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Índice de Scripta Nova

Geo Crítica
Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 152, 1 de noviembre de 2003

OS PORTUGUESES E A ÁSIA MARÍTIMA, C. 1500 - C. 1640: CONTRIBUTO PARA UMA LEITURA GLOBAL DA PRIMEIRA EXPANSÃO EUROPEIA NO ORIENTE. 2ª PARTE: O ESTADO PORTUGUÊS DA ÍNDIA

Francisco Roque de Oliveira
Universitat Autònoma de Barcelona
franciscoroliveira@mail.telepac,pt


Os Portugueses e a Ásia Marítima, c. 1500 - c. 1640: contributo para uma leitura global da primeira expansão europeia no Oriente. 2ª Parte: o Estado Português da Índia (Resumo)

Por Estado Português da Índia entendemos a governadoria ou vice-reinado que, com as suas redes humanas, económicas, culturais e religiosas muito mais ao jeito da talassocracia fenícia que dos modelos territoriais dos impérios romano e espanhol, enquadrou a implantação do primeiro actor europeu nos Mares da Ásia. Nesta segunda parte do nosso artigo começaremos por caracterizar as respectivas áreas de ocupação e estruturas de funcionamento ao longo do período que decorre entre c. 1500 e c. 1600. Concluiremos com uma síntese dos ajustamentos ocasionados entre c. 1600 e c. 1640 pela partilha de interesses nesta zona quer entre as duas potências ibéricas entretanto aí estabelecidas, como entre estas e ingleses e holandeses, e entre todos elas e o comércio conduzido por algumas das principais comunidades mercantis locais. Os traços genéricos das redes comerciais em funcionamento nestas águas e o padrão, tantas vezes novo, ou em rápida mutação, de muitos dos seus Estados ribeirinhos, serão ainda alguns dos tópicos actualizados. Em qualquer caso, a nossa atenção estará aqui centrada nas áreas do Este e do Sueste asiáticos, porquanto foi nessas periferias que os holandeses — os protagonistas adiantados da segunda expansão europeia — começaram por desafiar as posições tomadas pelos seus predecessores, uma interferência de que as estruturas do Estado Português da Índia já se ressentem, de forma irrevogável, ao longo da década de 1640.

Palavras-chave: portugueses, Estado Português da Índia, expansão marítima europeia; Mares da Ásia, séculos XVI e XVII. 


The Portuguese and the Asian Seas, c. 1500 - c. 1640: remarks for a global review of the first European expansion in the East. Part II: The Portuguese Estado da Índia (Abstract)

The Portuguese Estado da Índia was the government or vice-royalty that, with its human, economic, cultural and religious networks much closer to the Phenician thalassocracy than to the territorial models of both the Roman and the Spanish empires, framed the setting up of the first European player in the Asian Seas. In this second part of our article we will start by describing its settlements and working structures between c. 1500 and c. 1600. We will conclude with a synthesis of the adjustments imposed between c. 1600 and c. 1640 by the competition in that same area among the two Iberian powers, the English, the Dutch, and the main local merchant communities. The general features of the trading networks running in those waters, as the often new or fast changing pattern of many of its seaborne States will also be reviewed. Here, however, our main concern goes to the East and Southeast Asia as in that periphery the Dutch — the leading protagonists of the second European expansion — started defying the positions taken by their predecessors, a kind of disturbance already felt by the Portuguese Estado da Índia during the 1640’s.            

Key Words: Portuguese, Portuguese Estado da Índia, European overseas expansion, Asian Seas, 16th-17th centuries


O Estado Português da Índia: estrutura e momentos

Uma estrutura em rede

Na primeira parte deste descrevemos o quadro de relação nas margens dos Mares da Ásia à data da início da primeira Expansão dos europeus no Oriente[1]. As especiarias que, à parte os aliados cristãos para combater em cruzada, era aquilo que atraíra os portugueses ao Índico — pimenta, gengibre, canela, cravo de “cabeça” e de “bastão”, maças, noz-moscada, para além de dezenas de drogas de produção oriental ­—, ofereciam um típico caso de “universo fechado” ou de realidade regional diferenciada da lei do valor no mercado internacional que se manterá vigente para além do termo desta centúria. O mecanismo é idêntico ao que estimula noutras paragens a procura de lucros por via de outros artigos agrícolas de produção regional também especializada sobre os quais assenta o comércio mundial: por exemplo, a pimenta de rabo e a malagueta africanas ou o açúcar de cana sacarina, ajudando a configurar toda uma tipologia de produtos naturais que está na base de fluxos complementares como o dos metais preciosos, em especial o da prata de Potosí.

Os portugueses moldarão o seu Império à medida deste estado de coisas, e a prova mais acabada disso está no carácter tão sui generis desse estabelecimento: concentram-se nas relações mercantis, desprezando, à partida, a exploração directa das terras. O exemplo é o da experiência comercial acumulada durante três quartos de século nos litorais africanos, distinta, portanto, de experiências anteriores e posteriores nas ilhas atlânticas dos Açores, Madeira, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Fernando Pó (aqui pouco mais do que ensaiada) e no Brasil. Castela competirá com Portugal pela noz-moscada e pelo exclusivo de outras produções das Molucas no segundo quartel do século XVI, exibindo a propósito destas últimas um interesse por relações mercantis que não abandonaria. Contudo, o sistema que desenvolvera para o respectivo Império era, no essencial, já diverso[2].

Na área vastíssima, delimitada a Ocidente por Ormuz e Sofala e, a Leste, por Macau, Ternate-Tidore e o Japão, o Estado da Índia que os portugueses reclamam quando termina o século XVI terá muito pouco da estrutura política dos impérios da tradição clássica europeia ou da modalidade do moderno Império colonial espanhol, o qual privilegia, como dito, o domínio e a organização tradicional de grandes extensões territoriais. No caso português, o corpo do Império é o próprio mar[3]. Acima de qualquer outro objectivo, pretende-se o domínio e a segurança das rotas marítimas. Para o garantir, são mais do que outros úteis os serviços da ciência náutica, as práticas da marinharia e o ensaio de novas tecnologias de defesa e de combate naval. Uma série de fortalezas, de feitorias e, em menor número, de centros urbanos, assegura a sustentação da rede mercantil. Entre elas, temos, em simultâneo, uma enorme descontinuidade territorial e a circunstância de coexistirem os mais diversos modelos institucionais, muitos dos quais com a agravante de terem sido impostos pela natureza dos espaços tocados pelo trânsito comercial e não exactamente concebidos para servirem as necessidades deste último.

A Coroa, ou quem em nome dela, controla uma amálgama de territórios, de estabelecimentos comerciais e militares, de pessoas, bens e interesses demasiado extensa e diversa para que se possa reclamar sempre o exercício de uma administração passiva (iustitiam dare). Coexistem formas em que a ocupação terrestre teve a possibilidade de se afirmar com um relativo grau de permanência, permitindo um domínio formal mais efectivo e que reproduz com considerável coerência e uniformidade esquemas já praticados na metrópole ou em outras áreas da Expansão — municípios ou capitanias-donatarias, devendo, porém, ser notado que os portugueses só exercem plena soberania e jurisdição sobre as cidades ou praças de Goa, Cochim, Colombo, Malaca e Macau[4] —, com modalidades mais circunscritas ou rarefeitas de exercício da autoridade: as fortalezas ou as feitorias que mencionámos, tal como o reconhecimento de protectorados, o assentamento de tratados de paz e vassalagem, ou a simples influência que exercem noutras muitas paragens mercadores, missionários, lançados ou aventureiros e piratas[5]. No capítulo do domínio dos tráfegos oceânicos, era difícil que o panorama deixasse de reflectir esta configuração mais geral: a própria Coroa não alcançará nunca impor um monopólio para Leste de Malaca sobre os tratos de que reclama o exclusivo, e mesmo para o mar a Ocidente do estreito com esse nome o monopólio era infringido[6]

Do ponto de vista formal, a expressão Estado de Índia só se generalizaria na segunda metade do século, encontrando-se o cronista João de Barros entre os que primeiro a empregaram, o que fez no texto da Década I da sua Asia, publicada em 1552, em Lisboa. No plano prático, isso tem de ser contrabalançado com dois aspectos de partida.

Em primeiro lugar, desde 1505, quando o rei D. Manuel (r. 1495-1521) é representado no Índico pela autoridade permanente de um vice-rei, por sua vez centro de um corpo próprio de dignatários e de órgãos de soberania e administração, tal estrutura institucional pode ser dada por adquirida[7]. Em segundo lugar, a expressão apenas abrange os interesses tutelados de forma oficial pela Coroa. Ora, começámos por saber que esta se comporta muitas vezes sem constituir uma entidade soberana plena e muitas outras acima de tudo como uma empresa comercial, sujeito entre os demais de direito privado em territórios dependentes de soberanias alheias.

Depois, existe ainda uma presença portuguesa de contornos informais, disseminada por vários mares adjacentes ao Índico e por outros tantos territórios circunvizinhos, para a qual o Estado é um concorrente, quando não um oponente — no último quartel do século XV um fenómeno idêntico reconhecera-se nas costas da Guiné, onde muitos portugueses lançados ou tangomaus penetravam nas sociedades nativas, competindo e violando muitas vezes os monopólios realengos com um trato de cabotagem ou de retalho em terra[8]. Mesmo assim, nem um aspecto, nem o outro nos impedem de concentrarmos a nossa atenção na entidade mais ou menos formal que a expressão em causa designa[9].

A rede que os portugueses estruturariam de modo progressivo, colocando em contacto vários espaços e dando, no final, forma ao seu Império asiático, seguiu um modelo que também diverge do que fora aplicado na área por um reino como o de Mojopahit, em Java, capaz de balancear nos seus momentos de apogeu os respectivos interesses entre a orizicultura e o controlo das rotas comerciais do Arquipélago. No caso português, é mais extrema a dependência da circulação e da troca de produtos do que a que praticava a talassocracia muçulmana sua rival, mais extrema inclusive do que a situação que os próprios poriam em marcha no Atlântico, porque aí o açúcar fá-los-á optar claramente pela estratégia territorial nas ilhas e no Brasil. Como se disse, o modelo segue os exemplos Norte-africanos, onde uma sucessão de fortalezas costeiras se conserva em prevenção constante para a guerra, mantendo vivo o espírito de cruzada e assegurando o mínimo apoio logístico e estratégico necessário ao trato. Por dois outros aspectos o modelo do Estado da Índia é ainda distinto das demais práticas locais: é imposto por um grupo estranho à área e é determinante a importância que assume a população urbana dentro do conjunto.

O contingente português concentra-se na sua imensa maioria em espaços com características urbanas, e não apenas é mínima a importância da actividade agrícola, como o relevo secundário da generalidade dos territórios adjacentes às principais praças se reflecte na conservação, que era norma aí, dos regimes administrativos preexistentes, fosse porque faltasse força ou empenho para os alterar, fosse tão-só porque eram dispensáveis. Com o aproximar do final do século XVI notar-se-á uma tendência no sentido de um maior envolvimento territorial, condicionado pelo aumento da população residente que resultava da política de casamentos mistos que era praticada ou do alargamento das áreas evangelizadas, factos que são simultâneos a uma crescente afirmação do poder central e à afinação da ideia de Estado, autoridade esta que, por seu lado, se divorcia progressivamente da actividade mercantil, tida por menos digna. No entanto, nada disto é ainda suficiente para inverter o padrão vigente e fazer subordinar a lógica da rede à dos espaços, algo que só desponta na passagem do século XVI para o século XVII, quando, entre outros aspectos para tentar compensar o declínio da hegemonia naval portuguesa, se avançou com a ocupação do Ceilão (frustrada), ou, um pouco mais tarde, com a penetração no interior moçambicano pela via dos rios de Sena[10].

Cedendo, por uma vez, às relativas arbitrariedades cronológicas da historiografia tradicional, de 1498 (chegada de Gama a Calecute) a 1515 (submissão de Ormuz) decorre o primeiro de quatro períodos em que é usual dividir a história do Estado da Índia, neste caso correspondente à fase de formação. Sempre pelo mesmo método, entre 1515 e 1622 (queda de Ormuz para a aliança entre o Xá Abbas da Pérsia e os ingleses) tem-se a respectiva estabilização e o momento de maior grandeza. Para lá do essencial do tempo aqui revisto, entre 1622 e 1739 (queda de Chaul e de Baçaim/Vasaî/Bassein, com toda a Província do Norte, salvo Damão/Damau/Damaun) acontece o período de retracção e decadência. Por último, entre a última destas datas e 1961 (o ano da invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana) vem o de reformulação e de sobrevivência[11].

Logo no início do primeiro desses períodos aprende-se que as manufacturas que os europeus têm a oferecer aos mercados indianos, produtores de uma oferta de manufactura equivalente mas que contam com produtos naturais em muito maior abundância e com metais preciosos em barra ou amoedados, obriga ao envolvimento no circuito da troca de ouro do Monomotapa que Sofala escoava pelos tecidos de algodão indiano — do Guzerate, mais do que de qualquer outra origem —, dando num imediato acerto com o comércio triangular praticado na região. Quando a presença é ainda intermitente ou precária, ditada pela ida e vinda das armadas ou pela passagem destas ao longo da costa do Malabar, começa a funcionar a linha Lisboa-Cochim que transporta as especiarias para a Europa. Mas esse pronto reconhecimento da necessidade de diversificar as fontes de comércio conduz à expansão do sistema em vigor, e é assim que, poucos anos volvidos, ao se atingir o termo deste intervalo de tempo, o comércio entre costas e mares da área suplanta já em volume e em lucro o que se processa entre a Índia e a Europa.

Do uso de portos aliados como os de Cochim ou Cananor que acontece durante os primeiros anos passa-se para fundação de outros entrepostos comerciais em Angediva, Socotorá e Moçambique e à sujeição de Quíloa. De 1510 a 1515, sob o governo de Afonso de Albuquerque (1509-1515), vêm as conquistas de cidades como Goa (1510) e Malaca (1511), impõe-se o protectorado a Ormuz (em 1515, como acabámos de escrever), ao mesmo tempo que se processa o relatado avanço para Leste a partir de Malaca que levará ao reconhecimento da Insulíndia e do Extremo Oriente. Porém, se a área de alarga em definitivo e se, com ela, se multiplicam as posições adquiridas, não é alterado o princípio segundo o qual a territorialidade é sempre sucedânea da viabilização da rede, não se qualificando nunca como um objectivo em si. Repare-se que Goa é ocupada porque sobressai a necessidade de se instituir uma capital em posição central, capaz de assegurar o domínio do Índico, sobretudo quando se constatar a impossibilidade de subordinar Calecute — e em 1543, quando se ocuparem as tanadarias ou as terras-firmes de Bardez (Bardês) e Salcete (Salsete), as vantagens defensivas e de abastecimento que estas assegurarão para a capital não secundarizam as razões prioritárias que haviam levado a esse estabelecimento. A lógica que faz depender a posse de pontos litorais da articulação que estes facultem entre espaços abastecedores e consumidores é mais nítida ainda no caso das implantações do Malabar que servem o fluxo da pimenta, nas do Golfo de Cambaia, que servem os têxteis do Guzerate, revê-se na referida Goa, que também importa manter pela procura de cavalos árabes e persas que se sente da parte de vários reinos do interior, tal como nas terras de Baçaim e Damão, as quais, mais do que o abastecimento de géneros às restantes praças, garantem a cobrança de rendas fixas de origem fundiária com que o Estado da Índia se pode compensar em anos em que o comércio é menos lucrativo[12].

Chegar, impor e conceder

Entre a chegada ao Índico, em 1498, e os primeiros contactos com o Mar do Sul da China, em 1513, são óbvias a fulminante expansão geográfica e o aprofundamento do sentido de muitas das presenças portuguesas nos Mares da Ásia, decalcando a geometria dos principais portos que apoiavam o tradicional comércio transcontinental com a Europa: confrontos inaugurais com os mouros de Calecute que exportavam o grosso das especiarias para o Mar Vermelho; apoio dos reinos de Cochim e Melinde; quebra da hegemonia de Quíloa; derrota da frota egípcia, em 1509, testa de ponte dos interesses dos vários estados muçulmanos e pró-muçulmanos, assim como dos de Veneza; tomadas de Goa e Malaca; sucessivas viagens de exploração ao Pegu, ao Sião, a Java, a Timor, às Molucas e, enfim, a Cantão. Logo a seguir, dá-se a referida conquista de Ormuz e o Império adquire uma configuração que não será muito diferente da que se lhe reconhece na década de 1620.

