o quinto) as formas de articulação institucional, de mobilização e participação social. Uma vez que “pressupõe espaços de decisão junto a diversos atores da sociedade civil organizada e dos governos municipais, estaduais e federal”  e assinala ainda que a participação cidadã no Projeto Orla pressupõe a inclusão de todos os atores da sociedade civil em condições simétricas, ou seja, em igualdade de condições para intervir e contribuir no processo. Em outras palavras, o processo de participação deve possibilitar e criar as condições para que a população tradicional (ribeirinhos, pescadores, marisqueiras,entre outros) e de baixa renda possam participar na construção do Plano de Gestão Integrada nas mesmas condições que o empresário, os grupos com maior poder aquisitivo, o representante das ONGs e do Poder Público, entre outros”(Brasil, 2005, p.25).

O Projeto Orla, em 2007, encontrava-se implementado em ao menos cinqüenta e oito municípios costeiros,  no entanto embora na Bahia tenha sido implementado apenas no município de Conde, na APA Litoral Norte, suas proposições  e sugestões não só inspiraram, mas foram adotadas no “Plano de Desenvolvimento e Ordenamento Territorial das Povoações Litorâneas da APA do Litoral Norte do Estado da Bahia” (Bahia, 2005).

Com o  objetivo de  assegurar um desenvolvimento sustentável para a Área de Proteção Ambiental Litoral Norte a Companhia de Desenvolvimento Urbano do governo da Bahia elaborou um Programa de Desenvolvimento Sustentável (PRODESU) (Bahia, 2001) com a meta de reduzir as desigualdades sociais, conservar os recursos naturais; estabelecer canais de participação social na perspectiva de alcançar uma gestão integrada da região. Todavia, o PRODESU contribuiu para mostrar que embora se  estabelecem interações entre distintos atores e agentes sociais em empreendimentos formais e informais na Costa dos Coqueiros e haja uma significativa geração de empregos, a da população local não tende a se beneficiar.

O Projeto de Gerenciamento Costeiro para o Litoral Norte da Bahia mostra claramente a que veio, como se pode observar no cartograma a seguir. Uma vez que não há destinação de áreas de preservação ambiental, muito embora esta costa seja pouco povoada e conte com uma das últimas reservas de Mata Atlântica da Bahia, no município de Mata de São João, que embora  apresente uma área agroflorestal é objeto de diversos projetos de turismo, entre os Povoados de Praia do Forte e Porto Sauípe.

Figura 1
Macrozoneamento da APA Litoral Norte
(extraído de Bahia, 2005, p.46)


A questão é que os diversos projetos implementados pelo governo da Bahia até 2006, apresentam propostas de zoneamento e de ocupação e uso do solo, que atendem aos interesses de uma urbanização de diferentes setores e que não chegam a beneficiar a população envolvida, muito embora sempre se preocupem em envolver representantes das comunidades locais.

De fato, a despeito destes diversos planos, estão em curso no Litoral Norte da Bahia diversos processos que comprometem, em parte, os objetivos destes planos. Por outra parte a forma de implementação destes planos  e a escala de trabalho escolhida (municipal) contribuem também, para gerar vários problemas, que levam a questionar a forma de condução e a eficácia dos planos de gestão ambiental costeira.

A ocupação recente da costa Nordeste brasileira

Neste inicio de milênio, o litoral do Nordeste é o que desponta com maior densidade de ocupação, seguido pelo litoral de Santa Catarina (Moraes, 2004).  Atualmente os resorts estendem-se pelo litoral nordestino com diversas interrupções, desde a costa do descobrimento no sul da Bahia, até as cercanias de Fortaleza no Ceará. Destacam-se, entre eles, os resorts internacionais da ilha de Comandatuba[1] na costa sul da Bahia; o Club Mediterranée em Itaparica na Baia de Todos os Santos; o Ecoresort e spa da Praia do Forte[2] do grupo português Espírito Santo Hotels (GESH), a Costa do Sauípe[3] do Fundo de Pensão do Banco do Brasil (PREVI), aos quais vem se somar a Reserva Imbassaí[4] do grupo português Reta Atlântico[5] e o Iberostar resort[6] da rede espanhola Iberostar, estes últimos ao norte de Salvador, em localidades vizinhas do município de Mata de São João, ao longo da “Linha Verde” (rodovia estadual BA-099) na chamada Costa dos Coqueiros. A estes se soma, mais ao norte, por diversos grupos hoteleiros internacionais, a exploração turística de Maragogi[7] (Alagoas), Porto Galinhas[8] (Pernambuco) e da Praia da Pipa[9] (Rio Grande do Norte), entre outras tantas localidades. Vários destes resorts, hotéis e condomínios situam-se em áreas de preservação ambiental e/ou de reprodução de tartarugas marinhas e golfinhos, como a Praia do Forte, Porto Galinhas e a Praia da Pipa.

