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ATUAÇÃO DO PÚBLICO E DO PRIVADO NA ESTRUTURAÇÃO DO
MERCADO DE TERRAS DE PORTO ALEGRE (1890-1950)
Tânia Marques Strohaecker
Professora no Departamento
de Geografia - UFRGS, Brasil.
E-mail: tania.strohaecker@ufrgs.br
Atuação do público e do
privado na estruturação do mercado de terras de Porto Alegre (1890-1950) ( Resumo)
A estruturação atual das cidades
brasileiras é produto de um longo processo de idealização, construção,
destruição e reprodução dos espaços frente à atuação de diferentes agentes
sociais. Entre os agentes modeladores do espaço urbano destacam-se os
proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores
imobiliários e o Estado. O trabalho procura analisar o processo de estruturação
urbana de Porto Alegre (RS/Brasil), no período de
Palavras-chave:
companhias
de loteamento, agentes modeladores do espaço urbano, proprietários fundiários,
estruturação urbana de Porto Alegre.
Public and private performance in the struturation of
the land market of
Today’s
structuring of Brazilian cities is a product of a long term idealization,
construction, destruction and reproduction processes of spaces produced by
different social agents. Among the urban space modeling agents, the most
evident are the resource capitalists, landowners, real-estate developers and
the State. This work seeks to analyze the urban structuring of Porto Alegre,
the capital city of the State of Rio Grande do Sul, Brazil, from 1890 to 1950,
focusing on the strategy of the State, at the municipal, and the real-estate
developers, considering, the new world order that promotes city modernization as being essential to
capitalist economic integration.
Keywords: real-estate
developers, urban space modeling agents, landowners, urban structuring of
A pesquisa baseou-se
principalmente em fontes primárias como: os relatórios anuais das companhias
publicados na imprensa durante os anos de
O texto está estruturado em
três partes: na primeira, analisa-se a formação do capital imobiliário e o
surgimento das companhias de loteamento, destacando-se a atuação da Companhia
Territorial Porto Alegrense na última década do século XIX. Após, destaca-se o
ideário da modernização encabeçado pelo Estado frente às pressões do capital
emergente e a atuação da Companhia Predial e Agrícola, a principal detentora de
terras da cidade nas primeiras décadas do século XX. Na terceira parte, analisa-se
a reforma urbana empreendida por três governos sucessivos, concomitantemente à
atuação da Schilling & Kuss Cia. Ltda., principal empresa loteadora
Portanto, o trabalho analisa
conjuntamente as estratégias de dois agentes urbanos (Estado e promotor
fundiário), pois entende-se que suas ações espacializadas, respectivamente, na
área central e na periferia urbana, foram responsáveis, entre outros fatores,
pelas contradições sócio-espaciais da cidade atual.
A
formação do capital imobiliário e as companhias de loteamento
A partir de 1860, Porto
Alegre começa a sair da letargia de quarenta anos com a decadência do ciclo do
charque no sul da Província devido à concorrência platina e à gradativa
organização comercial das colônias alemãs. A capital se impõe como pólo
comercial passando a ser alvo de maciços investimentos.
Diversos melhoramentos
urbanos são introduzidos frente às inovações tecnológicas da época, como o
telégrafo (1867), os bondes à tração animal (1873), a estrada de ferro e a
iluminação a gás (1874), a rede de abastecimento de água (1876), o serviço
telefônico (1886), que fornecerão os serviços e equipamentos indispensáveis à
emergência do capitalismo.
O excedente apropriado pelo
grande capital comercial passa a ser canalizado para atividades manufatureiras,
exploração de serviços públicos, além do investimento no mercado de terras,
sobretudo a partir da última década do século XIX, com a constituição de várias
companhias de loteamento.
A reforma monetária
empreendida nos primeiros anos da República, conhecida como Encilhamento,
propiciou o surgimento de inúmeras empresas, fábricas e companhias em todo o
país. No Rio Grande do Sul, os efeitos do Encilhamento se estenderam
aproximadamente até 1895 (Pesavento, 1990: 76). Essa reforma dinamizou o setor
financeiro em virtude das facilidades que concedeu à emissão e concessão de
crédito.
