Scripta Nova |
NOVOS RECORTES TERRITORIAIS E AGLOMERAÇÕES URBANAS NO
SUL DO BRASIL[1]
Doutor em Geografia Humana, professor do Departamento de Geociências da FURG, membro e pesquisador do Grupo de Pesquisa Núcleo de Análises Urbanas (NAU).
Estudante de Geografia da FURG e Bolsista de Iniciação Científica (BIC/FAPERGS).
Estudante de Geografia da FURG e bolsista
de iniciação científica (PIBIC/CNPq). Fundação Universidade Federal do Rio
Grande (FURG). Rio Grande, Brasil
Nuevos
recortes territoriales y aglomeraciones urbanas en el sur de Brasil (Resumen)
En la actual fase de la urbanización brasileña
verificase un amplio proceso de reestructuración territorial caracterizado por
la “explosión” de las formas tradicionales de concentración urbana y por la
emergencia de nuevas formas espaciales, continentes de nuevas territorialidades
de los grupos sociales. En la escala interurbana, son producidos nuevos
procesos de desconcentración y re-concentración espacial de la población, de
las actividades económicas y de la información. Las ciudades de Pelotas y Rio
Grande son los principales centros urbanos del sur del estado de Rio Grande do Sul y forman una aglomeración
por contigüidad de la trama urbana. A finales de 2002, fue instituida la
“Aglomeração Urbana do Sul” (AUSUL) formada en el eje urbano polarizado por
estas dos ciudades. La comunicación analiza los procesos de crecimiento urbano,
de integración funcional y las dinámicas de organización intraurbana en la
AUSUL. Pretendemos también comparar su modelo territorial con otras formas de
organización metropolitana verificadas en diferentes realidades
socioespaciales.
Palabras clave: nuevas territorialidades – metropolización –
aglomeraciones urbanas – Rio Grande do Sul: urbanización
(Abstract)
In the present the Brazilian urbanization is
distinguished for an ample process of territorial reconstruction characterized
by the "explosion" of the traditional forms of urban concentration
and by the emergency of new spatial forms, continent of new territorialities of
the social groups. In the interurban scale, new processes of deconcentration
and spatial re-concentration of population, economic activities and information
are produced. The cities of
Keywords: new territorialities –
metropolization – urban agglomerations –
As últimas
décadas têm se caracterizado por profundas mudanças nas estruturas territoriais
urbanas brasileiras. Tanto com relação à organização da rede urbana, como na
morfologia interna das cidades. A desconcentração metropolitana é um dos mais
importantes processos espaciais no redesenho do território brasileiro. As
metrópoles estão mudando no cerne de um processo geral de “refuncionalização
do espaço” que tende a adaptar-se às exigências de uma nova fase do
processo de acumulação de capital.
Na presente
comunicação analisamos as diferentes formas e escalas da metropolização e da
urbanização no estado do Rio Grande do Sul, um dos mais industrializados do
Brasil, inserido nos fluxos da globalização com um parque industrial complexo e
dinâmico e com uma agricultura moderna e com altos níveis de produtividade.
Examinaremos a atual configuração da rede urbana gaúcha enfatizando a formação
da região metropolitana e das novas concentrações urbanas neste território,
vinculadas a um processo mais amplo de mudanças na urbanização brasileira.
Como estudo de caso particular será analisada a definição de uma nova aglomeração urbana: a Aglomeração Urbana do Sul - conjunto territorial institucionalizado pelo Governo do estado no final de 2002 - integrada pelos municípios de Pelotas, Rio Grande, Capão do Leão, São José do Norte e Arroio do Padre e que concentra quase 600 mil habitantes.
As peculiaridades da formação econômica e territorial brasileira originaram uma urbanização que se manifesta de modo complexo configurando distintas formas espaciais de concentração da população, da produção e da informação no território. Duas formas principais de concentração podem ser distinguidas: as regiões metropolitanas institucionalizadas e as aglomerações urbanas não-metropolitanas. As 27 regiões metropolitanas institucionalizadas (dado de 2004) concentram mais de 60 milhões de habitantes, ou mais de um terço da população total e cerca de 40% da população urbana do país.[2]
Entre estas destacam-se as “metrópoles nacionais”, regiões metropolitanas institucionalizadas no início da década de 1970 (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Fortaleza e Belém do Pará), constituintes dos núcleos de concentrações urbano-industriais bastante afetadas pelas mudanças estruturais da economia brasileira na década de 1990. As metrópoles tradicionais “compartilham” influência na hierarquia urbana com as “novas metrópoles”, as áreas metropolitanas emergentes ou recentemente institucionalizadas.
