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Índice de Scripta Nova

 

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 194, 1 de agosto de 2005

 

GESTÃO SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NAS PEQUENAS CIDADES

 

Rita de Cássia da Conceição Gomes

Professora da Base de Pesquisa em Estudos Sócio-Espaciais e Representações Cartográficas do Departamento de Geografia da UFRN.

 

Anieres Barbosa da Silva

Doutorando do curso de Ciências Sociais da UFRN.

 

Valdenildo Pedro da Silva

Doutorando do curso de Geografia da UFRJ.


Gestão social das políticas públicas nas pequenas cidades (Resumo)

 

O trabalho propõe uma reflexão sobre a evolução de experiências de gestão social das políticas públicas em pequenas cidades[1], considerando a nova realidade institucional criada a partir da promulgação da Constituição Brasileira de 1988. Com essa Constituição, despontaram novos parâmetros na relação entre o Estado e a Sociedade, na medida em que emergiram novos instrumentos de gestão social das políticas públicas, merecendo destaque a institucionalização dos Conselhos Municipais, que se constituem em novos espaços para formulação, gestão, controle e avaliação das políticas públicas, enquanto espaços privilegiados do exercício da cidadania. Mesmo reconhecendo que a institucionalização dos Conselhos Municipais é de fundamental importância na consolidação do processo democrático no Brasil, entendemos ser oportuno uma discussão que considere, de um lado, a realidade socioespacial das pequenas cidades e, de outro, a atuação dos Conselhos Municipais enquanto espaços de luta, num contexto de reorganização institucional. Nesse sentido, é imprescindível compreendermos que a pesquisa parte do entendimento de gestão social como uma ação complexa, que está relacionada ao processo de articulação e formação de Conselhos Municipais, às condições de participação social (por meio de seus representantes), às relações de poder, à legitimidade e à diversidade de atores, à atuação do poder público, aos limites e à contribuição para a gestão, além do controle e da avaliação das políticas públicas. Tem como objeto empírico, as pequenas cidades do Estado do Rio Grande do Norte/Brasil, sendo os dados do perfil municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2001) a fonte secundária de referência. Os resultados apontam para a fragilidade na legitimação dos Conselhos Municipais, sendo esta fragilidade explicada pela predominância, ainda, de formas arcaicas de dominação: o clientelismo, o assistencialismo e o patrimonialismo nos parecem estar bastante solidificados. Portanto, discutir a gestão social no atual contexto político brasileiro significa procurar caminhos que possam levar à construção de uma realidade socialmente mais justa e com uma melhor qualidade de vida; ou seja, uma sociedade verdadeiramente cidadã.

 

Palavras chave: Políticas públicas -  Pequenas cidades – Gestão Social


Social management of government policy in small cities (Abstract)

 

This paper seeks to analyse the development of experiences of social management of government policy in small cities, in the light of a new institutional context which came about with the Brazilian Constitution of 1988. This introduced new possibilities for arrangements of social management of government policy, in particular the institutionalization of popular municipal councils. This constitution also enlarged the political and administrative autonomy of municipalities and thus fostered the emergence of a space for policy making, management, control and evaluation, a crucial aspect of the enhancement of democratic procedures in the country. Notwithstanding, considering socio-spatial aspects in small cities, it is here emphasized in the discussion the ways in which the new popular municipal councils constitute spaces of struggle in the arena of institutional restructuring. In this way, it is important to further the understanding of the balance of power and representation in these local councils. This paper understands social management as a complex set of actions which includes the articulation and formation of councils, the setting of conditions under which participation in the councils takes place, relations of power and legitimacy, the diversity of actors involved in the process as well as the ways that local authorities relate to the councils. As empirical evidence, we have chosen the small cities in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. We used IBGE data bases. Conclusions point to the fragile situation of councils in respect to its formation, functioning and legitimacy. This is explained in the light of the predominance of old forms of political domination still prevalent in the region.

 

Keywords: government policy, small cities, social management.


 

 

O tema da gestão social das políticas públicas no Brasil passou a ter mais relevância a partir da promulgação da Constituição de 1988, que legalmente promoveu um rompimento com a centralização das decisões e dos recursos no nível federal, à medida que conferiu maior autonomia a cada um dos entes constitutivos da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e, ao mesmo tempo, definiu formas de atuação articulada entre estes. Desse modo, o setor público foi totalmente redefinido, transferindo novas funções para as instâncias municipais e estaduais. A nova Constituição também garantiu uma maior participação popular, uma vez que, além de alguns instrumentos de democracia semidireta, como o plebiscito, também foram asseguradas outras possibilidades de participação da população nas decisões de governo, em algumas áreas de políticas sociais, sobretudo saúde, educação e assistência social.