A partir desse contexto
favorável, começaram a ocorrer alianças entre grandes capitalistas de diversos
segmentos econômicos (proprietários fundiários, banqueiros, grandes
comerciantes, políticos) para a constituição de companhias de exploração de
serviços públicos, companhias de loteamento, além de companhias de seguros,
fábricas e instituições financeiras.
O crescimento demográfico
registrado no período 1880-1890
A Companhia Territorial
Porto Alegrense, fundada em 15 de setembro de 1892, tinha como objetivos
fixados em seus estatutos: a compra de bens de raiz, especialmente de terrenos
e prédios no município de Porto Alegre, a venda de terrenos e lotes, abertura
de ruas ou avenidas, a exploração e venda de materiais existentes em suas
propriedades (madeira, pedra, saibro, aterro), construção de prédios em suas
propriedades. Os incorporadores dessa companhia eram o tenente-coronel Manoel
Py, o comendador Antonio Chaves Barcellos pertencente à família tradicional e
abastada, o capitalista e proprietário fundiário Eduardo de Azevedo Souza Filho
e o empresário José Luiz Moura de Azevedo.
A Companhia Territorial
Porto Alegrense atuou principalmente na zona norte da cidade, loteando bairros
como Navegantes, São Geraldo e parte dos atuais bairros São João e
Higienópolis, além de outras áreas. A empresa promovia loteamentos distintos
para grupos de renda diferenciados, conforme o sítio e a localização dos
mesmos. Dessa forma, o loteamento Bela Vista, localizado em área salubre e
adjacente aos bairros nobres da Independência e Moinhos de Vento, foi lançado
visando o mercado de classe média, constituído basicamente de descendentes de
portugueses que exerciam atividades ligadas ao comércio da cidade. Por outro
lado, os loteamentos Navegantes-São João e Várzea do Gravataí, localizados em
áreas sujeitas a inundações e distantes do centro urbano, foram destinados às
classes operárias, principalmente imigrantes (italianos, alemães e poloneses),
que procuravam residir nas proximidades das fábricas. Nesse período, a
indústria porto-alegrense distribuía-se longitudinalmente às margens do lago
Guaíba e à ferrovia.
A partir de
A Companhia Territorial Rio
Grandense, fundada em seis de agosto de 1895, tinha como diretores José Caetano
Ferraz Teixeira e Francisco Cândido Lopes. Esta empresa teve curta duração,
pois, em assembléia geral extraordinária de 2/10/1899, a diretoria resolveu
proceder à respectiva liquidação, sendo suas propriedades leiloadas, conforme
anúncios veiculados nos principais jornais da época. A área de atuação dessa
empresa compreendia loteamentos no arraial da Piedade (hoje bairro Rio Branco),
nas adjacências do Campo da Redenção (atual bairro Bom Fim), e cortes de
chácaras nos arrabaldes de Teresópolis, Partenon e Glória.
A Companhia Rural e
Colonizadora fundada em junho de 1896 tinha como incorporadores Conrado Campo
Penafiel, José Luiz de Moura Azevedo, Domingos de Souza Brito, Lourenço
Guimarães e Carlos Trein Filho. O patrimônio fundiário estava concentrado nos
arrabaldes de Teresópolis e Glória. Esta empresa também teve curta duração,
pois, em 1898, ocorreu a sua fusão com a Companhia Predial e Agrícola.
A Companhia Predial e
Agrícola fundada em 7 de janeiro de 1897, tinha objetivos mais amplos do que
suas concorrentes. Sua atuação não se restringia ao município de Porto Alegre,
mas também ao interior do Estado, com interesse em comercializar terras para
colonização e empreitar a construção de obras e estradas. Os incorporadores
desta companhia eram Eduardo de Azevedo Souza Filho, José Luiz Moura de
Azevedo, Manoel Py e seu genro Possidônio Mâncio da Cunha Júnior. Entre seus
acionistas constavam tanto pessoas físicas como jurídicas, destacando-se E. de
Azevedo & Cia. e o Banco da Província. Esta companhia foi a única entre as
citadas que conseguiu sobreviver à crise econômica do final do século XIX e
início do XX, estando em pleno funcionamento até os dias atuais.