Entretanto, nos últimos anos verifica-se também um dinamismo sócio-espacial nas aglomerações urbanas formadas no entorno de cidades médias (entre 200 mil e 1 milhão de habitantes) do interior do país. Com as economias dos núcleos metropolitanos cada vez mais vinculadas ao setor terciário, as cidades médias estão emergindo com o novo papel de centros industriais. Na última década a indústria brasileira cresceu nas cidades médias e nos espaços perimetropolitanos, convertendo estes núcleos urbanos em pólos de atração de migrações internas e inter-regionais.
A nova configuração urbana manifesta-se nos principais estados da federação configurando uma nova complexidade da rede urbana brasileira na qual podemos destacar dois processos: a difusão dos sistemas técnicos e de informação sobre o território, resultado da difusão do processo de modernização e tecnificação da agricultura; com o deslocamento de setores das classes médias rumo ao interior do país, apartando-se dos grandes centros urbanos e, especialmente, das metrópoles. O “êxito econômico” das cidades médias atrai novos contingentes de imigrantes a estas cidades levando ao aparecimento de problemas urbanos e sociais semelhantes aos já padecidos pelas grandes metrópoles do país. Estes processos são mais destacados na “região concentrada” (o Centro-sul), que engloba as regiões Sul, Sudeste e áreas do Centro-oeste do país (Santos e Silveira, 2001) .
Novas escalas de metropolização e concentração urbana
As recentes transformações na espacialidade do capitalismo tardio, provocadas pela revolução tecnológica e das tecnologias da informação e de comunicação em curso, bem como a reestruturação do mundo do trabalho e a mudança cultural e da vida cotidiana nos espaços urbanos, incluíram novos parâmetros na definição de conjuntos espaciais, especialmente das concentrações urbanas. No caso brasileiro constatou-se na década de 1990 uma mudança nas escalas da metropolização e na própria complexidade do fenômeno urbano sobre o território. Verificou-se a emergência de novos conjuntos espaciais polarizadores do crescimento da população urbana que passaram a desempenhar o papel de centros metropolitanos à escala regional (Davidovich, 2001).
O estudo “Caracterização e tendências da Rede Urbana Brasileira” (1999) realizou uma completa descrição da atual hierarquia urbana brasileira, definindo regiões metropolitanas nacionais e regionais, aglomerações urbanas pré-metropolitanas e aglomerações urbanas não-metropolitanas. Entre as aglomerações não-metropolitanas da Região Sul do Brasil encontra-se a Aglomeração Urbana de Pelotas-Rio Grande.
Os “centros e aglomerações não-metropolitanas”, distinguem-se ou por “configurarem manchas caracteristicamente de ocupação contínua”, ou por “guardarem uma proximidade geográfica, serem densas e populosas, porém com descontinuidade de mancha de ocupação, mas fortemente articuladas na mesma dinâmica econômica”. O estudo incorpora assim novos parâmetros para definição de rede urbana e de espaços metropolitanos, com os pretendemos dialogar.
Entendemos que nos dias atuais se consubstancia uma nova configuração urbana e metropolitana, distinta da “velha forma” das regiões metropolitanas tradicionais, com uma “grande cidade” na cabeça da região e inúmeras cidades satélites no seu entorno. A definição e a caracterização destas novas configurações tem ocupado pesquisadores em diferentes países que se dedicam a analisar o fenômeno da dispersão urbana e das novas redes de cidades, em especial dos espaços metropolitanos, das aglomerações urbanas e das conurbações.
Recentemente, a literatura tem prestado especial atenção em alguns casos europeus como os do norte e centro da Itália estudados por F. Indovina (1990) e G. Dematteis (19998 e 2000) como città disfatta ou città diffusa; da ciudad dispersa (Monclús, 1998), da ciutat de ciutats (Nel·lo, 2001) ou da litoralização da urbanização de Portugal, estudados (Portas e Domingues, 1998). Já o caso francês mereceu especial atenção de F. Ascher (1995, 2001) que definiu a Metápolis como uma nova forma espacial de urbanização difusa e das análises da ville emergente (Dubois-Taine e Chalas , 1995).