Pelo meio, sem que se registem conquistas espectaculares, não deixa de se adensar a malha das posições portuguesas por intermédio da construção de fortalezas ou de feitorias, sobretudo no que respeita ao Sul da Índia: fortaleza em Coulão, no litoral indiano do Malabar, mais de uma década após um primeiro intento nesse sentido ocorrido logo em 1505; feitoria em Ceilão (1518), implantação no Guzerate, onde se estabelece feitoria em Chaul (1521) e são tomadas Baçaim (1534) e Diu (1535), vindo depois Damão e territórios adjacentes, em 1559; em 1543, como dito, o território insular de Goa foi acrescentado das zonas de Bardez e de Salcete. Na costa oriental africana, Sofala centralizava o comércio do ouro e Moçambique oferecia escala à navegação entre Portugal e a Índia — o forte de S. Sebastião na ilha de Moçambique data de 1558, pouco anterior às novas e mais poderosas fortificações de Mascate, a cidade na costa de Omã que domina o respectivo golfo e que era satélite do poder português desde 1515[13]; o forte de Jesus de Mombaça é erguido em 1509 e mantém-se sob domínio luso até ao século XVIII[14]

Ternate, em 1522, e Macau, quando terminava a década de cinquenta, são outras posições-charneira neste complexo. Como a última, o estabelecimento informal de São Tomé de Meliapor (Mayilapuram, subúrbio da actual Madrasta), nascido como colónia espontânea de mercadores portugueses equiparável às de Negapatão (Nagappatinam) e Paleacate e contra o qual o Estado da Índia chegará a mobilizar em 1540 uma expedição punitiva, acaba cidade portuguesa provida do respectivo foro, vindo a ser sede de bispado na entrada do século XVII[15]. Esta sequência não é exaustiva, mas permitiu conduzir-nos ao tempo de meados do século a partir do qual a actividade expansionista será claramente refreada, são reforçadas as medidas defensivas e os interesses atlânticos, de que o Brasil é protagonista maior, passam a ser equacionados por muitos como alternativos em relação aos do Império oriental[16].

A mesma sequência não deve iludir um outro facto fundamental: o progressivo envolvimento no comércio asiático, condicionado em grande parte pela escalada de violência mútua entre portugueses, muçulmanos do Malabar e os aliados destes, não teve correspondência num plano gizado de antemão visando o controlo com carácter duradouro do tráfego da especiaria pela rota do Cabo. Este, traduzido pela estatização do comércio e pela imposição dos monopólios, é tomado de início pela Coroa entre o mais como um expediente útil e temporário para a acumulação de liquidez que lhe serviria para financiar a guerra. Lisboa acalentava, pelo menos desde a segunda metade do século XV, o objectivo messiânico da conquista de todo o Norte de África e do sultanato mameluco, incluindo Jerusalém. A cruzada em Marrocos estimulara os primeiros inquéritos sobre o Preste João das Índias, senão o próprio processo dos descobrimentos marítimos[17]. Enquanto este primeiro projecto se abandona com o tempo e os mercadores aprendem as vantagens do sistema comercial que vigora nas costas atlânticas de África a Sul das Canárias, razoavelmente pacífico, apoiado num número mínimo de estabelecimentos costeiros e coberto pelo texto de bulas papais de 1455-1456 e pelos tratados de Alcáçovas-Toledo (1479-1481) e de Tordesilhas (1494), a ideia imperial de tipo medieval não deixa de fazer o seu caminho, reaparecendo no plano manuelino de conquista do Próximo Oriente, no qual é defensável reconhecer-se uma inspiração joaquimita.

O bloqueio económico que asfixiaria o Egipto, ideia velha de séculos, impõe-se como primeira etapa e a necessidade de uma aliança com o Preste volta a ser evocada. Assume-se também a complementaridade entre esse bloqueio e a prática do corso sobre os navios muçulmanos no Mar Arábico, fonte acrescida de proventos, sendo secundário nestas manobras o ensejo de protecção à rota do Cabo, por ora pensada segura e estável. Conquistados o Egipto e Jerusalém, o comércio tornaria ao Mar Vermelho por se tratar da rota mais curta e é muito possível que, então, D. Manuel reclamasse para si o título de Rei de Reis ou de Imperador do Oriente[18], propósito suficiente para explicar a razoável discrição com que tudo isto passa para as fontes da época.

Alguém como Albuquerque, enviado para a Índia como seu segundo governador, participa destas esperanças messiânicas na queda do Cairo — referido por “Sultanato de Babilónia”, a soar à “Babilónia, a Grande Prostituta” do Apocalipse de S. João — , sonha, como os venezianos, com um istmo de Suez rasgado à imagem dos pretensos projectos de Alexandre Magno, e começa por concentrar a sua atenção sobre o Próximo Oriente. É só num segundo momento que tanto realiza a necessidade de uma presença mais do que simbólica na Índia para levar a bom termo tais projectos, como a precaridade do tráfego escoado pelo Cabo. A solução parte dos mercadores portugueses, genoveses e florentinos, que são quem primeiro indica que as disfunções podem ser facilmente compensadas com uma entrada pacífica nos tratos locais de cabotagem e de médio curso. Defensores até ao limite de uma liberdade de comércio que permitisse rivalizar com Veneza, opositores à política de monopólios régios e avessos às fricções políticas que desencadeariam uma aliança com o Preste ou uma política absorvida com a conquista, estes farão ver das vantagens da participação privada na empresa e, ainda, da lucrativa actividade de corso.

Em abono dessa qualidade algo transitória das intenções reais que choca com vozes como estas, refira-se que nem Goa, Ormuz ou Malaca, nem nenhuma das conquistas asiáticas da primeira metade do século decorreu de uma iniciativa da Coroa[19]. D. Manuel como que se trai por uma vez quando dá instruções ao seu primeiro vice-rei da Índia no sentido de se ver aclamado rei de Cochim, mas o episódio, que denota uma franca aspiração a um assento no Malabar, parece ter sido excepcional. A norma quer que seja imposto aos soberanos muçulmanos (de Quíloa, de Chaul, de Ormuz, por exemplo) o pagamento de páreas, a classe de tributos que se aplicara no contexto medieval peninsular, que Castela ensaia durante algum tempo antes de passar à conquista directa no Novo Mundo e que os portugueses praticavam um pouco antes destes em várias cidades costeiras de Marrocos.

Traduzindo, mais do que outra coisa, um direito de dominação eminente — apostado, assim, no exercício da suserania imperial e não tanto no da soberania real no Oriente ­—, tem a sua contraprova nos laços de parentesco espiritual ou fictício que se buscam estabelecer entre os reis de Portugal e os soberanos locais não muçulmanos. Antes, em 1491, o baptismo do rei do Congo permitira que este fosse tratado por “primo”; agora, o rei de Cochim será considerado “irmão”; projectam-se casamentos entre príncipes portugueses e de Vijayanagar; e, nos casos de alguns pequenos reinos muçulmanos do Malabar que derrotara, é o próprio rei de Portugal quem, para garantir o abastecimento de pimenta, se compromete ao pagamento de uma anuidade, para o que se fala em tenças — de tenentia —, outra forma de afirmação de um laço de vassalagem que parece não desrespeitar a soberania dos monarcas subordinados. Quando se endereçam ordens concorrentes para a construção de fortalezas — em Socotorá ou Malaca —, acaso contra a vontade dos locais, ou quando se nomeiam capitães-mores para o Mar de China (desde 1519) e se ordena a construção de uma fortaleza nessas costas (1521), aparenta uma vez mais ser sobretudo o convencimento de exercício de uma imperatoria potestas sobre as soberanias locais o que prevalece em espírito, portanto sem que, com isso, se tratasse objectivamente de as pôr em causa[20].

Tanto como não se dá por um plano prévio que houvesse considerado o envolvimento a fundo e em extensão no sistema comercial chamado “de Índia em Índia” ­— pelo que, como começámos por afirmar, é por demais delicada a hipótese do mundo para lá de Ceilão ou o Extremo Oriente terem feito de alguma forma parte do horizonte geopolítico inicial de D. Manuel ou de D. João II, seu antecessor­ (r. 1481-1495)[21] —, as decisões que a Coroa toma até meados do século sobre o protagonismo que se reserva para a empresa oriental também vaguearam ao sabor das conjunturas do reino e do local, em especial as que vinham induzidas pela pressão do partido “liberal-mercantilista” que joga a sua sobrevivência diante dos interesses estatais. Superada a indecisão inicial, muito marcada por uma deficiente antecipação da realidade do Índico, no primeiro decénio do século XVI o Estado chamará a si a coordenação de uma presença a um tempo comercial e político-militar. Visam-se os comerciantes árabes do Próximo Oriente que dominavam a entrada do Estreito e, daqui, acertam-se baterias contra os muçulmanos do Guzerate, presentes um pouco por todas essas águas: aprisionamento de navios, com a subtileza relativa do corso puro ter tomado a forma, generalizada a partir de 1502, da prática dos cartazes, os salvo-condutos que excluíam a navegação dos inimigos e que, quer garantiam que não se rompesse o bloqueio do Mar Vermelho, quer que não se transportassem mercadorias do tipo daquelas que Portugal reservava para si, caso das especiarias ou das armas[22].

Vários contratempos somados não podem ser desligados de medidas mais radicais, como a que, a breve trecho, reivindica para o rei o monopólio do trato da pimenta em todo o Índico. A fortaleza de Socotorá era abandonada em 1511, depois de se constatar a ineficácia de uma vigilância efectiva sobre a navegação pelo Estreito, na sequência, de resto, dos abandonos de Angediva (1506) e Quíloa (1512)[23]. Falha a conquista de Adém (1513) e o patrulhamento do mar largo, tal como o das costas do Malabar, revelava a sua reduzida eficiência. A navegação muçulmana passa a procurar as Maldivas por forma a iludir o corso português. Ao mesmo tempo, a crescente procura a que estes sujeitam a pimenta faz disparar os preços deste produto e desvia o respectivo abastecimento preferencial para os portos da Ásia do Sudeste. No meio de tudo isto, um Império Mameluco enfraquecido pelo cerco luso acaba tomado pelos Turcos Otomanos (1517), quem pronto reorganiza a rota pimenteira tradicional e condena em definitivo a rota do Cabo, a qual se torna subsidiária em relação aos proventos angariados por intermédio do comércio local. O rei reage a este descaminho de preços com a tal ideia de monopólio alargado, supondo-se, simultaneamente, capaz de vir a regular a procura no Malabar e de manter reduzida oferta em Alexandria, sua potencial concorrente nos mercados do Levante.

Descontando já as inimizades e a explosão da guerrilha marítima que se adivinham por via de um redobrado controlo da parte do Estado da Índia de um circuito de comércio livre, pujante e antigo, a ser lesada a crescente participação de mercadores privados lesavam-se também as cobranças alfandegárias de Goa, Malaca e Ormuz ­— aqui, cobrança sobre metade de alfândega — para as quais se reservava o papel de principal parcela de receita do mesmo Estado. Daí, não sem contradição, a relativa tolerância que denotam algumas decisões intermédias, melhor, talvez mais fraqueza que tolerância, porque é de mencionar que ao desastre de Adém junta-se o da Maroma, em Marrocos (1515) e, dois anos depois, o falecimento da rainha D. Maria, filha dos Reis Católicos e principal sustentáculo da ideologia messiânica na Corte[24].

Assim, em 1515, é proibido que sejam feitas presas em Malaca, considerando-se que a cidade pode conservar a sua liberdade porque a distância a que se encontra faz com que não interfira nos interesses visados no Mar Vermelho; o risco de despovoamento desta cidade deu também em que, em 1519, o rei recomendasse ao seu feitor a participação dos mercadores da terra no trato das drogas e o respectivo envolvimento no seu negócio; e, entre 1515-1518, durante o governo do vice-rei Lopo Soares de Albergaria, assiste-se à suspensão da ofensiva contra o Próximo Oriente, ao abandono do projecto de constituição de um exército permanente, contém-se de modo voluntário a autoridade do Estado ao ser-se cúmplice do recrudescimento da actividade comercial privada, postura que teve como resultado imediato a reorientação irreversível dos interesses portugueses do mundo islâmico para a Índia do Sul e a Ásia do Sudeste (fixações em portos da Insulíndia como Pedir, Pahang, Bantão, Brunei e Maluco, mas ignorando-se a Indochina)[25] e o abandono das praças por parte de um sem-número de pequenos comerciantes nacionais, configurando uma espécie de deserção do serviço oficial que envolveu ainda soldados. Os anais tratam tal fase por “grande soltura”, simultânea a uma anarquia generalizada e a um aumento do corso e da pirataria praticado por muitos dos que agora se furtavam a enquadrar a presença oficial do Estado da Índia, situações sobremaneira desprestigiantes para a imagem do governo português na área, até porque alguns se comportam como perfeitos renegados ao serviço do Islão. Mas, deve sublinhar-se, nem nesta altura se decide suprimir qualquer possessão na Ásia.

Mais monopólios régios e mais império

A 26 de Fevereiro de 1518, uma Provisão de Lisboa dá conta da instituição do monopólio régio da pimenta[26]. Não satisfeito, D. Manuel continuará a buscar inverter os excessivos compromissos com que o comércio privado lograra dobrar a autoridade do Estado da Índia nesse breve intervalo com outras tantas demonstrações de renovado intervencionismo: dois anos depois, a ordem volta a ser publicada, desta vez somada à ameaça de escravidão aos mouros que a infringissem e à de prisão e retorno compulsivo ao reino se o infractor fosse português[27]; um Regimento não datado de Diogo Aires, feitor da China, revela que os particulares autorizados ao transporte de pimenta da Índia para a China estavam obrigados a adquiri-la na feitoria[28], sabendo-se por outras vias que apenas em Samatra a compra podia ser feita directamente ao mercador, o que constitui sintoma da conhecida rarefacção de autoridade central a Leste; pelas Ordenações da Índia, de 1520, o monopólio é estendido da pimenta ao cravo, à maça, à noz-moscada, ao lacre, à seda e ao tincal (borato de sódio hidratado), medida simultânea à que visa a tutela pela Coroa do embarque da seda e da pimenta em Samatra, à que limita a mobilidade dos soldados e funcionários das praças portuguesas, à que proíbe a trespassação de soldos, a participação de funcionários do Estado no comércio de víveres, o tráfego de escravos da Índia para a Europa, o de alquecas (laquecas), o de cavalos fora de Goa e, entre mais, o desembarque de mercadorias nas ilhas atlânticas servidas pela escala das naus da Carreira da Índia (a viagem anual entre Lisboa e Goa, e vice-versa)[29]; as Ordenações Manuelinas, publicadas em 1521, reafirmam o monopólio régio sobre o trato da Guiné, Mina e Índia, no que constituiu o momento culminante de todo este processo[30]; pelo meio, contabiliza-se a favor da decisão pelo monopólio do cravo a pressa em acudir às Molucas, ameaçadas pela viagem de Fernão de Magalhães e pela feitoria que os castelhanos instalam em Tidore, fazendo perspectivar a abertura de uma terceira via de acesso às especiarias[31].

Tal como se reafirmam os monopólios realengos, assim é reanimada a política de feição imperial: constrói-se a mencionada fortaleza-feitoria em Chaul, na costa do Concão, após intento sem efeito em Diu; remete-se uma expedição de ataque ao Barém, rebelado contra o rei de Ormuz, seu suserano, por seu turno vassalo do rei de Portugal[32]; em 1520, expedição ao Mar Vermelho, de que resultou o encontro tão ansiado pela Cristandade com as autoridades etíopes[33]. De pareceria com estas movimentações que querem repor uma certa coerência de cruzada na empresa, almeja-se recuperar para o âmbito da Coroa a dissidência informal de muitas das colónias de privados portugueses anichadas em áreas periféricas. Com esse fim é nomeado em 1521 um feitor régio para a costa do Coromandel, a quem cumpre gerir o comércio do rei na área, passar cartazes às embarcações locais e conter o passo desses particulares para lá do Cabo Comorim[34]. Em 1519, com a criação de uma armada da costa de Ceilão, principiara a pôr-se guarda aos estreitos de Palque e de Manar que abrem o acesso ao Coromandel. O forte de Ternate, tal como a fortaleza que o precede em Pacém, no Norte de Samatra, antecipam uma eventual contenda com Castela no Maluco, mas asseguram igualmente uma bandeira para a Coroa portuguesa numa área em que os seus mercadores exploravam com relativo à-vontade.

Os recuperados projectos de superintendência régia perspectivam de igual forma a costa da China, situação a que, de novo, não é alheio o perigo castelhano. Nestes que são anos de franco optimismo, o rei chama a si a passagem de licenças aos particulares que aí comerciam e, como se notou, nomeia anualmente um capitão-mor para uma viagem da Índia a Cantão — Duarte Rodrigues, o feitor da armada planeada em 1519, recebeu o encargo de trazer 200 quintais de seda, 4000 a 5000 de papos de almíscar, 10.000 cruzados de aljôfar e 600 de porcelana, cofres dourados, panos de brocado, cestos e “coisas lindas”[35]. O monarca explicita também que uma armada se deve manter em trânsito constante entre Pacém e os portos chineses por forma a abastecer estes últimos sem desviar para aí a pimenta malabar destinada ao comércio local e à Europa, e, ainda, na mesma altura em que planeia a construção da fortaleza nessa costa, nomeia um feitor e capitães para a armada que deve estacionar ao largo do Celeste Império e para um navio que ordena seja construído no local[36].

Soltura privada e outros abalos

A partir daqui, é perceptível que o Estado prefere ser omisso no cumprimento efectivo destas disposições, e isto tanto porque durante o reinado de D. João III que agora se inaugura (r. 1521-1557) ressurge a oposição cortesã aos projectos imperialistas do seu antecessor, oposição que o próprio novo monarca polarizara quando príncipe, como porque ainda o derradeiro representante de D. Manuel na Índia, o seu governador Diogo Lopes de Sequeira (gov. 1518-1522), conhecedor das dificuldades no terreno, regressa ao reino deixando instruções para que não se efectivasse com demasiado rigor a vigilância prescrita para o monopólio das drogas e da pimenta, mesmo que os prevaricadores fossem mouros. Depois de 1533, este conceito é sujeito a revisões sucessivas que o abrandam, se bem que nunca o suprimindo uma vez que os monopólios régios mantiveram a sua existência durante todo o século XVI: o Estado português conservará a sua feição mercantilista, não deixando de concorrer e de contrariar os interesses comerciais dos seus súbditos.