A área de atuação inicial da
Cia. Predial e Agrícola compreendia a zona sudeste de Porto Alegre,
principalmente os arrabaldes da Glória e Teresópolis. Devido às condições do
sítio -mata exuberante, profusão de nascentes e cursos d,água, topografia
acidentada e acessibilidade dificultada – foram comercializados primeiramente
para fins de veraneio e sítios de lazer.
Práticas
das companhias de loteamento
A partir da análise dos
relatórios anuais das empresas, publicados nos jornais da época, bem como nos
documentos existentes no arquivo morto da Junta Comercial de Porto Alegre, e da
planta dos loteamentos lançados pela extinta Cia. Territorial Porto Alegrense,
pode-se constatar algumas práticas e estratégias comuns:
· Compra de ações de empresas localizadas nas áreas loteadas - a Cia. Territorial Porto Alegrense adquiriu 800 ações da Cia. Carris de Ferro Porto Alegrense e 60 ações da Cia. Casa de Saúde Bela Vista (atual Hospital Militar), com o intuito de valorizar seus imóveis para comercialização (A Federação, 18/02/1895).
O emergente setor
imobiliário de Porto Alegre teve no Estado um forte aliado. De fato, as mínimas
restrições legais impostas pelo poder público municipal, proporcionaram ampla
liberdade de ação aos empreendedores. O Código de Posturas Municipais sobre
Construções, de 1893, exigia apenas aos interessados em doar ruas à
municipalidade anexar ao requerimento uma planta com a situação das mesmas e
sua orientação em relação às ruas vizinhas, mesmo no caso de terrenos
suburbanos.
Não havia por parte da
Municipalidade restrições à testada mínima dos imóveis, tampouco à relação
desproporcional entre largura e comprimento dos lotes. A Intendência exigia
apenas um alinhamento de quatro metros das construções em relação à rua e que a
área edificada não ultrapassasse a dois terços da área total do imóvel.
Na realidade, era apenas
obrigatório que as novas áreas loteadas tivessem os imóveis voltados para
logradouro público. As ruas e avenidas doadas para servidão pública pelas
companhias loteadoras eram precárias. Não havia pavimentação nem previsão de
escoamento das águas servidas, o máximo que se fazia era aterrar o leito da rua
com um parco recobrimento de areião e cascalho que, com o passar do tempo,
desaparecia por completo, cedendo lugar à lama e aos buracos. Obras de
infra-estrutura para redes de água, energia e esgoto também não eram exigidas
pelo poder público municipal às empresas.
As despesas das empresas
limitavam-se ao custo inicial das glebas, bem como sua avaliação, escritura ou
título Torrens, aterros, drenagem, medição, demarcação, registro e indicação do
nome das vias. O lucro provinha da diferença entre o preço de compra e o de
venda, embutidos os custos de produção e promoção dos empreendimentos.
A análise do contexto do
final do século XIX revelou as intrincadas relações dos diferentes agentes
econômicos dispostos no novo cenário republicano com a emergência do
capitalismo. Um breve estudo da biografia dos principais empreendedores das
companhias de loteamento demonstrou como suas ações permeavam todos os setores
da economia urbana, conforme apresentado no quadro Nº 1.
As principais companhias
loteadoras adotavam uma delimitação bem clara das áreas de atuação para a
promoção fundiária. A partir do centro de Porto Alegre foram identificados três
direcionamentos básicos: para o norte pela Territorial Porto Alegrense, para
leste pela Territorial Rio Grandense e para o sudeste pela Cia. Predial e
Agrícola.
As práticas das companhias
de loteamento analisadas demonstram o grande interesse na valorização de seus
empreendimentos através da incorporação de bens, usos e serviços. A reserva de
grandes áreas dentro dos loteamentos por parte dos capitalistas revela a
preocupação no direcionamento dos recursos para um setor com lucratividade
garantida em longo prazo, em um período marcado por forte desvalorização
monetária e expansão da demanda real. Por outro lado, as mínimas exigências
regulamentadas pelo poder público municipal para os novos loteamentos indicam a
ampla liberdade de ação dos promotores fundiários que, coincidentemente,
ocupavam importantes cargos públicos.
