REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98 Vol. X, núm. 218 (38), 1 de agosto de 2006 |
UMA CIDADE EM (RE)CONSTRUÇÃO: A CIDADE DA PARAHYBA NO SÉCULO XIX[1]
Doralice Sátyro
Maia[2]
Departamento
de Geociências
Universidade
Federal da Paraíba
Una Ciudad en reconstrucción: La Ciudad de Parahyba (Brazil) en siglo XIX (Resumen)
El siglo XIX normalmente se caracteriza por dos grandes ideales que gravaron la forma y la vida de las ciudades: la Modernidad y el Higienismo. Sus repercusiones se hacen sentir incluso en las ciudades más simples del Noreste Brasileño. La ciudad de Parahyba, en este periodo, está marcada por la intensidad de las construcciones y reparaciones realizados por la Secretaria de Obras Públicas: pavimentación de las calles, construcción de paseos, reparaciones en los edificios públicos, construcción de escuelas. Todas estas obras, si por un lado promueven una mejora en la estructura de la ciudad, por otro, provocan algunas desavenencias en la vida de sus habitantes. El objetivo de esta comunicación es hacer una lectura de la Ciudad de Parahyba en el siglo XIX a partir de los documentos de la Secretaria de Obras Públicas que ordenaban la ejecución de esos trabajos, así como entender las repercusiones de ellas en la vida de sus habitantes. Para ello analizamos, además de los documentos de la Secretaria de Obras Públicas, los oficios y las cartas escritas a la institución y las noticias de los periódicos locales. La investigación fue realizada en el Archivo Histórico del Estado de Paraíba, en el Núcleo de Documentación e Información Histórica Regional y en el Instituto Histórico y Geográfico de Paraíba (Brasil).
Palabras clave: ciudad; siglo XIX; Modernidad; Higienismo.
The 19th Century is normally characterized by two great ideals that characterized the shape and life of cities: Modernity and Hygienism. Their impact can be felt even in more simple cities in the Northeast of Brazil. The city of Parahyba in this period is marked by the intensity of constructions and repairs carried out by the Department of Public Works: paving of streets, construction of promenades, repairs in public buildings, construction of schools. If, on the one hand, all these works cause the improvement in the structure of the city, on the other hand, they disturb the life of its inhabitants. The objective of this communication is to make a reading of the City of Parahyba in the 19th century, starting from the documents of the Department of Public Works, which ordered the execution of such works, as well as to understand their impact in the life of its inhabitants. Thus, besides the documents of the Department of Public Works, the official letters and other letters written to this institution were analyzed together with the news in the local newspapers. The research was carried out in the Historic Archive of the State of Paraíba, in the Nucleus of Documentation and Regional Historic Information and in the Geographical and Historic Institute of Paraíba (Brazil).
Key words: city; 19 century; modernity; hygienism.
A Cidade da Parahyba: uma apresentação inicial
A princípio, achamos oportuno caracterizarmos o nosso objeto de estudo, a Cidade da Parahyba. Este núcleo, nasce cidade em 1585, dentro da perspectiva de cidade real, à margem direita do rio Sanhauá, com a denominação de N. S. das Neves - em homenagem à santa do dia quando os portugueses aqui aportaram -, visando fixar um ponto estratégico no mapa de conquista[3]. Razão esta que a fez surgir enquanto uma urbe sede como definiu Nelson Omegna (1961). Nasce cidade tão somente para exercer funções administrativas e comerciais e, principalmente, para viabilizar a continuidade da ocupação portuguesa em direção norte sobre estas novas terras.
O fato de ter sido criada para atender o princípio do domínio territorial fez com que a cidade permanecesse por um longo período sem um expressivo crescimento e sem grandes alterações na sua estrutura. A simplicidade, as construções marcadas fundamentalmente pelas igrejas e conventos foram destacadas pelos viajantes que por ela passaram até o século XIX. Elias Herckman, administrador da capitania no período do domínio holandês (1634 - 1641) destaca além daquelas construções, “pouco mais ou menos no meio da cidade e do lado sul” a praça do mercado, a casa do Conselheiro e o pelourinho “que assinala o lugar das execuções na cidade.” (Herckman, 1982, p. 14).