 

Em decorrência dessa nova realidade política, um novo arranjo político administrativo foi então implantado. E, nesse novo arranjo, o município passou a ser de fato um ente federativo. Para alguns estudiosos, a questão mais importante e inovadora na (re)valorização dos municípios foi o redesenho do sistema federativo brasileiro com a definição de um novo patamar para os municípios, tanto do ponto de vista financeiro, provocado pelo aumento do percentual dos recursos tributários destinados aos municípios – que passaram a deter 11,4% do total arrecadado no país –, quanto político-administrativo, com a implementação de legislações e instrumentos de planejamento no município, que possibilitaram mudanças no plano institucional. A partir de então, os municípios passaram a enfrentar um duplo desafio: o de assumir a política social, que até então estava concentrada na esfera federal; e o de promover o desenvolvimento local.

 

No contexto do novo quadro de estruturação política do Estado Nacional, os municípios tiveram a necessidade de redesenhar suas atividades estatais, isto é, assumir as políticas sociais e, dessa forma, tiveram que aumentar gastos com saúde, educação e outras atividades de caráter social, de modo que o município assume, guardadas as devidas proporções, o papel de Estado de bem-estar social, que até então era totalmente da responsabilidade do Estado central.

 

Diante dessa redefinição política do município, algumas questões são significativas. Dentre essas, merece ser destacada a questão financeira, uma vez que novas responsabilidades foram assumidas, sendo então necessário uma maior capacitação municipal no sentido de ampliar suas receitas, e assim poder suprir as demandas da sociedade, tais como: moradia, saúde, educação e segurança pública. Outra questão que se tornou premente foi a capacitação profissional do pessoal técnico-administrativo, visto que com tais mudanças, inúmeros serviços  foram deslocados para o âmbito municipal.

 

Entretanto, diante dessa realidade, chamamos a atenção para o fato de que nesse duplo desafio ao qual estão submetidos os municípios, alguns aspectos devem ser considerados, uma vez que, podem vir a ser elementos condicionadores dessa realidade. Estamos nos referindo à estrutura fiscal da Federação brasileira, às diferenças sócio-econômicas e à dinâmica política interna em cada município.

 

No que tange à estrutura fiscal, é importante destacar que, após a Constituição de 1988, passou a ocorrer a descentralização fiscal de forma gradual, de modo que estados e municípios passaram a contar com maiores percentuais da receita da União. No entanto, um dos aspectos significativos dessa nova realidade diz respeito à possibilidade de aumento do poder tributário das unidades sub-nacionais em sua própria jurisdição e ao aumento dos recursos disponíveis de forma não vinculadas para os estados e municípios, como resultado do incremento das transferências constitucionais. Desse modo, foi bastante significativo o aumento das transferências da União e dos estados para os municípios, e a participação destes na receita do Imposto sobre a circulação de Mercadorias (ICMS).

 

Embora a mudança tenha sido bastante significativa, o efeito do aumento do poder tributário no âmbito municipal foi muito pouco perceptível nas pequenas cidades, tendo em vista a baixa capacidade dos pequenos municípios de produzirem a sua própria receita.

 

Enquanto nas grandes cidades e nas capitais o Imposto Sobre Serviços (ISS) é uma importante fonte de receita municipal, uma vez que a prestação de serviços nessas cidades se insere num processo dinâmico, segundo o próprio desenvolvimento do setor terciário; nas pequenas cidades, graças à pouca dinamicidade da economia, o setor de serviços é muito frágil, de modo que o ISS não pode ser considerado como importante fonte de receita. Algo semelhante acontece com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Além da cobrança do IPTU ter um conteúdo político bastante forte; e, na maioria das realidades urbanas, ser visto como uma medida impopular, que pode provocar danos políticos de caráter eleitoreiro para os prefeitos, sobretudo nas pequenas cidades, onde são precárias as condições socioeconômicas da população e, por conseguinte, as condições de moradia, o referido imposto também não constitui uma fonte receita significativa no orçamento dessas prefeituras. Fato contrário ocorre nas grandes cidades e nas capitais que, agradando ou não à população, a cobrança do IPTU é uma atitude praticada por todos os prefeitos, e assume uma importância considerável no orçamento municipal.