Um outro dado fundamental reforça esta ideia de uma abertura gradual que vai de encontro aos desejos de quem se instalara por dentro dos mecanismos do trato local. Falamos da concessão real da capitania de viagens de médio curso realizada em navios do Estado, uma prática se inaugurara em 1515 quando o monarca enviara de Lisboa Fernão Peres de Andrade como capitão-mor de uma armada que deveria fazer sua “a capitania do descobrymento da enseada de bengala e da chyna” logo depois de tocar a Índia[37]. De facto, a partir do início da década de 1530, torna-se comum a substituição das expedições armadas pela Coroa de parceria com comerciantes asiáticos dos primeiros tempos dada a ver pelo privilégio que Andrade colhera, associando Bengala e a China. As primeiras nomeações confirmadas contemplam a carreira Cochim-Malaca e a do Coromandel (Meliapor) para Malaca, em 1531 e 1546, respectivamente[38]. É um dado que a medida centralizava as operações, mas não só não abrange todos os tratos (especiarias à parte, muitos produtos não são guardados pelo monopólio), como o Estado acaba por vezes por abdicar do exclusivo de certas mercadorias defesas e concede licenças a particulares para que estes as transaccionem em liberdade. Para além disto, os oficiais régios associados a cada carreira tinham direito a uma quota parte do espaço do navio para o transporte gratuito de mercadorias — os gasalhados — , direito este para mais passível de ser alugado a comerciantes privados. Por último, a estes últimos estava ainda reservado o direito de embarque de produtos nos navios das carreiras da Coroa a troco do pagamento de fretes e direitos.

Com o tempo, o sistema evoluiu para a concessão de licenças a particulares para que estes realizassem viagens em navios que cumpria aos próprios armar e onde a Coroa não investia qualquer capital. Trata-se das chamadas viagens de lugares, substitutas da maior parte das antigas carreiras entre finais da década de 1550 e 1570, destacando-se entre estas as do capitão-mor à China e ao Japão, realizadas pelo menos desde 1546 e regulares desde 1555. O Estado reservará sempre para os seus navios as viagens a Moçambique, Ceilão e às Molucas[39] como forma de garantir, pelo menos neste caso do Sudeste asiático, o abastecimento das fortalezas da região, o que não obsta a que tais capitanias sejam concedidas com maior frequência ainda para lá dos anos de 1560, num momento em que os destinos eram alargados a Tanaçarim, Bengala ou Sunda.

No Sudoeste asiático, Macau impor-se-á como o porto de partida da generalidade das viagens concedidas às então chamadas “partes do Sul”, ou seja, e para além do Extremo Oriente, as actuais Insulíndia e Indochina. Daí, estas rumam a Sunda (pela pimenta e drogas), a Timor e Solor (pelo sândalo), a Patane (pelo arroz, peixe seco salgado, laca, benjoim, pau-brasil, chumbo, estanho, ouro, marfim ou pedrarias), Pão, a Ayudhya (ligada por vezes com a viagem do Japão), ao Cambodja, Champá, Vietname/Cochinchina (pela seda amarela, calamba, benjoim e cobre), a Banda, às Molucas (pelo cravo) e a Ceilão (pela canela)[40]. Se bem que, ao recompensarem serviços vários de personagens perante os quais a Coroa se sente em dívida, muitas destas licenças para o tráfego nas naus del-rei acabem por traduzir um regime de privilégio equivalente a um monopólio temporário, as hipóteses de liberalização deixadas pelo esquema posto em marcha saem apesar de tudo reforçadas[41].

Acresce às contradições que vimos referindo que com os vice-reis ou governadores D. Vasco da Gama (gov. 1524), Nuno da Cunha (gov. 1529-1538) e, sobretudo, D. João de Castro (gov. 1545-1548) voltam a manifestar-se tentativas sérias de reestruturação administrativa e militar de um Estado da Índia consideravelmente indisciplinado: o primeiro leva ordens para repor o estanco das drogas de Malaca e o último não só ocupa uma série de posições no Canará, como insiste em constituir um exército regular sob a forma de “companhias de ordenança”, à suíça. Contudo, a tendência dominante era a inversa e traduzia o peso crescente dos portugueses estabelecidos por conta própria, peso demasiado evidente em áreas como o Extremo Oriente para poder ser ignorado por mais tempo.

Por isso D. João III inscreve entre as tarefas do primeiro desses referidos seus representantes o abandono de algumas praças levantadas no tempo de D. Manuel; por isso este rei se abstém de enviar embaixadas ou expedições militares para as costas da China como o fizera o seu pai, tendo indicado aos seus capitães em Malaca que cobrissem as iniciativas comerciais dos particulares nessa região, as quais conhecerão sucesso crescente a partir de 1531; por isso é abolido o monopólio das especiarias em Malaca em 1533, seguido do cravo e da noz de Maluco, se bem que este só em 1539 e forçado pelo facto de ninguém querer então ir a esse destino e de a fortaleza se encontrar desguarnecida[42]; por isso se conjectura a hipótese de encerrar a feitoria de Antuérpia, instrumento do monopolismo régio na Europa, e abandonar o trato da especiaria de Lisboa para a Flandres (na verdade, a feitoria será encerrada em 1549, num momento em que se invertera já o sentido da corrente de prata que procedia daí para Lisboa)[43]; e, por isso ainda, se começa a perspectivar suprir as necessidades financeiras do Estado menos com recurso ao estanco (em 1545 pensou-se abolir o estanco da pimenta em todo o Índico, projecto que não vingou pela oposição de Goa, que o julga inoportuno e perigoso), mas, antes, com recurso preferencial aos réditos aduaneiros que, além das alfândegas já controladas, conferia o recente acesso às de Diu, Baçaim (entre 1534-1535, viu-se) e à metade em falta de Ormuz (1543)[44].

O debate sobre o papel que deveria caber à Coroa desempenhar no Índico e que se produz em voz pública em torno do novo rei foi radical o bastante para ter equacionado o abandono da Índia em favor de uma opção repartida por diversas áreas atlânticas. Um estímulo maior desponta na década de 1530, quando a procura de madeira e, em menor medida, a produção do açúcar, fizeram arrancar a colonização brasileira. Simultaneamente, novas adversidades favorecem essas ideias. O Império Otomano surge como potência no Índico, evento simultâneo ao recrudescimento da concorrência guzerate e ao despontar do poderio do Achém, em Samatra. Em 1529, pelo Convénio de Saragoça, as Molucas eram pagas a peso de ouro a Carlos V, criando uma polémica fonte de encargos. O poderio português cede posições diante das forças mouras empenhadas na reunificação político-religiosa de Marrocos, vindo a abandonar a maior parte das praças do litoral atlântico deste território entre 1541 e 1550.

Santa Cruz do Cabo de Guer/Agadir foi perdida em 1541 para os xarifes Saádidas do Suz, no mesmo ano em que se retira de Safim e Azamor e se pensa conservar apenas Mazagão na área do Norte de África; Arzila e Alcácer Ceguer são evacuadas entre 1549 e 1550 para providenciar a concentração de forças para a defesa de Tânger e Ceuta. No Mediterrâneo, entre os ataques dos corsários Barba Roxa a partir de 1517, o saque de Menorca (1558), as interferências na política interna marroquina que culminam com o assassínio de Mulei Mafamed em 1557, o grande cerco a Malta (1565), a conquista de Chipre aos venezianos (1570), a desforra da Cristandade na batalha de Lepanto (1571) e as conquistas de La Goulette e Tunes, em 1574 (sem efeitos duradouros, como a anterior expedição castelhana de 1535 contra Tunes, que contara com colaboração portuguesa), o avanço do turco-barbaresco para Ocidente constitui, apesar dos reveses, outra evidente ameaça[45]. A pirataria francesa, que principiara a ser activa anos antes nos mares dos Açores e que terá capturado dezanove navios portugueses entre 1520 e 1530[46], faz a sua aparição nas costas da Guiné em 1541 e lança a disputa entre o mare clausum português e os advogados europeus do mare liberum.

O descontentamento pelo montante e dispersão dos encargos vai em crescendo e multiplicam-se os defensores da conquista e povoamento de um espaço contínuo e menos exposto. No entanto, as teses mais radicais serão postas de lado e as energias acabam por dirigir-se no sentido de consolidar as posições adquiridas e garantir a segurança do sistema comercial herdado no Índico. Arrumam-se quaisquer veleidades de conquista do Próximo Oriente e os sonhos imperiais de sentido messiânico e milenarista (ataque ao Egipto pelo Mar Vermelho, aliança com o Preste, recuperação dos Lugares Santos), sem que com isso se tenha optado pela retirada preconizada por alguns[47]. Durante o reinado de D. João III, Diu, na região do Guzerate, é alvo da única tentativa de executar uma nova conquista, mas mesmo aí o carácter subjacente é o de sustentação da empresa comercial no Índico Ocidental, circunscrita, portanto: a autorização para o estabelecimento em Diu, simultânea à cedência da faixa litoral de Bombaim a Damão — exclusive — é conseguida em 1533 por acordo militar com os guzerates e aparece na sequência das ameaças que a estes move o Império Mogol, acabado de fundar sobre os escombros do sultanato de Deli[48].

De par, dá-se um rearranjo de posições na costa oriental africana, agora centradas mais a Sul, apoiadas nas fortalezas de Sofala e Moçambique. O Mar Vermelho segue sob vigilância das armadas de Goa e as frotas islâmicas continuam na mira do corso português, se bem que sem se aspirar mais à posse dos mercados de Alexandria. Ormuz é mantida, apesar das limitadas possibilidades que oferece ao trato privado dada a sua condição de enclave no mundo islâmico. Em 1538, Diu apara o primeiro cerco combinado que lhe fazem as forças do Guzerate, que a querem reaver, e a armada turca, esta entrada no Índico depois de tomado o Iémen e Adém. Seguem-se quatro ou cinco anos de negociações com a Sublime Porta, tentando os portugueses a colocação de pimenta em Baçorá contra o trigo turco e a garantia implícita de que se os primeiros não entrassem no Índico os segundos não ripostariam com incursões Estreito dentro. Diu sofre e sobrevive a novo cerco dos guzerates em 1546, mais violento do que o anterior, numa altura em que os Otomanos depõem o emir beduíno de Baçorá — lembre-se que mais de uma década antes, os turcos se tinham apoderado do Iraque e forçado o respectivo soberano à sua soberania.

Neste entremeio, Goa, sede do Estado, confirma as suas potencialidades como entreposto comercial. O Malabar continua a desempenhar o seu papel no comércio entre a Índia e o Reino e a servir para a entrada nas redes comerciais da parte meridional da península e de Ceilão. Malaca dá aos privados aquilo que Ormuz lhes nega. E, pese o custo que acarretava, sobrava muito do empenho que a Coroa fizera questão de manter com o objectivo da conservação das Molucas, a segunda principal linha estratégica ao lado da prioridade do Índico ocidental. Aí, depois de vassalagens adquiridas antes como a das ilhas de Banda, tentara reforçar a sua presença oficial nas principais escalas entre Malaca e as ilhas do cravo com novas posições na costa oriental de Java (Gresik e Panarukan/Panaruca), promovera os primeiros contactos com as Celebes, ponderara a decisão de abrir a feitoria em Brunei que tomará nos anos 30, procurara erguer uma fortaleza em Sunda em 1527 e, em 1545, o cristianizado sultão Tabarija doará Ternate à Coroa portuguesa, seguindo-se a aclamação de D. João III como Rei de Maluco. Empenho excessivo, que pagará com o desmantelamento da fortaleza de Pacém (1523), a inviabilização do projecto da fortaleza de Bantão, depois da conversão ao islamismo que Demak aí leva, ocorrência que significa, simultaneamente, o fim da sua presença na região de Sunda[49]. Mas se saia a Coroa, entravam os privados ou os seus próprios funcionários associados com mercadores locais: em Bantão e nos restantes portos do Pasisir; no Norte de Samatra; no comércio do cravo, que estes levam a que seja liberalizado, como indicámos; no arquipélago de Solor, nas ilhas de Banda ou nas “terras do estanho”, Perak e Kedah[50].

A confirmar a mudança de atitude posta em prática, numa ocasião em que o rei compreende que não há espaço para grandiloquentes exibições de perfil diplomático ou militar e opta por instruir o seu capitão em Malaca para que este promova a retoma dos circuitos privados em direcção à China, recomenda-lhe “conseruar booa paz e amjzade” com os chineses de Cantão por junto com que trabalhe nesse sentido “por meo dos da terra do reyno de siam [Sião] e dos de patane [Patane]”[51]. Aqui, no Extremo Oriente, e ao contrário de Maluco e de Banda, onde eram mais apertados pela Coroa, mercadores privados e aventureiros tomam por sua conta a exploração do comércio, o lugar de capitães e de embaixadores[52]. Trampolim para essas actividades, Patane acolhe cerca de trezentos portugueses em meados do século. As medidas que Goa ou Malaca não deixam de tomar a partir de agora não visam anular esse estado de coisas, quando muito fazer vigorar um mínimo de disciplina por forma a prevenir níveis críticos de despovoamento da presença oficial do Estado — por exemplo, armando armadas que se enviam para os portos chineses ou impondo direitos alfandegários em Malaca aos portugueses chegados da China, esses superiores aos cobrados aos mouros ou aos gentios.       

Outro indício disso é a presença a partir de 1542 dos primeiros missionários jesuítas na Índia: ao invés do que acontecera com a generalidade da missionação que acompanhara até então o esforço imperial português no Oriente, a qual vem por regra ocupar espaços em torno das praças portuguesas, a prática inaugurada pelo militantismo apostólico recém-chegado passa também por zonas em que a presença dos europeus ainda não se faz sentir. As demais ordens religiosas cedo copiam a estratégia — os franciscanos, cuja presença é anterior, bem como os dominicanos, agostinhos e demais congregações que lhes seguem os passos —, pelo que surgem instalações ora de umas, ora de outras, em paragens remotas como a Corte do Império Mogol e a Pérsia, o sultanato de Deli, o Laos, o Tibete, a China interior, o Japão e, mais tarde, Timor. O Estado da Índia vem a alcançar alguns desses avanços que não liderara e que prolongam a sua área de influência, mas nem sempre. Os interesses comerciais já afirmados nas ilhas de Banda, no Maluco, nas Celebes ou no Cambodja constituem facilidades adicionais para a extensão das actividades missionárias em curso[53].

Sobrevivência e diáspora

Na segunda metade do século XVI, o chamado Império Português Oriental continuará a ser assediado dos mais diversos lados e a estratégia defensiva é tão notória sobre os apetites expansionistas como é preponderante a pressão dos interesses privados dispersos sobre a pedagogia centralista — e esta foi especialmente esforçada, veja-se o vasto corpo legislativo de feição absolutista promulgado pelo novel monarca D. Sebastião (r. 1568-1578) e que contempla, enfim, a criação de “companhias de ordenança”, um reforço das armadas e se estende ao campo da política religiosa, onde faz por aplicar a intransigência saída do Concílio de Trento. Fazendo-se o balanço — uma tarefa que é obrigada a ponderar devidamente o carácter estrutural da sequência oferecida pelo lento declínio do sultanato Guzerate, pela não concretização da possibilidade expansionista otomana da década de 1530 e pelo definitivo ascendente mogol do início dos anos de 1570, que compensa ou preenche essas duas ausências, em especial quanto ao domínio marítimo do Índico ocidental[54] —, fazendo-se o balanço, dizíamos, o conjunto resistiu.

Resistiu aos encargos que implicava manter um aparato de fortalezas e posições que não mais se repetirá. Resistiu, tendo conseguido uma regularidade excepcional na Carreira da Índia e um equilíbrio notável entre despesas e receitas alfandegárias. Resistiu ao incremento assinalado do número de viagens concedidas e ao arrendamento da mesma Carreira. Resistiu ao desleixo, à rotina, à corrupção e ao clientelismo que se explicam com facilidade numa estrutura administrativa instalada, que funciona a uma enorme distância da metrópole, onde o pagamento a funcionários e a soldados pode ser tão irregular e magro como lenta e arbitrária a aplicação da justiça. Resistiu aos ataques da pirataria Malabar e aos cercos às suas principais praças, do Golfo Pérsico a Malaca, especialmente frequentes durante o terceiro quartel do século, vejam-se  aqueles a que os abexins sujeitaram Damão entre 1559 e 1562 e os que, em especial desde 1572, os mogores e alguns dos régulos comarcãos, seus vassalos nominais, infringiram à mesma posição[55]. E resistiu ao princípio da derrocada de Vijayanagar, o seu principal aliado, batido na batalha de Talicota (1565) — quando confrontados com a euforia vencedora dos sultanatos muçulmanos do Decão, que os ameaçavam em 1571 com uma aliança sem precedentes com o samorim de Calecute, o sultanato Achém, o reino de Japará, em Java e o Grão-Turco apoiado por Veneza, os portugueses não só mantêm Chaul, Goa e Malaca (todas foram cercadas, tendo-se perdido apenas Chale, uma praça secundária), como, entretanto, se haviam antecipado ao vazio aberto na costa do Canará com a conquista sucessiva das fortalezas de Onor (Honawar), Barcelor (Basrur) e Mangalor (Mangalore), entre 1568 e 1569.