Ainda referente à simplicidade do lugar, tão mencionada pelos vários escritores e descritores encontrados, é preciso esclarecer que no Brasil, durante o período colonial, os espaços com esplendor eram os espaços rurais, os engenhos de açúcar, as fazendas de gado e de café e as cidades constituíam-se em espaços pouco expressivos: as poucas ruas traçadas, prédios modestos, pequena atividade econômica e principalmente ausência de uma vida social mais dinâmica. (Cf. Gilberto Freyre, 1960, Holanda, 1996). Este quadro geral brasileiro muda substancialmente a partir do século XIX com a chegada e permanência da família real na cidade do Rio de Janeiro, como bem escreveu Maurício de Abreu: “Um acontecimento que veio alterar definitivamente o rumo da sociedade brasielira: a transferência da sede do governo português para o Brasil.” Esclarece o autor:
“A corte portuguesa demorou-se no Rio de Janeiro de março de 1808 a abril de 1821. Foram treze anos de transformações políticas, econômicas e culturais que, em alguns casos, modificaram as estruturas sociais já consolidadas da colônia, e em outros adaptaram-se a elas ou acabaram por reforça-las, num verdadeiro choque de temporalidades”. (Abreu, 1997, p.37).
O século XIX e a cidade
Caracterizar um tempo não é tarefa fácil, mais ainda a partir do olhar geográfico, quando então nos sentimos um tanto “pisando na terra alheia”. Talvez esta sensação, deva-se muito mais à nossa formação e prática profissional que foi deixando para a disciplina da História o tratamento do tempo, e para a Geografia, o entendimento do espaço. Esse entendimento teve origem nas idéias de Kant, difunde-se por muito tempo, é re-elaborado por Hettner que, por sua vez, impulsiona e renova a sua aceitação pelos geógrafos até o final do século XX. Este fato, segundo Milton Santos, “é responsável por um equívoco extremamente grave no domínio do método, porque a geografia, na realidade, deve ocupar-se em pequisar como o tempo se torna espaço e de como o tempo passado e o tempo presente têm, cada qual, um papel específico no funcionamento do espaço vital”. (Santos, 1980, p.105).
Na verdade, ao estudarmos a cidade do passado, vimos que seria impossível entendê-la sem termos dimensão do tempo tratado. Sabemos que os acontecimentos temporais não se dão da mesma forma em todos os lugares, ao contrário, existem as peculiaridades dos tempos e dos lugares e ainda dos tempos nos lugares. Sobre a relação entre um tempo “global” e um tempo “particular”, cabe trazermos o pensamento de Foucault que esclarece que a história global “procura reconstruir a forma de conjunto de uma civilização, o princípio material ou espiritual – de uma sociedade, a significação comum a todos os fenômenos de um período, a lei que explica sua coesão – o que se chama metaforicamente o “rosto” de uma época”, a história nova problematiza as séries, os recortes, os limites, os desníveis, as defasagens, as especificidades cronológicas, as formas singulares de permanência, os tipos possíveis de relações”.(Foucault, 1986, pp. 10-11). A respeito desta questão, Norbert Elias chama atenção para o fato de que os filósofos não “se perguntam como e por que a experiência do tempo pôde adquirir tamanho poder sobre os homens” e nem “qual a sucessão de transformações dos estilos de vida e de experiência que contribuiu para sua formação” e conclui: “Na perspectiva filosófica, o conceito de “tempo”, ainda que associado ao de espaço, parece ter uma existência independente.” O mesmo autor ainda esclarece que, ao longo dos séculos, partiu-se “à caça de algo que não existe, ou seja, do ‘tempo’ entendido como realidade universal, uma realidade dada a todos os homens do mesmo modo e experimentada por todos da mesma maneira. (Elias, 1998, pp.98-99). Desta forma, acreditamos que apesar das discordâncias, das defasagens, dos desníveis espaço-temporais, há algo que permeia aquele tempo, aquela época e que vai se fazer presente nos vários espaços de formas bastante diversas, e que se faz sentir diferentemente. Portanto, trata-se de entender aquilo que caracteriza aquele tempo para então se analisar e compreender como o mesmo se fez experimentar pela sociedade analisada.