Para recepcionar e viabilizar o turismo internacional de grande porte, o governo federal, sob as duas gestões do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no âmbito dos Programas Federais “Brasil em Ação[10]” e “Avança Brasil” (BRASIL, 2002, p. 13) implementou o Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur[11]). Este Programa tinha por meta criar  condições gerais e infraestruturas diversas de suporte para implementar o turismo em moldes empresariais em nove Estados Nordestinos, além do norte de Minas Gerais e Espírito Santo. As ações implementadas pelo governo federal compreenderam, então, investimentos para (Limonad, 2006):

·  tornar internacionais os aeroportos locais das capitais nordestinas, que implicou na construção ou reforma destes aeroportos e adequação de seus equipamentos e instalações às necessidades impostas pelo turismo internacional;

· renovar as rodovias de acesso aos resorts e possibilitar a implantação de serviços exclusivos de transporte rodoviário entre os aeroportos e as áreas turísticas;

· a concessão de exploração de rotas aéreas  internacionais regulares a diversas companhias aéreas para conectar as capitais do Nordeste a algumas cidades européias.

Tais ações colocaram o Nordeste do Brasil ao alcance das classes médias européias, principalmente com o aumento do número de vôos diretos entre o Nordeste e as capitais européias, que contam com ao menos três vôos diretos por semana da companhia aérea portuguesa TAP, além dos vôos da companhia aérea Ibéria, com vôos regulares diretos entre as cidades do Nordeste e Madrid, bem como vôos fretados da Alemanha e de outros países europeus.


A Costa dos Coqueiros - Litoral Norte da Bahia

O Litoral Norte da Bahia, denominado de Costa dos Coqueiros, nos últimos cinco anos tornou-se um dos maiores pólos turísticos em crescimento do Brasil, considerando o volume de investimentos nacionais e internacionais e da implantação de condições gerais para abrigar o turismo de porte internacional[12]. Esta área interliga a área litorânea dos municípios de Camaçari e Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, aos povoados litorâneos dos municípios de Mata de São João, Entre Rios, Esplanada, Conde e Jandaíra. Estes cinco municípios são de pequeno porte, com menos de trinta e cinco mil habitantes (ver tabela 1), e sua população encontra-se distribuída em pequenos povoados. Até 1992, todos estes municípios, com exceção de Conde, embora estivessem próximos a Salvador, eram polarizados pelo município de Alagoinhas e estruturaram-se ao longo das rodovias BA-093 e BR-101, enquanto a orla permaneceu isolada (Bahia, 2001, p.12).

A Costa dos Coqueiros, ao longo de seus 193 quilômetros de extensão, é recortada por diversos rios e riachos, que deságuam no mar entre um vasto cordão de brancas dunas, que acompanha a costa. Aí se encontra uma ampla variedade de ecossistemas, que abrangem desde remanescentes de Mata Atlântica, restingas, dunas, coqueirais, brejos, lagoas ferruginosas de águas escuras até manguezais e recifes de coral, que além de abrigar um leque diversificado de espécies vegetais e animais, constituem nichos reprodutivos para diferentes espécies de animais (tartarugas, golfinhos e baleias jubarte em particular).