Os prejuízos avultados que implicou o fim do lucrativo comércio de cavalos com Vijayanagar, uma descida do valor da pimenta que também se verifica e a relativa diminuição da actividade naval no Índico Ocidental foram em boa parte superados com o afluxo dos réditos do novo trato com o Japão e o Extremo Oriente em que a vice-realeza de Goa se envolve a fundo, tal como a conquista mogol do sultanato do Guzerate, em 1572, depressa se procurou que fosse absorvida com uma reviravolta inédita que fez dos portugueses apoiantes das comunidades mercantis guzerates, seus rivais de ontem. Tudo somado, prova-se que a estrutura do Estado da Índia se conservava à altura dos desafios, ainda que nem isso tenha impedido que se reabrisse a discussão que contemplava entre as hipóteses a do abandono de toda essa área de presença: as vitórias poderiam compensar a pressão militar e o reclamado princípio de controlo dos corredores marítimos do Índico não foi apoucado mais do que pontualmente pelos governantes asiáticos (no Sudeste asiático e pelos ditos navios do Guzerate), mas esta década de 1570 é também aquela em que o desenvolvimento da economia açucareira no Nordeste do Brasil promete mais do que nunca oferecer uma alternativa vantajosa. Com isto, reabre-se também a discussão sobre as vantagens da conquista territorial sobre a dispersão da rede. Sabe-se que o compromisso volta a levar a sua avante, e que tal quer outra vez dizer menor peso e protagonismo oficial por contraponto à expansão das estruturas informais associadas à veniaga e à instituição eclesiástica[56].

Durante o já mencionado terceiro quartel do século a iniciativa militar de Goa limita-se quase exclusivamente às costas do Mar Arábico, enquanto os privados progridem pelo Golfo de Bengala e o Mar da China. De um lado, Damão e o rico alfoz de Baçaim estão garantidos, em 1560 conquistam-se Jafanapatão (Jaffna/Ialpanam), na ilha de Ceilão, e Manar, na mesma ilha, onde se ergue uma fortaleza: nesta área, a perspectiva é ainda a de uma presença litorânea. Referida ficou também a resposta dada sobre a costa de Canará e com ela concluímos a demarcação de uma certa fronteira para a capacidade de exercício do poder oficial sobre as restantes áreas e sobre os seus sujeitos menos próximos. Do outro lado da aventura, nas águas do Mar da China, desde 1550 que opera a concessão de capitanias de viagens. No Golfo de Bengala, o sistema generaliza-se na década de 1550-1560, seguido da Insulíndia. Por não ser de todo estanque, esta delegação de comércios tão lucrativos em funcionários e outros agraciados pela Coroa, se significou um golpe mais profundo do que qualquer precedente sobre as redes mercantis muçulmanas, permitiu também em muitos casos uma relativa convivência com grupos de portugueses que teimavam em manter-se à margem do sistema.

Veja-se a propósito a viagem da China, o trajecto entre Macau e o Japão, considerado vedado, ou seja, atribuído em regime de monopólio ao respectivo concessionário, o qual se fazia amiúde de par com privados lusos sediados nesse porto da costa chinesa. Sucedia com este exemplo concreto do comércio do Estado no Extremo Oriente a peculiaridade do mesmo não ser visto pela Coroa durante todo o século XVI sob o ângulo dos proventos a retirar para o tesouro público, designadamente através da venda das referidas viagens — somente no início do século XVII, e em particular na década de 1620, a penúria financeira então vivida na Europa e pelo Estado da Índia desencadeou a abertura da concessão destas viagens a vários conselhos municipais e generalizou a respectiva venda e a dos direitos aduaneiros cobrados pelo vedor da fazenda no Oriente como forma de subsidiar a construção de fortificações e o fornecimento de meios de defesa na área[57]. Embora extraindo lucros formidáveis de uma viagem de comércio como a de Goa a Nagasáqui, como acabámos de mencionar, as autoridades deixam-se acompanhar pelos privados empenhados em parcelas deste trato em boa parte quer como manobra de diversão que visava desviar esses outros interesses de áreas onde eles pudessem competir directamente, quer como forma de aumentar as recolhas alfandegárias em Goa e Malaca[58].

A observação conserva validade quando passamos para o campo do exercício da autoridade efectiva sobre vários territórios onde reside elevado número de portugueses. Na antes apontada costa oriental do Indostão — em Meliapor, Paleacate, Negapatão, no apelidado “Império Português Bengali”, império-sombra rival de Goa —, é o Estado quem procura regularizar, sem as ambições de tempos anteriores, a sua convivência com as situações consumadas das colónias espontâneas de mercadores que aí se haviam estabelecido, alguns depois de desertarem do serviço das fortalezas: entre tentativas várias de desalojar e transferir mais do que um desses contingentes, acaba por se acordar num enquadramento administrativo que respeita o essencial das presenças, o qual, já no século XVII, acabará por reconhecer o autogoverno das respectivas chefias como vereação municipal de direito português[59]. Para Macau, um outro facto consumado de importância crescente, age-se no mesmo sentido: uma comunidade mercantil relativamente impune suscita a criação desse município em 1582-1583, valendo-se para o efeito da intermitente presença do capitão da viagem da China e do Japão, o magistrado régio designado para a supervisionar[60].

Este exemplo só não retoma na íntegra o anterior porque o papel deste representante designado pelo rei era a garantia de que um mínimo de ordem seria sempre mantido, condição indispensável para que as autoridades chinesas tenham tolerado a intrusão que significava[61]. No Japão, o exercício da influência sobre a reorganização do Estado local está por conta dos missionários jesuítas, cuja presença é secundada por inúmeros mercadores-aventureiros, e Portugal nunca encarou este destino dentro de um conceito imperialista. Na Insulíndia, o Estado institui as primeiras capitanias para Solor e Timor sobre o trilho aberto desde 1561 pelas Missões dominicanas[62]. Na Cochinchina dos anos iniciais do século XVII, a influência de jesuítas e mercadores junto da corte dos Nguyen é seguida por um titubeante Estado da Índia[63].

Por volta de 1580, o comércio da especiaria ressente-se, sem disfarce possível, da concorrência que lhe advém do expansionismo mogol, responsável pela reanimação dos circuitos terrestres no interior da península hindu, logo pelo prejuízo dos do Malabar, mas também pelos de Ormuz porque novas rotas unem a Índia e a Pérsia. Em 1590, o sultanato de Golconda, que de uma posição encravada no interior acedera às costas do Golfo de Bengala e beneficiara, como poucos, da desagregação de Vijayanagar, sente-se na necessidade de pactuar com Goa o acesso ao Mar Vermelho. A preponderância comercial e militar do Estado da Índia continua a não estar em causa no Mar Arábico, se bem que também seja verdade que já fora maior do que agora porque neste último contrato serão extremas as dificuldades sentidas para obrigar as autoridades de Golconda ao envio de arroz para uma fortaleza portuguesa em Ceilão, uma das contrapartidas acordadas à cedência dos salvo-condutos. Por esta altura, no outro extremo dos mares da Insulíndia, a influência decaíra com mais clareza: desde 1570 que Ternate é uma causa perdida para as sucessivas expedições que durante a década anterior tinham buscado a sua recuperação, quebra que as instalações alternativas em Tidore e Amboino, após a evacuação daquela fortaleza em 1575, não iludem[64].

Risco em terra e realismo no mar

Filipe II de Espanha ostenta a Coroa de Portugal entre 1581 e 1598, e tanto o Estado da Índia no seu conjunto como o Índico Ocidental em especial são alvo de uma continuada atenção da parte do poder central. Não obstante, estes conservam o seu perfil e o equilíbrio realista de interesses que tinham amadurecido no transcurso das oito décadas anteriores. Uma profusa produção legislativa que busca prevenir a anarquia de muitas situações e a inoperância das máquinas administrativas e militar é despachada para Goa com uma frequência que diz bem da respectiva ineficácia. A maior novidade vem do choque nas áreas do Extremo Oriente e da Insulíndia, onde portugueses de Macau e Nagasáqui e castelhanos de Manila temem pela ingerência mútua nos respectivos mercados, salvaguardados em teoria pela separação oficial das Coroas acordada nas Cortes que, em Tomar, tinham sufragado o rei estrangeiro. Apesar da complementaridade entre muitas das ofertas destes três portos, a prata americana que aporta ao Oriente concorre com a que os portugueses transportam do Japão e inflaciona o preço do cobre chinês em Macau.

As tensões traziam-se agravadas porque desde a instalação em Manila (1571), e para lá do desembarque de castelhanos no Japão, se repetiam interferências dirigidas das Filipinas para Maluco. Também, em 1578 Castela e Aragão anexam o Brunei para a sua Coroa, procuram um porto no litoral chinês, tudo enquanto escolhiam uma modalidade de intervenção continental na Cochinchina e no Cambodja[65]. As repetidas disposições que o monarca assina em resposta aos protestos e aos temores de Goa, Malaca e Macau de uma hegemonia espanhola são de novo a imagem do desrespeito no terreno, algo que somente a entrada holandesa na Insulíndia no final do século fará cessar, ao tornar claro que a aliança é indispensável para a sobrevivência a qualquer das partes ibéricas. Testemunho das complementaridades entretanto aprendidas, entre a mesma altura do termo de Quinhentos e o encerramento do comércio com o Japão que vai acontecer em 1639-1640, a ligação proibida entre Macau e Manila que permitia desviar alguma prata do Novo Mundo para a compra das sedas chinesas terá um incremento importante[66].

Por esses anos de 1580 e 1590, a estratégia ponderada em Madrid recupera para o Índico uma função diplomática e militar de cerco económico e guerra de desgaste sobre o Império Otomano instalado no Egipto. Com o Mediterrâneo posto em relativo sossego pela defesa de Malta e a vitória em Lepanto, Filipe II delega no Estado da Índia o comando do bloqueio do Mar Vermelho e a obtenção de alianças com o Xá da Pérsia (D. Sebastião também o tentara) e com o Imperador da Etiópia. À sociedade e às autoridades portuguesas coordenadas por Goa nada interessava a passagem de um quadro de conflito latente e às vezes bem real com os turcos para um estádio de guerra aberta. É por esta razão que as insistências enviadas da Península se acumulam sem receberem resposta ou são contornadas frequentemente com soluções evasivas, para maior desespero do remetente. Salvaguardar-se-á a configuração do Estado, parecendo que o reacender da guerra que não pôde ser evitado no Noroeste do Mar Arábico implicou como aspecto mais saliente para essa área novo reforço da linha fortificada na parte meridional da costa oriental africana. Em Malaca, por seu lado, 1587 significou a derrota imposta pelas forças portuguesas às do sultão de Joore, aliado de Achém após quebra da aliança que conservara com os portugueses desde 1582. Não foi isto sinónimo de um renovar de uma presença indisputada porque o Estado da Índia manteve a necessidade de se apoiar em alianças no terreno, acaso tão impensáveis à partida como a aproximação diplomática que ensaia com o Achém entre a última década do século e os primeiros anos de Seiscentos[67].

É ainda neste contexto que se configura o desígnio da ocupação territorial de Ceilão que absorverá boa parte das energias portuguesas até ao início do século XVII. Se os projectos originais procediam do reinado de D. Sebastião, a coincidência de um novo conjunto de condições e o retomar de certas preocupações recorrentes explicam a passagem dos planos à prática. Primeiro, notava-se o relativo declínio do poderio naval português. Depois, existe o modelo tornado próximo pelas circunstâncias da experiência colonial espanhola e, em particular, o sucesso da conquista das Filipinas (1565-1572), que era inevitável que se procurasse reproduzir. Em terceiro lugar, e como tantas vezes antes, a dispersão de forças por inúmeras posições faz pesar a necessidade de uma reestruturação profunda do Estado, sempre adiada. O plano que propunha a transferência de Goa para uma ilha-território como esta dava a essa premência uma rara oportunidade de ser concretizada. Por último, a rápida expansão do Império Mogol é um outro argumento levado em conta quando se querem demover os adversários da iniciativa, argumento reiterado um pouco mais tarde quando o expansionismo holandês ameaçar a partir das franjas opostas o domínio dos Mares da Ásia.

Será hoje fácil perceber que não existiam condições para suster duas frentes simultâneas, uma a Norte, contra os turcos, outra a Sul, envolvida na conquista de Ceilão. Aqui, a passagem do reino de Cândi, antes aliado dos portugueses, para a condição de seu inimigo inverteu a correlação de forças. Os portugueses ripostaram sucessivamente com grandes ofensivas e com razias semianuais sobre este. Quer o rei de Jaffna, apoiante apenas formal da Coroa Portuguesa, quer os mercadores portugueses de Negapatão, São Tomé de Meliapor e Manar são opositores da nova estratégia. Persistentes, as campanhas em prol de uma conquista total de Ceilão acontecem até 1630, quando a mudança estrutural representada pelo “momento holandês” lhes sucede e começa a decidir a posse da ilha para o século e meio seguinte[68].

Importa acrescentar que, à parte os interesses que despertarão pelas terras do Zambeze e que antes apontámos, as teses dos que proclamavam as vantagens económicas e estratégicas de um domínio territorial alargado sobre o modelo em rede da expansão portuguesa se reencontram em vários outros projectos contemporâneos e tão ou mais espantosos do que estes. D. João Ribeiro Gaio, bispo de Malaca entre 1578 e 1601 e capitão-interino de Malaca entre Maio de 1587 e Fevereiro de 1588, propõe em 1584, e de novo em 1588, a junção de esforços luso-espanhóis para a conquista do Achém, Joore e ilhas de Maluco a partir de Goa e via Malaca, numa acção simultânea à que conquistaria o Sião, Patane, Cambodja, Cochinchina, a China e o Japão pela via das Filipinas. Regressado de um périplo por vários reinos do Sudeste continental asiático, o agostinho Fr. Francisco Manrique defende em Macau, no segundo desses anos, a conquista da Cochinchina, do Sião, do Cambodja e do Champá. Dois projectos particularmente atentos ao conjunto das relações do Índico e do Mar da China, sendo pelo menos o primeiro deles capaz de perspectivar com especial acuidade o papel desempenhado pelo Achém não só no corso que praticava no Estreito de Malaca, como na rota comercial-marítima das especiarias, onde aparecia ligado ao Guzerate através das Maldivas e, daí, ao Mar Vermelho, sempre sob o beneplácito do Império Turco.            

A visão das vantagens de controlo de zonas costeiras associadas ao comércio, uma perspectiva alargada sobre o interesse do domínio de um vasto espaço terrestre e o sentido das facilidades que confere a debilidade da presença oficial do Estado da Índia nas áreas-alvo notam-se ainda no plano que Fr. António da Piedade, sintonizado com o famoso aventureiro-mercador Diogo Veloso, concebe em 1599 para a conquista do Cambodja e do Champá. Entre esta série de referências, sublinhado imprescindível para a dupla luso-espanhola dos jesuítas Francisco Cabral e Alonso Sánchez que, entre 1584 e 1587 e com o apoio das mais altas instâncias do governo de Manila, procurará convencer Filipe II a decidir-se pela conquista da China — ou, pelo menos, de algumas das suas províncias ou cidades litorais[69].

Realinhamentos no comércio marítimo da Ásia Oriental, c. 1600 - c. 1640

Na dobragem do século

Quando se menciona a passagem do século XVI para o século XVII nos Mares da Ásia é frequente estabelecer-se uma associação imediata entre este período e a entrada em cena das potências protestantes — holandeses e ingleses —, a qual como que subentende terem estes novos actores vindo inaugurar uma era em tudo distinta daquela que os portugueses personificavam desde a sua chegada ao Índico, um século antes. A propósito desta última imagem, já corrigimos o essencial ao notarmos como a intromissão portuguesa no comércio marítimo interasiático pós-1498 correspondeu, sobretudo, a um sábio ajustamento aos circuitos preexistentes, jamais se tendo traduzido numa ruptura com a complexa vida de relação que aí encontraram. Ora, e na mesma linha, se é certo que, quer holandeses, quer ingleses, têm a partir de agora a sua oportunidade nesta área e nela vêm a imprimir a sua marca, também é certo que não só nada do que protagonizaram é dissociável da realidade económica e política do Oriente em que se movimentaram, como esta foi menos influenciada do se quer fazer querer pela nova correlação de forças entre potências europeias posta no terreno.

Uma observação de carácter geral e mais ou menos elementar dá-nos a ver que, decorrido um século sobre a viagem de Vasco da Gama, a realidade em que os recém-chegados protestantes penetram oferece uma conexão comercial estabelecida a nível mundial. Os séculos que se seguem aprofundam este panorama, mas as economias do Índico, da Europa e do Novo Mundo encontravam-se já por esta altura ligadas entre si. O processo é inseparável do adensamento das redes comerciais que unem distintas partes da Ásia marítima e do crescimento dos montantes de produção que muitas destas destinam ao mercado, dois aspectos verificados ao longo das décadas seguintes a 1500. Quem quer que viesse para se instalar dispunha à partida de um conhecimento de mercados inexistente nesta última data, de uma lingua franca — o português, ou melhor, uma versão crioula do português, porque este coabitava desde Madagáscar às Filipinas com termos emprestados fosse do malaio, do tâmil ou do árabe[70] —, de uma difusão generalizada de metais preciosos e de outros meios de pagamento, assim como de armas de fogo, tudo factores autónomos em relação a qualquer novidade introduzida no dealbar do século XVII pelos novos contendores europeus e que, desde logo, proporcionam uma redução substancial dos riscos.

