Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XVI, nº 928, 25 de junio de 2011

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

PANORAMA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS BRASILEIROS: ANÁLISES DE SUAS ESTATÍSTICAS

 

Fábio Fonseca Figueiredo
Economista (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e doutor em Geografia (Universidad de Barcelona, Espanha)
ffabiof@yahoo.com


Recibido: 15 de septiembre de 2010. Devuelto para revisión: 10 de octubre de 2010. Aceptado: 12 de diciembre de 2010.


Panorama dos resíduos sólidos brasileiros: análises de suas estatísticas (Resumo)

Este artigo apresenta o panorama da situação dos resíduos sólidos urbanos gerados no Brasil, a partir da análise de suas estatísticas. A partir dos anos noventa, as administrações públicas e empresas privadas, as entidades sociais e a academia têm demonstrando considerável interesse na coleta e análise de dados e informações sobre resíduos, o que resulta em um diversificado banco de dados para o setor dos resíduos. No entanto, o país necessita de um sistema de informações que seja mais consistente no que tange a coleta de dados nos municípios brasileiros.

Palavras-chave: resíduos sólidos brasileiros, estatísticas sobre resíduos sólidos, sistema de informações para resíduos sólidos


Panorama de los residuos sólidos brasileños: análisis de sus estadísticas (Resumen)

Este artículo presenta el panorama de los residuos sólidos urbanos generados en Brasil a partir del análisis de algunas estadísticas. A partir de los años noventa, las administraciones públicas, empresas privadas, entidades sociales y la academia hann demostrado considerable interés en la recogida y análilsis de datos e informaciones sobre residuos, lo que da como resultado en un diversificado manantial de datos para el sector de los residuos. De todas formas, el país necesita un sistema de información que sea más consistente en lo que se refiere a la recogida de datos en los municipios brasileños.

Palabras-clave: residuos sólidos brasileños, estadisticas para residuos sólidos, sistema de información para los residuos sólidos


Overview of solid waste in Brazil: Analysis of their statistics (Abstract)

This article shows an overview of the situation of municipal solid waste generated in Brazil, based on the analysis of its statistics.Since the nineties, public administrations and private enterprises, social organizations and academia are showing considerable interest in collecting and analyzing data and information about waste, resulting in a diverse database for the sector of waste. However, the country needs an information system that is more consistent with respect to data collection in municipalities.

Key-words: Brazilian solid waste, statistics to solid waste, information system for solid waste


A primeira investigação elaborada da situação dos resíduos sólidos urbanos[1] produizida pelo governo brasileiro foi a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 1989, divulgada em 1992[2]. A investigação foi realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE), órgão da administração pública federal que produziu estudos semelhantes referentes a saneamento básico no país nos anos de 1992, 1996 e 2000[3]. A partir de 2002, o Ministério das Cidades divulga anualmente o Diagnóstico de Manejos dos Resíduos Sólidos Urbanos, com dados coletados pela Secretaria Nacional de Informações sobre Saneamento[4].

No âmbito privado, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais publica desde 2003 o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil[5]. A ABRELPE usa informações dos informes do SNIS, adicionando dados disponibilizados por suas empresas congregadas e demais entidades privadas. O informe produzido pela associação aproxima os dados do setor privado às estatísticas oficiais.

Outro documento da iniciativa privada bastante consultado em estudos sobre o setor resíduos sólidos brasileiros é o Ciclosoft, produzido pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem[6], entidade que acompanha o mercado dos materiais recicláveis. O informe Ciclosoft CEMPRE é divulgado bianualmente desde 2004 e focaliza suas análise às questões referentes ao mercado da reciclagem dos materiais no país.

Com o intuito de analisar a situação atual dos resíduos sólidos urbanos brasileiros a partir de sua perspectiva numérica, será apresentada uma série de informações sobre a evolução das estatísticas referentes aos resíduos. Embora alguns dados possam não ser exatos devido a imprecisão no sistema de informações sobre os resíduos do país, as figuras e tabelas produzidas neste artigo se aproximam da realidade, o que faz das estatísticas apresentadas um referencial de análise quantitativa para os resíduos gerados no Brasil.

O texto está dividido em duas partes e na primeira demonstra a situação dos resíduos sólidos urbanos brasileiros: dados sobre geração, coleta, disposição final e um comparativo da gestão de resíduos sólidos em algumas cidades brasileiras, focalizando os dados obtidos na cidade de Natal. A segunda e última secção discute a deficiência no sistema de informação para os resíduos gerados no país.


A situação dos resíduos sólidos brasileiros

A geração per capita de resíduos sólidos é definida pela quantidade de resíduos gerados diariamente em relação ao número de habitantes de uma região. A geração per capita varia de uma localidade para outra, dependendo de diversos fatores como o poder aquisitivo da população; padrões de produção e consumo das atividades econômicas de uma sociedade; sazonalidade das atividades econômicas devido as condições climáticas; gostos e costumes culturais; tamanho e variação populacional[7].

