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OS JOGOS OLÍMPICOS E A TRANSFORMAÇÃO DAS CIDADES:
OS CUSTOS SOCIAIS DE UM MEGAEVENTO
Kátia Rubio
Centro de Estudos Socioculturais do Movimento
Humano
Universidade de São Paulo
Os jogos olímpicos e a transformação das cidades: Os custos sociais de um megaevento (Resumo)
Quando Pierre de Coubertin idealizou o Movimento Olímpico acreditava que poderia por meio do esporte promover a paz e colaborar para a transformação da sociedade. Para tanto trabalhou para a reedição dos Jogos Olímpicos, uma das celebrações mais importantes da Grécia Antiga, momento em que inclusive se suspendiam as guerras e conflitos para que os participantes e espectadores pudessem acorrer para a cidade realizadora a fim de participar ou simplesmente assistir as competições. Quando no final do século XIX foi celebrada a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna e a cidade de Atenas acolheu a competição pouco se esperava de um evento que reunia algumas centenas de pessoas que praticavam esporte como atividade de tempo livre e sem nenhuma outra finalidade senão a competição em si mesma. Ao longo do século XX os Jogos Olímpicos se transformaram em um dos principais eventos culturais do planeta e sua organização demanda envolvimento direto do poder público e da iniciativa privada. O objetivo deste trabalho é discutir os custos do processo de candidatura e realização dos Jogos Olímpicos na atualidade. Isso porque no princípio do século passado o poder público era inteiramente responsável pela candidatura e realização do evento. No presente, desde o momento em que a cidade se candidata e apresenta seu projeto ela necessita criar uma infra-estrutura para viabilizar, no princípio, uma idéia (de que a cidade é viável para acolher um megaevento), em seguida, afirmar sua especificidade (que a faz diferente e melhor das demais concorrentes) e, por fim, viabilizar sua capacidade (momento em que são feitas as adequações necessárias para receber o evento em si e todo o universo que gravita no seu entorno). Isso tem gerado inúmeras controvérsias na medida que algumas cidades produzem novos equipamentos públicos para um uso restrito e temporário enquanto que outras planejam esses equipamentos para que sejam incorporados à cidade e ocupados por sua população.
Palavras- chave: Jogos Olympic; Cidades olympic; Eventos mega;
Postulado olympic dos jogos.
The
Olympic Games and the transformation of the cities: the mega events social
costs (Abstract)
While idealizing
the Modern Olympic Movement, Pierre de Coubertin believed to be promoting the
peace and collaborating to the transformation of the society. For that he
worked to reedit the Olympic Games which were one of the most important
celebrations of the Antique Greece. At that time, even wars were ceased to
allow participants and spectators to take part in and to watch the
competitions. The first edition of Modern Olympic Games was hold in the latest
years of 19th Century.
Key words:
Olympic Games; Olympic cities; Mega events; Olympic Games postulate.
Os Jogos Olímpicos e a idéia de um megaevento
Os Jogos Olímpicos se apresentam como
o evento esportivo de maior dimensão e repercussão no mundo contemporâneo,
tanto por seu caráter simbólico, pela reapresentação em escala planetária de
uma prática que mobiliza representações arquetípicas, como pela dimensão
material que envolve milhões de pessoas direta e indiretamente em sua
preparação e realização. Eles se dividem
Se em Atenas-1896 participaram das provas 295 atletas
de 13 países, esses números foram se multiplicando em uma escala geométrica até
alcançar os números atuais, identificando os Jogos Olímpicos com a condição de
um megaevento.
Um megaevento se caracteriza por seu caráter temporal,
sua capacidade de atrair um grande número de participantes de diversas
nacionalidades e também por chamar a atenção dos meios de comunicação com um
ressonância global. Conforme García (2004) o principal argumento utilizado
pelas cidades postulantes a um evento como os Jogos Olímpicos são os benefícios
para as comunidades locais, bem como uma ferramenta chave de projeção de cidade
e de atração de turistas, o que leva a melhoras estruturais como rede de
transporte, moradia, instalações esportivas e novos postos de trabalho.
Argumenta a pesquisadora que embora o planejamento apresentado para realização
de um evento dessas proporções abranja as diversas redes urbanas o que se
observa na sua realização é que muitos dos cálculos apresentados pelas equipes
postulantes estejam baseados em uma perspectiva puramente econômica, que dá
prioridade aos impactos físicos e financeiros sobre os possíveis efeitos
culturais e sociais. Além disso, costuma-se avaliar os impactos desses eventos apenas pelos efeitos de curto
prazo, sem se estabelecer planos para monitorar sua sustentabilidade para além
dos três a cinco primeiros anos.