Um outro elemento contextual oferece-o o processo de transformação da generalidade dos Estados asiáticos que decorre desde o início do século XVI. Se até esta data se podem identificar grosso modo duas categorias, a dos grandes Estados agrários e tributários e a dos, por regra, pequenos Estados mercantis (Ormuz, Adém, Calecute ou Malaca), tal dicotomia vai-se esbatendo progressivamente a partir daí, à medida que se generaliza o espírito mercantilista. O Irão do Xá Abbas I, o Estado Mogol, Golconda ou, mesmo, a Birmânia exemplificam o novo modelo de Estado da transição do século XVI para o seguinte, com o seu regime intermédio, semi-agrário, semi-comercial. Recorde-se como depois de ter acedido em meados de Quinhentos a retirar-se da condução directa de muito do comércio realizado à sua sombra, o Estado da Índia não resistiu a “regredir” e viu-se envolvido, ao longo dos anos de 1580 e 1590, em projectos de expansão territorial em Ceilão e no Sudeste asiático continental, parte por efeito de imitação da experiência espanhola no Novo Mundo e nas Filipinas, parte por perceber a mudança política em curso em várias dessas áreas. No entanto, consumada esta consolidação em muitos dos Estados asiáticos, tais projectos deixam de ter qualquer viabilidade, o que continua a ser válido caso, entre outros aspectos, o Estado da Índia tivesse podido contar com um empenho diferente da parte dos Habsburgo, notórios favorecedores dos seus interesses no Novo Mundo em contraste com os do Império Português do Oriente.

A frustração dos referidos sucessivos projectos de conquista na Ásia do Sudeste peninsular e no Extremo Oriente gizados em Manila e que tentaram tirar partido da tutela conjunta das Coroas peninsulares será uma boa contraprova do que acabamos de afirmar. O momento é simultâneo ao dos desafios trazidos pelas Companhias comerciais do Norte da Europa, mas essa volta a ser só mais uma coincidência em toda a conjuntura. Não são presenças como as da Verenigde Oost-Indische Compagnie (VOC, Companhia Holandesa das Índias Orientais) ou da East India Company (EIC, a Companhia Inglesa, fundada em 1600 e designada a princípio The Companhy of Merchants of London trading into the East Indies) que determinam que as ameaças se tenham multiplicado em muitos dos territórios sob domínio ou influência lusa, seja por mão dos safavias, dos senhores de Golconda e Ikkeri, do rei birmanês ou dos Tokugawa japoneses. Igual para Ternate, onde os portugueses haviam sido banidos muito antes deste tempo, para o Achém, em relação ao qual existia uma distensão aparente, para Joore, que tão-só esperava a sua hora para suplantar Malaca, e para Bantão, há muito desligado da tutela portuguesa[71]. Diga-se o que se disser, tais presenças voltam a não ser fortes o bastante para antecipar em dois séculos em relação à sua real ocorrência o fim da “idade da colaboração” de que fala Michael N. Pearson[72].

Os chineses

Neste período de transição com o qual encerramos a nossa análise importa começar por referir os movimentos dos comerciantes chineses no quadro geográfico do Este o do Sudeste asiáticos. Aqui, o primeiro aspecto a ter em conta respeita aos efeitos do declínio dinástico dos Ming. Sem se viver ainda a fase conturbada de afirmação do Império Manchu, reconhecida por só em meados da década de 1680 ter conseguido estender a sua autoridade ao Sul do território, e de, por isso, ter sido incapaz durante todo esse interregno de pôr cobro a fenómenos generalizados de pirataria e contrabando, sabemos, no entanto, que o controlo oficial sobre as actividades portuárias estava já longe de ser o mais rigoroso. É certo que as restrições decorrentes do sistema tributário inviabilizavam a possibilidade dos portos da China se transformarem em empórios, mas era também claro que os interesses extravasavam a estrita medida das exportações de mercadorias chinesas e das entradas devidas a tributos admitidas como possíveis. Macau continua a ser tacitamente consentida na justa medida em que serve estes esquemas paralelos de comércio. Outro tanto é processado através das colónias de emigrantes chins que dominam os empórios do Sudeste asiático ou Manila — em boa medida uma praça chinesa orientada para o Fujian —, ou de outros portos importantes para o trato chinês, como Nagasáqui.

Durante as primeiras duas décadas da sua presença nos Mares da Ásia é indiscutível que os holandeses se revelam como os principais perturbadores da ordem e dos equilíbrios estabelecidos. Falhado o intento de se fixarem nas costas da China (ataques a Macau em 1604, 1607, 1622 e 1627, todos repelidos), lançam desde Batávia uma constante acção de desgaste contra o triângulo Cantão-Macau-Nagasáqui, os circuitos do Zhejiang para o Japão e de Fujian para Manila, afectando, por acréscimo, a intermediação chinesa em Manila de vários produtos vindos do Sudeste asiático ou aquela que os mesmos processavam com destino ao mercado interno chinês através dos empórios da Tailândia, Indochina e do arquipélago indonésio. É plausível que estas interferências tenham acarretado uma redução temporária dos abastecimentos de prata para a China provenientes do Japão e de Manila, ainda que a este propósito seja difícil diferenciar o efeito da rapina holandesa da dos piratas chineses e que esteja por contabilizar o montante deste metal que, apesar de tudo, entraria por via de outras fontes alternativas de abastecimento. De qualquer forma, parece certo que a ingerência destes contendores Norte-europeus não se concretizou tal como os próprios o esperariam: ainda que entretanto tenham estabelecido feitorias em Patane e Ayudhya, não logram afastar a concorrência dos juncos chineses das respectivas imediações, assim como se revelam infrutíferos os diversos intentos de isolar Cantão do comércio marítimo, neste caso porque os portugueses de Macau não hesitam em tomam o partido dessa cidade.

A partir de 1630, momento em que os holandeses começam a orientar o essencial da sua pressão militar sobre Malaca, não apenas se verifica que alteram a sua atitude para com os mercadores chins — ora poupando-os, ora inclusivamente favorecendo-os —, como se assiste a uma retoma do comércio realizado no Fujian, aqui em boa parte por os agentes desta província se terem sabido aproveitar dos desentendimentos entre tailandeses e japoneses para forçarem novas intermediações. Para além de tudo isto, Batávia encoraja as ligações directas oriundas de Amoy e, apesar de o ter tentado, não logra que os chineses se abstenham de frequentar Macáçar, Jambi (Djambi), Timor, Ligor, Ayudhya, Songkhla ou Patane, nem que os mesmos levem prata de Batávia por troca com as suas mercadorias. Além de Batávia, Amoy continua a preferir tratar com Manila e os portos do Sião, enquanto o Guangdong negoceia sobretudo com a Indochina e o Bornéu. Todo este renascimento coincide com um reforço da diáspora chinesa em muitas das cidades portuárias do Sudeste asiático.

O sucedido em relação a Malaca após a respectiva conquista, em 1641, testemunha em boa parte tudo isto: apesar de, tal como com os vários dos portos enumerados, as autoridades de Batávia terem começado por dificultar a frequência deste entreposto pelos juncos chineses, para depois a chegarem a proibir (1654), nunca consumam o desejado desvio para o seu porto-sede dos quantitativos que esperavam para cumprir o groet oogmerck — o grande desígnio — que lhe destinavam porque muitos dos referidos mercadores tentarão continuar a tratar com tal escala. O mesmo ocorre com Joore, para onde os chineses, restringidos os acessos a esse sultanato rival por um bloqueio naval dos Estreitos que tem como primeiro objectivo banir todo o comércio indiano da área malaia, se dirigem em desespero de causa, fazendo por superar a precaridade das condições oferecidas. Outro indício da importância das comunidades chinesas: a redução do trato entre Manila e o Fujian que se verifica a partir de 1640 decorre em primeira linha dos confrontos registados em 1603 e repetidos nesse ano entre as autoridades espanholas e a comunidade de fujianenses na mão da qual estava boa parte do comércio de bens alimentares[73].

Os portugueses

Depois dos chineses, uma palavra para o ajustamento a que foi forçada a presença portuguesa a Leste de Malaca e, em particular, no Extremo Oriente, por efeito combinado das mutações internas de diferentes conjunturas locais e da acção dos holandeses e dos seus aliados.

Aquelas manifestações mais sérias de conflitualidade entre os portugueses de Macau e Nagasáqui e os espanhóis instalados nas Filipinas que a voz das autoridades lusas no Oriente não conseguiu debelar, tal como os levantamentos de alguns dos mercadores de uma e de outra parte que daí advieram ou a prolixa actividade regulamentadora da Corte espanhola que as secundou, tem-se a impressão que apareceram solucionadas no instante do final do século por simples efeito da notícia da concorrência holandesa e inglesa. A antes referida disputa militar, política e diplomática é praticamente extinta entre a altura da primeira expedição holandesa à Insulíndia (1595), a entrada destes em Java (1597), o deflagrar dos assédios periódicos a Malaca, Macau e Manila (1600), a conquista de Amboino (1605), o estabelecimento das primeiras feitorias holandesa e inglesa no Japão (1609 e 1613, respectivamente), a expulsão definitiva dos portugueses das Molucas e da ilha de Solor (1616) e a instalação do quartel-general da VOC em Batávia (1619)[74]. Com o domínio marítimo ibérico ameaçado pelo cerco dos protestantes, Macau e de Manila estreitam os laços económicos que as ligavam e os mercadores da cidade portuguesa envolvidos nesses transportes começam a defender com especial insistência por volta de 1623 a legalização do trato entre os dois portos[75].

Argumentavam a respeito que a Coroa não sairia lesada pela ida dos portugueses a Manila porque a dificuldade crónica em abastecer com seda os mercados do Japão, das Filipinas e da Índia deixara de ser válida pela maior oferta deste produto, sendo que essa seria agora suficiente para os abastecer aos três. Por outro lado, acresciam as “muytas perdas que estes rebeldes [os holandeses] causarão”, motivo para as dificuldades por que passariam muitos dos comerciantes indo-portugueses dedicados ao comércio com a China, desfalcados de novas encomendas da Índia[76]. Só num aspecto a redacção em causa se conservava fiel às suas origens: os mercadores de Macau continuam a pretender para si o monopólio da seda com Manila, pelo que insistem em alegar que o comércio directo dos espanhóis com a China era mais do que indesejável. A razão de recurso era também ela antiga ao escolherem referir que a circulação de reais de ouro que daí resultaria teria como consequência inevitável uma subida insustentável dos preços das fazendas em Cantão e Macau. A participação portuguesa, concluem, seria particularmente útil num momento em que os navios ingleses e holandeses tentavam curto-circuitar as idas de juncos chineses a Manila, uma manobra que visava desviá-los para Batávia, Bantão e outros portos da sua órbita, tese em qualquer caso menos capciosa que a anterior porque não só isto era verdade, como a Esquadra de Defesa anglo-holandesa que operava no Mar do Sul da China tinha inscrito como seu outro grande objectivo a captura do galeão de Acapulco. Enquanto isto, Madrid recebia da parte contrária pareceres favoráveis ao comércio de Macau com Manila, caso do Memorial que presentam algunos religiosos de Japon a los Consejos de la India y Portugal de el Rey nuestro señor que residen en corte en España, assinado a 3 de Março de 1622 por Fr. Diego Collado e por outros religiosos espanhóis do grupo que este que lidera e que tem a seu cargo actividades de espionagem no arquipélago nipónico[77].

Com ou sem cobertura da Corte, da autoridade delegada do vice-rei de Goa ou do governo das Filipinas, o facto é que as passagens operadas entre Macau e Manila conseguiriam uma expressão única ao longo dos dois primeiros decénios do século XVII. Por exemplo, encontram-se contabilizadas cinco partidas no ano de 1604, duas em 1605, uma com “bordados do Japão” em 1606, sete com mercadorias e escravos em 1612, cinco em 1620. À parte estas frequências, o entreposto filipino acolhera entre 1577 e 1599 uma maioria de embarcações provenientes dos portos do Sul da China — Cantão, Chinchéu, Fuzhou — num total de 210 unidades que não incluía as de Macau, mas que nem por isso deixavam de transportar à consignação mercadorias dos comerciantes portugueses desta cidade. Esta navegação entre a China e as Filipinas sofre um aumento apreciável no início de Seiscentos, passando-se então para uma média de entradas de cerca de vinte navios/ano, as quais iriam gerar entre 1611 e 1612 um valor máximo de 91,5% dos direitos recolhidos pelo Almojarifazgo de Manila[78]

Acabando até por contar com a inacção deliberada de sucessivos vice-reis da Índia Portuguesa, nem imponderáveis onerosos como os 90.000 pesos do empréstimo com que o governador das Filipinas força aos mercadores de Macau em Manila no ano de 1633 impediu que estes realizassem os seus lucros na campanha em causa. O rei é um aliado incerto porque se chega a sancionar este comércio em 1629, recua às proibições por cartas de 14 de Março de 1632 e de 7 de Janeiro de 1633. De qualquer modo, todos parecem dispostos a continuar a ignorá-lo, não apenas porque os elevadíssimos montantes envolvidos neste tráfego fazem com que não se reconheçam muitos imperativos que levem a que se desista deles, como porque as despesas com a guarnição e os demais aspectos da defesa de Macau dependem desta qualidade de proventos. No caso de ser tentada tamanha insensatez, como logo alguém se prontificou a esclarecer, na pior das hipóteses os cantonenses ou os mercadores do Fujian tomariam no dia seguinte o lugar dos portugueses, restando ainda o expediente, não menos subterrâneo e impossível de contrariar, de os juncos chineses irem carregar nas ilhas vizinhas e de contarem aí com a cooperação das gentes de Macau[79].

O assunto do resguardo do comércio de Manila ao tráfego oriundo do porto luso é ponderado na Corte até 1640 e no governo das Filipinas até 1642, momento em que se soube no Oriente da restauração da independência de Portugal. Antes disso, 1639 traz consigo o corte das relações diplomáticas entre os portugueses e o Japão, prenúncio da suspensão irreversível do trato que viria em 1641 e motivo acrescido para que Manila seja vista por Macau como uma alternativa essencial para o fornecimento de prata. As Filipinas continuariam a não legislar sobre o comércio que os chineses lhes levavam, mas também não impediram novas demandas de navios de Macau, tanto assim que entre 1641 e 1642 os cerca de 16.000 pesos/ano que Manila recolheu do conjunto dessa navegação corresponderam a metade do seu comércio global[80].

Vendo com um pouco mais de detalhe, as compensações tentadas através da expansão de um circuito de comércio já antes praticado como este das ligações Macau-Manila determinaram não poucas alianças entre mercadores da primeira dessas cidades e os queves de Cantão, quer dizer os mercadores comuns. Com a proclamação da nova dinastia portuguesa, seriam interrompidas por alguns anos as viagens directas entre Macau e Manila, medida de qualquer forma contornada pela parte macaense com várias escalas alternativas. Em primeiro lugar em Macáçar, nas Celebes do Sul, o sultanato onde se sabe que os portugueses iam pelo cravo e a outras especiarias depois do corte ao acesso às Molucas, resistindo aí aos holandeses até 1667. À parte isso, esta escala era especialmente importante por permitir atingir o lucrativo comércio que se realizava com Larantuca(Flores)-Solor-Timor, o qual assegurava a principal fatia de lucros destes novos esquemas. Em segundo lugar, pela participação indirecta de Macau no intenso tráfego processado entre a China continental e o arquipélago espanhol, e tanto apesar da penalização imposta pela deslocação do mercado chinês que decorre da luta entre os Ming e os Manchus. Em terceiro lugar, com novos interesses na Indochina, aqui em articulação explícita com os jesuítas: comércio com o Vietname (sempre exigente da melhor diplomacia, dadas as guerras frequentes entre o Norte e o Sul), um comércio menos interessante com o Cambodja e, por último, um trato que se revelaria fundamental com o Sião[81]. As viagens a Manila dos navios provenientes de Macáçar duram até 1668, altura em que se restabelece a antiga rota. Depois disso, Macau facilitaria as descargas do comércio filipino com uma política alfandegária que chegou a favorecer os espanhóis na concorrência com os mercadores portugueses — 1,5% de direitos contra 2% —, enquanto que Manila reabria o seu porto impondo taxas de valor duplo aos portugueses por comparação com as que cobrava aos seus nacionais[82].

Eixo Macau-Manila à parte, através de intervenções militares em Bantão em 1598 e 1601 os portugueses buscaram contrariar o avanço holandês sobre essas paragens da Insulíndia ocidental que então parecia imparável. As mesmas resultaram num agravamento do quadro anterior por o sultanato em causa lhes ter acabado por vedar o acesso à área até aos anos de 1660. De qualquer modo, e como se sabe, logo depois os holandeses optariam pela Jakarta javanesa porque fracassam todas as suas tentativas para subalternizar esse poder local. Algo de semelhante acontece quando os lusitanos se vêem substituídos pelos agentes da VOC na margem oriental do arquipélago malaio-indonésio, em concreto nas ilhas das Especiarias. Aqui, apesar da evidência revelar terem tais ilhas transitado para a área de influência dos protestantes, sabemos também que a erosão das posições portuguesas decorre desde meados do século XVI e que é em grande parte explicada pelas mutações económicas, políticas e sociais internas por que passam vários dos minúsculos Estados aí integrados: desde logo, avanço da islamização e progressiva afirmação de Ternate como potência regional, factores que favorecem o aparecimento de sentimentos anti-portugueses em Banda e a eclosão de revoltas muçulmanas em Amboino e nas ilhas de Solor; por outro lado, poderes como o de Ternate deixaram há muito para trás o relativo isolamento em que se encontravam no início do século XVI, tecendo no presente solidariedades várias com a Insulíndia ocidental, casos de Japará (Java), Joore e Achém, as quais lhes permitem antever com outra tranquilidade a substituição de Malaca como mercado de destino para as suas produções.