 

A desigualdade socioespacial que há muito tempo vem sendo estudada no Brasil ainda é uma questão bastante preocupante. O processo de desenvolvimento e expansão do capitalismo no Brasil pode ser apontado como um dos principais responsáveis por essa realidade, adicionado, é claro, às questões de ordem política, uma vez que a questão do desenvolvimento social é também uma questão de caráter político. Ressaltamos que essa desigualdade é funcional para alguns setores; que no caso brasileiro, o setor político é um dos mais beneficiados. As diferenças sócio-econômicas entre os lugares é cada vez mais real. A reprodução dos espaços luminosos, como assinala Santos (1996), dá-se às custas da reprodução de uma grande quantidade de espaços opacos. As pequenas cidades são o exemplo mais fiel dessa opacidade. Nelas, a inexistência de dinamicidade dos setores produtivos – primário, secundário e terciário – é uma difícil realidade vivenciada por seus habitantes, sobre os quais recaem os resultados do desemprego e da falta de acesso aos serviços especializados de saúde, aos equipamentos de lazer, e às escolas com infra-estrutura condizente com o momento atual das modernas tecnologias educacionais. Enfim, esses habitantes convivem com a falta de cidadania política, civil e social.

 

Assim, a desigualdade socioespacial é uma realidade preocupante, ao mesmo tempo em que é um fator que não pode deixar de ser considerado quando a questão em pauta é a descentralização[2]. Isto porque, enquanto algumas áreas apresentam uma série de fatores favoráveis à implementação de políticas sociais que busquem a melhoria nas condições de vida da população, outras não apresentam condições que favoreçam tais práticas, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista social, pois o que prevalece é a pobreza, marcada pela falta de informação, de cultura e de conhecimentos técnicos, contribuindo para a exclusão e segregação social que se distribui por todo território nacional.

 

As referências feitas à desigualdade social existente no Brasil parecem deixar claro que a realidade dos “dois brasis” de Roger Bastide (1978) ainda não foi superada. Se, de um lado, temos no Brasil áreas de intenso dinamismo econômico, como salienta Araújo (2000), ou na visão de Santos (1996), espaços luminosos; do outro, temos áreas nas quais predominam atividades tradicionais e predatórias, com pouco ou nenhum dinamismo.

 

Nesse contexto, com uma economia frágil e uma sociedade despreparada, não apenas do ponto de vista técnico-científico, mas principalmente político, a maioria das pequenas cidades depende, quase que exclusivamente, apenas dos recursos oriundos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Ao contrário das grandes e médias cidades, que, além de serem dinâmicas na construção de sua própria receita, ainda contam com um sistema de tributação sólida e consistente significativa.

 

O FPM tem como critério de distribuição, o tamanho da população; sendo os municípios organizados segundo faixas de números de habitantes. Considerando que o sistema tributário brasileiro concede aos municípios impostos cuja base de tributação mais relevante é eminentemente urbana, passa a existir uma forte concentração das receitas tributárias naqueles municípios que apresentam maior porte demográfico. Tal critério penaliza, de certa forma, os municípios caracterizados pela presença de pequenos contingentes populacionais, principalmente os que possuem população abaixo de 20000 habitantes, uma vez que eles apresentam uma baixa participação quanto à receita tributária (tabela nº 1).

 

Quadro nº1

Distribuição das receitas orçamentária e tributária municipais, segundo grupos de habitantes. Brasil – 2003

 

Habitantes (por mil)

Receita orçamentária municipal

Receita tributária municipal

% (em R$ 1,00)

Até 2

391.792.521

9.084.443

2,3

2 ½-- 5

4.741.507.835

125.438.170

2,6

5 ½-- 10

7.186.095.010

298.651.748

4,2

10½-- 20

12.492.299.584

596.706.481

4,8

20 ½-- 50

18.206.080.484

1.373.020.396

7,5

50 ½-- 100

13.717.603.878

1.677.814.900

12,2

100 ½-- 200

13.231.167.705

1.851.432.412

14,0

200 ½-- 500

18.277.383.797

3.729.042.754

20,4

500 ½-- 1000

10.618.616.932

2.175.308.582

20,5

1000 ½-- 5000

14.839.242.353

3.703.190.946

25,0

5000 e mais

18.481.284.113

6.987.698.688

37,8

TOTAL BRASIL

132.183.074.212

22.527.389.520

17,0

 

Fonte: Bremaeker (2004).

 

Segundo esse critério distribuição, os municípios que possuem uma dinâmica populacional mais avançada recebem valores superiores aos pequenos municípios.