As cidades olímpicas têm se constituído como lugares
capazes de ser reconhecidos como de importância no cenário mundial ou regional,
o que as tornam representativas no contexto da competição; devem abrigar um
grande número de pessoas produzindo diferentes atividades, simultaneamente,
condições que as identificam com os grandes centros urbanos e como decorrência
dessa condição abrigam importantes representantes do capital internacional,
capazes de proporcionar o apoio necessário para tal realização.
Se no final do século XIX apenas
Atenas se apresentava como a cidade disposta a sediar uma edição olímpica, ao
longo do século XX essa disposição se transformou, levando a disputa pela
candidatura dos Jogos a se transformar em uma grande jornada para o poder
público associado à iniciativa privada da cidade concorrente, bem como ao corpo
diplomático e ao executivo do país envolvido com a disputa.
O esporte como se conhece na
sociedade contemporânea surgiu em um momento histórico marcado por condições
sociais particulares como a expansão das cidades, a Revolução Industrial e o
aumento populacional. Acompanhando par e passo o desenvolvimento tecnológico
experimentado em outras atividades humanas o esporte contemporâneo assiste
durante a realização dos Jogos Olímpicos uma apresentação de como a habilidade
se relaciona com a tecnologia.
Essa condição leva Bento (1997) a
propor a existência de um homo sportivus
associado ao homo technicus. Isso
porque esporte e técnica relacionam-se pela necessidade de ultrapassar limites,
superar desempenhos, assumir desafios e provocações de forma racionalizada,
padronizada e controlada. Essa prática, entretanto, ocorre em função da vida em
sociedade, na cidade. A esta civilização
devemos o homo sportivus – uma das
expressões do homem sujeito da cidadania e da cidade. Sujeito da “cidade”
entendida não como mera categoria administrativa, geográfica ou física, mas
como conceito sociológico e cultural de humanidade e correspondente
circunstancialidade (p. 95).
Ou seja, a cidade não é mais e
apenas o lugar onde circulam as práticas de troca de mercadorias, a venda da
mão de obra ou o espaço da habitação. Ela é, no entender de Constantino (1997:
120), um espaço de uso desportivo, com
diferentes espaços no tecido urbano, a serem objecto de novas apropriações e
diferentes usos. No entender do autor lugares antes ocupados para
atividades comerciais ou patrimoniais (feiras, mercados ou espetáculos) podem
hoje ser ocupados por práticas lúdico-esportivas.
Postulando a condição de cidade olímpica
O que se tem observado na
atualidade é a criação de megaeventos como uma estratégia para a regeneração
das cidades. A esse processo France & Roche (1998) dão o nome de imaginário urbano. Os autores afirmam
que os principais instrumentos e veículos de políticas de transformação das
cidades cuja imagem se encontra degradada são a criação de atrações turísticas
como a realização de grandes exposições artísticas e a organização de ciclos
temáticos de atividades culturais ou eventos esportivos que permitam a formação
de uma massa crítica. Nessa perspectiva, os três principais focos de atuação da
indústria cultural contemporânea a serem explorados em associação com os
interesses de gestores públicos, em ordem progressiva, seriam o turismo, a
mídia (em especial a televisão) e o franchising
da organização de eventos esportivos como os Jogos Olímpicos. A razão de
ser dessa estratégia reside na necessidade de atuações de longo prazo, como a
construção ou reforma de obras de infra-estrutura, e no obrigatório
envolvimento da população tanto no que se refere à compreensão dessas obras,
que geram transtorno e desconforto, mas que sendo sua finalidade devidamente
esclarecida pode gerar um forte sentimento de cidadania e de pertença à cidade
restaurada.
Considerando que a realização de
uma edição dos Jogos Olímpicos pode ocorrer uma única vez na história de uma
cidade, ou demorar várias décadas para voltar a acontecer, Cashman (1999; 2002)
considera que o envolvimento e compreensão da população é fundamental para que
o evento em si possa deixar para a cidade um legado não só para os habitantes
daquele momento como para as demais gerações que poderão usufruir da infra-estrutura
construída para essa finalidade.
Não é possível afirmar que uma
cidade contemporânea disponha para o uso cotidiano de sua população
equipamentos com a dimensão suficiente para abrigar uma edição dos Jogos Olímpicos.