Na China e no Japão vemos reaparecer um rearranjo da presença portuguesa ditado por esta qualidade essencialmente endógena dos respectivos contextos locais. Se a anarquia generalizada, a ruína financeira, a desorganização do poder central, a debilidade dos exércitos ou as cumplicidades da gentry chinesa, temerosa das rebeliões populares, determinaram a fácil invasão Manchu, toda a instabilidade vivida nas vésperas dessa acção só podia ter resultado em novas oportunidades para os interesses de Macau. Entre os anos de 1620 e 1640 esta cidade logra o que nunca antes conseguira: ter acesso directo a Pequim. Optando por auxiliar o assediado poder Ming, fornece-lhe tecnologia e especialistas militares. De qualquer forma, o mais surpreendente está ainda para vir: quando os Manchus decretam a fundação da nova dinastia, em vez da talvez esperada retaliação, premeiam Macau, pelo menos nesses primeiros tempos em que o seu poder tarda em se estabelecer em pleno, com uma tolerância que, afinal, não diferirá muito daquela que dedicam a outros povos “bárbaros” como eles[83].

No Japão a ordem dos factores é a mesma, apesar de aqui esse compasso marcado pelas condições internas ter tido consequências contrárias. Os portugueses são expulsos em 1639-1640, eles que se haviam sabido aproveitar do quadro regional para se consolidarem nos anos de 1540 e 1550 como intermediários entre a China e o arquipélago nipónico e a quem a redefinição das circunstâncias próprias da área — no caso, o desenvolvimento da exploração da prata japonesa — tinha acabado por favorecer uma outra vez ainda, permitindo-lhes pouco depois aceder à gestão de uma das principais linhas de comércio interasiático do sistema de concessões. Exactamente como os régulos das Molucas disputaram entre si o desembarque das primeiras naves portugueses, os dámios de Kyûshû (Satsuma, Hirado, Bungo, Omura) digladiaram-se por muito tempo para beneficiarem do comércio português. No entanto, o último quartel do século XVI trouxera consigo o início do processo de unificação liderado, sucessivamente, por Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu, com o que a partir de certa altura esta presença estrangeira passou a ser olhada mais como um obstáculo e uma ameaça que como o aliado providencial que até então tinha sido.

De facto, os portugueses, a começar pela sua tecnologia militar, revelam-se indispensáveis ao longo de várias décadas para a boa concretização do processo. Outro tanto acontece com os missionários jesuítas, que aparecem como um instrumento capaz de manter sob a sua influência alguns dos caudilhos convertidos e sobre quem se pode acenar com a ameaça de deportação porque isso mostra ser eficaz quanto baste. Entretanto, Hideyoshi embarcará nas aventuras navais contra a Coreia (1592), numa clara antecipação dos seus projectos a respeito da China. A derrota terá contribuído para agudizar as susceptibilidades em relação aos estrangeiros que vemos aflorarem em 1596, quando circula a suspeita de que os portugueses e espanhóis estariam conluiados num plano em larga escala que visaria instigar rebeliões em vários territórios. É com o terceiro dos referidos “grandes unificadores” que o processo de centralização adquire o seu carácter definitivo: acentuam-se as diferentes modalidades de vigilância, a começar por aquelas que incidem sobre os agentes ligados às actividades marítimas; e, em 1614, ao ser decretado o fim da presença missionária, estava escrito que cedo ou tarde os interesses do comércio seriam as vítimas seguintes do braço de ferro[84]. A VOC logrará permanecer no terreno após ter sido decretada a expulsão dos portugueses, mas a função que se lhe reserva e a capacidade de manobra que conseguirá exercer serão marginais, servindo acima de tudo como instrumento dos Tokugawa, que a usam para se manterem informados sobre a realidade exterior, respeitasse esta às movimentações portuguesas ou às situações internas da China e do Império Mogol, por exemplo[85].

Os ingleses

Antes de passarmos à obrigatória descrição dos avanços holandeses na área que tratamos, uma palavra sobre os feitos da Inglaterra.

Por contraste com a organização que aglutina o essencial do poderio dos adeptos da “verdadeira religião cristã reformada”, constitui um dado assente que a EIC não apenas parte para o seu esforço ultramarino substancialmente descapitalizada, como está longe de poder assegurar para si uma posição tão vantajosa face aos seus concorrentes nacionais como aquelas que a VOC consegue nos Países Baixos. Daí que tenha concretizado uma aliança com os holandeses — mantida entre 1600 e 1635 e da qual os portugueses foram o principal alvo—, que se tenha decidido por uma opção preferencial pelo Índico Ocidental e que, uma vez definida esta, tenha escolhido concentrar-se no trato bilateral com a Europa. Contudo, nas duas décadas iniciais de Seiscentos nem isso permitiu muito mais do que sustentar triunfos marginais nas costas do Guzerate, onde abrem uma feitoria em Surrate (Império Mogol), e no Golfo Pérsico, sendo claro que não é de um dia para o outro que se consegue destronar a preponderância do Estado da Índia a Oeste de Malaca.

Aqui, o calcanhar de Aquiles será por muitos anos a ausência de uma posição no Coromandel, cujos panos são mais baratos e mais procurados que os do Guzerate no mercado da Ásia do Sudeste onde queriam entrar[86]. O aparecimento do Guzerate, do Coromandel e de Bengala como grandes centros do comércio têxtil inglês é uma realidade mais tardia, constatável apenas em meados do século XVII, numa altura em que se torna frequente observar incursões simultâneas no comércio interasiático lideradas por privados da mesma nacionalidade, os quais tiram para tanto partido de associações com grupos mercantis regionais, fosse com muçulmanos do Coromandel ou com os pasirs da costa ocidental indiana. No Extremo Oriente, a Companhia Inglesa só se encontrará em condições de superar a VOC no que respeita ao tráfico entre a Europa e a Ásia nas décadas de 1680 e 1690. Igual substituição, agora no que toca ao comércio interasiático, ocorre apenas depois de 1700 e acontece sempre sob liderança dos interesses privados, pelo que escapou em boa parte ao mecanismo das Companhias e foi estranha ao exercício de práticas comerciais assentes em grandes monopólios[87].

É em função deste estado de coisas que se entende a presença mitigada que os ingleses revelam no período em apreço, tanto na Insulíndia como no Sudeste asiático continental e no Extremo Oriente. Em 1602 celebram um acordo comercial com o Achém, mas, apesar disso, abstêm-se no imediato de perspectivar a conquista de Malaca. Na margem oriental deste espaço, parecem contentar-se com a oferta de especiarias que lhes é concedida através da feitoria que mantêm aberta em Macáçar entre 1613 e 1667, a qual nunca seria suficiente para executar os respectivos monopólios. A feitoria de Jambi, operacional entre 1615 e 1679 e, sobretudo a de Bantão (1602-1682), sede da EIC no Sudeste asiático, asseguram o abastecimento da pimenta do Sul de Samatra, de novo sem garantir qualquer hipótese de controlo monopolístico do produto em causa. Como os holandeses, logram desde cedo uma aproximação a Ayudhya e Patane, mas a influência real sobre a corte siamesa só acontece no termo do século, de resto na mesma altura em que se estabelecem em Tonquim. Quanto à feitoria de Hirado, somente opera entre 1613 e 1623, encerrando cerca de uma década antes das tentativas que levam a cabo em 1635 e 1637 para se implantarem no Guangdong (Cantão)[88].          

A EIA aparecera, não apenas na sequência de uma insistente pressão de privados, como depois de consumada toda uma série de viagens de reconhecimento e corso em que pontificam os nomes de Francis Drake (viagem de circum-navegação em 1577-1580), Thomas Cavendish (viagem de circum-navegação em 1586-1588) e Walter Raleigh (subida do Orinoco em 1595). Contribuiriam para a sua criação o sucesso antes verificado com a Muscovy Company (estabelecida em 1555 e que deteria o monopólio do comério inglês com a Rússia) e com a Levant Company (instituída em 1581 em função dos interesses ingleses no Médio Oriente). Os privilégios que lhe são concedidos à partida contemplam o monopólio de todo o comércio entre a Inglaterra e o Oriente e prevêem o funcionamento de uma estrutura financeira baseada no conceito de mercado de acções e não no conceito medieval de regulação de comércio entre parceiros, algo que os venezianos e os holandeses tinham adoptado pontualmente como forma de limitar os riscos de operações conduzidas a longa distância. Porém, entre 1601 e 1613, período ao longo do qual decorreram as doze primeiras viagens, estas foram ainda processadas de acordo com o velho sistema que fazia depender o investimento em cada nova viagem do resultado da anterior, sendo só a partir de 1657 que a Companhia se abalança a funcionar com recurso ilimitado aos capitais empatados, sem depender para tanto do resultado de uma qualquer operação individual[89].

Se teóricos como William Welwood — An Abbridgment of All the Sea-Lawes (1613) — ou John Selden ­— Mare clausum (1636) — podiam advogar que o mar cabia por direito à expansão e ao negócio ingleses, na prática sabemos que a escassez de recursos próprios aconselhava, senão a que se subscrevesse a tese do Mare Liberum, pelo menos a que por enquanto se optasse por associações com os calvinistas seus defensores inveterados ou com os poderes locais que aparecessem mais disponíveis para acordar parcerias formais. A propósito destes últimos casos, notámos o ocorrido em Bantão, no Achém e em Hirado, mas a forma de implantação de feitorias que aí se dá, visando interceptar as linhas tradicionais do comércio regional e inter-regional e conceder em simultâneo um acesso privilegiado aos mercados europeus, reaparece-nos em Mascate (Omã) ou em Masulipatão (Golconda). A demonstração de força que representaram as derrotas impostas aos portugueses ao largo de Surrate em 1613 e em 1615 facilitam o consentimento dos mogóis à abertura da dita feitoria local, mas já para conseguirem a expulsão dos portugueses de Ormuz, em 1622, os ingleses tiveram de recorrer a uma coligação no terreno com as forças persas. No mesmo ano em que eram afastados de Hirado, sofriam uma humilhação imposta pelo comandante holandês de Amboino — o célebre “massacre” que leva o mesmo nome — de que resultou a decisão de se interromper a actividade da Companhia Inglesa nas Molucas e nas ilhas de Banda[90]

Os holandeses

A Verenigde Oost-Indische Compagnie, fundada dois anos depois da sua congénere inglesa, sete anos após o ensaio que representou a criação da Compagnie van Verre (Companhia da Distância ou das Terras Longínquas) e associando à nascença nove companhias por acções, tratará, por tudo o que foi dito, de se constituir como a principal ameaça às posições detidas pelos portugueses no Oriente. Lisboa pressente o que poderá suceder à colocação dos seus produtos nos mercados europeus quando se dá a captura de Antuérpia pelos espanhóis (1559) e o bloqueio do rio Scheldt por capitães holandeses (1569). Seguir-se-á a guerra de corso, a qual culmina com o declínio irreversível dos mercados tradicionais do Sul da Flandres: Antuérpia não saiu arruinada do bloqueio, tal como prossegue o comércio entre a cidade flamenga e Portugal (e a Espanha), mas estava definida a nova divisão da vida económica, com um Sul lealista que perdia e um Norte que ascende sob impulso da Holanda e da Zelândia. Portugal investe daqui em diante numa aproximação às revoltosas Províncias Unidas do Norte, sempre a pensar na colocação dos seus produtos, entre os quais o sal cresce em importância. Quando Filipe II reina, em 1585, 1595, 1598 e 1605 repetem-se as proibições de holandeses e ingleses acederem aos portos portugueses porque se supõe realizável a asfixia dos Países Baixos. Porventura, o cálculo será mais irrealista ainda que aquele que considerava exequível a invasão da Inglaterra, uma vez que desde a quinta década do século os seus banqueiros e mercadores vêm demonstrando que dispõem, como ninguém, das capacidades para gerir financeira e comercialmente a “economia-mundo” entretanto posta em funcionamento.

A revolução nacional que acompanha todo o processo oferece a coesão que falta para que esta ambição se concretize. O salto dado por Amesterdão a partir de 1590 confirma-o. A beneficiar de forma cumulativa dos efeitos da sua integração histórica no sistema comercial do Império Espanhol, basta-lhes muito menos que a outros potenciais rivais, como os ingleses, para que se permitam e se decidam a ir buscar à fonte boa parte desses produtos coloniais com os quais estavam tão familiarizados[91]. No que à Ásia diz respeito, em 1595 temos que Cornelis van Houtman começa por garantir um acordo comercial com o rei de Bantão. Como os ingleses, mas com outro sucesso, os holandeses irrompem naquelas partes periféricas da talassocracia lusa que se revelavam particularmente vulneráveis, vindo a assentar na Insulíndia, como repetimos. A pimenta fazia antever a viabilidade da opção, ao mesmo tempo que esta região se manifestava como a mais frágil de todas essas partes porque apenas protegida por uma grande fortaleza, em Malaca, e por um pequeno contingente estacionado nas Molucas.

Conhecemos os passos determinantes deste cerco, do qual o estrangulamento da circulação entre Goa e o Extremo Oriente representavam a outra face da mesma moeda, passos que, por outro lado, reproduzem em boa medida a experiência portuguesa: tentativa de domínio dos mares, portos, fortalezas e feitorias, seguida de uma penetração nas linhas de comércio interasiático, aquelas que o estratega da empresa, Jan Pieterszoon Coen, calculou em 1614 que bastariam para financiar as cargas de retorno para a Europa, o que veio a dar na rede apoiada nos centros que eram as ilhas das Especiarias, o Japão, a costa Norte de Java e a Índia; numa terceira fase, lançada sobretudo na segunda metade da centúria, opção clara pelo domínio territorial, da qual Java foi das primeiras provas. A analogia com o exemplo dos portugueses rever-se-ia ainda na persistente incapacidade holandesa em conseguir uma posição de supremacia nos tratos que corriam entre a Índia e o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho[92].

Os holandeses estão em Hirado em 1609. Permanecem no Japão aquando da saída dos portugueses no final da década de 1630, como acabamos de referir. Depois de repetirem por várias vezes a tentativa de assalto a Macau, transitam pelas ilhas Pescadores, até passarem daí para a Formosa, onde se fortificam até 1662. Após terem atingido os alvos inaugurais na Ásia do Sudeste peninsular que foram Patane e Ayudhya, na primeira década do século, tardam mais de vinte anos mas acabam por celebrar com a feitoria de Faifo um avanço importante na Cochinchina (1637). Esse ano foi o mesmo em que se estabeleceram em Tonquim. Para a Insulíndia oriental, temos a conhecida sucessão dada pelo domínio de Amboino (1605), pelo desembarque em Ternate e Tidore (também em 1605), pelo ataque de 1613 a Solor (três anos antes de ocorrer a expulsão dos portugueses), pela fundação de Batávia (1619, que substitui Bantão como principal entreposto holandês no Oriente), pela consumação do domínio das ilhas de Banda (1623) e pelo ataque a Cupão (Kupang, Timor, 1652). As feitorias de Jambi, Sukadana (Bornéu) e Macáçar completam este circuito. Na margem ocidental desse espaço, e fora a feitoria criada em Samatra no início do século, o Estreito de Malaca está assinalado desde o princípio entre as prioridades, por suceder a relativa excentricidade de Batávia em relação ao mesmo e a capacidade de interferência que o bastião português continua a deter sobre o trânsito holandês que corre entre a Índia e o Oriente. A influência que conseguem exercer sobre o Achém e Joore é utilizada para minar o poderio de Malaca, a qual é cercada em 1606, depois por várias vezes entre 1623 e 1627, com outra determinação na década de 1630, caindo, enfim, para os holandeses em 1641, como dito[93].

O avanço consuma-se em Ceilão em 1656, ocorrendo igual com o Malabar, em 1663 (perda de Cochim), se bem que a dificuldade que aqui se percebe deva ser matizada pois muito antes disso já controlam com eficácia a navegação na zona. O momento é agora outro e decorre em linha directa dos receios que a VOC começa a sentir a partir do início dos anos de 1630 com a concorrência comercial e política da Companhia Inglesa e dos magros resultados que somavam no cenário sino-nipónico[94]. Nas costas da China, Macau resiste às sucessivas investidas e no Japão os poderes internos vedam à Companhia holandesa quaisquer possibilidades de estender o seu comércio para Norte. Sem a desejada concentração dos negócios nos Mares da China, o trato das Molucas revelava-se insuficiente para as suas aspirações, daí que o subcontinente indiano acabe por aparecer depois de meados dessa década como a alternativa que muito provavelmente não se pensou na primeira hora que poderia vir a ser — em concreto, depois de 1636, ano em que cercam Malaca e bloqueiam Goa, na expectativa de impedirem a saída de quaisquer reforços. A cabeça do Estado da Índia resistirá ao bloqueio naval mantido até 1644, sendo que às naus holandesas que o executam se junta o cerco terrestre de 40.000 homens do Adil-Kan[95]. Cerca de dois anos passados, programam ao detalhe as operações em Ceilão, onde não tardam em celebrar uma aliança anti-portuguesa com o rei de Cândi[96].