Portanto, pode-se afirmar
que, a partir da última década do século XIX, a figura isolada do proprietário
fundiário começa a desaparecer do cenário da capital cedendo lugar às
companhias de loteamento, criadas especificamente para atuar no mercado de
terras.
Cargos
nos setores público e privado dos principais acionistas da Cia. Predial e
Agrícola
Principais
acionistas da Cia. Predial e Agrícola |
Cargos
no setor privado |
Cargos
no setor público |
Manoel Py |
-Diretor da Cia.
Hidráulica Porto Alegrense -Diretor da Cia. Carris
Porto Alegrense -Diretor da Cia. Gráfica
Porto Alegrense -Diretor do Banco
Comercial Franco-Brasileiro -Fundador e sócio
majoritário da Cia. Fiação de Tecidos Porto Alegrense – Fiateci |
-Tenente-coronel da Guarda
Nacional -Deputado estadual por 4
mandatos (1893-1909) -Deputado Federal |
Possidônio Mâncio da Cunha
Jr. |
-Presidente da Cia. Força
e Luz Porto Alegrense -Presidente da Cia.
Telefônica Rio Grandense -Presidente da Cia.
Previdência do Sul -Incorporador da Sociedade
Colonizadora Catarinense -Sócio e presidente da
Cia. Fiateci -Incorporador do Banco
Franco Brasileiro -Diretor da Cia. Gráfica
Porto Alegrense |
-Secretário Estadual da
Fazenda e de Obras Públicas -Deputado estadual -Deputado federal -Relator de Finanças da
Assembléia Legislativa |
José Luiz Moura de Azevedo |
-Diretor-presidente do
Banco Nacional do Comércio S.A. -Diretor-gerente da Cia.
Territorial Porto Alegrense -Diretor da Cia.
Hidráulica Porto Alegrense -Diretor-secretário da
Cia. Carris Porto Alegrense |
-Major da Guarda Nacional |
Fonte: Elaboração da autora a partir de levantamento das biografias dos referidos acionistas.
O
ideário da modernização e a expansão da cidade
A cidade repleta de
vestígios da época colonial começa a "incomodar". Discursos
inflamados e artigos nos jornais clamam pela modernização de Porto Alegre,
principalmente quanto ao saneamento, à viação urbana e ao embelezamento geral.
Na realidade, é a nova ordem econômica emergente no país que exige esses
melhoramentos. Assim, os escassos recursos disponíveis são canalizados
primordialmente para o centro da cidade e para aquelas áreas onde o grande
capital começava a ser locado.
José Montaury, representante
do Partido Republicano Rio Grandense (PRR) de matriz positivista, permaneceu
frente à Intendência Municipal por vinte e sete anos (1897-1924), período no
qual foram realizados vários melhoramentos entre os quais se destaca a
municipalização dos serviços públicos de infra-estrutura, a construção do cais
do porto com recursos estaduais, a extensão da rede de abastecimento de água e
de energia elétrica para os bairros mais próximos do centro, elaboração do
primeiro plano urbanístico de Porto Alegre pelo arquiteto João Moreira Maciel.
Observa-se a preocupação do
poder público municipal com a estruturação da cidade a partir do seu núcleo
central, onde ocorrerão as maiores transformações, bem como nas áreas de
implantação industrial valorizadas pelo capital. As práticas do Estado refletem
as exigências de ruptura com o passado colonial e de afirmação de uma imagem
urbana condizente com os novos tempos. Os modelos inspirados em outras capitais
como Rio de Janeiro e Recife, reforçam a necessidade de Porto Alegre
preparar-se para sua nova função urbana de pólo industrial, atraindo
investimentos e, conseqüentemente, população.