Qualquer cidade postulante precisa de investimentos que vão do transporte
público, passando pela estrutura de moradia, para abrigar delegações e
turistas, até uma sofisticada rede de telecomunicações para proporcionar a
circulação das imagens e notícias das competições, razão maior dos Jogos
atuais.
Isso representa para a cidade
candidata, além de uma infra-estrutura mínima, a necessidade de um projeto
detalhado de edificação das instalações ainda inexistentes, bem como da
captação de recursos para esse fim. Como os Jogos Olímpicos em si duram apenas
17 dias é preciso considerar a preocupação com os investimentos feitos e o
conseqüente aproveitamento dos equipamentos para uso posterior.
Portanto, há uma preocupação por
parte do comitê avaliador das cidades candidatas, ligado ao Comitê Olímpico
Internacional, que haja um aproveitamento por parte da comunidade local de
todos os benefícios diretos da organização do evento.
Conforme Bittencourt (1999) dentro
do processo de seleção das cidades postulantes são considerados critérios e
tendências para avaliação da cidade:
- instalações poliesportivas existentes e sua
adaptação
- criação de um novo projeto olímpico
- repasse das instalações para a população
- apoio da população civil
- estrutura de turismo e de lazer
- preocupações e ações relativas ao meio
ambiente
- mentalidade ecológica
- sistema de transporte urbano, interurbano e
internacional
- facilidade de telecomunicações
- segurança: mobilidade e evasão
- raio de realização dos eventos, deslocamentos
e trajeto público
- alinhamento do projeto urbano com o projeto
olímpico
De acordo com Bittencourt (1999) a
tentativa de alcançar esses objetivos pode gerar uma corrida aos cofres
públicos e uma distorção na administração pública. Ou seja, o conceito de
cidade olímpica não deveria ser um argumento para a busca de recursos, mas o
guia para um planejamento urbano a partir dos recursos locais disponíveis.
Dessa maneira, uma cidade só
alcançaria a condição de sede após apresentar as condições mínimas já
existentes e passíveis de serem ampliadas para a realização de um megaevento
como Jogos Olímpicos ou Jogos PanAmericanos. Isso evitaria o gasto excessivo de
recursos públicos e privados, situação que poderia levar não apenas à
inviabilização e a realização do evento como também gerar um grande déficit
como já ocorreu com cidades como Montreal na década de 1970, e mais
recentemente com Atenas.
Se hoje se assiste a uma acirrada
disputa pela condição de cidade sede dos Jogos Olímpicos, situação que envolve uma
grande mobilização diplomática e política na esfera administrativa e também
popular para a sensibilização dos árbitros dessa contenda, nem sempre isso se
passou dessa maneira na história do Movimento Olímpico.
Se não existe a priori qualquer cidade já estruturada para realizar os Jogos Olímpicos há que se admitir que todas as postulantes deverão passar por obras, em maior ou menor proporção, para poder se adequar a todo o movimento físico e humano desencadeado pela sua realização. No período de planejamento, extensão e execução dessas obras podem ocorrer inúmeros conflitos, principalmente entre os habitantes da cidade.
Conforme Hiller (2003) há inúmeras razões para que um evento olímpico gere conflitos urbanos. A primeira delas, observada desde as primeiras edições dos Jogos, é o custo financeiro e humano das obras necessárias para um evento que durará poucos dias, mas que será altamente intrusivo na vida da população. Apesar de um número considerável de pessoas achar que os Jogos Olímpicos são importantes para a imagem da cidade e sua divulgação, o projeto olímpico deveria fazer parte da agenda de longo prazo da cidade. A idéia da realização dos Jogos em si não costuma ser universalmente aceita como uma prioridade ou opção para sua população. A segunda seria o período de preparação. As datas para inscrição, depois inspeção e por fim escolha da cidade sede é um tema que envolve um período que chega a durar alguns anos e que mobiliza a atenção e trabalho de inúmeras equipes da postulante. A sensação de derrota de várias das cidades candidatas leva a um sentimento de frustração entre a população e equipes organizadoras que geram discussões posteriores sobre a validade da mobilização dos recursos empregados e a visibilidade na condução do processo. A terceira seria o jogo institucional promovido pelas federações esportivas que desejam ver satisfeitas suas reivindicações em troca do apoio necessário. Essas reivindicações estão intimamente relacionadas ao uso posterior das instalações construídas bem como sua administração. E por fim, há uma dificuldade das equipes organizadoras desse tipo de evento em conduzir o processo de planejamento e organização de maneira participativa. O senso de urgência que move o trabalho nessas condições leva a um tipo de organização centralizadora e arbitrária que pode levar a mobilizações populares no sentido de protestar contra essa forma de administrar a gestão do negócio, como aconteceu no México-1968. Naquela ocasião foi realizada uma manifestação popular contra os gastos excessivos e a corrupção no gerenciamento das verbas para a realização dos Jogos. O protesto foi duramente reprimido resultando em um número não confirmado de mortes que passava de uma centena.