Assim, o conceito de “Sistema Funcional Urbano“ é definido por Dematteis, como um “âmbito de vida, de mobilidade pendular cotidiana e de mobilidade residencial daqueles que vivem em um território urbanizado” que se estende por até “dezenas de quilômetros” (1998:23). A estes âmbitos correspondem mercados de trabalho e de serviços geograficamente distintos, mas que ao serem formados por diferentes centros articulados por sistemas de transporte e comunicações rápidos, equivalem à escala do município em períodos históricos anteriores (Dematteis, 1998). Nesta visão, as redes urbanas são formadas por “cidades previamente independentes e potencialmente complementares em quanto às funções”, e que podem formar uma aglomeração ajudadas por “corredores de transporte e infra-estruturas de comunicações rápidas e eficientes” (Batten, 1995).
O Rio Grande do Sul (RS) é o estado mais meridional do Brasil, situado na fronteira do Mercosul (Argentina e Uruguai). Sua superfície é de 282 mil km2 e sua população de mais de 10 milhões de habitantes, dos quais cerca de 80% vivem em áreas urbanas. O estado possui uma rede urbana hierarquizada em diversos níveis comandada pela metrópole de Porto Alegre e sua região metropolitana. Nos outros níveis da rede estão presentes mais de 30 núcleos urbanos de população entre 50 mil e 400 mil habitantes.
A urbanização no RS é um processo dinâmico, desenvolvendo-se sobre uma rede urbana complexa que conforma distintas territorialidades, como a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e as aglomerações urbanas de Caxias do Sul (Aglomeração Urbana do Nordeste - AUNE), Pelotas-Rio Grande (Aglomeração Urbana do Sul- AUSUL) e a AU-Litoral Norte, aglomeração de ocupação contínua dos municípios da zona costeira.[3]
A nova geografia da globalidade produz novas tendências e territorialidades que coexistem com as já existentes. Os territórios metropolitanos (lato senso) ainda constituem-se nos espaços privilegiados de atração e localização do capital (Veltz, 1999), especialmente em lugares onde as tendências de complexidade do território, da metropolização e da urbanização apresentam uma série de escalas e formas espaciais. Neste sentido, observamos como as novas centralidades estão afetando o papel das cidades, especificamente no Rio Grande do Sul. A nova territorialidade da metropolização no Rio Grande do Sul apresenta distintas escalas e formas espaciais (Quadro 1).
Quadro Nº1
Região metropolitana e aglomerações Urbanas do
Rio Grande do Sul
Aglomeração |
Área (Km²) |
População (Hab) |
Densidade Demográfica (Hab/Km²) |
PIB (Mil U$) |
IDH, (2000) |
População Urbana (%) |
População Rural (%) |
RMPA |
9.825 |
3.705.403 |
377 |
13.427.812 |
0,83* |
95,5 |
4,5 |
AUNE |
3.649 |
605.749 |
166 |
5.672.910 |
0,84 * |
87 |
13 |
AUSUL |
6.530 |
561.361 |
86 |
2.075.284 |
0,77 * |
93 |
8 |
AU Litoral Norte |
5.141 |
231.753 |
45 |
487.901 |
0,79 * |
79 |
21 |
Fontes: IBGE, SNIU, FEE. Elaboração Própria. * Media
da Aglomeração. ** Município de Porto Alegre
Outras formas
urbanas que representam “embriões” de novas concentrações urbanas também podem
ser citadas, evidenciando um processo difuso de urbanização e de concentração
da população que se espraia pelo território do estado e que merece ser
analisado.
No final de 2002, o Projeto de Lei Complementar 271, aprovado na Assembléia Legislativa converteu a “Aglomeração Urbana de Pelotas-Capão do Leão” em Aglomeração Urbana do Sul (AUSUL), englobando os municípios de Pelotas, Capão do Leão, Rio Grande, São José do Norte e Arroio do Padre (Quadro 2). Entre os objetivos desta lei está a possibilidade do “planejamento integrado deste conjunto urbano, visando o fortalecimento do seu papel no desenvolvimento regional” (PLC 271/2002).