 

Somado a essa “lógica” de distribuição tributária, que se mostra de baixa eficiência redistributiva, tanto no âmbito interestadual quanto intra-estadual, temos que destacar a inexistência de incentivos à cooperação entre os municípios. Na realidade, o que vem ocorrendo é uma corrida competitiva em busca de recursos, configurando-se num relacionamento não cooperativo entre as municipalidades. Ao nosso ver, essa é uma das explicações para a intensa multiplicação de unidades municipais, ocorrida após a promulgação da Constituição de 1988, o que contribuído para um intenso processo de fragmentação do território.

 

No Rio Grande do Norte, esse processo se concretizou via emancipação política de quinze novos municípios. As sedes desses municípios contribuíram ainda mais para a construção de uma rede urbana frágil e esgarçada, uma vez que as novas cidades que passaram a fazer parte da malha urbana estadual possuem vulnerabilidades devido à fragilidade e à incapacidade de fomentar o seu próprio desenvolvimento socioespacial.

 

No que se refere ao terceiro aspecto, ou seja, à dinâmica política interna aos municípios, o novo arranjo político-administrativo implantado a partir de 1988 e, por conseguinte, a transferência de novas responsabilidades para os municípios lhe exigiu uma nova dinâmica interna. Uma primeira mudança observada nesse quadro de exigências está afeita às relações que devem ser estabelecidas no âmbito municipal, não somente entre os poderes legislativo e executivo, mas também entre as autoridades governamentais – prefeitos, secretários, vereadores – e a sociedade civil. Isto implica afirmar que, nesse novo contexto, não basta ao prefeito obter a maioria na Câmara de Vereadores, pois essa é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, uma vez que um movimento de bases que exerça uma pressão sobre determinado projeto poderá ser uma condição favorável à sua não aprovação.

 

Assim sendo, torna-se necessário que formas de negociação entre partes interessadas na execução de políticas públicas sejam então institucionalizadas. No nosso entendimento, o orçamento participativo e a implementação dos Conselhos Municipais têm se mostrado como uma experiência interessante nesse quadro de redefinição de uma nova dinâmica da política interna dos municípios. Isto porque, tanto o orçamento participativo quanto os Conselhos se constituem em fóruns de consulta direta à população e/ou a setores específicos.

 

Outra mudança significativa no âmbito da política interna municipal diz respeito ao estabelecimento de uma nova relação entre o setor público e a iniciativa privada. Entretanto, essa relação necessita de uma revisão, para evitar que os padrões patrimonialistas prevaleçam em detrimento dos padrões republicanos.

 

No caso das médias e grandes cidades tem sido comum essa relação, principalmente quando se trata da prestação de serviços que antes eram tão somente da responsabilidade das prefeituras e hoje são terceirizadas, como é o caso da coleta de lixo. No caso das pequenas cidades do Rio Grande do Norte, diversos setores já são terceirizados, como pode ser observado na tabela nº 2.

 

Os percentuais apresentados na tabela mencionada expressam que parte significativa dos serviços municipais já encontram-se terceirizados. Isso torna mais premente a necessidade de uma redefinição na relação entre o empresariado local e o poder municipal, de modo que o sistema de parcerias entre as duas instâncias, a pública e a privada, possam ser incentivadas. Considerando que os recursos públicos para investimentos sociais são cada vez mais escassos, a formação dessa parceria poderá significar a viabilização de projetos de interesse para toda a sociedade.

 

Quadro nº 2

Terceirização nas pequenas cidades do Rio Grande do Norte

 

Serviço terceirizado (%)

Coleta de lixo domiciliar

20

Coleta de lixo Hospitalar

16

Coleta de lixo Industrial

6

Varredura de Rua e limpeza urbana

19

Limpeza dos Prédios da Administração municipal

18

Segurança dos prédios da administração Municipal

5

Obras civis

54

Transporte escolar

47

Manutenção de Estradas ou vias urbanas

34

Serviços de abastecimento de água

43

Serviços de esgotamento sanitário

12

 

Fonte: Perfil Municipal – IBGE, 2001

 

Na atualidade, torna-se imprescindível que os municípios busquem alternativas para resolverem suas dificuldades financeiras. Assim, é necessário que eles, os municípios, procurem implementar a prática da responsabilidade fiscal. No caso das pequenas cidades, há sempre alguns questionamentos que se colocam diante dessa nova realidade, haja vista que, nos últimos tempos, a construção da autonomia municipal se faz a partir de uma construção endógena, ou seja, no âmbito do município, sem que seja necessário recorrer ao Governo Federal. Para tal, é preciso que exista uma arrecadação local. Surge-nos então uma questão: seria isso possível nas pequenas cidades?