Com o intuito de superar os impactos urbanos causados pelos Jogos Olímpicos, Hiller (2003) propõe então quatro alternativas:
- Construções e novas estruturas. Que as novas edificações, responsáveis pela transformação do espaço urbano, sejam planejadas de maneira a serem incorporadas como áreas específica na infra-estrutura da cidade para que não sejam tidas como alheias ao projeto urbano como um todo;
- Desenvolvimento econômico. Essa categoria está voltada especificamente para a compreensão dos Jogos Olímpicos como um evento gerador de desenvolvimento econômico por meio do incremento do turismo e pela promoção de uma imagem positiva da cidade;
- O impacto psicossocial. O desenvolvimento de uma imagem positiva a partir de toda a infra-estrutura realizada e do envolvimento da população nessa realização pode levar a um sentimento de pertença ao processo cuja resposta pode ser altamente positiva aos apelos pré-evento, na ajuda à realização, e no pós-evento, dando finalidade às instalações construídas, ocupando-as com atividades;
- Os efeitos comunitários. Essa categoria diz respeito ao resultado do embate político travado entre as forças dos vários grupos sociais envolvidos na realização do evento, que resultará no reforço de velhos dirigentes ou na emergência de novas lideranças.
Nesse sentido, a avaliação do legado de uma cidade olímpica oscila entre os benefícios (ou prejuízos) materiais, mensuráveis pelos custos financeiros envolvidos e obras edificadas, e humanos, de quantificação mais complexa, porém inegável, que vai da criação de um novo imaginário para espaços anteriormente constituídos à reordenação dos mecanismos de gerenciamento e controle desses novos espaços, o que lhes permitirá a atribuição de novos significados. Dessa maneira, a concepção de legado transcende a herança concreta herdada por um mega, porém, breve evento, e se estende a uma concepção mais ampla que abrange a apropriação subjetiva dos custos e benefícios pela comunidade participante dessa organização. Essa condição leva a posterior apropriação dos equipamentos urbanos, incorporando-os às atividades da comunidade, facilitando seu uso.
As cidades olímpicas
Em seus 107 anos de existência o Movimento Olímpico tem oferecido mostras de uma relação próxima com as transformações políticas e sociais mundiais. Durante esse período ele se viu envolvido em várias situações extra-esportivas que alterou seus rumos e determinou novas ações. Esses ciclos parecem definir os rumos futuros do Movimento Olímpico em si e de seus partícipes. Essas condições levaram Rubio (2005) a propor uma periodização histórica para os Jogos Olímpicos da Era Moderna como forma de buscar articular os diferentes momentos e dinâmicas dessa competição que se tornou um megaevento ao longo do século XX a partir de fatos que marcaram uma época e possibilitaram a transformação tanto da instituição como do fenômeno olímpico. Essa periodização é caracterizada como fase de estabelecimento, fase de afirmação, fase de conflito e fase de profissionalização.
Fase de estabelecimento
Período que compreende os Jogos Olímpicos de Atenas-
Tavares (2003) postula que os
Jogos Olímpicos, no final do século XIX, fizeram parte de um movimento de
criação e proliferação de um amplo espectro de organizações de cunho
internacionalista, cujo principal objetivo era a promoção da paz. Isso porque,
embora durante o século XIX tivesse ocorrido um grande desenvolvimento das
ciências humanas os conflitos ainda eram resolvidos por meio da guerra. As
organizações internacionalistas buscavam a resolução dessas desavenças, tanto
de ordem interna como externa, pelo uso da razão e das leis, e não pelas armas.
Dentro dessa lógica a competição esportiva era uma forma racionalizada de
conflito, sem o uso da violência.
Nesse momento os Jogos Olímpicos estavam pautados em
uma prática de tempo livre e não contavam com o apoio do poder público, nem da
iniciativa privada. Com a criação do Comitê Olímpico Internacional, em 1894
ficou determinado que os Jogos seriam realizados a cada quatro anos, o período
de uma Olimpíada, em uma cidade escolhida pelo COI. Diante da excitação
provocada entre os gregos, os Jogos da I Olimpíada foram levados para Atenas, o
berço dos Jogos Olímpicos da Antigüidade.