Por
conseguinte, entendemos que não poderíamos falar da cidade
no século XIX sem abordarmos, mesmo que sinteticamente, alguns dos
movimentos e ideais que marcaram esta época, quais sejam: a Modernidade
e o Higienismo.[4]
Sobre o movimento da Modernidade
A demarcação temporal da Modernidade estende-se do início do século XVI até o século XX e, para alguns, até o século XXI.[5] Trata-se, portanto, do que os historiadores definem como sendo um fenômeno de longa duração no entendimento de Braudel (1958). Marshall Berman, em “Tudo que é sólido desmancha no ar” divide a história da modernidade em três fases: a primeira que corresponde ao período do início do século XVI ao fim do século XVIII; a segunda que se inicia com a Revolução Francesa em 1790 e se prolonga até o final do século XIX, que se caracteriza por ser uma “era que desencadeia explosivas convulsões em todos os níveis de vida pessoal, social e política” e quando o público moderno vivia material e espiritualmente “em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro”; e a terceira fase que se dá a partir do século XX, quando “o processo de modernização se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo, e a cultura mundial do modernismo em desenvolvimento atinge espetaculares triunfos na arte e no pensamento.” (Berman, 1986, p. 16). Assim, trataremos aqui do que Berman denominou de segunda fase da história da modernidade, mais exatamente do século XIX. Neste século, ainda segundo o referido autor, o que primeiro se observa é “a nova paisagem, altamente desenvolvida, diferenciada e dinâmica, na qual tem lugar a experiência moderna.” Descreve o autor:
“[...]. Trata-se de uma paisagem de engenhos a vapor, fábricas automativas, ferrovias, amplas novas zonas industriais; prolíficas cidades que cresceram do dia para a noite, quase sempre com aterradoras conseqüências para o ser humano; jornais diários, telégrafos, telefones e outros instrumentos de media, que se comunicam em escala cada vez maior; Estados nacionais cada vez mais fortes e conglomerados multinacionais de capital; movimentos sociais de massa, que lutam contra essas modernizações de cima para baixo, contando só com seus próprios meios de modernização de baixo para cima; um mercado mundial que a tudo abarca, em crescente expansão, capaz de um estarrecedor desperdício e devastação, capaz de tudo exceto solidez e estabilidade”. (Berman, 1986, p.18).
A cidade como lócus da Modernidade
A Modernidade vai estabelecendo-se no mundo e tem como lócus principal a cidade. É nesta configuração espacial que inicialmente vão se dar as instalações dos equipamentos modernos: a indústria, a ferrovia, o maquinário, a iluminação pública, o telégrafo, os edifícios modernos, as largas avenidas, etc.[6] A partir do final do século XVIII as cidades européias passam por profundas alterações, provocadas não só pelo vertiginoso crescimento populacional, pelo aparecimento das indústrias, pela expansão da cidade, pelas inúmeras construções, pelo estabelecimento das ferrovias, pela produção e circulação de novas mercadorias, entre outros elementos, como também pela radical mudança na vida social. Todos aqueles sentimentos anteriormente mencionados que dizem respeito à modernidade, são relatados a partir das experiências que os autores têm na vida na cidade
A respeito dessa sensibilidade escrita nos textos “dos homens cultos do século XIX”, Maria Stella Bresciani escreveu um artigo que se intitula “Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades no século XIX). Descreve a autora:
“Máquinas, multidões, cidades: o persistente trinômio do progresso, do fascínio e do medo. O estranhamento do ser humano em meio ao mundo em que vive, a sensação de ter sua vida organizada em obediência a um imperativo exterior e transcendente a ele mesmo, embora por ele produzido. Registros de perdas e de imposições violentas encontram-se nos escritos de homens que se auto-representaram contemporâneos de um ato inaugural..”.(Bresciani, 1985, p.37).
“Sem dúvida, a experiência estética do sublime foi proporcionada, no campo da arquitetura, pelas máquinas, fábricas, lojas, armazéns, viadutos, usinas geradoras de gás, asilos de loucos, prisões, estações ferroviárias, túneis e pela monótona uniformidade das extensas séries de casas construídas para os trabalhadores; e, no plano da potencialidade transformadora e assustadora do homem, pelas multidões em movimento, pelo tráfego contínuo de veículos, pelos bairros operários e pelos canteiros de construção de grandes obras públicas”. (Bresciani, 1985, p.42).
“[...]. O adensamento populacional, a aglomeração humana geravam como subproduto as enfermidades de massa, as epidemias, realidade presente nas cidades que ingressavam na área da modernidade e da industrialização.