 

Sabemos que o aumento da capacidade fiscal, bem como de gastos sociais, não aconteceu de forma homogênea nos diversos municípios brasileiros, muito menos entre os municípios de um mesmo estado. A emergência da municipalização pode, e vem se configurando, ao longo dos últimos quinze anos, como um fator de desigualdades socioespaciais, visto que, alguns municípios, devido às potencialidades naturais e às de caráter político-administrativo, têm apresentado resultados bastante satisfatórios no que se refere ao melhor atendimento às demandas requeridas pela sociedade; enquanto que em outros permanecem precárias condições de vida, colocando a população em situação de extrema pobreza. Assim, somos induzidos a afirmar que a municipalização foi um processo que, dentre outros resultados, contribuiu para reproduzir a desigualdade social e espacial já existente, quando deveria solucioná-la.

 

É nesse contexto que o município deve atender a um dos seus desafios imposto pela Constituição de 1988: promover a gestão social em prol de um melhor desenvolvimento socioespacial. Emerge, portanto, no âmbito de toda essa discussão, a proposta de desenvolvimento local. Para os críticos do desenvolvimento local, essa proposta pode ser entendida como uma transferência de responsabilidade; isto é, as ações que até 1988 eram da responsabilidade do Governo Federal passaram para os estados e municípios. No entanto, sem correspondente suporte financeiro, bem como capacidade de gestão, os municípios têm enfrentado grandes dificuldades para atender as crescentes demandas da população. Devido à fragilidade financeira, a maioria dos municípios tem assumido tão somente aspectos básicos da gestão social, destacando-se a saúde e a educação; e, numa escala menor, a assistência social e os direitos da criança e do adolescente.

 

A gestão social das políticas públicas nas pequenas cidades do território potiguar

 

Quando falamos de gestão social nas pequenas cidades, estamos praticamente nos limitando aos setores de saúde, educação e assistência social; bem como aos direitos da criança e do adolescente, pois são estes os setores que mais têm se destacado no âmbito do processo de descentralização após Constituição de 1988, justificando assim a nossa opção em estudá-los. Muito embora sejamos conscientes de que outros setores também devem está inseridos no contexto das políticas sociais, tais como: saneamento, transportes, habitação, segurança etc, optamos por fazer uma análise que contemple, principalmente, a forma pela qual tem sido encaminhado o processo de descentralização nas pequenas cidades do Rio Grande do Norte, considerando, portanto, a participação popular no processo de gestão social das políticas públicas.

 

A nossa pesquisa revelou que em todos os municípios do Rio Grande do Norte a educação encontra-se municipalizada. Todavia, no caso específico das pequenas cidades, o município é responsável apenas pelo Ensino Fundamental; e, em grande parte, apenas pelas quatro primeiras séries deste nível. A nosso ver, isso se deve a duas questões básicas: a falta de condições infra-estruturais efetivas para que o município ofereça todas as séries do Ensino Fundamental e a falta de pessoal qualificado para suprir a demanda tanto das disciplinas escolares quanto de atividades técnicas atreladas à formação educacional. Para suprir essas deficiências, a maioria das prefeituras assumiu o financiamento do transporte escolar, para que os alunos dêem continuidade aos seus estudos em cidades próximas.

 

Ressaltamos que no Rio Grande do Norte 86% das 155 pequenas cidades, possuem o Ensino Fundamental completo. Porém, em apenas 5% destas pequenas cidades encontramos escolas que oferecem o Ensino Médio. Esse dado pode ser apontado como um dos principais responsáveis pelo baixo índice de escolaridade existente nas pequenas cidades do Rio Grande do Norte.

 

Em nosso entendimento, essa realidade se constitui num desestímulo aos estudantes, que têm de se deslocar para outras cidades, muitas vezes correndo risco de vida, uma vez que, na sua maioria, os transportes utilizados encontram-se em precárias condições. Da mesma forma, essa é uma situação desconfortável para o município, que pode ver a sua estatística educacional marcada pelo analfabetismo e pela evasão escolar, condições que podem ser limitantes no processo de implementação de políticas sociais.

 

O setor de saúde, assim como o de educação, encontra-se num nível de municipalização considerável quando a questão é a atenção básica de saúde. Esta é da total responsabilidade dos municípios, sendo então efetuada nas chamadas unidades básicas de saúde. Esse serviço conta com recursos oriundos do Governo Federal, que são repassados diretamente para os municípios. Os serviços de atenção básica constam de atendimentos de consultas e algumas emergências, isto é, serviços que são classificados como de baixa complexidade. Enquanto os atendimentos de média e alta complexidade são de responsabilidade da unidade da Federação, cabendo a esta também fiscalizar a efetivação dos serviços de atenção básica realizados pelos municípios.