Apesar do regozijo pela realização dos I Jogos
Olímpicos, em pouco tempo o governo grego percebeu a extensão dos gastos que o
evento acarretaria, uma vez que a infra-estrutura necessária para a realização
dos Jogos, simplesmente, ainda não existia. O Investimento da ordem de 920 mil
dracmas (algo em torno de 380 mil dólares) para a execução das obras do estádio
olímpico e demais instalações foram financiados pelo armador grego George
Averoff, residente em Alexandria, no Egito (Lopez, 1992).
Na seqüência, as edições dos Jogos Olímpicos de Paris,
Saint Louis e Londres estiveram atreladas a megaeventos da época, denominadas Exposições Universais. Esses dois eventos,
no entender de Tzanoudaki (2003), tinham uma relação direta com um projeto de
modernidade que se desenrolaria em uma cidade com reconhecidas características
cosmopolitas e tradicionais, contribuindo para o desenvolvimento de um modelo
de cultura popular internacional. Na Exposição Universal de 1900, que, entre
outras coisas, inaugurou um monumento que simboliza a cidade até os dias
atuais, conhecida como Torre Eiffel, o desinteresse dos organizadores pela
competição foi tão acentuado que além dos II Jogos Olímpicos não constarem do
programa oficial da exposição foi também nomeado como Encontro Internacional de
Exercícios Físicos e Esportes, para indignação dos membros do COI e do próprio
Pierre de Coubertin (Cardoso, 2000). A imposição de horários e locais por parte
dos organizadores levou as provas dos Jogos de Paris a serem realizadas em
vários locais, em datas que variaram de 14 de maio a 28 de outubro, período da
Exposição Universal.
O mesmo se passou nas duas edições seguintes. Embora
tivesse ocorrido disputa pela realização dos Jogos de 1904 (Chicago também
postulou essa condição) e de 1908 (com Milão, Turim, Gênova e Florença
concorrendo) não havia ainda o reconhecimento dos Jogos Olímpicos como um
evento tradicional e de repercussão internacional. As provas eram realizadas
como parte das atividades das Exposições Universais, repletas de outras
atividades culturais de diversas partes do mundo. Ou seja, nem Saint Louis nem
tampouco Londres viram-se obrigadas a se preparar especificamente para receber
os Jogos Olímpicos com a construção de infra-estrutura necessária para esse
fim.
Já a cidade de Estocolmo em 1912 não contou com a
concorrência de nenhuma outra cidade e pela primeira vez desde Atenas os Jogos
seriam realizados como uma atração
Fase de afirmação. Passados 24 anos de seu reinício os Jogos Olímpicos já haviam superado a condição de uma aventura de nobres e aristocratas excêntricos e se convertia em um importante acontecimento internacional. Já era palco de exposição das tensões internacionais e como poucos eventos de sua envergadura sobreviveu ao período entre guerras. O número de nações participantes do Comitê Olímpico Internacional chegou a ser maior do que a Liga das Nações.
A aparente
prosperidade vivida ao longo da década de 1920 foi seguida pelo colapso da
Bolsa de Nova Iorque, a depressão e a emergência de regimes totalitários. O
Movimento Olímpico acompanhou de perto essa dinâmica. Políticos e governantes
já reconheciam a importância e abrangência desse evento. A fase de afirmação
compreende o período entre
Apesar da disposição e boa vontade da família real belga em sediar os Jogos Olímpicos as condições precárias vividas por esse país levaram a improvisação de instalações, tanto para as competições como para a hospedagem de atletas e equipes. Mas para a regularização do calendário olímpico era fundamental que os Jogos se realizassem mesmo assim. Com isso os organizadores do evento de 1924, em Paris, assumiam a responsabilidade de restabelecer as condições ideais para a continuidade dos Jogos. Depois da experiência desastrosa vivida em 1900 o Barão de Coubertin desejava que uma nova história fosse escrita. Agora, mais que no início do século, os Jogos exigiam uma grande infra-estrutura e maior dedicação por parte dos governantes. Apesar do empenho do presidente do COI os organizadores não agiram com afinco, levando-o a anunciar a transferência das competições para outra cidade.