“[...]. O projeto de reformas apresentado pela Comissão continha em seu bojo duas propostas que acompanhariam todo o debate sobre a modernização da Capital que se desenrolou até o início do século XX. A primeira delas referia-se à necessidade de se eliminar os inúmeros cortiços existentes na cidade, visto serem eles considerados um dos principais focos geradores de epidemias. A segunda proposta dizia respeito à importância de se dotar a cidade de uma nova fisionomia, “aformoseando-a” ao mesmo tempo em que e a reformasse. [...]. Saneamento, combate aos cortiços e embelezamento aparecerão, doravante, como partes indissolúveis do projeto de reforma da cidade, tal como este foi idealizado por expressivos setores da elite que sobre esta questão refletiram na virada do século”. (Pechman & Fritsch, 1985, p. 150).
Construções e mudanças na Cidade da Parahyba no século XIX
Além das posturas, outros documentos como cartas e leis também expressam a idéia de que a cidade precisava ser ordenada e higienizada. Em ofício redigido à Presidência da Província, a Câmara Municipal expõe as dificuldades encontradas por esta instituição a “prover sobre limpeza, desempachamento e alinhamento das ruas”, uma vez que verifica-se a cada dia novas edificações na cidade “sem nenhuma regularidade e isto a falta de um plano geral pelo qual se possa dirigir o fiscal e o coordenador”. Tal requisito deveria ser imediatamente atendido, já que
“tendo chegado a esta capital um oficial de engenho”, que deveria “levantar e apresentar um plano pelo qual se possa esta câmara dirigir na edificação e reedificação de edifícios nesta cidade, tendo em vistas os existentes, devendo fincar-se postes que assinalem não só o comprimento, e largura das ruas, e praças, como também os palmos que devem ter as casas e becos, e isto com a brevidade que for possível”. (Correspondência da Câmara Municipal da Paraíba, 1834. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba).
“Art. 2 Fecão designados para deposito dos lixos na cidade alta o Forte, e a casa da pólvora ao norte, e no varadouro o Zumbi e o porto da Gameleira ao sul.Art. 3 Toda a pessoa que deitar lixos na casa do mercado publico d’esta cidade, estragar o asseio da mesma casa pagará quatro mil réis de multa por cada vez, e na falta sofrerá quatro dias de prisão.Art 4 Os fiscaes terão todo o cuidado na limpeza da cidade, advirtindo á todos as obrigações das posturas em vigor. [...]. ( Jornal A Regeneração, 10 de março de 1862)”.
“[...].Não é favorável o estado de saúde publica da capital, tendo-se desenvolvido ultimamente algumas febres palustras de caráter benigno. Se houvesse asseo e limpeza das ruas e das praças públicas, se algumas destas não servissem de depósito de lixo, se finalmente fossem observados por parte da população os mais rudimentares preceitos de higyene, outras seriam suas condições sanitárias.[...]”. (Relatório do Presidente da Provínicia, 1888. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba).
Se em meados do século exigia-se a construção de uma casa de prisão, esta deveria ser realizada em lugar afastado. Da mesma forma, os hospitais e os cemitérios também seriam transferidos para fora da cidade. O remanejamento da cadeia que se situava na cidade alta, passando para a cidade baixa, provocou a reconstrução do antigo edifício para abrigar a Câmara Municipal. Os hospitais para tratamento dos variolosos também são remanejados para áreas distantes. Foi assim com a Santa Casa da Misericórdia que se situava na Rua da Baixa na Cidade Alta e passa a funcionar em prédio construído nos arrabaldes da cidade, em lugar conhecido como Cruz do Peixe. Toda essa recondução disciplinar dessas edificações pode ser explicada a partir da leitura de Foucault. Este autor esclarece que “a disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço” e para isto utiliza diversas regras, entre elas, destaca-se a das “localizações funcionais” que
“[...] vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. O processo aparece claramente nos hospitais, principalmente nos hospitais militares e marítimos”. (Foucault, 1991, p.132).
Data, também, do século XIX, a construção do primeiro cemitério da cidade. A sua construção foi ordenada em 24 de janeiro de 1855, tendo principiado e acabado no mesmo ano. Em 1860, foi assim descrito: “Ele é cercado de um muro de tijollo d’altura de 13 pés pelo qual correm as catacumbas d’algumas irmandades e confrarias, temos a capela no fundo e fachada com portas de ferro; e afora algum aceio e tracto de que precize, de nada mais me parece carecer para sua conclusão.” (Ofício encaminhado à Presidência da Província, em 1860).