 

No Brasil como um todo, o setor de saúde apresenta carências imensuráveis, até porque, com o nível de pobreza social existente, é muito difícil obter-se um padrão de saúde razoável. Porém, no caso das pequenas cidades do Rio Grande do Norte, a situação ainda é mais grave. Gravidade essa que está atrelada não somente às condições locais, mas àquelas predominam no próprio estado.

 

Em 2004, segundo informação do Ministério da Saúde, o Rio Grande do Norte era o estado do nordeste brasileiro com menor cobertura em unidades básicas de saúde. Embora apresentando divergência em relação aos dados apresentados pela Secretaria Estadual de Saúde, os números que esta informação do Ministério da Saúde oferece deixa o estado em última colocação no atendimento básico de saúde, uma vez que a média exigida é de no mínimo 17,53 unidades básicas para cada 100 mil habitantes; e, no Rio Grande do Norte, essa média é atualmente de 15,5 unidades pelo referido número de habitantes.

 

Além do aspecto quantitativo não ser suficiente, o aspecto qualitativo ainda torna mais vulnerável o sistema de saúde no Rio Grande do Norte. Realidade essa que é reconhecida pelo Secretário Adjunto da Secretaria da Saúde Pública – Sesap, Senhor George Tarcísio, ao assinalar que as unidades básicas de saúde do estado Rio Grande do Norte não funcionam plenamente, e aponta a falta de qualificação profissional como um dos principais motivos. Os postos de saúde estão longe de atender às demandas da sociedade de uma forma plena. Faltam medicamentos e materiais indispensáveis a qualquer tipo de atendimento. O número de médicos nas pequenas cidades é insuficiente, até porque a maioria dos municípios conta apenas com apenas um médico, que tem de atender a todo o município, ou seja, tanto a zona rural quanto a zona urbana. Em decorrência disso é que, quase sempre, os postos de saúde localizados nas cidades contam com o atendimento médico em dois ou três dias da semana, já que nos demais, ele tem que se deslocar para a zona rural.

 

Essa realidade traz para o paciente um longo período de espera, que, dependendo do problema de saúde ao qual o mesmo está submetido, pode ser fatal. Isto porque, como os serviços prestados nos postos de saúde são do tipo básico, os pacientes têm de ser encaminhados para os centros que prestam serviços de maior complexidade.

 

No Rio Grande do Norte, os principais centros de atendimento a casos de média e alta complexidade são: Natal e Mossoró; enquanto Currais Novos, Caicó e Pau dos Ferros são considerados prestadores de serviços de média complexidade. Ressaltamos que em algumas situações, os serviços especializados são encontrados apenas em Natal. Isso mostra que existe uma centralização acentuada nos serviços de saúde, dificultando ainda mais o atendimento às populações oriundas do interior, uma vez que a própria estrutura dessas duas cidades – Natal e Mossoró – é insuficiente para atender até mesmo à sua demanda local.

 

Todo esse quadro de referência pode ser apontado como responsável pela precária realidade que impera no setor de saúde no Rio Grande do Norte e, particularmente, nas pequenas cidades. No entanto, um outro fator é por nós considerado como de grande responsabilidade por toda essa situação. Estamos nos referindo à questão política. O processo de descentralização não foi acompanhado por um igual processo de conscientização política, não somente por parte dos gestores públicos, mas também pela própria sociedade. No entanto, entendemos que a responsabilidade dos gestores públicos é bastante significativa, uma vez que é necessário ter consciência da importância de uma sociedade saudável na atual conjuntura política e econômica. Porém, existe um fator que é extremamente negativo nesse contexto, que tem interferido historicamente de forma bastante contrária nas ações de assistência à saúde. Nas pequenas cidades, fica evidente a negligência no cumprimento das atividades necessárias para garantir o atendimento adequado. Como expressão dessa realidade, verificamos a aquisição de ambulâncias por parte das prefeituras, que procuram com essa medida, mascarar a sua inoperância junto à sociedade. 

 

O uso da ambulância não se faz apenas no sentido do atendimento a urgências hospitalares, mas também como um importante instrumento eleitoral, uma vez que a falta de conscientização e de informação dos que têm utilizado esse serviço os faz entendê-lo como um benefício prestado pelo prefeito, o que lhe impõe fidelidade partidária; deixando de ser visto como uma obrigação que a prefeitura tem para com o cidadão, visto que a saúde está sob a responsabilidade municipal.