O fluxo demográfico
crescente gera na cidade uma demanda significativa por habitação que se
concretiza, por um lado, na utilização de antigas casas como cortiços, pensões
e estalagens na área central para as camadas mais pobres e, por outro lado, na
formação de novos bairros residenciais nas direções norte e sul, para os quais
se dirigem as camadas médias, formadas por funcionários públicos, militares,
empregados qualificados do comércio e da indústria, que possuíam uma
remuneração estável e suficiente para as despesas de transporte, aquisição de
terreno e construção de uma casa.
O poder público municipal
passa a controlar de modo mais efetivo o uso e ocupação do solo na área central
com a promulgação, em 1913, do Regulamento Geral de Construções. Entre seus
vários dispositivos, destaca-se a proibição para a construção de prédios em
madeira na zona servida por rede de esgotos (área central), a exigência de
cercamento de terrenos baldios na zona urbana e a isenção de imposto predial e
territorial para todas as edificações construídas a partir de 1/1/1914 com boas
condições de habitabilidade. Dessa forma, ocorre uma pressão velada para a
saída dos moradores da área central que não se adequavam às novas normas
urbanísticas.
A Companhia Predial e
Agrícola foi a única empresa que conseguiu sobreviver aos difíceis anos que
deram início ao século XX. Com a incorporação das extintas companhias
Territorial Porto Alegrense, Territorial Rio Grandense e Cia. Rural e
Colonizadora, a Companhia Predial e Agrícola praticamente monopolizou o mercado
de terras da capital do Estado até a metade da década de 1920. Ela detinha um
patrimônio fundiário considerável na periferia da cidade em arrabaldes ou
bairros emergentes da zona sul (Glória, Teresópolis, Partenon), como nos bairros
ao norte da capital (Navegantes, São João, Higienópolis e Auxiliadora).
De 1908 até o início da
Primeira Guerra Mundial, em 1914, ocorre um incremento significativo no volume
de negócios do setor imobiliário. Esse aumento da demanda reflete-se no âmbito
de toda a cidade com a introdução dos bondes à tração elétrica, a implantação
de várias fábricas e melhoramentos urbanos. De fato, as vendas de imóveis
crescem extraordinariamente. Através da análise do número de contratos
efetuados anualmente desde a fundação da Cia. Predial e Agrícola, percebe-se
que, em média, eram contratados cerca de cinqüenta imóveis por ano. Mas, em
1909, ocorre um aumento no volume de vendas para 184 imóveis, um incremento de
268%. Esse desempenho se deve primordialmente à introdução dos bondes à tração
elétrica na cidade, a partir de 1908, o que permitiu o deslocamento dos
estratos de renda média para bairros mais distantes do centro com a facilidade
e rapidez do novo sistema de transporte coletivo.
No período de
Os melhoramentos públicos
empreendidos nos bairros industriais de Navegantes e São João, sobretudo em
infra-estrutura (redes de água e energia elétrica) e no sistema viário
(terraplanagem, calçamento e pavimentação) impulsionaram o crescimento na
comercialização de imóveis e construção de residências a partir de
A
reestruturação do centro e seus reflexos na cidade
Em meados da década de 1920,
Porto Alegre começa a apresentar modificações crescentes em sua paisagem,
fortalecendo a função de pólo industrial e ampliando a população residente. O
setor imobiliário apresenta um crescimento notável e a expansão da cidade
ocorre de forma desordenada, principalmente na zona suburbana, onde não havia
legislação urbanística incidente.
Após a longa administração
do Intendente José Montaury, três novos dirigentes se sucederam no comando do
Município, colocando em prática muitos projetos concebidos no Plano de
A legislação urbanística foi
um dos instrumentos políticos que viabilizou o processo de segregação
sócio-espacial. O Decreto 108, de 10/09/1927, regulamentava a abertura de vias
de comunicação e o disciplinamento dos empreendimentos imobiliários no
município. Inovou ao tratar de áreas a serem doadas à municipalidade dentro dos
loteamentos, quando se considerasse relevante a inclusão de praças, jardins e
largos. Esse princípio urbanístico aparentemente de cunho apenas estético foi
importante para o conjunto da cidade, pois distribuiu de forma equilibrada os
espaços públicos e privados, contribuindo significativamente para a qualidade
ambiental urbana.