A presença de cemitérios nas cidades passa a ser mais exigida com a ocorrência das epidemias do século. Foi assim também na Cidade da Parahyba. Em 1879 o jornal A Regeneração publica relatório do vice-presidente da província em exercício, comunicando que “as inhumações n’esta cidade se fazem em dous cemitérios. A área do antigo cemitério denominado do Senhor da Boa Sentença, acha-se quasi toda ocupada pelo grande numero de enterramentos que n’elle se tem feito durante a crise epidêmica.” e que se encontrava ainda em construção o cemitério Cruz do Peixe localizado por trás do Hospital do mesmo nome e que se destinava aos variolosos. No que diz respeito ao cumprimento das normas de salubridade pública, o então vice-presidente da província afirma que foi nomeada uma comissão “composta por todos os médicos da capital, afim de emittirem juízo sobre a conveniência do local em que, de preferência, devesse ser construído um terceiro cemitério.”(Jornal O Liberal Parahybano, 28 de agosto de 1879).
A necessidade de se adequar a cidade às exigências de salubridade pública expressava-se também nas constantes reclamações do estado das fontes de água, como na urgência de se realizar os serviços de encanamento da água, da construção de chafarizes e ainda da instalação de combustores para iluminação a gás. Em 1869 autoriza-se a construção de seis chafarizes na cidade: no largo do Palácio, no Mercado Público e no largo da Matriz na cidade alta e na cidade baixa, no largo do Varadouro próximo ao cais, no largo do quartel de primeira linha e no largo da cadeia nova. (Cf. Ofício da Presidência da Província de 1869. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba). Outra medida que previa o cumprimento das ordens higiênicas, bem como se espelhava na imagem da cidade moderna foi a proibição de construção de casas de palha e a ordem de destruição das já existentes.
Dessa forma,
proíbe-se através do artigo 53 do código de postura
de 20 de setembro de 1859, a construção de casas de palha,
bem como exige-se a demolição das existentes. Interessante
destacar que em 1860 alguns habitantes da cidade apelam para a revisão
dessa determinação o que acontece em setembro de 1861, quando
a Assembléia Provincial prorroga por três anos o prazo para
a destruição das casas de palha já existentes e reforça-se
a proibição de novas construções. (Cf. Lei
n. 28 de 13 de setembro de 1861). Ressalta-se que as casas de palha eram
as habitações da classe trabalhadora, dos pobres da cidade
e que se faziam presentes em quase todas as ruas, excetuando-se as principais
ruas da cidade alta onde se encontravam as melhores edificações
e os melhores sobrados. O maior número de casas de palha estava
concentrado em “três ruas sem denominação”, com 86
casas de palha, na rua Mãe dos Homens e na rua do Tanque que tinham,
respectivamente, 56 e 42 habitações de palha de acordo com
a descrição de Vicente Gomes Jardim, agrimensor dos terrenos
de marinha da Província da Parahyba. (Relatório publicado
no Jornal Gazeta da Parahyba em 1889).
Já em 1834, em uma correspondência da Câmara Municipal da Paraíba para o presidente da província da Paraíba Bento Correia Lima, identifica-se a necessidade de se realizar um plano para regulamentar a edificação e a reedificação dos edifícios na cidade, demarcando-se a largura e o comprimento das ruas e praças, “como também os palmos que devem ter as casas e becos, e isto com a brevidade que for possível.” (Correspondência da Câmara Municipal da Paraíba para o presidente da província da Paraíba Bento Correia Lima, datada de 4 de agosto de 1834. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba).
O alargamento das ruas e a construção de praças exigiam a desapropriação de terras e, por conseguinte, o remanejamento de algumas residências. Alguns documentos expressam a ordem de desapropriação, como a que ocorreu sobre duas casas situadas na rua da Areia (rua que ligava a cidade baixa à cidade alta) para “a feitura e prolongamento da Rua da Viração, e formosamento da Cidade”. (Lei da Assembléia Legislativa Provincial da Parahyba do Norte em 03 de outubro de 1866. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba).