 

Tratando-se de assistência social e de direitos da criança e do adolescente, podemos assinalar que, certamente, esse é um aspecto que se apresenta ainda mais frágil que os demais já mencionados. Transcorridos quinze anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente e cinco anos da aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social, ainda é lento o processo de institucionalização e de participação popular no âmbito dos municípios do Rio Grande do Norte. Particularmente, essa situação ainda é mais contundente quando se trata das pequenas cidades. As experiências mais significativas que encontramos tem sido a “Casa da Família. Trata-se de um programa que, embora não esteja vinculado diretamente à criança ou ao adolescente, tem sido o seu público principal. Nesse caso, atendimentos odontológicos, psicológicos e outros tipos de acompanhamento são feitos junto às crianças e seus familiares.

 

Em nossa compreensão, essa realidade decorre do fato de que a criação de mecanismos institucionais de participação popular, por si, só não são suficientes. Para que ocorra um verdadeiro processo de participação popular e, por conseguinte, uma nova forma de gestão, faz-se mister que mudanças sejam efetivadas não apenas nas atitudes isoladas, mas, principalmente, nas práticas dos sujeitos coletivos envolvidos, que assim serão os responsáveis pela formulação e implementação destas políticas.

 

Portanto, embora reconhecendo que nos diversos setores aqui mencionados ainda não podemos falar de um verdadeiro processo de descentralização política e, por conseguinte, falar de uma participação popular plena e eficaz, entendemos que a criação de Conselhos Municipais nas áreas de educação, saúde e assistência à criança e ao adolescente, deve ser considerada como um passo importante nesse processo.

 

Embora os dados e informações disponibilizados ainda sejam insuficientes, procuraremos fazer uma análise da atuação e do funcionamento desses Conselhos, no âmbito das pequenas cidades do Rio Grande do Norte. Para nós, os Conselhos Municipais são a forma pela qual se permite uma maior participação da sociedade civil em algumas instituições do Estado, sobretudo nos anos de 1990. Compreendê-los a partir dos seus limites, possibilidades e contradições parece-nos um bom exercício para verificarmos o alcance e as inovações do processo de democratização que é vivenciado pela sociedade brasileira.

 

Os conselhos municipais nas pequenas cidades do Rio Grande do Norte

 

No atual contexto político brasileiro, marcado por uma proposta de descentralização política, compreender o papel dos Conselhos Municipais nas pequenas cidades apresenta-se para nós como algo de muita importância e de caráter bastante instigante. Isto porque, no cerne do debate sobre a relação entre Estado e Sociedade no Brasil, os Conselhos Municipais, enquanto instrumentos de gestão participativa, constituem-se em espaços importantes na formulação e na fiscalização de políticas públicas. Assim sendo, a participação popular e a descentralização política são questões que não podem ser negligenciadas quando está em pauta a apreensão da real natureza dos mecanismos institucionais de gestão participativa existentes ou não nas pequenas cidades do Rio grande do Norte.

 

Felicíssimo (1994), analisa a descentralização, segundo os seguintes eixos: administrativo, econômico e político, tomando como referência dois modelos – o democratizante e o neoliberal. O eixo administrativo diz respeito à transferência, dentro do Estado, de funções, recursos e competências de um nível superior ou central para um nível local (que pode ser estadual, municipal, empresas descentralizadas etc). No que concerne ao eixo econômico, trata-se das transferências de recursos e partes completas do aparelho do Estado para a iniciativa privada. Essa prática se fundamenta em argumentos de que a iniciativa privada é mais eficiente. Quanto ao eixo político, este se refere a uma mudança dos mecanismos de decisão política, resultando, portanto, numa maior democratização do Estado e da sociedade (Felicíssimo, 1994: 47-49).

 

Na realidade, embora esses três eixos sejam importantes nesse contexto, o eixo econômico pode vir a ser um limitante no processo de descentralização e de participação. Entendemos que não basta a autonomia política; a autonomia financeira é fundamental. Embora tenham conquistado uma certa autonomia política na Constituição de 1988, os municípios não tiveram assegurada a autonomia econômica e financeira; ou seja, não lhes foi dado o real poder para promover o desenvolvimento local, apesar de ter ocorrido um aumento considerável dos valores repassados aos municípios brasileiros, como já demos a conhecer. Entretanto, considerando a realidade socioespacial existente nos pequenos municípios, o volume de recursos repassados atualmente é insuficiente para que estes consigam responder às inúmeras demandas e responsabilidades que lhes são atribuídas, em nome da descentralização e da municipalização.