Quanto ao desfasamento acabado de referir, é certo que o capitão Jacob Pietersz visita em 1603 a costa do Coromandel em representação de uma das pré-companhias (voorcompagnieën) fundadoras da VOC com o mais do que provável intuito de sondar a oferta têxtil. É certo que tão cedo quanto 1605 são disponibilizados meios para implantar uma feitoria em Masulipatão e que outro tanto é feito em 1607 visando Paleacate. É certo que são bem sucedidos em ambas as posições, ainda que os portugueses desencadeiem em 1612, 1614 e 1620 a partir de São Tomé de Meliapor três ataques, os primeiros dos quais ainda lhes destrói as fortificações do segundo destes estabelecimentos. Em 1610, pela mesma altura em que abriam essas duas posições, inauguravam também as feitorias de Teganapatão (Tegenapatam) e Petapuli. Antes que termine a década de 1620, as partes do Coromandel são elevadas à categoria de governo, equivalente a uma área como a das ilhas das Especiarias, tendo Paleacate como centro administrativo do respectivo directie. Continua a ser certo que, pelo menos até 1616, altura em que passa a ser utilizada a nova rota do Sul que une directamente a Indonésia ao Cabo da Boa Esperança, eram regulares os percursos que se faziam ao largo da costa indiana, tocavam ocasionalmente Ceilão e se dirigiam para o Arquipélago, estando por detrás de tudo isto os interesses pelo comércio dos algodões, aos quais o mercado das especiarias, menos monetarizado que o indiano, é mais receptivo que em relação à prata ou ao ouro (para a Europa, o Coromandel holandês pouco mais exporta que índigo).

Contudo, estes acessos pioneiros ao Coromandel, tal como a toda a região a Oeste de Malaca (nota para a sucessão de feitorias do Guzerate, que se inicia em Surrate na peugada dos ingleses, continua em Broach/Bharuch, Baroda, Cambaia e Ahmedabad/Ahmadábád e se estende ao interior, a Burhanpur e Agra), são percebidos como complementares e encontram-se subordinados aos interesses da Companhia na Indonésia e nos Mares da China, sobretudo desde que acontece a fundação de Batávia. Dão-se recuos, como com o enceramento da feitoria de Petapuli, em 1616, se bem que esta seja substituída por outra, em Tirupapaliyur. E tal como não se aceita ainda dar cobertura (até 1638-1639) às iniciativas militares entretanto desencadeadas por alguns holandeses em Ceilão, nem no Coromandel nem no Malabar é por enquanto perspectivada a intenção de remover pela força a presença portuguesa[97].

Ainda antes das alternativas buscadas na segunda metade dos anos de 1630 para compensar as perdas a Oriente, constata-se também uma penetração da Companhia na região de Bengala, a qual, como o Guzerate, depende do consentimento tácito da Corte Mogol. Tendo estes obrigado à evacuação da comunidade portuguesa residente em Ugulim, em 1632, acordam em garantir aos holandeses tanto uma presença nos arredores desta posição central, em Chinsura, como em Dacca, Patna e Kazimbazar. Como no Coromandel até aí, este assentamento é, pelo geral, processado sem demasiado esforço e risco, o que de novo serve para atestar o interesse marginal pela área e a ausência de uma ambição hegemónica em relação à mesma. A situação só será alterada quando se esgotarem todas as armas de recurso entretanto tentadas nos espaços prioritários, acima de tudo com a intenção de dobrar a China: tomar Macau, como se repetiu, assolar as costas chinesas com ataques consecutivos e intimidar a partir do arquipélago dos Pescadores e da Formosa.

Chegar-se-á a conseguir desviar algum comércio para esta última ilha, mas tanto acontece que as autoridades chinesas o mantêm sob controlo, como este se salda sempre muito abaixo do nível considerado satisfatório. Como se isso não bastasse, os holandeses cedo são forçados a reconhecer que os japoneses não permitem que se ataque a navegação portuguesa que ainda corre entre a China e o seu arquipélago. A derradeira hipótese de salvar a Formosa holandesa da marginalidade económica estaria agora em interceptar o trato ilegal entre a China e o Japão que ela acolhia, mas aqui são não apenas os japoneses, mas também os chineses, quem se opõe à manobra e à intenção monopolista que escondia: os primeiros têm gente, como o governador de Nagasáqui, directamente envolvida nesta navegação, e os segundos servem-se da ilha para contornar o imperativo legal que proíbe o comércio directo entre as terras do imperador e as terras do xógum[98].

Se a estratégia da VOC (e, por acréscimo, também a dos ingleses), ainda que sujeita a ajustes como aqueles que a desastrada subestimação da capacidade chinesa determinou, persegue de muito perto a experiência consolidada do Estado Português da Índia, outro tanto não pode ser dito a respeito de muitos dos métodos aplicados. Parte por mérito próprio, parte porque a capacidade de reacção portuguesa está irremediavelmente comprometida pelo anquilosamento do pesado sistema em que se apoiava no Oriente, temos neste ponto uma divergência de fundo, da qual resultou boa parte do sucesso dos recém-chegados.

Desde logo, é preciso referir que entre os protestantes não se perspectivava qualquer intenção missionária. Os portugueses tinham tirado bastas vezes partido da dupla comércio-apostolado, vejam-se os casos da Etiópia, das ilhas de Sunda, do Japão e da China, semelhantes ao ocorrido na Pérsia ou no Tibete, mas também foram prejudicados com tal duplicidade de interesses, não só porque esta gerara uma pesada estrutura eclesiástica, como porque instigara as desconfianças de vários poderes locais, conforme o conhecido sobre o Japão. Em segundo lugar, os planeadores das Companhias comerciais do Norte da Europa não encaravam como objectivo o enraizamento dos seus agentes nos locais onde estes operavam. Terminado o período de serviço, a regra era a de que fossem revezados por novos efectivos procedentes da metrópole, o que obstava à generalidade dos vícios suscitados pelas estadas prolongadas que muitos naturais lusos realizavam além-Cabo.

A estas diferenças fundamentais de método, devem juntar-se as vantagens que decorrem para o sistema de funcionamento da VOC do facto desta ser apoiada por uma base accionista alargada, de assegurar uma redistribuição dos dividendos gerados que, em qualquer caso, ultrapassa as melhores expectativas que a Coroa portuguesa ou os seus parceiros comerciais podiam recolher, e, por último, de possuir uma capacidade de manobra naval e um poder de fogo que os mais insuspeitos observadores de época não hesitam em confrontar com as insuficiências, a inabilidade, a indisciplina e o improviso sentidos a bordo de muitos dos navios portugueses — mas também espanhóis, franceses e italianos[99]. Passe estes contrastes organizativos, diga-se que pouco mais distingue holandeses (e ingleses) da experiência dos seus rivais portugueses (ou espanhóis): nuns como noutros, recurso indistinto ao saque, ao corso, à extorsão de tributos ou à prática de cartazes  (uma das poucas divergências será aqui a de que os holandeses chamam os seus de pascedullen)[100], manutenção de feitorias deficitárias sempre que interesses particulares de funcionários ou interesses políticos assim o determinam, restrição do livre acesso aos mercados e tentativa de monopolização de rotas marítimas fulcrais, ou, ainda, o desenvolvimento de ambições territoriais[101].

Para afirmar isto quase bastava conhecer um dos princípios que a Companhia Holandesa das Índias Orientais fazia seus e segundo o qual nem direito, nem justiça, nem considerações humanitárias se sobreporiam, em caso algum, aos respectivos interesses vitais. Encontramo-lo plasmado nas autorizações que os Estados Gerais concedem à VOC na respectiva carta de constituição, nada compatíveis com a ideia que hoje fazemos de uma empresa privada, antes típicas de uma forma de organização quase-estatal ou de proteccionismo na forma de comércio de Estado. Aí delegava-se na Companhia o monopólio da navegação e do comércio holandês a Leste do Cabo da Boa Esperança e a Oeste da Estreito de Magalhães durante um período de vinte e um anos (o qual seria renovado consecutivamente), estando esta autorizada a desenvolver a guerra defensiva, a celebrar tratados de paz e amizade, a construir fortificações e a recrutar pessoal civil, naval e militar sob juramento de fidelidade, a si e aos Estados Gerais.

O desempate dava-o uma força naval que, logo em 1608, contava com quarenta navios e cinco mil homens na Ásia, vinte navios e quatrocentos homens na costa da Guiné e cem navios e mil e oitocentos homens nas Índias Ocidentais[102]. Ainda que salvaguardando aspectos como a comparativamente superior capacidade de carga das carracas portuguesas do período da transição do século e descontando o poder operacional dos navios das armadas do Estado da Índia ou daqueles envolvidos no trato interasiático, o ritmo de partidas de navios sob pavilhão holandês batia de longe e sempre em crescendo o das saídas de Portugal: cerca de dez navios/ano entre 1602 e 1625, contra seis-sete navios/ano no primeiro terço do século XVII; depois de 1625, cerca de vinte e dois navios holandeses/ano, contra cerca de três-quatro navios portugueses/ano pós-1630[103].

Na lembrança do jesuíta português Manuel Godinho (1633-1712) — que, como tantos outros no seu tempo, gostava de se servir de Lúcio Floro —, chegava ao fim a terceira das quatro idades de um Estado da Índia feito homem, a sua “idade varonil”, “perfeita”, ou a sua “flor dos anos”[104].

Balanço em aberto

Todos sabemos que os “tempos estruturais” da política, da economia, da finança, da demografia ou da cultura — esses mesmos tempos que se revêem nos fenómenos de longa duração — têm o hábito de se desencontrar entre si, inviabilizando compartimentações tranquilas da história dos homens. Seja como for, a década de 1640 corresponde a um momento em que as interferências holandesa e inglesa já faziam adivinhar consequências irrecuperáveis para o nervo económico do Estado Português da Índia. No entender de alguns — à cabeça dos quais esteve Charles Boxer —, o Estado da Índia ainda conseguiria suportar a crise até meados do século XVII, só que nem sequer na hipótese desta interpretação ser válida cremos que o horizonte cronológico que adoptámos perca a coerência essencial que nele julgamos haver encontrado[105].

Se sob o estrito prisma da cronologia podemos encerrar o texto sem demasiados problemas a atrapalhar-nos, outro tanto não nos atrevemos a dizer a propósito de um sem-número de simplificações a que nos obrigaram, quer o esforço de síntese, quer a falta de estudos sobre matérias de que apenas hoje se começa a ter uma consciência mais nítida. Estando fora de questão desenvolver tal lista, encerramos com dois exemplos que pensamos serem representativos do que está em causa.

Estaremos conscientes do facto de nenhuma dicotomia “clássica” do tipo interesses oficiais ou da Corte vs. interesses particulares poder ser lida de forma linear ou estática. Na verdade, trata-se de algo que o domínio filipino, por exemplo, parece ter esbatido. É que nessa altura, enquanto se vê que o Estado, sentindo a necessidade de legitimar um poder recém-adquirido, cede a reclamações dos casados e regulariza situações esdrúxulas como a de Meliapor, muitos destes buscam a protecção do dito Estado de modo a reforçar as suas próprias possibilidades de sobrevivência diante da ameaça holandesa e inglesa[106].

Ainda a propósito desta necessidade de um tratamento mais fino dos grupos de interesse identificados no terreno, evocamos o caso dos mercadores chineses e das comunidades mercantis europeias que operavam — ou que começavam a operar — na Ásia do Sueste e no Mar da China na transição do século XVI para o século XVII, as quais não só foram apresentadas como realidades relativamente estanques entre si, como mais do que nada homogéneas. Ora, conhecem-se situações como a do aproveitamento que a diáspora oriunda do Fujian fazia de várias das redes estabelecidas de antemão pelos portugueses na área de modo a penetrar nos mercados a que estes tinham acesso, como o cantonense ou o japonês. Conhece-se o papel jogado pelos chineses no estabelecimento dos holandeses na Formosa, assim como na sua saída daí. Conhece-se que o desenvolvimento do trato dos portugueses no Japão acontece num momento de expansão tanto do comércio privado, como do comércio oficial japonês, cruzando-se os interesses de todos eles, de resto como os interesses financeiros chineses cruzam boa parte do comércio marítimo nipónico que se realizava com o salvo-conduto dos xóguns. Enfim, conhecem-se rivalidades entre redes de cristãos-novos e outras redes portuguesas ou luso-asiáticas pelo acesso aos mercados da mesma área[107].

Ao invés do que indicam muitas das fontes de época, nada parece ter sido assim tão simples. Quando se pensava haver solucionado boa parte dos quadros em presença e dos contenciosos arrumando os protagonistas por facções — nacionais ou quaisquer outras —, eis que as solidariedades adquirem contornos insuspeitos e vai ganhando forma a imagem de uma profunda mestiçagem de grupos humanos e de uma complexa (e volúvel) imbricação de alianças. Tentar esclarecer questões como esta exige esforço, mas é certamente um dos mais interessantes desafios que temos por diante.

 

Notas

[1] O presente artigo retoma o material de alguns dos capítulos introdutórios da Tese de Doutoramento que realizámos sob a direcção do Prof. Horacio Capel Sáez e intitulada A construção do conhecimento europeu sobre a China, c. 1500 – c. 1630. Impressos e manuscritos que revelaram o mundo chinês à Europa culta (Universitat Autònoma de Barcelona, Julho de 2003).

[2] Cf. Castro, 1994, p. 113-116.

[3] Hespanha, 1995, p. 9.

[4] Villiers, 1986, p. 54.

[5] As dificuldades que sempre ocorrem quando se tenta aplicar esta tipologia das modalidades de domínio português no Oriente podem ser avaliadas com facilidade a partir do caso de Cochim, onde a presença lusa evidencia inúmeros sinais que se ajustam ao conceito de soberania partilhada. Ver, inter alia, Thomaz, 1994c, p. 228-230; Hespanha, 1995, p. 16-18; Saldanha, 1997, p. 635-639; Chaudhuri, 1998c, p. 201-202; Bethencourt, 1998a, p. 394-396; Bethencourt, 1998b, p. 286; Buescu e Flores, 2002, p. 14.

[6] Hespanha, 1995, p. 9-11; Thomaz, 1994c, p. 210; Villiers, 1986, p. 37-38 e 53.

[7] A regra historiográfica mais consensual é hoje a de reconhecer que com o vice-reinado de D. Francisco de Almeida (gov. 1505-1509) se consumou a estruturação de uma entidade político-administrativa que assentava numa relativa estabilidade do corpo social ainda não apelidada mas, na prática, já assimilável à ideia que temos de “Estado Português da Índia”, assim designado pelo facto da sua sede estar em Goa. Desconhece-se quando é que esta expressão foi utilizada pela primeira vez. No entanto, não subsistem dúvidas de que já era empregue c. 1540. Ainda assim, apenas se generalizaria a partir de meados do século XVI, conforme o comprovam os textos de João de Barros. Mais tarde, os historiadores Diogo do Couto e Manuel de Faria e Sousa utilizariam o nome “império”, escrevendo este último “Estado ou Império da Ásia”. Ver, inter alia, Farinha, 1994a, p. 16; Candeias Silva, 1996, p. 132-133.

[8] Cf. Thomaz, 1994e, p. 431.

[9] Thomaz, 1994a, p. 389-390; Thomaz, 1994c, p. 207.   

[10] Villiers, 1986, p. 39-40; Thomaz, 1994c, p. 210-213 e 216-217.

[11] Ver Thomaz, 1994a, p. 390-395.

[12] Romero Magalhães, 1993, p. 338 e 342; Thomaz, 1994a, p. 389-390; Thomaz, 1994c, p. 213-216.

[13] Costa, 1994, p. 709-710.

[14] Borrêcho, 1994, p. 758; Thomaz, 1994a, p. 391; Farinha, 1994b, p. 66-67; Costa, 1997, p. 9-13; Chaudhuri, 1998a, p. 171-172.

[15] Thomaz, 1994b, p. 202-203; Costa, 1997, p. 13.

[16] Costa, 1997, p. 14.

[17] Thomaz, 1994b, p. 190.

[18] Cf. Saldanha, 1997, p. 321-325.

[19] Thomaz, 1994a, p. 390-391; Thomaz, 1994b, p. 189-197.

[20] Thomaz, 1990, p. 35-41; Thomaz, 1994b, p. 196; Thomaz, 1998b, p. 106; Costa e Thomaz, 1994, p. 675

[21] Veja-se que a breve súmula geográfica que Vasco da Gama instrui o judeu Gaspar da Índia (ou Gaspar da Gama) de redigir, e que surge sob o título Estes nomes abaixo escritos são de certos reinos, que estão de Calecute para a banda do Sul, e as coisas que cada reino há e como valem; o qual eu soube muito certo de um homem que sabia a nossa fala, e havia trinta anos que viera de Alexandria a estas partes em apêndice ao Roteiro da primeira viagem do almirante, atribuído ao marinheiro ou soldado Álvaro Velho (1497-1499), não ultrapassa o registo das áreas ribeirinhas do Golfo de Bengala, até Samatra e Malaca. Ver Thomaz, 1998a, p. 55-56.

[22] Cf. Thomaz, 1994d, p. 420-425.

[23] Antunes, 1994, p. 996.

[24] Ver Thomaz, 1998a, p. 83.

[25] Ver Flores, 1998b, p. 142-143.

[26] Provisão de Lisboa, 26 de Fevereiro de 1518; pub. in Archivo Portuguez Oriental. Second edition. New Delhi, Asian Educational Services, fasc.° 5, 1992, doc. 7, p. 10; ref. in Thomaz, 1998b, p. 110, n. 312.