A desarticulação das relações tradicionais de produção, pesca artesanal e lavouras de subsistência, na Costa dos Coqueiros, inicia-se na década de 1970 com a vinda de várias empresas de reflorestamento (idem, p. 10-12). A implantação de florestas homogêneas em grandes extensões de terra contribuiu para aprofundar a concentração fundiária com o assalariamento dos pequenos proprietários, para substituir as lavouras tradicionais por plantações de pinus e eucaliptos e para induzir uma urbanização forçada nos principais aglomerados urbanos. Atualmente, as plantações de eucaliptos das empresas de papel estendem-se, principalmente ao norte de Porto Sauípe, nos municípios de Entre Rios, Esplanada e Conde, em ambos lados da “Linha Verde”, em um continuum quase ininterrupto.

As atividades de turismo e veraneio no litoral norte baiano eram acanhadas e de cunho local, com impactos ambientais previsíveis e controláveis, com exceção de alguns poucos casos isolados, como a Praia do Forte. Entre os fatores que contribuíram para a expansão da ocupação litorânea pelos condomínios, atividades de turismo e mega-resorts foi o fato de quase todos municípios da APA-Litoral Norte, com exceção de Conde, possuírem a sede ao menos a cinqüenta quilômetros da costa, e por apresentarem uma  concentração prévia da população nos pequenos povoados interiorizados, como se pode perceber pela distribuição da população na tabela 1 abaixo, em um período anterior a implantação dos resorts em Mata de São João e no inicio do Prodetur - I (1994-1998).

Tabela 1
Bahia. População e dimicílios na APA Litoral Norte (1996- 2000)

Município

APA LITORAL NORTE

Município

 

Domicílios

População

População

% População na APA

Mata de São João

1.338

5.666

32.452

17,46

Entre Rios

807

3.578

32.380

11,05

Esplanada

1.002

4.583

25.417

18,03

Conde

3.234

15.158

18.695

81,08

Extraído de BAHIA, 2001 – elaborado a partir de dados do PNAD-IBGE (1996) e mapas censitários do IBGE (1990)

Este quadro se altera, em 1992, com a abertura da Linha Verde (BA-099) e, posteriormente, com a implementação do Prodetur-Bahia[13], em 1995. Cerca de um terço dos recursos do Prodetur-Nordeste[14], implementado pelo Banco do Nordeste do Brasil financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) em um total de 215 milhões de dólares, destinou-se ao desenvolvimento do turismo no estado da Bahia, em particular para a área de planejamento turístico de Salvador e seu entorno, que englobou a Costa dos Coqueiros. Mais da metade dos investimentos do Prodetur-Bahia destinou-se à modernização do aeroporto internacional de Salvador (Aeroporto Deputado Luis Eduardo Magalhães), em um montante de 115 milhões de dólares, e à implantação de infraestrutura de saneamento básico no município de Mata de São João, em um total de 5,5 milhões de dólares, nas localidades de Praia do Forte e Costa do Sauípe[15], onde se encontram atualmente quatro mega-resorts de porte internacional.

As obras do Prodetur-Bahia somadas à implantação e duplicação da “Linha Verde” (BA-099), não só tiraram do isolamento as praias e diversas povoações litorâneas da Costa dos Coqueiros, como também as tornaram acessíveis aos moradores de Salvador, aos promotores imobiliários e aos mega-empreendimentos de turismo de grande porte internacional. Em decorrência destes investimentos, do desenvolvimento do turismo e do aquecimento do mercado imobiliário transformou-se radicalmente quase toda a faixa litorânea, que compreende a Área de Proteção Ambiental (APA) Litoral Norte, em particular a porção que se estende da região metropolitana até a divisa do município de Mata de São João (Praia do Forte, Costa do Sauípe  e Imbassaí) até o município de Entre Rios (Porto Sauípe, Massarandupió e Subaúma). Mais adiante, na APA Mangue Seco também se pode observar transformações na área costeira do município de Conde, especialmente entre Sítio do Conde e  Barra do Itariri a cerca de cento e setenta quilômetros de Salvador. Em muitas destas localidades, os diminutos povoados de pescadores ou de pequenos produtores rurais, até então relativamente preservados, cederam lugar e foram substituídos por condomínios de segunda-residência, complexos hoteleiros, e como se isso não bastasse resorts voltados para o turismo internacional.