Quadro Nº2
Aglomeração Urbana do Sul: dados gerais
Município |
Área (Km²) |
População (Hab) |
Hab/Km² |
PIB (U$) |
IDH (2000) |
População urbana (2000) |
% |
População rural (2000) |
% |
Pelotas |
1.648 |
323.158 |
196,10 |
827.265.663 |
0,816 |
301.081 |
93 |
22.077 |
7 |
Rio Grande |
2.836 |
186.544 |
65,78 |
1.139.700.429 |
0,793 |
179.208 |
96 |
7.336 |
4 |
Capão do Leão |
784 |
23.718 |
30,25 |
72.957.826 |
0,77 |
21.354 |
90 |
2.364 |
10 |
S. José do Norte |
1.135 |
23.796 |
20,96 |
30.854.309 |
0,703 |
17.294 |
73 |
6.502 |
27 |
Arroio do Padre |
130 |
4.145 |
31,88 |
4.505.883 |
- |
102 |
2 |
4.043 |
98 |
TOTAL |
6.533 |
561.361 |
85,93 |
2.075.284.110 |
|
519.039 |
|
42.322 |
|
Fontes: SNIU, IBGE, FEE, Atlas do IDH do Brasil. Elaboração
própria.
As cidades de Pelotas e Rio Grande (os
núcleos desta aglomeração) são os principais centros urbanos da Metade Sul do
Rio Grande do Sul. Distantes 60 km uma da outra, apresentam uma história comum,
na qual os períodos de desenvolvimento industrial, comercial e urbano, bem como
os períodos de crise e estagnação são, em muitos casos, coincidentes. Ao longo
dos séculos XIX e XX as duas cidades tiveram um desenvolvimento sócio-espacial
peculiar. Nas primeiras décadas do século XX conformavam um importante pólo industrial,
rivalizando com a capital, Porto Alegre. Posteriormente, o desenvolvimento das
áreas de colonização alemã e italiana do norte do estado e sucessivas políticas
federais e estaduais favoreceram o processo de concentração econômica no
entorno da capital, que culminou com a institucionalização da Região
Metropolitana de Porto Alegre.
Recentemente, as duas cidades se inserem na problemática regional da chamada “Metade Sul do Rio Grande do Sul”. Contudo, a despeito de uma conjuntura de relativa “estagnação econômica” os dois centros urbanos continuam exercendo um importante papel de pólos econômicos e de atração de fluxos migratórios de centros urbanos menores e das zonas rurais do seu entorno.
A AUSUL não se configura como uma típica área metropolitana, pois não existe contigüidade de ocupação da mancha urbana. Entretanto, ao congregar quase 600 mil habitantes, pode ser considerada uma forma espacial emergente, característica da atual fase de reestruturação sócio-espacial e econômica do capitalismo tardio, na qual se processa a “mudança da escala da urbanização”. Neste caso, podemos enquadrar a integração funcional e espacial das cidades de Pelotas e Rio Grande nos processos de “desconcentração”, “reestruturação espacial”, “dispersão urbana” e de “difusão da urbanização”, estudados por diversos autores.
Nos diversos estudos realizados pelo Ibge sobre a hierarquia urbana brasileira as cidades de Rio Grande e Pelotas foram consideradas os centros regionais mais importantes da Meso-região da Metade Sul do Rio Grande do Sul. Por sua proximidade, estas cidades são analisadas como centro regional único, caracterizado pela “complementariedade de funções”. Entretanto, a definição da Aglomeração Urbana de Pelotas-Rio Grande foi problemática, pela inexistência de continuidade da mancha urbana que caracterizaria um processo de conurbação. Por este motivo, o estudo que subsidiou a primeira lei de aglomerações urbanas do estado, incluiu apenas Pelotas e Capão do Leão na aglomeração (1992). Por outro lado, as dimensões populacionais e a semelhança funcional das duas cidades, pouco contribuíram para a definição de um “núcleo polarizador e articulador” do conjunto urbano, dificultando sua definição.
A Aglomeração Urbana Pelotas-Rio Grande, a
Aglomeração Urbana do Sul, é um conjunto urbano de características especiais,
formado por dois núcleos polarizadores: Pelotas (338 mil habitantes) e Rio
Grande (193 mil habitantes), com fortes ligações históricas. Nas últimas
décadas as duas cidades suportam um contínuo processo de perda de dinamismo
industrial que amplia a distância com os centros mais dinâmicos da economia do
estado (a RMPA, Caxias do Sul e o entorno metropolitano).