[27] Alvará de Évora, 7 de Fevereiro de 1520; pub. in Archivo Portuguez Oriental. Second edition. New Delhi, Asian Educational Services, fasc.° 5, 1992, doc. 30, p. 46-49; ref. in Thomaz, 1998b, p. 110, n. 313.

[28] Regimento de Diogo Aires, feitor da China, s.d.; pub. in Archivo Portuguez Oriental. Second edition.  New Delhi, Asian Educational Services, fasc.° 5, 1992, doc. 31, p. 49; ref. in Thomaz, 1998b, p. 110, n. 314.

[29] Ver Ordenações da Índia do Senhor Rei D. Manoel, 1807, p. 29-30; Carvalho Dias, 1956, p. 229-235.

[30] Almeida Costa, 1971, p. 207-210; Moncada, 1973, p. 738-739.

[31] Ver Flores, 1998b, p. 143.

[32] Verdadeira frente marítima dos oásis do Golfo Pérsico, férteis e ricas em águas correntes, as nevrálgicas ilhas do Barém haviam sido governadas pela dinastia beduína dos Banũ Ğarwan durante o século XIV, passando depois para a órbita de Ormuz. Os ormuzianos cederão o arquipélago à família dos Banu Ğabr, mas reintegrá-lo-ão nos seus domínios em 1485. A partir daqui, o seu usufruto é cedido aos beduínos contra o pagamento de uma anuidade. Por alturas de 1520, tanto a ilha de Barém como os oásis de Hasa e Qatīf (na margem árabe) viviam sob a autoridade de emir Muqrin, o qual sistematicamente vinha recusando o pagamento do tributo tradicional devido a Ormuz. O Barém não só ameaçava exportar tal exemplo de resistência para Ormuz, como buscava apoio otomano para se instituir em potência marítima regional. Foi este estado de coisas que esteve na origem da expedição vitoriosa luso-ormuziana de 1521. Sobre esta matéria, assim como sobre os principais episódios de resistência ao poderio luso no Golfo Pérsico entre inícios da década de 1520 e finais da de 1530, ver Couto, 2002a, p. 191-221; Couto, 2002b, p. 469-493.

[33] Ver Romero Magalhães, 1993, p. 345; Thomaz, 1998a, p. 86-86.

[34] Se um primeiro ensaio desta medida falhara em 1519 porque o representante do vice-rei estava demasiado absorvido no trato privado do Coromandel para a Birmânia, agora volta a não ser atingida grande parte da eficácia pretendida porque não existe no Coromandel um estabelecimento em que a Coroa possua jurisdição própria, logo não é possível enquadrar em rigor os dissidentes dentro de uma categoria como a de casado, ou seja dos mercadores privados, equivalente à dos fronteiros nas praças do Norte da África ou à de homens-bons na sociedade urbana portuguesa. Numa área tão sintomática deste tipo de situações como o Golfo de Bengala, onde ocorrerão povoações ou cidades como o Negapatão, São Tomé, Paleacate, Ugulim (Hugli/Hughli) e Sirião (Siriam, no Pegu) — a última já no final do século; a penúltima de duração mais efémera que as restantes, povoação autogovernada a partir da década de 1570 e durante cerca de cinquenta anos, enquanto se conserva formalmente como entidade do Império Mogol — onde o conceito será depois aplicado, os visados disporão de qualquer modo de margem suficiente para avaliar por si próprios das vantagens e desvantagens do novo estatuto. Vantagens pela respeitabilidade que lhes oferece Goa, mas que também porque, caso acabem vinculados a ele, poderão aceder com maior facilidade a doações, benefícios ou a ordens militares. Desvantagens porque isso os obrigará fiscal e financeiramente, e, ainda, a acorrer em socorro do Estado quando chamados. Por último, diga-se que as dissidências registadas em áreas como esta — ou noutras semelhantes, como Macau — estão longe de corresponder  apenas à imagem feita dos “lançados”, “renegados”, “homiziados” ou dos “alevantados” dedicados à pirataria: muitos são comerciantes e mercenários audaciosos, desertores ou duplos actuantes, categorias entre as quais cabem os referidos solteiros de Macau, às vezes por certo a braços com a justiça, mas outras forçados à discrição por serem cristãos-novos.  Ver Subrahmanyam, 1993, p. 72; Subrahmanyam, 1994, p. 15-17; Guedes, 1994, p. 874-875; Rodrigues, 1994, p. 129.

[35] Thomaz, 1998a, p. 87.

[36] Thomaz, 1998a, p. 83-88.

[37] Registo da Casa de Índia, n.º 10, doc. de 26 de Março de 1515; ref. Thomaz, 1998b, p. 112, n. 321; Costa, 1995, p. 95.

[38] Ver Thomaz, 1998b, p. 112, notas 322 e 323.

[39] Cf. Livro das fortalezas que a coroa de Portugal tem nas partes da Índia e das capitanias e mais cargos que neles há e importância dellas. Boletim da Universidade de Coimbra, 21, 1953, p. 113; ref. in Miranda e Serafim, 1998, p. 226.

[40] Ver Villiers, 1986, p. 53 e p. 65, n. 37; Miranda e Serafim, 1998, p.  233-234.

[41] Ver Miranda e Serafim, 1998, p. 223-226; Thomaz, 1998b, p. 112-113.

[42] Veja-se que o alcance da medida não é, por vários motivos, sinónimo de uma liberalização plena. Como contrapartida, os mercadores particulares eram obrigados a vender à Coroa um terço da quantidade de cravo carregada a um preço inferior ao de compra, assim como a embarcar esta mercadoria na embarcação da Coroa que fazia a viagem anual às Molucas. Neste caso, obrigavam-se por acréscimo a pagar os fretes no percurso Ternate-Malaca e, se a viagem prosseguisse em navios de S. A., também no de Malaca para a Índia. Parece ainda que não foi estendida aos casados de Maluco a liberdade de comerciar o cravo. Ver Thomaz, 1994g, p. 555; Miranda e Serafim, 1998, p. 224.

[43] Lisboa, 1994, p. 558.

[44] Thomaz, 1994a, p. 391-393; Thomaz, 1994b, p. 198-199, 202-204 e 427-429; Thomaz, 1998a, p. 92-93; Thomaz, 1998b, p. 108-116.

[45] Cosme, 1994, p. 41-42; Thomaz, 1994h, p. 775.

[46] Godinho, 1968, p. 183-203.

[47] Cosme, 1994, 41; Costa e Rodrigues, 1992,pp. 161-166; Thomaz, 1998a, p. 47-48.

[48] Ver Thomaz, 1998a, p. 95-96.

[49] Ver Guillot, 1991, p. 81-84; Thomaz, 2002, p. 440-475.

[50] Ver Flores, 1998b, p. 143-145; Saldanha, 1997, p. 500-501.

[51] Registo da carta enviada por D. João III a Pero de Mascarenhas, capitão de Malaca sobre o restabelecimento das relações com as autoridades chinesas, 1526, Arquivo Nacional/Torre do Tombo, Fundo Antigo, n° 875, fls. 71v-72; transcr. in Costa, 1996, doc. n.º 10, cit. p. 82; Thomaz, 1998a, p. 102. Cf. Costa e Rodrigues, 1992, p. 174.

[52] Ver Flores, 1998b, p. 139.

[53] Ver Costa e Rodrigues, 1992, p. 168-175 e 260-261; Thomaz, 1998a, p. 96-99 e 102-103; Flores, 1998b, p. 145.

[54] Ver Subrahmanyam, 1998, p. 210-220.

[55] Thomaz, 1994i, p. 334.

[56] Costa e Rodrigues, 1992, p. 273-278 e 294-314; Costa, 1997, p. 14-15; Thomaz, 1994a, p. 393; Chaudhuri, 1998a, p. 172.

[57] Ver Souza, 1991, p. 35; Miranda e Serafim, 1998, p. 231 e p. 242, n. 42.

[58] Ver Subrahmanyam, 1993, p. 104-105; Miranda e Serafim, 1998, p. 232-233. A apreciação mais rigorosa e acessível do mecanismo das viagens da China pode ser obtida seguindo-se o Libelo e a Sentença de um processo relativo a estas viagens datado de finais da década de 1620: Arquivo Histórico Colonial, Doc. da Índia, de 29 de Janeiro de 1629, caixa n.° 9; transcr. in Vasconcelos, 1993, p. 132-147.

[59] O conceito de “Império Português Bengali” aplica-se para a extensão que corresponde ao Golfo de Bengala, isto é, entre Negapatão, na costa indiana, e Rangoon (Birmânia actual, limite próximo do forte português de Sirião/Siriam/Syriam). As principais colónias em causa começavam com a de São Tomé de Meliapor, a putativa capital deste “império”, e prosseguem tanto para as existentes entre Paleacate e a região de Ugulim, como para as que existem entre esta região e a do Pegu. A despeito de todas as medidas de carácter centralizador que a Coroa tenta ao longo do tempo, a informalidade é a nota dominante da presença portuguesa nestas águas, tendo conhecido o seu momento de maior pujança entre cerca de 1570 e os primeiros anos de Seiscentos, quando o essencial do comércio do Golfo de Bengala e boa parte da influência política nas respectivas margens estava dominada pela iniciativa portuguesa. Ver, inter alia, Diffie e Winius, 1993, p. 191-200.

[60] Hespanha, 1995, p. 17.

[61] Ver Thomaz, 1998a, p. 107-108.

[62] Ver Thomaz, 1998a, p. 104-105; Costa e Rodrigues, 1992, p. 283-294.

[63] Ver Flores, 1998b, p. 139.

[64] Ver Flores, 1998b, p. 147.

[65] Ver Flores, 1998b, p. 147-148.

[66] A perda das Molucas, que cedo acontecerá, está na base de uma outra compensação de monta na mesma área, aquela que procura substituir o comércio que estas proporcionavam a Macau com uma aposta reforçada na rota Macau-Macáçar, dando esta acesso ao cravo, pimenta, noz-moscada e maça por troca com os tecidos de linho, as sedas, a raiz da China e o gengibre vindos desse porto de origem. Cf. Miranda e Serafim, 1998, p. 233-234.

[67] Costa e Rodrigues, 1992, p. 314-325; Flores, 1998b, p. 146-147.

[68] Costa e Rodrigues, 1992, p. 326-327; Flores, 1998a, p. 231-232.

[69] Flores, 1998b, p. 149-150; Alves e Manguin, 1997, p. 9-12 e 14-21; Rodao, 1997, p. 8.

[70] Ver Lopes, 1969, p. 138; Curto, 1998, p. 485-486; Thomaz, 1994f, p. 653-659; J. W. de Vries. Het Nederlads in Indonnesie, I — Historiche achtergronder. Neerlandika extra muros, n.° 41 na jaar 1983, p. 50-56; cit. (e trad.) in Thomaz, 1994f, p. 655-656, n. 19; Casteleiro, 1994, p. 29-39. Ver também: Boxer, 1992, p. 132-133.

[71] Sousa Pinto, 1997, p. 46-47.

[72] Cf. Flores, 1991, p. 10; Subrahmanyam, 1993, p. 274-277; Shirodkar, 1998, p. 797-799.

[73] Ptak, 1996, p. 199-207; Lewis, 1995, p. 14-21.

[74] Ver, inter alia, Selvagem, 1931, p. 362 e 364; Morais, 1993, p. 131, 136 e 139; Thomaz, 1994g, p. 548; Loureiro, 1997, p. 358.

[75] Ver Boxer, 1989b, p. 41-42 e p. 44, notas 11 e 12.  

[76] Arquivo Nacional/Torre do Tombo, Colecção de São Vicente, XIX, fl. 157r.; cit. in Boxer, 1989a, p. 89, n. 209.

[77] “Memorial que presentan algunos religiosos de Japon a los Consejos de la India y Portugal de el Rey nuestro señor que residen en corte en España, 2.ª via”, Codex C.62.i.18 (91), British Museum; ref. in Boxer, 1989a, p. 90, n. 211.

[78] Videira Pires, 1987, p. 16 e 19.

[79] Cartas de Manuel de Noronha para o conde de Linhares, de 16 de Setembro e 20 de Dezembro de 1633, in Arquivo Nacional/Torre do Tombo, Livros das Monções, AHEI, XIX D, fls. 1008r.-1034r.; ref. in Boxer, 1989a, p. 116, n. 286; carta de 20 de Dezembro; cit. in Boxer, 1989a, p. 115-116, n. 285.

[80] Videira Pires, 1987, p. 30.

[81] Flores, 1998b, p. 153-154; Boxer, 1982, p. 68-69.

[82] Videira Pires, 1987, p. 14-33; Boxer, 1989a, p. 89-91 e 95-96; Basto da Silva, 1992, p. 88; Figueiroa Rêgo, 1994, p. 428.

[83] Seabra, 1996, p. 102; Flores, 1998b, p. 156-159.

[84] O primeiro édito anti-cristão é promulgado por Hideyoshi a 25 de Julho de 1587, o que sucede pouco depois de concluída a campanha que subordina a ilha de Kyûshû à sua autoridade, o que, contudo, não implicou que a entrada dos missionários na clandestinidade imposta por perseguições sistemáticas tenha acontecido antes deste ano de 1614. Ver Costa, 1993, p. 142, n. 9.

[85] Subrahmanyam, 1993, p. 149-151; Flores, 1998b, p. 158.

[86] Sousa Pinto, 1997, p. 49.

[87] Subrahmanyam, 1993, p. 214 e 273; Lessa, 1996, p. 190.

[88] Flores, 1998b, p. 150-152; Ahmad, 1997, p. 22-23.

[89] Bethencourt, 1998c, p. 371-372.

[90] Ahmad, 1997, p. 26; Bethencourt, 1998c, p. 372-373.

[91] Ver, inter alia, Wallerstein, 1980, p. 175-189; Romero Magalhães, 1998, p. 10-11; Chaudhuri, 1998b, p. 82-87.

[92] Subrahmanyam, 1993, p. 212-213. Lessa, 1996, p. 190; Costa, 1997, p. 15-16. Cf. Lewis, 1995, p. 15-28.

[93] Lewis, 1995, p. 14-15; Sousa Pinto, 1997, p. 46-53; Flores, 1998b, p. 152-153; Bethencourt, 1998c, p. 366-367. Cf. Shirodkar, 1993, p. 350 e 360-361.

[94] Chaudhuri, 1998c, p. 212.

[95] Selvagem, 1931, p. 372. Cf. Saturnino Monteiro, 1995, p. 139-142, 153-157, 212, 227-228, 238-240, 244-245 e 253-256.

[96] Ver, inter alia, Romero Magalhães, 1998, p. 15-18.

[97] Vink e Winius, 1993, p. 125-134.

[98] Vink e Winius, 1993, p. 134-137; Mathew, 1998, p. 781-783. Cf. Chaudhuri, 1998b, p. 87-106.

[99] Ver Haudrère, 1993, p. 234-238; Vink e Winius, 1993, p. 132; Bethencourt, 1998c, p, 363-364; Romero Magalhães, 1998, p. 11-12.

[100] Vink e Winius, 1993, p. 131.

[101] Ver Wallerstein, 1980, p. 185-188; Subrahmanayam, 1993, p. 212-215, 270-277; Chaudhuri, 1998a, p. 178; Prakash, 1998, p. 551-552, 560-562; Bethencourt, 1998c, p. 363-368.

[102] Charles R. Boxer. Portuguese Society in the Tropics. The Municipal Councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda. 1510-1800. Madison (Milwaukee), University of Wisconsin Press, 1965, p. 77; cit. in Bethencourt, 1998c, p. 367.

[103] Boxer, Portuguese Society in the Tropics, 1965, p. 77; cit. in Bethencourt, 1998c, p. 367; Godinho, 1990, p. 338 e 345; Subrahmanyam, 1993, p. 212-215; Lewis, 1995, p. 190-193; Bethencourt, 1998c, p. 361-368. Cf. Shirodkar, 1998, p. 799-808. Ver também: Boxer, 1992, p. 115-132.

[104] Ver Pe. Manuel Godinho, S.J., Relação do Novo Caminho, 1974, p. 17-21.

[105] Ver Bethencourt, 2001, p. 482.

[106] Ver Buescu e Flores, 2002, p. 14-15.

[107] Para várias destas questões aproveitámos os apontamentos tomados da leitura apresentada por Jorge Santos Alves em “Vizinhos e rivais: Macau e o comércio japonês na Ásia do Sueste e Mar da China, 1590-1630” (Daxiyangguo, Colóquio Internacional Portugal-Macau e as relações Europa-China (Torre do Tombo, Lisboa, 21 Out. 1999; org. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses), leitura retomada pelo mesmo investigador em “Fogo atrás do biombo - Macau e a expansão comercial japonesa na Ásia Oriental, 1600-1620” (Colóquio Internacional O Cristianismo no Japão, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 3 Nov. 1999; org. Centro de História de Além-Mar, Univ. Nova de Lisboa; Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, Univ. Católica Portuguesa; Associação de Amizade Portugal-Japão).

 

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Ficha bibliográfica:
OLIVEIRA, F. R. de. Os Portugueses e a Ásia Marítima, c. 1500 - c. 1640: contributo para uma leitura global da primeira expansão europeia no Oriente. 2ª Parte: o Estado Português da Índia. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de noviembre de 2003, vol. VII, núm. 152. <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-152.htm> [ISSN: 1138-9788]

 
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