Não obstante, todas as medidas tomadas pelo governo (Bahia, 2003 e 2005) e a “consciência ambiental e social” dos empreendimentos de grande porte, tende a se aprofundar a segregação sócio-espacial com o agravamento do quadro atual de pobreza. Ampliam-se, assim, as diferenças entre alguns dos povoados costeiros tomados pelo turismo, internacional e nacional de alta renda, equipados com infraestruturas de abastecimento, saneamento, comunicação e transportes, que contam com maiores oportunidades de emprego e os povoados costeiros e do interior, sem infraestruturas e sem serviços, que apenas contam como acesso com precárias estradas de terra, onde passou a residir a população local.

A pesquisa realizada in loco identificou, que pari passu à definição de planos de gestão costeira para a área (Bahia, 2003 e 2005) encontram-se em curso quatro tipos principais de exploração turística:

a)Atividades de grande porte, direcionadas ao mercado internacional, concentradas em Mata de São João, onde se situam o Eco Resort da Praia do Forte do grupo português Espírito Santo Hotels; o Iberostar Resort ao lado da Praia do Forte, pertencente à  mega corporação espanhola de mesmo nome; a Reserva Imbassaí do grupo português Reta Atlântico S.A, vizinha ao povoado de Imbassaí, e o Complexo Costa do Sauípe, implantado pela Construtora Norberto Odebrecht e gerenciado pelo Fundo de Pensão do Banco do Brasil (PREVI), vizinho ao povoado de Porto Sauípe, na divisa com o município de Entre Rios.

b)Atividades de pequeno e médio porte, com foco no mercado turístico nacional (Sudeste, Sul e Centro-Oeste), em Imbassaí, Praia do Forte, em Mata de São João, e em Sítio do Conde e Barra do Itariri, em Conde;

c)  Atividades com ênfase no mercado turístico local e regional (municípios vizinhos da Bahia e do Sergipe), nos povoados litorâneos de fácil acesso entre Porto Sauípe, no município de Entre Rios, e Mangue Seco, no município de Jandaíra, dom destaque para Sítio do Conde, no município de Conde.

d)Atividades de baixo impacto e consumo especializado nos povoados de difícil acesso como Massarandupió (naturismo), no município de Entre Rios,  Baixios de Palame, no município de Esplanada, e Barra de Itariri, no município de Conde.

O desenvolvimento destas atividades turísticas está relacionado a diferentes tipos de uso e ocupação do solo, com uma clara diferenciação espacial no tocante à distribuição das atividades produtivas e ocupação da mão de obra.

O avanço dos condomínios e loteamentos sobre os brejos, mangues e dunas costeiras não só deteriora os ecossistemas ao aterrar lagoas, erradicar a vegetação originária, extrair areia para a construção civil, despejar lixo e entulho nas áreas circunvizinhas, contaminar os lençóis freáticos, como também, contribui para acabar com os tradicionais meios de subsistência da população local.

Verifica-se, assim, a partir de Salvador na direção norte até a divisa com o estado do Sergipe uma ocupação urbana incipiente e fragmentada, passível de ser caracterizada no médio prazo como uma urbanização dispersa em duas direções. No eixo leste-oeste verifica-se um adensamento das sedes municipais e dos povoados interiorizados, situados à oeste da “Linha Verde”, para onde se deslocou parte das populações locais de pescadores e caiçaras. Já no eixo norte-sul, de Salvador até o limite entre os municípios de Mata de São João e Entre Rios, na faixa litorânea, observa-se uma ocupação segmentada, com uma grande diversidade nos tipos de uso e ocupação do solo, que é acompanhada por uma intensa atividade imobiliária e da construção civil, com acentuado parcelamento do solo, devido à multiplicação de condomínios de segunda residência e a expansão de resorts e de complexos hoteleiros. Na orla litorânea do município de Mata de São João há uma maior intensidade de ocupação no povoado da Praia do Forte, onde coexistem distintos tipos de ocupação e uso do solo. Todavia, nos povoados de Imbassaí e Vila Sauípe prevalecem os mega-resorts internacionais implantados em terrenos de latifúndios pré-existentes. Ao norte de Mata de São João, nos municípios de Entre Rios, Esplanada, Conde e Jandaíra, predominam as grandes propriedades com plantações de eucaliptos e pinus, onde ainda se verificam atividades tradicionais relacionadas à silvicultura, agropecuária e pesca. Persistem ainda, em várias localidades enclaves da população local, que se dedica à pesca artesanal, como por exemplo no núcleo do povoado de Praia do Forte e em Imbassaí, município de Mata de São João, onde se situa o hotel resort Costa dos Coqueiros; em Porto Sauípe, em Entre Rios; e em Sítio do Conde, no município de Conde, onde se situam pousadas e hotéis de porte médio.