A respeito das obras de calçamento das ruas da cidade, é importante destacar que este beneficiamento implicava em outro que era a construção e rebaixamento dos passeios e o alinhamento das edificações. Assim, à proporção que se ia realizando os calçamentos, publicava-se nota oficial exigindo que os moradores daquela via construíssem os passeios dentro de prazo determinado com punição expressa para os infratores. Este tipo de documento é publicado com freqüência a partir de 1869. Os registros mostram que a primeira medida foi substituída em função da concretização do calçamento das vias. É o que expressa a lei n. 17 da Assembléia Provincial ao prorrogar o prazo concedido aos proprietários dos prédios para desfazimento e rebaixamento das calçadas existentes neste edifícios “até que o governo, ou a comarca municipal mande nivelar e calçar as ruas da cidade.” (Lei n. 17 da Assembléia Legislativa Provincial da Parahyba do Norte de 13 de agosto de 1860). Em 1864, a mesma Assembléia Provincial determina que as obras do calçamento das ruas seriam realizados a custa do cofre público e que os passeios seriam custeados pelos proprietários dentro de um prazo estabelecido e de “conformidade com o plano adaptado pelo mesmo governo”. (Documento emitido pela Assembléia Legislativa Provincial da Parahyba em 1864).
Além da construção dos passeios estabelece-se também a obrigação dos proprietários de terrenos nas principais ruas da cidade em “levantar fronteiras com cornija ou a mura-las, sendo em prolongamento de quintaes no prazo de dous annos [...]”. Além disso, exige-se que as fronteiras fossem rebocadas e caiadas. (Lei n. 243 da Assembléia Legislativa Provincial em 8 de outubro de 1866. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba).
Interessante que, essas construções que acontecem na cidade provocam algo indesejado pelos próprios governantes, bem como pela população: trata-se do acúmulo de material e das inúmeras escavações que além de impossibilitarem o livre acesso às vias, provocavam uma paisagem que feria a estética desejada. Em 04 de setembro de 1871, a Repartição de Obras Públicas da Província da Parahyba responde a um despacho da Presidência da Província explicando que as escavações feitas na Rua Marquês do Herval são poucas, não justificando a necessidade de remoção dos moradores. (Documento da Repartição de Obras Públicas da Província da Parahyba em 04 de setembro de 1871. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba). Os jornais também expressam a insatisfação da população quanto ao acúmulo de material para construção ou fruto das escavações. Contudo, no período que antecede essas obras públicas, há manifestações que reclamam o calçamento das ruas, uma “urgente necessidade de semelhante serviço” para “embelezar as nossas ruas”. (Jornal O Tempo, 28 de setembro de 1865).
Se a cidade precisava de ruas mais largas e pavimentadas, por sua vez, a modernidade também exigia a presença de praças e jardins. Assim, é que se verifica a contínua transformação dos antigos largos coloniais em praças e a construção do jardim público também erguido no antigo largo da igreja do complexo dos jesuítas. No ano de 1879, o jornal O Liberal Parahybano publica a seguinte nota:
Primeira pedra – a 1 hora da tarde de hoje deve ter lugar com toda a solenidade a collocação da primeira pedra do jardim no largo do palácio. [...] Deve ser um acto muito concorrido porque essa obra era uma das que o nosso público esperava ver com mais anciã realizada, e contava que não seria esquecido pelo destincto cidadão, que se acha a frente da administração da província. (Jornal O Liberal Parahybano, 24 de maio de 1879).
De fato, a construção de um jardim público, concretizava uma forte aspiração daqueles que sonhavam com a cidade moderna. Como escreveu Murilo Marx (1988), os jardins, “pode-se dizer que são mesmo recente em nossa paisagem citadina – e, laicos modernamente, testemunham com seu aparecimento o aumento do circuito das terras voltadas ao gozo público.” (Marx, 1988, p. 132).
Assim, se por um lado a inspiração de cidade moderna e o cumprimento dos preceitos da salubridade pública e da higiene conduziram à construção de praças e do jardim público, ao alargamento e ao calçamento das ruas, ao alinhamento das edificações e às outras obras acima mencionadas, por outro lado, provocaram medidas que tinham como princípio a varredura daquilo que representava o atraso, o feio ou anti-higiênico.
Diante o exposto, podemos afirmar que várias foram as tentativas de implementação dos princípios da Modernidade e do Higienismo na cidade da Parahyba no decorrer do século XIX e que estes ganham força a partir dos anos de 1850. À medida que o século avança, aumenta substancialmente o número de documentações oficiais, bem como de matérias jornalísticas que revelam os ideais de cidade moderna, bela, civilizada e higiênica. E para por em prática estes preceitos teria-se então que se reconstruir a cidade, por isto a intitulação deste artigo, uma cidade em (re)construção.
Notas
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Ficha bibliográfica: