Scripta Nova |
Dinâmica
imobiliária e Metropolização: a NOVA Lógica do crescimento urbano
Paulo Cesar Xavier
Pereira
Universidade de São
Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
E-mail: pcxperei@usp.br
Dinâmica imobiliária e Metropolização: a NOVA
Lógica do crescimento urbano
A
discussão proposta parte da existência de diferentes dinâmicas para explicar o
crescimento urbano e a consolidação metropolitana de São Paulo (Brasil).
Procura-se por em destaque a critica ao modelo centro-periferia associada à
transformação da lógica de crescimento urbano no final do século XX. No
desenvolvimento desta critica busca-se demonstrar que a superação do modelo
centro-periferia pode contribuir para o conhecimento das dinâmicas imobiliárias
e da nova lógica do crescimento das cidades latino-americanas. Propõe o estudo das formas sociais de
produção do espaço como uma análise das condições de produção do espaço urbano,
que resultam de diferentes articulações dos agentes da construção na constituição
daquelas dinâmicas e da sua lógica de crescimento urbano.
Palavras chave: metropolização de São Paulo - produção do espaço - agentes da
construção da cidade – crescimento urbano
Real estate dynamics and Metropolização: the NEW logic of the urban growth in
The
text proposal is to explain the urban growth and the metropolitan consolidation
of
Keywords: - metropolization of São Paulo –
production of space - city construction
agents – urban growth
Introdução
Este
texto enfatiza a perspectiva da produção do espaço e a importância de se considerar
as formas de produção do espaço, que se definem pela articulação social dos
agentes urbanos na construção da cidade, para tornar mais profundo o
conhecimento sobre a dinâmica imobiliária e apontar para necessidade de superar
a segmentação-dualização, como lógica do crescimento urbano, sustentada pelo
modelo centro-periferia.
Essa
perspectiva de análise urbana é discutida a partir da crítica ao modelo
centro-periferia, que ao conduzir às análises duais do urbano, a exemplo do
par: cidade legal e cidade ilegal, que segmenta a unidade do urbano como se
ilegalidade e legalidade não convivessem na cidade como um todo e a pudesse
fracionar por esse fio invisível da lei. Ou de outra dicotomia mais visível e
conhecida como a “verticalização” e a “autoconstrução”, em que se
materializaria o par “centro” e “periferia” como explicação do crescimento da
cidade. Esses pares mostravam como uma
cidade dividida e atribuía desigualdade do espaço urbano à falta de planejamento. Nesse sentido, esses pares dicotômicos foram
utilizados mais como instrumento de denúncia de uma urbanização desigual e
descritivo do crescimento de uma cidade que privilegiava ricos e espoliava
pobres por falta de planejamento, do que como um instrumento de compreensão da
dinâmica da cidade, dos interesses e dos agentes que a desenvolvem. Hoje, num mundo marcado por políticas
neoliberais, as denúncias de desigualdades sócio-espaciais não parecem ter mais
a mesma importância para o planejamento e a dualização assumida como modelo
urbano, se tornou um obstáculo para a compreensão da articulação dos agentes
nas diferentes formas de produção do espaço urbano. Apesar disso, talvez por
sua facilidade em captar a distribuição espacial da pobreza urbana nas áreas da
cidade e por sua potencialidade em descrever a extrema desigualdade da
urbanização na América Latina a dualização do urbano continua sendo uma tese
hegemônica. [1]
Assim,
as reflexões apresentadas buscam formular critica e induzir à superação desse
modelo dual que se tornou dominante para explicar as desigualdades da
urbanização na América Latina, particularmente a partir de meados do século XX
quando a periferia da cidade e a pobreza urbana passaram a ser vistos como se
fossem equivalentes. Considera-se que a dualização do urbano é uma construção
ideológica que obscurece a compreensão critica da dinâmica do crescimento da
cidade. Isso não impede, entretanto, de reconhecer que o modelo
centro-periferia se mostrou teoricamente elucidativo de diferenças urbanas
extremas, tendo sido, inclusive com suas denúncias, um fator de inclusão da
noção de periferia na agenda política e no planejamento urbano das últimas
décadas. Esses planos fracassavam sobretudo porque “crentes nas virtudes do
planejamento” sem compreender o crescimento da cidade, conforme diz o professor
universitário e, na época, Secretário do
Planejamento, tomavam o desejo como se fosse realidade.[2]
O
modelo centro-periferia estava presente nesses planos e induziu às analises
segmentadas e centradas no chamado padrão periférico de crescimento urbano que
acabaram por dicotomizar a análise da dinâmica urbana aos seus extremos:
“verticalização” e “periferização”. Entendia, corretamente, que "longe de
representar ausência de planejamento, o padrão periférico corresponde a uma estratégia
de máxima acumulação capitalista." (SEMPLA, 1999, p. 77), mas sem
articula-lo ao padrão moderno das construções verticais ou caracteriza-lo no
conjunto das outras estratégias e formas de produção do espaço tudo se diluía
nos extremos. Nessa dicotomia tudo que não estivesse nesses extremos era
desconsiderado e sua compreensão ficava comprometida. Assim, o modelo torna-se
um obstáculo para compreender tanto a unidade do urbano como a diversidade da
urbanização.
È
nosso objetivo, ainda, argumentar que no modelo centro-periferia as noções de
verticalização e de autoconstrução são utilizadas de maneira complementar e
justapostas sem qualquer articulação. Ficam consagradas, mas apenas formalmente
associadas ao corresponderem ao “centro” e à “periferia”. No entanto, elas
expressam diferentes dinâmicas; a primeira, uma produção imobiliária
intensiva e a segunda, uma produção imobiliária extensiva, que
consideradas sem nenhuma interação ficam geometricamente definidas e
referenciadas pelo lugar – central ou periférico - que ocupam nesse modelo
dual. Reduz-se, como veremos, pela
imprecisão daquelas noções - verticalização e de autoconstrução - e pela falta
de qualquer preocupação em articular essas dinâmicas imobiliárias – intensiva e
extensiva - toda possibilidade de uma compreensão da lógica do crescimento
urbano e da história das diferentes formas de produção do espaço: doméstica,
encomenda, estatal e para mercado. [3]
A
critica dessas reduções pode ser inovadora, de um lado porque questiona o
modelo centro-periferia como referência geométrica dual e simplista da cidade
e, de outro, porque critica a presença forte do positivismo para descrever o
espaço urbano nas analises baseadas nesse modelo. Cabe lembrar que pesquisas
recentes, mesmo sem romper com as premissas geométricas do modelo
centro-periferia, tendem a reconhecer que essa perspectiva de análise do espaço
se apresenta insuficiente para a compreensão das atuais mudanças
metropolitanas; seja face à emergência das chamadas novas centralidades ou do
surgimento de novos processos de ocupação e uso nas áreas periféricas.[4]
Todavia,
não é porque estejamos assistindo à multiplicação de produtos imobiliários
voltados para a habitação dos grupos sociais de rendas altas e médias nas franjas
da cidade, como mostra Caldeira (2000) para São Paulo, que faz com questionemos
o modelo centro-periferia. A emergência
dos novos artefatos arquitetônicos comerciais e de serviços, no centro e na
periferia, como mostra autores de diferentes países, talvez seja outro elemento
bastante convincente para a aceitação dos limites do modelo e renovação da
análise urbana latino-americana. Mas, nosso ponto de vista é de que, desde
sempre, a dualidade centro e periferia, como modelo urbano obscureceu as dinâmicas
imobiliárias de crescimento urbano.
Primeiro, porque não surgiu como modelo de crescimento da cidade, mas
como descrição das diferenças da construção; segundo, porque a justaposição das
duas dinâmicas de construção nunca buscou compreender a unidade e a diversidade
das formas de produção do espaço urbano.
Por isso, esse texto procura por em destaque a necessidade de se
compreender as formas de produção do espaço bem como ressaltar que a
persistência desse modelo dual para falar da urbanização se tornou um obstáculo
para a compreensão da história das cidades e das transformações da dinâmica
imobiliária na América Latina.
O modelo centro-periferia como metáfora.
Falar
de centro e periferia é uma metáfora que descreve a oposição entre paises
dominadores e paises dominados, mas colocamos em dúvida a transposição dessa
relação para uma geometria da cidade que sirva para representar o espaço
urbano, descrevendo as diferenças de crescimento e as desigualdades
sócio-espaciais.
Por
seu caráter geométrico podemos dizer que o modelo centro-periferia, como uma
representação empírica das diferenças urbanas, assume a explicação da cidade na
América Latina como se fosse um dado natural do espaço, desprovido,
assim de sua historicidade.
Nessa
interpretação não há preocupação com a produção do espaço, pois a força
explicativa, que confere hegemonia ao modelo, esta pode ser associada a duas
dinâmicas externas para explicar o crescimento da cidade: a modernização
industrial e a marginalidade social. Na
América Latina, durante todo o século XX, a modernização industrial impunha-se
apenas parcialmente, na sociedade e nas cidades. Os intelectuais observavam a modernização
latino-americana mergulhada no “subdesenvolvimento” e se conseguiam compreender
os limites da capacidade da industria em produzir riquezas, se debatiam com a
incapacidade das cidades de absorverem a população que lhes dava grandeza e
vida urbana. Ambas as dinâmicas, a da modernização e a da marginalidade se
explicavam como um dado da relação entre o moderno e o arcaico, que acabou
sendo espacializada e transposta para a cidade e se transfigurando em elementos
dualizados de um espaço geométrico: centro e periferia. A partir dessa
transfiguração se espacializou na cidade, o moderno e o arcaico transposto como
dualidade, centro e periferia, como uma nova metáfora resultante e explicativa
da dependência.[5]
Assim,
se a origem e a pronta aceitação do modelo podem ser consideradas uma
transposição “naturalizada” pela metáfora geométrica centro e periferia, a hegemonia
do modelo deriva da associação contraditória as dinâmicas extremas da
modernização industrial e da marginalização social para explicar o crescimento
urbano: num lugar, no centro, a verticalização e, no outro, na periferia, a
autoconstrução.
È importante
salientar que a verticalização se constitui num produto, que compreende
desde edifícios de três andares a arranha-céus.
A autoconstrução, por outro lado, refere-se a um processo de
construção da casa pelos próprios moradores. A interpretação do crescimento da cidade pelo
modelo centro-periferia associa um produto ás áreas centrais e a forma
de produção doméstica às áreas periféricas. Essas associações ambíguas
exprimem imprecisão de critérios e uma incoerência do modelo, pois num caso o
critério é o produto imobiliário, o edifício vertical; e no outro, o
critério é a forma de produção, a autoconstrução da casa própria. [6]
Essa
incoerência na aplicação dos critérios foi responsável, em grande parte, pela
análise segmentada da cidade e da compreensão de suas partes como se ela
pudessem existir isoladamente. Tanto que a maioria dos estudos ora privilegiava
a pesquisa sobre a periferia, ora sobre a cidade vertical, escapando-lhes a
compreensão da cidade como um todo, quando não simplesmente negando-o. Nota-se,
nessa incoerência do modelo, uma operação explicativa da urbanização que talvez
a ideologia do “subdesenvolvimento” latino-americano possa elucidar: no centro
estava a cidade vertical e moderna, algo a ser atingido, que nunca estava
associado a forma de produção predominante nas periferias da cidade. Na medida em que os ricos viviam no lugar
moderno e central, enquanto que os pobres viviam a franca ebulição de uma
urbanização sem urbanismo, nas periferias, parecia que toda realidade poderia
estar contida no modelo, as carências até podiam ser denunciadas, mas pelos
princípios básicos do dualismo era como se nada pudesse ser transformado.[7]
Assim,
a interpretação da cidade, por não passar de denúncias de cunho moral e de
descrição das desigualdades urbanas, não revela como as desigualdades são
produzidas, e, conseqüentemente assume-se como discurso de uma realidade
injusta sem ganhar força critica e potencialmente transformadora do real, que
poderia da capacidade de elucidar a lógica da produção da cidade: a dinâmica da
(produção e distribuição da) valorização imobiliária.
O
importante dessa interpretação, uma espécie de “consciência” do que é possível
pela ideologia dominante no centro, é que ela dava força explicativa a um
modelo cuja simplicidade permitia que toda diversidade presente no crescimento
da cidade fosse reduzida a dualidades: legal e ilegal, formal e informal, ideal
e real... A diversidade do urbano era considerada um “caos” e passível de ser
compreendida em termos de ordem e desordem. Reduzia-se o diverso ao dual e se
conseguia uma explicação para os problemas de crescimento da cidade tal como se
produziu uma teoria do subdesenvolvimento da industria na América Latina. Tanto que o modelo de urbanização, tal como a
teoria do subdesenvolvimento desempenhou, ainda exerce o seu persistente papel:
por meio de uma persistente ideologia da modernização industrial e da
marginalidade social, reiterou uma visão dualista da urbanização
latino-americana. [8]
Note-se
que no Brasil, muito dessa visão dual do urbano, que também persistiu na
América Latina, se sustentou, e praticamente teve impulso hegemônico, a partir
de uma critica da razão dualista da economia brasileira. O trabalho Critica à Razão Dualista
demonstrou como na industrialização brasileira o desenvolvimento urbano e a
agricultura, mais atrasada, se colocavam a serviço da acumulação capitalista
mais avançada. Conforme a análise presente nessa obra, que se tornou clássica, a
autoconstrução:
“é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de 'economia natural'
dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão
capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da
força de trabalho." (Oliveira: 1972; p. 31)
O moderno
industrial se alimentava do urbano mais arcaico. Mas, a leitura dessa Critica,
que não atendia à necessidade de compreensão do especificamente
urbano, deu margem a que seus leitores se limitassem a critica da função que o urbano
mais atrasado desempenha na industrialização: a redução do custo de
reprodução da força de trabalho. As outras implicações da relação entre o
urbano e a industrialização permaneceram em plano secundário, o que reforçou a
interpretação dualista da urbanização, permitindo uma sobrevida ao dualismo e
ao modelo centro-periferia.
Embora
sejam freqüentes as dúvidas e indicações de insuficiência do modelo para
compreender uma realidade que se considera mais complexa:
Al
analizar las nuevas formas de desigualdad intrametropolitana derivadas de los
cambios en los mercados de trabajo de las grandes aglomeraciones, diversos
autores han llegado a ala conclusión de que ellas se manifiestan en una forma
más compleja que la propuesta por el
modelo de la ciudad dual. (Mattos, 2002, p. 57)
Centro
e periferia como redução e conceito obstáculo
O
modelo centro-periferia compromete a compreensão do urbano, e, também, a das
suas múltiplas dimensões, ao tomar a parte pelo todo. Assim, ao supervalorizar,
como já mencionamos, uma particularidade da urbanização latino-americana – a
autoconstrução – uma estratégia de redução do custo de reprodução da força de
trabalho, reduz o urbano e impede compreensão da urbanização. Embora essa
estratégia seja fundamental para viabilizar uma industrialização com baixos
salários, tal como ocorre na América Latina, a compreensão da relação entre o
urbano e a industria reduzida a essa dimensão não captura a dinâmica
imobiliária e nem a produção da cidade no que ela tem de especificamente urbano.
Na
verdade, o modelo centro-periferia, como é aplicado na América Latina, justapõe
espaços ricos e pobres e interpreta a cidade como se fosse um mosaico, onde se
incrustam o centro vertical e a autoconstrução periférica. Esse modelo é insuficiente para compreender a
unidade do urbano porque as dinâmicas das partes consideradas não se articulam
entre si e nem elas representam toda diversidade dos produtos imobiliários e
das formas de produção da cidade. Como exemplo de produtos imobiliários podemos
lembrar os diferentes tipos de vilas, os shoppings, os condomínios fechados...
Como exemplo de formas de produção podemos lembrar, as que freqüentemente são
esquecidas, por que complicam o modelo e que quando são consideradas é a partir
do produto: a produção mercantil privada, a produção por encomenda e a produção
a estatal.
Perde-se,
nesse modelo, toda dimensão da dinâmica de mercado e da produção capitalista da
cidade porque na justaposição dos espaços, reduzidos à construção vertical e
periférica, não se considera nenhuma articulação entre eles. De maneira que a
possibilidade de compreender a dinâmica urbana fica obscurecida, não só porque
não se articula entre si, a construção vertical e a autoconstrução, mas porque
não se abre o conhecimento das outras formas de produção e, com isso, fica
obscurecida a existência de articulações entre todas essas formas.
A
segmentação-dualização que interpreta o crescimento da cidade pelo modelo
centro-periferia se constitui num ponto cego do urbanismo, pois a sua análise
permite ver somente partes da
urbanização como se houvesse uma dinâmica isolada para cada produto ou para
cada parte da cidade. Cria-se, assim, uma série de dicotomias, como já
mencionamos, que consagra a separação da cidade em duas,: uma rica e outra
pobre, uma legal e outra ilegal, uma formal e outra informal, etc.
A
cidade que na verdade é um resultado sócio-espacial de uma produção coletiva
precisaria ser compreendida em sua totalidade. Se o modelo centro-periferia
consagrou a interpretação dualista na análise da urbanização, as interpretações
atuais sobre a metrópole entendem a diversidade da dinâmica imobiliária e da
produção da cidade como fragmentos. A antiga dualização do modelo
centro-periferia se traveste em fragmentação produzindo múltiplos centros e
periferias. Num caso e no outro, reitera-se ausência de unidade e a falta de
articulação entre as partes.
Persistindo
a interpretação baseada na idéia de centro e periferia, ou mesmo renovando-a,
se mantém a dificuldade de compreender a produção da cidade como um todo.
Antes, a idéia de centro parecia privilegiar a crença de que a cidade inteira poderia ter as condições urbanas da
área central e se superdimensionava o poder de homogeneização do capitalismo.
Hoje, a idéia de centro só releva a fragmentação da metrópole em múltiplas
centralidades. Em nenhum momento se atenta para a hierarquização desses
processos sócio-espaciais, pois se continua a isolar espaços e dinâmicas
justapondo produtos e processos extremos em interpretações que obscurecem o que
precisaria ser considerado, articulado e compreendido como sua lógica e
história da produção do espaço.[9]
Assim,
essas idéias ainda pouco criticadas, permanecem como modelo em interpretações
dualistas sobre a cidade ou em análises fragmentadoras da metrópole. Mas, é a critica e superação da abstração
geométrica do modelo centro-periferia que permitira avançar o conhecimento das
formas de produção do espaço urbano e a articulação destas formas não mais como
modelos, mas como dinâmicas capazes de ser compreendidas nas suas desigualdades
como um resultado lógico do próprio processo de produção do espaço urbano.
Nesse
sentido, se poderia concluir que as interpretações do modelo centro-periferia
invertiam o que precisaria ser explicado, porque com a idéia de centro e de
periferia se dificultava o conhecimento das diferentes formas de produção e se
obscurecia a compreensão das dinâmicas ocultando as hierarquias presentes nas
formas que produzem as desigualdades. Por isso, se pode dizer que a persistência
desse modelo, em sua simplicidade e abstração, esvazia o espaço urbano de toda
sua historicidade, ao banalizar a relação centro-periferia como forma pura,
contribui para a continuidade e aprofundamento das desigualdades porque não
abre caminho para reverte-las.
Desigualdade
urbana e obscurecimento das formas de produção da cidade
As
desigualdades urbanas não são um dado e nem a construção da cidade um
mero sub-produto ou reflexo da maneira com que ocorre a industrialização
e a distribuição da riqueza. Embora seja certo que a industrialização faça
crescer o urbano, é a urbanização que leva ao aprofundamento das desigualdades
na cidade. Isso significa que a nossa hipótese é que essas desigualdades
urbanas têm mais a ver com o processo social de construção imobiliária da
cidade (o setor) do que com a industrialização em geral, Por isso, a
compreensão das formas de produção do espaço urbano, num determinado lugar e
num determinado momento, é decisiva para se compreender as desigualdades
urbanas. O estudo das formas de produção do espaço da cidade a nosso ver
permite uma melhor compreensão tanto do espaço-construído, enquanto produto
imobiliário; como da urbanização, enquanto processo sócio-espacial.
O
crescimento periférico urbano considera a cidade desordenada como um subproduto
perverso da industrialização. Nesse sentido, esse padrão se situa de maneira
equivocada num outro processo, muito embora tenha relação com ele. Deveria se situar no âmbito do processo de
urbanização e, nesse sentido, não lhe escaparia a diversidade de formas de
produção da cidade. Quando essa crítica é ancorada na urbanização mas não leva
em conta a diversidade das formas de produção da cidade na produção e
distribuição do valor, tudo fica reduzido à idéia de urbanização desordenada e
sem planejamento e a interpretação se situa num falso referente: a especulação,
sem construir um fundamento explicativo que permita compreender o processo de
produção da cidade enquanto produção de valor.
A
especulação se constitui num falso referente porque obstaculiza a percepção dos
mecanismos imobiliários de valorização, criando, assim, uma opacidade que não
permite compreender o fundamento do processo de produção da cidade, enquanto
valor. A elaboração da compreensão desse processo fica reduzida a uma denúncia;
tudo ocorre por causa da especulação. Por não passar de denuncia de cunho
moral, a interpretação não ganha força transformadora capaz de revelar a
dinâmica cujo fundamento, repetindo estar na valorização imobiliária.
Assim,
não se abre a caixa de segredos que permite compreender não só o processo de
valorização, como sua potenciação imobiliária, mas também porque essa assume um
caráter especulativo, mormente nos dias atuais, quando não esta relacionada
apenas á propriedade da terra, mas também ao capital financeiro.
Dizendo
de outra forma, a especulação se constitui num falso referente porque ela é uma
adjetivação de um processo que não pode ser confundida com o próprio processo.
A valorização imobiliária pode ter especulativa ou não. A idéia de especulação
tomada como adjetivo, como qualquer adjetivo só existe referido a um
substantivo. Por exemplo, na frase: a rua é estreita, o adjetivo ‘estreita’ só
existe em relação ao substantivo ‘rua’. Da mesma forma, a especulação, que
parece ser o fundamento de um processo, na verdade é a adjetivação dele.
Uma
segunda falácia decorre da perspectiva que dá primazia ao consumo do espaço,
melhor dizendo, supervalorizando-o. Esta supervalorização privilegia a análise
do espaço-produto em detrimento da perspectiva que analisa o processo de
produção e da critica sobre a produção do espaço Trata-se de um viés consumista
lastreado
Para
superar a insuficiência da critica ao modelo centro-periferia não basta
introduzir a necessidade do conhecimento das formas sociais de produção do
espaço. Superando os obstáculos impostos pelo falso referente: especulação e
pela perspectiva presente no viés consumista na análise urbana. È necessário avançar na discussão do processo
histórico de construção da cidade, particularmente avançando nas críticas ao
modelo nas críticas ao modelo centro-periferia, no sentido de sua superação, e
no refluxo sobre a emergência de novos agentes sociais e de novos produtos
relacionados às formas de produção do espaço, que manifestam sinais de novas
determinações do processo de produção do espaço urbano.
Considerações
Finais
Para
superar a insuficiência critica do modelo centro-periferia na compreensão da
nova lógica do crescimento urbano é necessário avançar a discussão da
articulação das formas de produção do espaço no processo histórico de
construção da cidade. Numa visão fragmentada pela segmentação-dualização do
urbano tanto a construção vertical, a chamada verticalização, como a
autoconstrução pode ser vista em separado e considerada dinâmica independente,
inclusive porque essa segmentação alimenta a visão dual. Todavia é preciso
reconhecer que elas são formas de produção articuladas e representam dinâmicas
imobiliárias extremas, uma intensiva e outra extensiva, que não podem ser
separadas e isoladas na análise do crescimento urbano. Assim, é preciso
reconhecer que com a metropolização dos espaços, essas dinâmicas passaram para
uma nova hegemonia imobiliária apresentando uma outra composição de forças e
agentes no direcionamento do crescimento urbano.
Neste
novo contexto metropolitano, o emergir de novos agentes hegemônicos manifesta
sinais de uma nova articulação nas formas de produção do espaço agora sob
hegemonia da produção imobiliária intensiva. São Paulo esta crescendo sob o
domínio de outra dinâmica imobiliária e de outra forma de produção do espaço,
que não pode mais ser caracterizado pelo padrão periférico de crescimento
urbano, porque o crescimento da cidade não se define mais por uma
urbanização sem urbanismo: não é mais a dinâmica da produção
imobiliária extensiva que define o seu crescimento urbano.
São
Paulo, não esta mais definindo o seu crescimento pela franja ou seja pela
incorporação de áreas, cada vez, mais distantes e precárias. Isso, não que
dizer que a dinâmica extensiva deixou de acontecer, mas que essa dinâmica
deixou de ser definidora do crescimento urbano. Agora esse crescimento é
definido, de outra maneira, pela dinâmica da produção imobiliária
intensiva que se manifesta como uma nova lógica de crescimento, que
intimamente se subordina a metropolização dos espaços: um urbanismo sem
urbanização.
Essa
lógica que vem acompanhada de novos produtos habitacionais, artefatos arquitetônicos
e centralidades esta emergindo desde os anos setenta do século passado e vem
significando uma verdadeira reestruturação imobiliária. Então, será que poderíamos dizer que a lógica
da apropriação e produção do espaço metropolitano na passagem deste século vem
se sobrepondo aos processos da antiga urbanização?
Se
considerarmos que na América Latina nos processos da antiga urbanização, a que
percorreu quase todo o século XX, são aqueles determinados pela
industrialização, certamente teríamos que responder positivamente a essa
indagação. Pois, trata-se de uma industrialização fundada no predomínio de
baixos salários e na superexploração do trabalho, que resultou, como se sabe,
na urbanização desigual e extremamente precária que particulariza o urbano
latino-americano Talvez tivéssemos que responder de modo diferente se nos
ativéssemos estritamente aos condicionantes mais fortes da modernização das
cidades, principalmente se considerarmos que a modernização e a
industrialização andaram juntas, tendo sido diversas vezes confundidas. Mas,
seria muito difícil senão precoce separar cada um destes processos neste texto,
dado o caráter introdutório que procuramos dar a discussão das formas de
produção do espaço urbano. Mas, cabe notar, como conclusão, que um e outro
processo – modernização e industrialização – não cumpriram suas promessas
urbanas, particularmente, na América Latina.
Enfim,
estes processos, isolados ou em conjunto, não foram capazes de homogeneizar a vida
moderna, como uma condição de existência urbana, e nem mesmo criaram as
condições mínimas para acolher a população trabalhadora que se urbanizou.
Promoveram uma urbanização sem urbanismo, que se manteve, ao lado
daqueles processos, incompleta durante todo o século XX. Hoje, na cidade de São Paulo, ou melhor
principalmente nela, uma das mais ricas da América Latina, apresenta uma nova
dinâmica ao tentar promover um urbanismo sem urbanização, porque agora
as condições mais afluentes da vida moderna e da metropolização do espaço
convivem com condição de vida mais precária, a dos atuais moradores de rua das
metrópoles contemporâneas.
[1] “En los últimos años, las
discusiones sobre desigualdades y polarización social en las grandes áreas
metropolitanas ha estado fuertemente marcadas por la tesis de la dualización,
concepto que se ha transformado en punto de referencia obligado toda vez que se
intenta caracterizar el nuevo escenario social urbano. ” (Mattos, 2002, 53)
[2]
“Os planos diretores fracassaram não só
[3] “Lo lógico expresa lo histórico
por medio de las abstracciones, con la particularidad de que se procura por
todos los medios conservar el hilo fundamental del proceso histórico efectivo.
La lógica... tiene como ley fundamental el paso ascensional de lo simple a lo
complejo, de lo inferior a lo superior, y esa dinámica del pensar refleja las leyes
que presiden el desarrollo de los fenómenos del mundo objetivo.” (Kopnin, 1966, p. 186)
[4] Sobre as centralidades veja Frugoli
(2000) e sobre a insuficiência do modelo centro-periferia e a emergência de
novos processo na periferia veja Caldeira (2000) e, também, Torres & Outros
(2003) .
[6] Segundo Jaramillo (1982) esta é uma
das quatro formas de produção do espaço construído: a produção por empreita ou
encomenda, a produção promocional privada, a autoconstrução e a produção
capitalista ‘desvalorizada’ por parte do Estado.
[7] “A
dualidade reconciliava o suposto rigor cientifico das análises com a
consciência moral, levando a proposições reformistas. ... ‘sociedade moderna’ –
‘sociedade tradicional’, por exemplo, é um binômio que, deitando raízes no
modelo dualista, conduziu boa parte dos esforços na sociologia e na ciência
política a uma espécie de ‘beco sem saída’ rostowiano.” (Oliveira, 2003, p. 31)
[8]
“A teoria do subdesenvolvimento foi,
assim, a ideologia própria do chamado período populista; se ela hoje não cumpre
esse papel, é porque a hegemonia de uma classe se afirmou de tal modo que a
face já não precisa de máscara.” (Oliveira, 2003, p. 34)
[9] Lefebvre (1980)
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segregação
© Copyright Paulo Cesar Xavier
Pereira, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha
bibliográfica:
PEREIRA,
P. Sobre Dinâmica imobiliária e Metropolização: a NOVA Lógica do crescimento
urbano
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