O peso das atividades turísticas, no entanto, já se faz sentir. Embora em Conde e Jandaíra estas atividades sejam de porte local e regional e possuam um alcance limitado, respondem pela absorção de uma parcela considerável da população dos povoados de Baixio, Sítio do Conde, Barra do Itariri e Mangue Seco, e isto se evidencia em uma diferenciação entre os povoados litorâneos e os do interior, que apresentam um nível maior de pobreza.

Observa-se, ainda, uma diferenciação na intensidade de ocupação, que praticamente divide a  Costa dos Coqueiros em duas. Enquanto ao sul encontram-se serviços diversos de suporte ao viajante, de Massarandupió, em Entre Rios, até a sede de Conde, em uma extensão de quase cem quilômetros, não há sequer um posto de gasolina ou de polícia rodoviária estadual ao longo da “Linha  Verde”. Coexistem, assim, ao longo da Costa dos Coqueiros, uma grande diversidade de usos e de atividades produtivas de cunho moderno e tradicional, que persistiram após a implantação das florestas homogêneas. A tendência, porém, é no médio prazo a população local dos municípios de Mata de São João e Entre Rios ser absorvida no mercado formal no âmbito da prestação de serviços às atividades de turismo e veraneio.

Embora os planos elaborados com vistas ao gerenciamento costeiro do Litoral Norte (Bahia, 2003 e 2005) prevejam diversos tipos de zoneamento com vistas à preservação ambiental, não conseguem evitar que os mega-resorts internacionais na Costa dos Coqueiros na Bahia emerjamcomo enclaves de riqueza e tecnologia em meio a um contexto regional empobrecido e sem infraestruturas e serviços. Não obstante tenham contribuído para:

· impulsionar um desenvolvimento descentralizado das atividades de turismo antes polarizadas por Salvador e por Porto Seguro (Costa do Descobrimento)

·  gerar um volume significativo de empregos, como é o caso da Costa do Sauípe, que com suas 1596 unidades de hospedagem responde por cerca de dois mil e quinhentos empregos diretos e vários empregos indiretos nas atividades de suporte;

·  modernizar e diversificar a estrutura produtiva da Costa dos Coqueiros.

No entanto, as benesses dos investimentos públicos e privados realizados, ainda não se fizeram sentir nos povoados litorâneos das APAs Litoral Norte e Mangue Seco da Bahia, por motivos de diversas ordens, que podem ser atribuídos:

a) às necessidades impostas para a reprodução do capital investido nos empreendimentos;

b) à condição de existência e modo de vida das comunidades atingidas e

c) à incapacidade das administrações municipais em regular os processos em curso.

Os habitantes dos pequenos povoados ao serem tirados do isolamento em que viviam defrontaram-se com exigências para as quais não estavam preparados. Em boa parte devido ao nível de qualificação profissional exigido por parte dos mega-resorts a que se contrapõe o baixo índice de escolaridade da população local e as carências crônicas na oferta de educação pública. Em decorrência os postos de empregos qualificados, que requerem domínio de idiomas e capacidade de administração, em todos os empreendimentos de porte internacional visitados, foram preenchidos com trabalhadores residentes na região metropolitana de Salvador, que se deslocam diariamente em transportes contratados pelas administrações dos empreendimentos. Assim, a muitos que sonhavam conseguir bons empregos e melhorar de vida com a implantação dos resorts internacionais resta se conformar com uma inserção em postos de baixa qualificação e remuneração para prestação de serviços, em bases formais, nos resorts através do sistema pay per use ou como funcionários em instalações de hospedagem e de turismo de médio e pequeno porte. Aos quais se somam as possibilidades de emprego, em bases formais e informais, nas residências situadas nos diversos condomínios da área.

Por outra parte o desenvolvimento do turismo e a diversificação das atividades econômicas ainda não se refletiram na arrecadação de tributos dos municípios, cujas principais fontes de recursos, em termos tributários, seriam os repasses do Governo Federal, do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços do Governo Estadual e dos royaltiespagos pela Petrobrás (IBGE, 2003). Embora, esta situação tenda a mudar, em virtude do volume de atividades terceirizadas nos grandes empreendimentos.

Torna-se patente, assim, que o surto de empreendimentos empresariais de grande porte contribuiu para desagregar as relações tradicionais de produção pré-existentes ainda remanescentes, com a transformação de parte da população local em prestadores de serviço e assalariados no âmbito das atividades de serviços e turismo. O avanço da ocupação de caráter urbano com o cercamento de extensas áreas particulares e o redirecionamento de seu uso, embora facilitada pelo esvaziamento populacional prévio da área, não ocorre isenta de conflito, em particular devido ao cerceamento do acesso e uso dos recursos naturais em áreas de uso comunitário tradicional, a que a população local antes possuía livre acesso, ou em decorrência da presença massiva de operários da construção civil oriundos da região metropolitana.

 
Algumas Considerações Finais

Não obstante, o Brasil possua uma das mais avançadas legislações ambientais e um programa de proteção da orla litorânea (BRASIL, 2004), implementado pelo Ministério do Meio Ambiente com uma orientação direcionada a preservar a diversidade dos ecossistemas costeiros, as diretrizes legais não soem ser cumpridas por motivos variados: falta de recursos e de capacidade de fiscalização, utilização de subterfúgios para provar que a implantação é anterior à legislação (coqueiros, lavouras), acordos entre prefeituras e promotores imobiliários em flagrante desrespeito à legislação ambiental. Mais do que seria desejável a “exceção é a regra”.

A situação presente assemelha-se à calmaria antes da tempestade. Embora na última década tenham sido aprovados apenas seis novos loteamentos (BAHIA, 2001, p.25), entre 1970 e 1990, foram aprovados mais de setenta loteamentos, num total de cerca de vinte mil lotes com áreas entre seiscentos e mil e seiscentos metros quadrados, situados em sua maioria em áreas de restinga ou nos estuários dos rios que deságuam na costa (idem, p.24). Aproximadamente mil Sauípes. Este estoque de lotes e a pressão crescente dos setores imobiliário e turístico prenunciam uma nova fase de devastação ambiental na área das dunas costeiras, a despeito das restrições impostas pela legislação ambiental. Inclusive surgiram, recentemente, novos parcelamentos e construções irregulares nos povoados litorâneos de Entre Rios e Conde, em áreas sem saneamento. Isto ocorre seja pela falta de recursos e de pessoal capacitado das municipalidades em fazer cumprir a legislação e controlar as implantações, seja pelas características legais dos terrenos de marinha e seus acrescidos (Brasil, Decreto-Lei 9.760/46).

Este quadro aponta para uma intensificação, no médio prazo, da ocupação de caráter urbano na Costa dos Coqueiros a despeito dos planos de gerenciamento costeiro aprovados (Bahia, 2003 e 2005). É premente, pois, buscar definir ações que contribuam para minimizar os impactos ambientais e os conflitos sociais, e para melhorar as condições de vida da população local. Medidas ambientais de cunho geral, norteadoras de ações em escala nacional, ou medidas específicas com alcance local mostram-se ineficazes para conter o avanço da ocupação de caráter urbano com a segregação dos diferentes espaços, sem que se verifique uma efetiva melhoria das condições de vida dos habitantes dos pequenos povoados litorâneos.