Diante dessa pressão e reconhecendo que o evento trazia bons dividendos para a cidade, o Comitê Olímpico Francês e a burocracia local resolveram tomar as providências necessárias para a realização dos Jogos. Desta feita os franceses descobriram e exploraram como ninguém a capacidade comercial do evento. No entorno do estádio instalou-se uma grande feira de produtos que recordavam a competição, dando início a um mercado altamente rentável que se desenvolveria ao longo do restante do século.
Em Amsterdan-
Los Angeles era candidata à sede dos Jogos Olímpicos desde 1919 e apenas em 1932 pôde ver esse desejo realizado. A Califórnia já abrigava então o principal pólo da indústria cinematográfica do mundo e se destacava como um grande centro de produtores de espetáculos. Com essa mentalidade foram preparados os Jogos Olímpicos de 1932. O Memorial Coliseum, estádio com capacidade para cento e vinte mil espectadores era apenas um dos muitos símbolos do evento. Foi construída uma Vila Olímpica com a concepção de casas e não de dormitórios, como se fazia até então. Os americanos foram também os inventores da cerimônia de recebimento de medalhas no pódio, com o hasteamento das bandeiras dos três primeiros colocados e a execução do hino nacional do vencedor, afirmando a ascensão do renegado nacionalismo em território olímpico.
Mas, nenhuma edição dos Jogos foi tão discutida como o
da XI Olimpíada, mais por motivos políticos do que por questões
administrativas. López (1992) afirma que do ponto de vista olímpico e esportivo
os Jogos de Berlim seriam o exemplo de como deveriam ser organizados os demais
Jogos Olímpicos. A cidade já havia postulado aos Jogos de 1916, mas diante da
eclosão da I Guerra viu seu desejo ser adiado. Voltou a se candidatar
juntamente com Alexandria, Barcelona, Budapeste, Colônia, Dublin, Frankfurt,
Helsinque, Nuremberg e Roma. Por fim, restaram as candidaturas de Berlim e
Barcelona e os membros do COI optaram pela cidade alemã. Depois de visitarem as
instalações de Los Angeles os organizadores voltaram a Berlim e produziram
outra maior e mais luxuosa Vila Olímpica, que depois viria a ser utilizada como
Vila Militar. Acorreram a Berlim aproximadamente 3 mil jornalistas. Fosse pelo
interesse acerca do esporte ou pela curiosidade com o que ocorria naqueles dias
na Alemanha, os profissionais da imprensa realizaram uma grande cobertura do
evento, sendo recepcionados pessoalmente por Joseph Goebbels, o responsável
pela área de comunicação e divulgação nazista. Não há dúvida de que os Jogos de
Berlim foram um sucesso de organização e de público, êxito que custou 30
milhões de dólares ao governo, destinados à construção de estádios, ginásios,
piscinas e demais instalações. Em troca o público deixou nos cofres dos
organizadores algo em torno de 3 milhões de dólares, afirmando o que já se
percebera
Fase de Conflito. Se no período que antecedeu a II Guerra Mundial os Jogos Olímpicos se firmaram como um grande evento mundial, capaz de superar as diferenças políticas e sobreviver a elas, a fase posterior à guerra colocaria o Movimento Olímpico frente às dificuldades de um mundo dividido em dois grandes blocos: os países capitalistas e os países socialistas. As tensões geradas levaram o mundo a viver a guerra fria, momento em que o conflito armado foi substituído por um forte jogo de espionagem e de corrida pelo desenvolvimento de tecnologia bélica para o enfrentamento de uma possível nova guerra.
Em meio a esse quadro os Jogos Olímpicos foram utilizados como mais uma forma de demonstração de poder político e força social. As medalhas passaram a ser contadas como pontos a favor de seus respectivos regimes, afirmando um tipo de superioridade não pretendida pelo Movimento Olímpico. Esse período compreendeu os Jogos de Londres-1948 até os Jogos de Los Angeles-1984.
Do ponto de vista da organização do evento o que se viu foi o crescente gigantismo dos Jogos, que a cada edição via aumentar o número de participantes, levando a necessidade de construções cada vez maiores e mais inadequadas para uso posterior.
Nos Jogos de Londres,
em
Outro fator que contribui para o gigantismo dos Jogos desse período foi o advento da TV a partir de Roma – 1960, com transmissões ao vivo, o que permitiu que mais de 200 milhões de pessoas do continente europeu tivessem acesso às competições em tempo real. Nessa primeira tentativa o COI comercializaria o evento por 50 mil dólares, mais a desconfiança do sucesso dessa empreitada. Esses números saltariam para 300 milhões de dólares em Seul-1988 quando a NBC comprou os direitos de transmissão e levou mais de mil funcionários da TV para realizar a cobertura do evento.