Por caracterizar este processo incompleto de concentração, este conjunto urbano carece de uma delimitação definitiva. A aglomeração, formada por Pelotas, Rio Grande e um conjunto de pequenos centros urbanos vinculados a estas duas cidades, concentra quase 600 mil habitantes, com uma densidade demográfica próxima aos 100 hab/km2. As taxas de crescimento populacional são comparativamente mais baixas que as de outras concentrações urbanas do estado (1,58% e 1,00% a.a, nos períodos 1980/91 e 1991/96), o que não impede a continuidade dos processos de reestruturação intra e interurbanos.
Este conjunto espacial foi anteriormente classificado como “uma concentração urbana sem espaço urbanizado contínuo, onde a integração se realiza pela complementariedade de funções” (Davidovich e Lima, 1975 apud Secretaria de Planejamento Territorial e Obras,1992). Por esta razão, o estudo “Aglomerações Urbanas no Rio Grande do Sul” realizado em 1992, concluiu que a inclusão de Rio Grande na “Aglomeração Urbana Pelotas-Capão do Leão” não atenderia aos “critérios físicos-territoriais” de definição da aglomeração (1992:37). Já na “Síntese da morfologia da rede urbana” do recente estudo do IPEA, IBGE e Unicamp esta aglomeração foi caracterizada por “configurar una aglomeração urbana que envolve, em uma mancha contígua de ocupação, as cidades de Pelotas, Rio Grande e Capão do Leão” (1999:174).
Reconhecendo estas polêmicas, o Projeto de Lei Estadual do 2002 incluiu os municípios de Pelotas, Rio Grande, Capão do Leão, São José do Norte e Arroio do Padre no conjunto urbano denominado “Aglomeração Urbana do Sul”.
A cidade de Pelotas, pólo comercial e de serviços da aglomeração, possui mais de 338 mil habitantes segundo as últimas estimativas do IBGE (2004). Exerce forte centralidade em todo o sul do estado, além de ainda manter um importante setor industrial agroalimentar (beneficiamento de arroz, frigoríficos, conservas). Rio Grande é a mais importante cidade portuária do estado e importante pólo industrial (petroquímica, fertilizantes, pescado). A aglomeração participa com 4,7% do valor adicionado do estado, sendo que quase toda esta participação provém dos municípios de Rio Grande e Pelotas. O parque industrial da região também está fortemente concentrado nos dois centros, embora nos últimos anos tenha se verificado um acelerado processo de desindustrialização. Estes municípios concentram igualmente importantes unidades universitárias, o que reforça ainda mais a polarização no eixo da aglomeração.
A cidade de Pelotas apresenta algumas peculiaridades em sua rede urbana, que polariza uma vintena de cidades do extremo-sul do Rio Grande do Sul com uma hierarquia verticalizada, com poucos centros intermediários. Apesar da perda de dinamismo econômico procedente das indústrias vinculadas ao setor agroindustrial, a cidade sustenta suas taxas de crescimento ancoradas nos setores comercial e de serviços.
Nos últimos anos Rio Grande tem apresentando os melhores indicadores em termos de crescimento econômico consolidando-se como o maior produto interior bruto da aglomeração (Quadros 3 e 4). O PIB do município, o sétimo do estado, ultrapassa os 2,5 bilhões de reais, contra os 1,8 bilhões de Pelotas (o 9º do estado). Esta situação ocorre pela dinamização das atividades portuárias do “Superporto” de Rio Grande (o terceiro do país), um dos principais nós de exportação e importação do Mercosul.
Os demais núcleos apresentam funções de comércio e serviços locais. No caso de Capão do Leão, a maior parte de sua área urbana está constituída por bairros surgidos do parcelamento do solo periférico à cidade de Pelotas, configurando autênticos “bairros-dormitórios” da cidade. Processo semelhante verifica-se nas relações de Rio Grande com São José do Norte, com forte dependência deste último com relação ao primeiro. Arroio do Padre foi incluído na aglomeração por sua inserção territorial no município de Pelotas, do qual recentemente emancipou-se, e apresenta características de “vila rural”, com somente 102 habitantes urbanos segundo o IBGE (Censo 2000).