Não obstante tenham sido tomadas, por parte do governo estadual, medidas diversas para regular e minimizar os impactos desta crescente ocupação da orla norte da Bahia, que compreendem a elaboração de diagnósticos (Bahia, 2001), planos de gerenciamento costeiro (Bahia, 2003), inserção do município de Conde no Projeto Orla (Prefeitura Municipal de Conde, 2004), e um projeto de ordenamento territorial (Bahia, 2005), a tendência é a intensificação do crescimento urbano e do turismo, em particular nas áreas de estuários e restingas, com um aprofundamento da segregação sócio-espacial e das diferenças. Enquanto os grandes empreendedores usufruem as externalidades geradas pelos investimentos públicos e têm acesso a diversas fontes de financiamento, a incentivos fiscais e financeiros, graças às parcerias público privadas implementadas com recursos do governo federal e estadual, a população local é alijada destes investimentos e segue vivendo com uma oferta precária de serviços, infra-estruturas físicas e sociais.

A análise dos planos e estudos elaborados para a área revela um equívoco estratégico crucial. Quase todos estudos partilham uma excessiva ênfase no desenvolvimento urbano e uma preocupação em definir um plano de zoneamento para cada município em conformidade com as tipologias do Projeto Orla, ainda que muitas das áreas já loteadas sequer se encontrem ocupadas e não apresentem tendências a densificação. Todavia, nenhum destes planos e estudos se preocupa em questionar a dispersão territorial dos loteamentos ao longo da Costa dos Coqueiros e em propor uma solução alternativa.

A dispersão aparentemente é aceita pelos órgãos estaduais, pelos agentes e atores sociais como um fato dado e consumado. Um indicador dessa postura são os parâmetros urbanísticos definidos pelo Zoneamento Econômico e Ecológico da APA-Litotal Norte, segundo os quais os lotes devem ter no mínimo 250 metros quadrados. Ao mesmo tempo em que esta medida contribui para prevenir uma verticalização e densificação massiva extensiva na área tende a impulsionar a dispersão da ocupação e a coibir o acesso da população de baixa renda aos terrenos da área.

Os problemas que ora se impõem ultrapassam a escala local-municipal, e somente poderão ser superados mediante ações articuladas entre os diversos municípios de modo a desenvolver uma base comum de gestão ambiental em escala regional, com uma efetiva participação dos distintos atores e agentes envolvidos. Embora os planos e ações anteriores contemplassem formas de participação e envolvimento da população ao nível local (Bahia, 2001), de modo a capacitar e envolver a população nas soluções implementadas, estas ações seguiram modelos em que apenas os representantes de determinados setores participaram. E como se mencionou acima se nem os planos e modelos questionaram a dispersão, o que dizer dos comitês locais. Uma efetiva participação no processo de planejamento exige que se discutam não apenas questões táticas e operacionais, mas questões estratégicas. Caso contrário esta participação serve mais para legitimar o processo de planejamento do que para compatibilizar os diferentes interesses envolvidos.

A ausência de mecanismos efetivos e transparentes de participação da população e dos municípios no desenvolvimento regional, assim,  aparentemente é um dos principais problemas a ser enfrentado, cuja solução reside em ações em diferentes esferas e escalas. Na escala local e na esfera do cotidiano e da reprodução social da população são necessárias ações educativas afirmativas e de conscientização da população com relação aos processos em curso e à importância de sua participação efetiva em fóruns locais e regionais. Na escala regional e da reprodução dos meios de produção urge criar instâncias e mecanismos de participação, como por exemplo consórcios e fóruns regionais que congreguem os municípios envolvidos, de modos a gerar uma arena de discussão em  que os diversos atores envolvidos possam se enfrentar e discutir soluções conjuntas. Pois, o planejamento da participação no planejamento através uma estrutura administrativa rígida e um número pré-definido de participantes tende a servir mais para legitimar propostas do Estado e dos empreendedores do que a permitir uma efetiva participação dos envolvidos.

Todos planos, propostas e ações participativas implementadas na APA Litoral Norte, assim, ao invés de discutir possíveis estratégias e soluções alternativas, como por exemplo a formação de aglomerações densas em determinados pontos da costa, de modo a permitir a preservação dos vários ecossistemas existentes entre elas, como propõe por exemplo o plano diretor urbanístico do sistema costeiro da Catalunha (Catalunya, 2006 e Nel·lo, 2006), conjugam a preservação ambiental com a dispersão urbana e se empenham em repartir o território em zonas diferenciadas de urbanização. Optam assim por uma extensificação e não por uma intensificação da urbanização (Limonad, 2006) em pontos selecionados da costa.