 

No que diz respeito à participação da sociedade no processo de gestão, ainda não é evidente que os Conselhos Municipais possam ser vistos como garantia de uma efetiva democratização das decisões no âmbito das políticas públicas. Para nós, até o momento, os Conselhos têm se constituído muito mais em uma formalidade legal, que garante o repasse de recursos federais aos municípios, já que a maior parte dos Conselhos vem se caracterizando como uma forma meramente simbólica de participação da sociedade. Na maioria das pequenas cidades analisadas, a representatividade é apenas de caráter formal, uma vez que ainda persiste o estilo centralizador e autoritário nas decisões de governos municipais, com ações formuladas “de cima para baixo”, cabendo aos Conselhos o papel de referendá-las.

 

Essa realidade pode ser atribuída a dois fatores: a história política do país, marcada por vinte anos de uma ditadura, que tinha nas suas bases de formação, o rompimento com qualquer ação democrática, prevalecendo ações fragmentadas e descontínuas, distantes da sociedade e de seus objetivos; e ao despreparo da sociedade no âmbito civil, cultural e, principalmente, político para assumir a prática democrática e cidadã, rompendo assim com todos os princípios até então estabelecidos.

 

Com relação ao segundo fator – o despreparo da sociedade civil –, a pesquisa revelou que nas pequenas cidades, a maior parte dos representantes da sociedade civil organizada, tais como: associações de bairro, associações de jovens e de idosos, não possuem um bom nível de informação, capacitação teórica, técnica e política necessárias ao exercício da participação nos Conselhos. Isso, certamente, dificulta a definição de políticas, principalmente do controle social. Embora os Conselhos Municipais sejam, na atualidade, importantes fóruns de negociação coletiva, o pouco interesse e a pouca compreensão por parte da população sobre o papel que ela deve desempenhar nessa nova forma de definição e de encaminhamento das políticas públicas também devem ser considerados, uma vez que dificultam a consolidação de práticas participativas e democráticas.

 

Os mecanismos institucionais que permitem a participação popular expressos na Constituição Federal e nas Leis Orgânicas Municipais abre a possibilidade de que os interesses corporativos e eleitoreiros sejam vetados, fazendo prevalecer o interesse público. É nesse sentido que os Conselhos Municipais de gestão participativa devem atuar e vir a ser uma garantia da participação da sociedade nos processos decisórios na definição das políticas públicas para o desenvolvimento social. Entretanto, a sociedade civil brasileira ainda se encontra pouco mobilizada, de modo que até mesmo aqueles setores que, historicamente se apresentavam como setores organizados, expressam, na atualidade, um desconhecimento da importância dos Conselhos enquanto mecanismo de controle social.

 

A existência de Conselhos é no atual contexto de descentralização política no Brasil, uma das condições básicas para que o município receba recursos dos governos federal ou estadual. Esse fato é o que explica a existência de inúmeros Conselhos, merecendo destaque aqueles cujas leis complementares já avançaram na sua regulamentação, como é o caso dos Conselhos de saúde, de educação, de assistência social e da criança e adolescente.

 

Diante do exposto e na tentativa de enfrentar os desafios colocados, realizamos a pesquisa sobre o perfil dos Conselhos Municipais de gestão participativa nas áreas de saúde, educação, assistência social e direitos da criança e do adolescente, num caráter eminentemente exploratório, constituindo-se numa iniciativa que busca subsidiar o enfrentamento dos impasses observados em torno da participação nos referidos Conselhos.

 



Notas

 

[1] No presente estudo, as pequenas cidades correspondem àquelas que possuem menos de 20000 habitantes.

 

[2] No Brasil, as experiências de descentralização intensificadas a partir da Constituição de 1988 fazem parte do processo de reforma do Estado. Com isso, estados e, principalmente, municípios foram dotados de maior autonomia política e se constituíram nos protagonistas do planejamento, da reestruturação urbana e da implementação de políticas públicas setoriais.

 


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© Copyright Rita de Cássia da Conceição Gomes, Anieres Barbosa da Silva, Valdenildo Pedro da Silva 2005.

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Ficha bibliográfica:

CASSIA, R.; BARBOSA, A.; DA SILVA, V. Gestão social das políticas públicas nas pequenas cidades. Scripta Nova. Revista electrónica de geografia y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (9). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-9.htm> [ISSN: 1138-9788]

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