Houve a preocupação do poder
público com o Decreto 108 em padronizar as vias quanto à sua localização, ou
seja, em área urbana, suburbana ou rural. Assim, para as vias públicas dentro do
perímetro urbano era exigido calçamento de paralelepípedo ou concreto, meio fio
de granito, construção de obras de arte para o escoamento das águas pluviais,
redes de água, esgoto e iluminação, arborização nos passeios e placas com a
nomenclatura das vias. Para as vias públicas entre o perímetro urbano e
suburbano, onde ocorreram os principais loteamentos da época, era exigida uma
calha lateral de paralelepípedos, leito entre calhas de macadame simples,
construção de obras de arte para escoamento das águas pluviais e placas com
nomes das ruas. As redes de infra-estrutura eram de responsabilidade da
Intendência Municipal. Para as vias entre o perímetro suburbano e o rural era
exigido apenas um leito carroçável com cascalho e valetas para o escoamento das
águas pluviais.
O Decreto 115/1927
regulamentava a delimitação do município e sua divisão territorial em distritos
e zonas (urbana, suburbana e rural). A zona urbana foi retificada para
O Decreto 180, de 19/12/1927, estabelecia o imposto sobre imóveis, classificando os prédios por localização, densidade e tipologia, conforme demonstra o Quadro Nº 2. Assim, os imóveis na zona urbana eram taxados em dobro em relação aos situados na zona suburbana. Quanto à densidade, os imóveis de apenas um pavimento tinham uma taxação maior em relação aos imóveis verticalizados, incentivando, portanto, o adensamento urbano e a racionalização econômica da infra-estrutura instalada.
Especificação |
Distribuição
Percentual (%) |
LOCALIZAÇÃO Zona urbana Zona suburbana |
10 5 |
DENSIDADE 1 pavimento De De 6 andares e mais |
20 5 2 |
TIPOLOGIA Cortiços/porões De madeira Mista |
50 50 25 |
Fonte: Porto Alegre, Decreto-lei n0 180, de 19/12/1927.
Além disso, o Decreto 180
estabelecia o imposto predial diferenciado, conforme a localização e tipologia
dos prédios, passando a taxar também os terrenos não edificados, com o objetivo
de minimizar a especulação imobiliária já existente na época, conforme
demonstra o Quadro Nº 3.
As companhias de loteamento
usufruíam de certas regalias em relação à cobrança de impostos municipais, uma
vez que estavam isentas de taxação por um ano a contar da data da abertura das
vias, com exceção dos lotes já comercializados que passariam imediatamente a
ser taxados, assim, os novos proprietários é que arcavam com a tributação.
A gestão de Alberto Bins, de
Localização |
Valor
(em réis) por metro de frente |
Núcleo Central
(Andradas/São Rafael/ Júlio de Castilhos) |
100$000 |
Do Núcleo Central até
Ramiro Barcelos |
50$000 |
Área da Floresta |
30$000 |
Ärea da Redenção |
25$000 |
Cidade Baixa |
15$000 |
São João |
5$000 |
Navegantes |
2$000 |
Da Protásio Alves até
Bento Gonçalves |
1$000 |
Demais áreas |
Sem imposto |
Fonte: Porto Alegre, Decreto-lei n0 180, de 19/12/1927.
A administração de Loureiro
da Silva, de
A empresa Schilling Kuss &
Cia. Ltda.,
por exemplo, destacou-se no ramo imobiliário nas décadas de
A empresa procurava
facilitar as condições de acessibilidade das novas áreas loteadas, através de
contratos com empresas prestadoras de serviços, como, por exemplo, empresas de
ônibus que faziam o percurso dentro dos loteamentos. Era prática comum da
empresa, quando do lançamento de determinado empreendimento, a edificação de
algumas moradias de boa qualidade arquitetônica para a valorização e incremento
das vendas.