A opção da escala municipal revela-se inadequada, primeiro, pelo simples fato de que os problemas ambientais não terminam nos limites municipais; em segundo lugar por que muitas das administrações municipais envolvidas carecem não só de recursos, mas de se conscientizar de sua responsabilidade ambiental.

Não são postas em discussão outras possibilidades de ocupação e uso do solo, assim, a despeito de suas intenções o encaminhamento do Projeto Orla, em moldes técnico-burocráticos, e a adoção a-crítica dos cenários desejáveis e zoneamentos,  tende a reproduzir soluções mais ou menos homogêneas em espaços diversos, o que compromete os próprios objetivos do projeto de preservar a diversidade ambiental da orla litorânea brasileira.

A construção de um planejamento participativo e de uma sociedade mais equânime exigem, assim, que se busque o fio da meada e que se coloquem em discussão questões estratégicas e não apenas questões táticas. Caso contrário os processos de planejamento e a participação no planejamento servirão apenas enquanto meio de legitimação de práticas e ações que atendem a interesses de determinados grupos sociais.

Notas

[1] Acessível em http://www.comandatuba.com.br/, em 12/2006.

[2] Acessível em  http://www.praiadoforteecoresort.com.br/port/index.asp, em 12/2006.

[3] Acessível em http://www.costadosauipe.com.br/index.php?idioma=1&intro=ok, em 12/2006.

[4] Acessível em http://www.reservaimbassai.com, em 12/2006.

[5] Acessível em http://www.retaatlantico.com/htm/homepage, em 12/2006.

[6] Acessível em http://www.iberostar.com, em 12/2006.

[7] Onde se  encontram dois resorts de médio porte o Salinas do Maragogi (Acessível em  http://www.salinas.com.br/estrutura.htm, em 12/2006) e o Miramar Maragogi, pertencente a um grupo português (Acessível em http://www.miramarmaragogiresort.com/villas/index.htm eco, em 12/2006)

[8] Acessível em http://www.portogalinhas.com.br/, em 12/2006. Em Porto Galinhas encontra-se o Enotel Resort e Spa do Grupo Português Estevão Neves com 7 hectares a 57 km de Recife (Acessível em http://www.enotel.com.br/resort/resort.php, em 12/2006).

[9]  Acessível em http://www.pipa.com.br/conteudo/informativo/conheca.html, em 12/2006.

[10] Acessível em https://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/BRAIN.HTM, em 12/2006.

[11] “O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR/NE) é um programa de crédito para o setor público (Estados e Municípios) que foi concebido tanto para criar condições favoráveis à expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na Região Nordeste, quanto para melhorar a qualidade de vida das populações residentes nas áreas beneficiadas. O PRODETUR/NE é financiado com recursos do BID e tem o Banco do Nordeste como Órgão Executor.”  (acessível em http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR/Apresentacao/gerados/apresentacao.asp, em 12/2006)

[12] Ver a respeito dados do Prodetur-BA (Acessível em http://www.sct.ba.gov.br/prodetur_historico.asp, em 12/2006)

[13] Acessível em http://www.sct.ba.gov.br/prodetur_historico.asp, em 12/2006

[14] “O Programa reúne cerca de 500 projetos. Para a sua execução, estão disponíveis recursos totais de US$ 800 milhões. Destes, US$ 400 milhões são provenientes do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, sendo o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) seu agente repassador. A regulamentação dessa linha de financiamento previu em sua concepção original uma contrapartida de recursos próprios ao nível de 50%. O contrato entre o BID e o BNB foi firmado em 12 de dezembro de 1994, pelo prazo de 25 anos.” (Acessível em http://www.finame.gov.br/conhecimento/setorial/get4is06.pdf, em 12/2006)

[15] Acessível em http://www.sct.ba.gov.br/prodetur2.asp, em 12/2006.


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© Copyright Ester Limonad, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

LIMONAD, Ester. O fio da meada. Desafios ao planejamento e à preservação ambiental na Costa dos Coqueiros, Bahia.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (40). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24540.htm> [ISSN: 1138-9788]


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