A análise dos quadros 3 e 4 confirma a estrutura bipolar da aglomeração, sua principal característica e traço diferencial com relação às outras aglomerações do estado (RMPA e AUNE).
Quadro Nº3
Aglomeração Urbana do Sul: estrutura econômica
dos municípios
MUNICÍPIOS |
Estrutura do VAB* (%) |
Participação no Estado (%) |
||||
Agricultura |
Indústria |
Comércio Serviços |
Agricultura |
Indústria |
Comércio Serviços |
|
Arroio do
Padre |
49,81 |
0,58 |
49,61 |
0,05 |
0,00 |
0,02 |
Capão do Leão |
16,12 |
41,47 |
42,41 |
0,20 |
0,19 |
0,18 |
Pelotas |
5,49 |
26,95 |
67,56 |
0,61 |
1,09 |
2,52 |
Rio Grande |
2,45 |
63,41 |
34,14 |
0,38 |
3,61 |
1,80 |
São José do
Norte |
25,19 |
5,55 |
69,26 |
0,18 |
0,01 |
0,17 |
*Valor Adicionado Básico. Fonte: FEE, 2004. Elaboração
Própria.
Quadro Nº4
Aglomeração Urbana do Sul: PIB e renda per
capita
Município |
Produto Interno Bruto (R$) |
PIB Per Capita (R$ em 2003) |
|||||
1996 |
1998 |
2000 |
2003 |
||||
Rio grande |
999.378.003 |
1.031.784.926 |
1.108.876.691 |
2.530.346.059 |
13.379 |
||
Pelotas |
960.498.921 |
957.837.083 |
876.757.317 |
1.788.111.211 |
5.467 |
||
Capão do Leão |
80.888.021 |
71.722.710 |
70.224.802 |
203.290.350 |
8.223 |
||
S. José do Norte |
30.100.023 |
30.802.797 |
30.777.765 |
114.433.273 |
4.615 |
||
Arroio do Padre |
--- |
--- |
--- |
15.258.564 |
5.835 |
||
TOTAL |
2.070.864.968 |
2.092.147.516 |
2.086.636.575 |
4.651.439.457 |
7.504 |
||
Fonte: FEE, 2004. Elaboração Própria.
Neste sentido, esta característica de “aglomeração bipolar” pode apresentar duas leituras distintas: de um lado a de que esta estrutura reflete a territorialidade difusa da aglomeração, inserindo-a nas novas tendências da metropolização, características de um território adaptado à fase de acumulação flexível do capital, conforme propõem Dematteis (1999) e Ascher (1995, 2000). De outro, a bipolaridade revela a fragilidade do processo de integração e a divisão de funções entre Pelotas e Rio Grande, que leva até mesmo à “competição” entre as duas cidades em termos de “primazia urbana” do Sul do Rio Grande do Sul. Por esta leitura, a bipolaridade constatada revela tanto a debilidade dos sistemas locais de produção, como a ausência de um projeto de desenvolvimento regional comum, aumentando a distância com relação a aglomeração urbana polarizada por Caxias do Sul, bem como as demais aglomerações do sistema urbano da Região Sul do Brasil.
Esta situação coloca uma série de desafios para a gestão, o planejamento e o desenvolvimento deste conjunto urbano os quais pontuaremos à continuação.
A modo de
conclusão: desafios para a gestão e o planejamento
Quanto aos desafios do futuro da Aglomeração Urbana do Sul colocamos os mesmos em seis categorias principais: políticos, institucionais, econômicos, sociais, ambientais e financeiros.
Com relação aos
desafios políticos, consideramos que o principal desafio será proporcionar e
garantir a participação dos distintos atores sociais dos diferentes municípios na governança e nas
discussões sobre o futuro da aglomeração.
Neste caso, na
cidade de Pelotas já foram realizadas experiências de participação popular no
governo local, enquanto que em Rio Grande o poder municipal ainda carece da
criação de novos canais de participação da sociedade organizada nas decisões. O
exame da experiência dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), do
Orçamento Participativo Estadual (1999-2002) e da Consulta Popular (2003-2004)
pode ser indicador do grau de mobilização da sociedade civil para romper estas
barreiras e participar ativamente do Conselho Deliberativo da Aglomeração,
definido no PLC, visando inclusive sua ampliação. Diretamente relacionados com
os desafios políticos encontram-se os desafios institucionais, sobre a
definição das competências dos diferentes níveis de governo no planejamento e
funcionamento da Aglomeração e da possível institucionalização de uma estrutura
com corpo técnico próprio para o seu planejamento. Trata-se, como aponta
Dematteis (2002), de um câmbio de paradigma que deve acompanhar a mudança do
território: dos “governos e políticas locais”, para um “governo e políticas de
rede”.