Embora a expansão da tecnologia seja a tônica dos Jogos Olímpicos desse período, a disputa pela condição de sede e espetacularização dos Jogos não diminuiu.
Roma instalou o palco das competições em meio aos cenários naturais oferecidos pela cidade, utilizando inclusive o Coliseu, as Termas de Caracalla e a Basílica de Maxêncio. Tóquio, que postulava a candidatura a sede desde 1940, quando a II Guerra pôs fim aos seus planos, conseguiu mostrar ao mundo sua capacidade de superação e de inclusão entre as principais potências mundiais do final do século XX realizando uma edição dos Jogos Olímpicos impecável. O governo japonês aplicou 1.800 milhões de dólares em obras estruturais e criou uma ampla rede de serviços que além de transfigurarem a cidade permaneceram para posterior uso da população. Da construção do monorail ligando o aeroporto ao estádio, à edificação de grandes avenidas e instalações dignas de prêmios (Kenzo Tange foi o arquiteto), os Jogos Olímpicos de Tóquio serviram para que o Japão pudesse mostrar ao mundo que havia vencido o trauma da Guerra.
O processo de escolha da sede para os Jogos Olímpicos também ganhou novos contornos a partir da XIX Olimpíada, quando as cidades postulantes passaram a lançar mão de um forte esquema político e comercial. Esse expediente passou a ganhar cada vez mais força, levando a participação direta de dirigentes como o presidente espanhol Felipe González e o primeiro ministro francês Jacques Chirac para a cerimonia da escolha dos Jogos de 1992.
Mas o que marcaria definitivamente a superação da fase de conflito seria o advento da profissionalização.
Passados os Jogos de Moscou, que apesar do boicote sofrido pelos países liderados pelos EUA, contaram com todo apoio e infra-estrutura pública necessária a custos nunca divulgados, era necessário começar a desenvolver um outro modelo para os Jogos Olímpicos. Los Angeles foi a única cidade postulante, uma vez que muitas candidatas potenciais reviram seus planos e recuaram dessa intenção diante dos prejuízos vividos por Montreal. O governo bancou a candidatura e montou um Comitê Organizador com o firme propósito de obter os fundos necessários junto à iniciativa privada para sua realização sem prejuízos para o comitê ou para a comunidade. Inaugurava-se um novo modelo de gerenciamento e organização dos Jogos Olímpicos. Dentro dessa nova perspectiva os Jogos renderam lucros de 250 milhões de dólares e mais a isenção de custos para o governo e para a cidade.
Fase do Profissionalismo. Durante muitos anos o tema amadorismo freqüentou as preocupações e as sessões do COI. Ser acusado de profissional, principalmente em caso de vitória, significava para o atleta ter os títulos cassados e o banimento do mundo olímpico. Gradualmente essa questão foi perdendo força na medida em que os interesses econômicos envolvidos com os Jogos Olímpicos tornaram-se inseparáveis deles. Diante das proporções grandiosas que o espetáculo esportivo adquiriu já não era possível para o poder público assumir todo o seu ônus. Fora isso, havia a intenção real de veiculação da imagem de empresas à competição olímpica, cujos produtos estavam ligados diretamente à prática esportiva, um mercado consumidor em crescente expansão.
Para as companhias convidadas a entrar pela porta da frente no universo olímpico não bastava competir. O mais importante, indubitavelmente, era ganhar.
O profissionalismo começou pela organização dos Jogos e chegou ao atleta como uma condição ansiada e desejada. Essa fase teve início nos Jogos de Seul-1988 e dura até os dias atuais.
Seul, Barcelona, Atlanta, Sydney e Atenas foram as cidades que protagonistas das competições dessa fase e apresentaram tanto na organização como na exploração dos Jogos as características que marcam essa etapa como profissional.
Se Seul provou sua condição de tigre asiático construindo grandes e belas instalações para sediar as competições, apesar de grande parte delas permanecer vazia devido à falta de público, talvez por estar no Oriente, talvez pelo poder da TV, Barcelona imprimiria sua marca pela via oposta. A cidade passou por uma grande reforma que incluiu desde a restauração de inúmeros monumentos até a construção de novas linhas de metrô. Durante alguns anos a cidade parecia um canteiro de obras, cuja realização contou com a aquiescência da população que, envolvida com a idéia olímpica, aderiu à sua realização como poucas vezes havia se visto. Os Jogos Olímpicos de Barcelona representaram um verdadeiro espetáculo esportivo e cultural.