A Schilling & Kuss foi
vendida em 1981 para a Máquinas Condor S.A., uma corporação que desenvolve
atividades no setor metalúrgico, na indústria e comércio de implementos
agrícolas e de mineração, e no setor de projetos florestais, agrícolas e
pastoris. Atualmente, a empresa Condor Empreendimentos Imobiliários,
subsidiária da Máquinas Condor, é a maior proprietária de terras de Porto
Alegre (Oliveira, 1989:32).
Os principais fatores que
levaram à extinção da referida empresa, segundo entrevista fornecida pelo seu
antigo gerente-geral, Sr. Jorge Júlio Eichemberg, foram os elevados custos de
implantação e manutenção dos loteamentos, leis municipais restritivas à atuação
dos promotores imobiliários, burocracia dos órgãos públicos, excessiva
tributação, crescimento da família Schilling e conseqüente descentralização do
poder gerencial.
A expectativa projetada do
crescimento da cidade por parte da Schilling & Kuss foi plenamente
concretizada. Recentemente, grandes vazios urbanos de propriedade da sucessora
da empresa, nos bairros Bela Vista, Petrópolis e Chácara das Pedras vêm sendo
comercializados devido à construção da Terceira Perimetral, importante obra
viária que passa por vinte bairros da cidade, ligando a zona norte à zona sul.
A retenção de terras teve por objetivo a valorização indireta da área através
dos investimentos públicos realizados, sem ônus para a empresa.
Após a Segunda Guerra
Mundial, com a mecanização do campo, o êxodo rural e o adensamento urbano, uma
série de instrumentos jurídicos restritivos foi sendo incorporado
gradativamente à legislação municipal. A rigidez das normas urbanísticas
provocou, indiretamente, a proliferação de loteamentos clandestinos na
periferia urbana e a transferência de muitas empresas loteadoras para
municípios vizinhos onde a legislação era mais branda.
A idealização de uma cidade
moderna e saudável do início do século XX desmoronou frente às contradições
socioeconômicas exacerbadas ao longo dos anos através das atuações de agentes
públicos e privados que conduziram boa parcela da população ao processo de
exclusão social.
Considerações
finais
O estudo das principais
companhias de loteamento que atuaram no mercado de terras de Porto Alegre no
período de
No caso de Porto Alegre, a
"divisão de tarefas" para torná-la uma cidade moderna parece estar
apoiada na atuação preponderante do Estado na área central, através de duas
estratégias: a concentração de investimentos públicos (obras de saneamento,
viação e embelezamento) e controle urbanístico (tributação, código de
edificações) que condicionaram a modernização da área central e a conseqüente
valorização do uso do solo, expulsando a população de baixa renda para a
periferia. Por outro lado, o Estado proporcionou ampla liberdade de atuação à
iniciativa privada na periferia urbana, principalmente às companhias de
loteamento e às concessionárias de serviços públicos, além de promover incentivos
fiscais e um controle mínimo para a ocupação e expansão da periferia urbana.
O processo de modernização
efetivado no centro da cidade e nos bairros próximos condicionou a emergência
da segregação sócio-espacial, onde os promotores fundiários tiveram um papel de
destaque ao valorizarem de forma diferenciada porções de terra para fins de
parcelamento. A cidade atual repleta de contradições sociais é produto,
portanto, de dois processos simultâneos: modernização e exclusão.
Bibliografía
BAKOS, M. A continuidade administrativa no governo municipal de Porto Alegre: 1897-1937. São Paulo: USP (Tese de doutorado), 1986.
MACEDO, F. Porto Alegre: origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina, 1968.
OLIVEIRA, N. e
BARCELLOS, T. Vazios urbanos
PESAVENTO, S. História do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1991.
____________________________
A autora agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) a concessão de bolsa de iniciação científica ao acadêmico Eduardo Brandelli.
© Copyright Tânia Marques
Strohaecker, 2005
© Copyright Scripta Nova,
2005
Ficha bibliográfica:
MARQUES, T. Atuação do público e do privado na estruturação do mercado de terras de
Porto Alegre (1890-1950). Scripta
Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (13).
<http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-13.htm> [ISSN: 1138-9788]
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