Os desafios econômicos estão relacionados à definição de um modelo de desenvolvimento para toda a Aglomeração e a convergência das políticas de atração de investimentos dos municípios que a compõem. Quanto ao modelo de desenvolvimento, historicamente Pelotas e Rio Grande basearam-se nos grandes empreendimentos, com forte participação (direta ou indireta) do financiamento estatal, modelo já superado pela própria reestruturação econômica do capitalismo tardio. Por outro lado, as demais aglomerações urbanas da Região Sul (Caxias do Sul, Joinville, Blumenau, Criciúma, Londrina, Maringá, para citar as mais importantes), concentram arranjos e sistemas produtivos locais de elevado padrão tecnológico e altamente competitivos na economia globalizada, podendo constituir modelos a serem buscados pelos atores econômicos da AUSUL.
A superação dos desafios sociais e ambientais será derivada da definição de modelo econômico (embora deva esperar por esta definição). No campo social, existem profundas desigualdades a serem reduzidas na Aglomeração Urbana, tanto desigualdades intra-urbanas nas cidades que a compõem (especialmente em Pelotas e Rio Grande), como desigualdades interurbanas, entre os diferentes municípios. Citamos especialmente as desigualdades entre os binômios Pelotas- Capão do Leão e Rio Grande-São José do Norte: os municípios menores tendem a se constituírem em “mera” periferia dos núcleos polarizadores da aglomeração, concentrando os piores indicadores sociais (vide IDH no Quadro 2).
A questão da sustentabilidade ambiental do território da Aglomeração, situada no Estuário da Lagoa dos Patos e circundada por áreas ecologicamente sensíveis, está relacionada com o modelo de desenvolvimento econômico que será proposto, bem como com a diminuição das desigualdades sociais, igualmente danosas à sustentabilidade do ambiente. Está vinculada à ordenação do territorial da Aglomeração que deve prestar especial atenção à componente ambiental.
Finalmente, temos os desafios financeiros, relacionados com o financiamento das infra-estruturas na Aglomeração. À medida que o processo de integração no eixo Pelotas-Rio Grande for avançando a questão da modernização das infra-estruturas de conexão - rodovias, ferrovias - que também servem ao Superporto do Rio Grande, estará na ordem do dia.
Da mesma forma a montagem de um sistema de planejamento para a Aglomeração exigirá esforços e recursos com os quais os seus municípios dificilmente poderão arcar sem a participação das demais esferas de governo e, quiçá, de canais de financiamento disponíveis nos organismos internacionais.
[1] A pesquisa conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) através do Auxílio Recém-doutor. Projeto: “Aglomeração Urbana do Sul: análise do processo de metropolização”.
[2]
É
importante assinalar que a Constituição de 1988 delegou aos estados a
competência para definir as regiões metropolitanas, desaparecendo assim os
critérios gerais.
[3] A Região Metropolitana de Porto Alegre foi instituída por Decreto-lei Federal em 1974. A Aglomeração Urbana do Nordeste foi instituída em 1994, a Aglomeração Urbana Pelotas-Capão do Leão foi instituída em 1990 e posteriormente ampliada para Aglomeração Urbana do Sul (2002). Recentemente foi instituída a Aglomeração Urbana do Litoral Norte (2004). Fonte: Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano (Metroplan), em “www.metroplan.rs.gov.br”, consultado em novembro de 2004.
Bibliografía
ASCHER, F. Metápolis,
ou l’avenir des villes. Paris: Odile Jacob, 1995.
ASCHER, F. Les nouveaux principes de l’urbanisme.
BATTEN, D.
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© Copyright Paulo Roberto Rodrigues Soares, Guilherme
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© Copyright
Scripta Nova, 2005
Ficha
bibliográfica:
RODRIGUES,
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[ISSN: 1138-9788]
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número 194
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