Atlanta optou por uma outra via. Essa edição dos Jogos Olímpicos entrou para a história pelo efêmero: contrariando um preceito básico do Movimento Olímpico herdado da Antigüidade grega, que era o legado, o que se viu em Atlanta foi o imediato esquecimento dos dias de competição.Grande parte das instalações utilizadas para sua realização deixou de existir assim que as atividades do evento se encerraram. Em outras situações foram vendidas como souvenir como foi o caso da grama do campo de futebol. Os Jogos Olímpicos nunca haviam sido tão grandes. Foram 11 milhões de ingressos vendidos em todo o mundo, além de 3,5 bilhões de espectadores que acompanharam as competições pela televisão. O número de atletas 10.788 só não foi maior porque se considerou prudente limitar o número de competidores em nome da qualidade do espetáculo.
Em um movimento de refluxo Sydney, e depois Atenas, buscaram apagar a impressão consumista deixada. Presente nas mãos da iniciativa privada desde 1984 e com uma necessidade premente de mantê-los como um grande negócio era chegado o momento de recuperar uma das razões de ser dos Jogos Olímpicos, o legado, sem retroceder naquilo que se conquistou de mais precioso, para os empresários, os lucros.
Mesmo tendo o patrocínio de empresas transnacionais foi o governo do estado de Nova Gales do Sul quem garantiu a construção de todas as instalações físicas para os Jogos de Sydney. Os projetistas dessas construções buscaram adequá-las às preocupações dos ambientalistas fazendo uso de formas racionais de energia e de preservação e conservação do meio ambiente, o que garantiu a essa edição dos Jogos o sub-título de Jogos Verdes. Além das construções com ares futuristas projetadas para milhares de espectadores a baía de Sydney passou por um processo de despoluição para ser utilizada nas provas de vela. Apesar das preocupações ecológicas, passado o evento percebeu-se que as instalações eram demasiadamente grandiosas para o número de habitantes da cidade e da região, trazendo à baila a discussão sobre a utilização dos equipamentos construídos exclusivamente para esse fim. Atenas, por sua vez, vive ainda o impacto da avaliação do evento. A cidade aproveitou a ocasião dos Jogos e a ajuda da Comunidade Européia, para realizar várias obras de infra-estrutura para a cidade e seu viu até os dias que antecederam as competições envolvidas com os problemas de atraso no calendário, o que obrigou os organizadores a alterar projetos concebidos anteriormente. A população local, apesar de desejar o evento na cidade, avaliou de maneira negativa todo os transtornos causados pelas obras à vida cotidiana.
Considerações finais
A eleição da cidade que sediará uma edição dos Jogos Olímpicos é crucial para o Movimento Olímpico. Durante mais de um século de atividades esse evento, que cresceu em importância e em proporções, tem protagonizado e refletido inúmeras questões do âmbito internacional. Embora o Comitê Olímpico Internacional, mais do que qualquer outra entidade possa cometer erros, as dimensões alcançadas na atualidade pelos Jogos Olímpicos impõem ao Movimento Olímpico a responsabilidade de que os erros sejam cada vez mais minimizados. Há 60 anos os Jogos Olímpicos deixaram de ser um evento europeu. Durante esse período os Jogos de Verão percorreram a Oceania (2 vezes), a América do Norte (4 vezes), a Ásia (3 vezes) e a Europa (6 vezes) e espera-se que eles possam chegar a África e a América Latina (Verbruggen, 2003).
Para tanto é sabido da necessidade das cidades postulantes construírem a infra-estrutura mínima para se adequar aos padrões exigidos para esse fim. Não se pode esperar que um conjunto de obras estruturais seja realizado depois da escolha da cidade, uma vez que isso demanda tempo e investimento. A idéia olímpica é cada vez mais desejada como algo já incorporado ao imaginário da população da cidade postulante. Isso facilitaria a construção dos equipamentos faltantes e, dentro de uma perspectiva cidadã de seu uso, seriam prontamente incorporados ao cotidiano da cidade após a realização do evento.
Enquanto os interesses econômicos estiverem prevalecendo o que se verá no futuro das cidades sede serão construções desproporcionais para seu uso cotidiano, deixados como carcaças de velhos animais extintos pela inadequação a seu tempo.
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© Copyright Kátia Rubio, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha bibliográfica:
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[ISSN: 1138-9788]
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número 194
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