A verificação de dados que relaciona a geração per capita de resíduos em alguns países selecionados[8] em 2006 releva que os países centrais são os que mais geram resíduos. No entanto, vale mencionar que a classe alta dos países periféricos possue padrões e características de consumo semelhantes aos dos países centrais. Algumas indústrias destes países operam com capacidade produtiva semelhante às indústrias do centro econômico, demandando elevada quantidade de recursos e gerando quantidades crescentes de resíduos. Também, e não menos importante, em tais países a demais varáveis que formam a geração de resíduos se aproximam das variáveis observadas nos países centrais (veja figura 1).

 

Figura 1: Geração per capita de resíduos sólidos países selecionados (kg/hab/dia), 2006
Fonte: Elaboração própria a partir de CEMPRE[9]

 

Como principal economia do mundo, os Estados Unidos é o país que mais gera resíduos per capita, com 2,08 Kg/hab/dia, no ano de 2005. Segundo a Agência Européia de Meio Ambiente[10], em 1995 cada cidadão europeu gerou 1,26 kg de resíduos diários[11]. Em 2004, essa quantidade passou para 1,56 kg/dia e a previsão é que alcance 1,86 kg/dia em 2020. O Brasil encontra-se em posição intermediária já que a média nacional é de 0,78 Kg diários de resíduos gerados por habitante. Para ano de 2009, a ABRELPE[12] informa que a geração per capita de resíduos no Brasil saltou para 0,98 kg/dia, o que representa um aumento de 26,0 por cento em relação ao ano de 2007.

Outra estatística relevante é o tipo de destino final dado aos resíduos gerados. Uma análise dos dados oficiais mostra o destino dos resíduos brasileiros nos anos de 1989, 2000, 2005 e 2007, indica uma evolução no que se refere ao destino final dado aos resíduos no país, visto que em 1989, 76,0 por cento dos resíduos eram descartados em lixões e em 2007 esse percentual diminuiu para 9,5 por cento. Tal evolução sinaliza a tendência das administrações municipais brasileiras em mudar a gestão tradicional, fundamentada no coletar e tirar s residuos distante dos perimetros urbanos, para a gestão técnica dos resíduos que possui como direcionamento o controle dos residuos e sua disposição em aterros sanitários (veja figura 2).

 

Figura 2: Tipo de destino final dado aos resíduos brasileiros, 1989-2000-2005-2007
Fonte: Elaboração própria a partir de FIBGE (2002; 2000; 1992) e informe SNIS (2006)

 

Comforme a figura acima, houve no Brasil uma melhora substancial no que concerne ao tipo de destinação final dado as residuos em duas décadas, o que poem o país em posição intermediária quando comparado a demais países. Dos resíduos gerados nos dezenove estados da Comunidade Européia, 31,0 por cento do total de resíduos gerados ainda são dispostos em lixões, 42,0 por cento se recicla e 6,0 por cento são destinados à incineração com recuperação de energia, além de 21,0 por cento que não possuem destino especificado. No caso da Federação Russa, entre 40,0 e 57,0 por cento dos resíduos gerados pela indústria foram descartados em lixões a céu aberto, no ano de 2005[13].

Já o informe da ABRELPE produzido no ano de 2009 indica que 57,0 por cento dos resíduos gerados no Brasil possuem destinação final adequada. Apesar da estatística ser satisfatória, a imprecisão dos dados e a metodologia de coleta dos dados supõem que estes dados estejam superertimados, fato que miniminiza a correta intrepretação destes.


Geração de resíduos

Conforme dados divulgados pela ABRELPE no seu relatório anual[14], a evolução na geração dos resíduos brasileiros entre 2000 e 2007 foi de aproximadamente 1,5 por cento ao ano. O quadro abaixo relaciona a quantidade de resíduos sólidos urbanos (RSU) gerados com resíduos coletados em toneladas/dia e seus respectivos índices de variação, fazendo um comparativo entre os anos de 2007 e 2009.

Quadro 1. Resíduos sólidos urbanos gerados e coletados no Brasil, 2007

 

RSU gerado (t/dia)

RSU coletado (t/dia)

Média de RSU coletado (%)

Média de RSU não coletado (%)

RSU não coletado (t/dia)

Brasil

168,653

140,911

83,6

16,4

27,742

Fonte: Elaboração própria a partir da tabela 4.1.2.2, informe ABRELPE (2007)

 

A deficiência na prestação dos serviços de limpeza e coleta de resíduos em cidades brasileiras faz que aproximadamente 28 milhões de toneladas de resíduos (16,4%) dos resíduos gerados, deixassem de ser coletados em 2007.

O quadro 2 abaixo relaciona a geração per capita de resíduos sólidos em cidades brasileiras selecionadas, no período de uma década, de 1997 a 2006. As cidades relacionadas foram selecionadas segundo a disponibilidade de dados em informes do SNIS, nos informes produzidos pela ABRELPE e CEMPRE, bem como no envio das informações requisitadas às prefeituras das cidades. O segundo critério adotado para a escolha das cidades foi a estimativa populacional no ano de 2006. Assim, as cidades estão divididas em três grupos, com até um milhão e meio de habitantes (Londrina, Vitória, Florianópolis, João Pessoa, Natal, Curitiba e Porto Alegre), entre um milhão e meio e três milhões de habitantes (Recife, Brasília e Belo Horizonte) e acima de três milhões de habitantes (Rio de Janeiro e São Paulo).

Quadro 2. Geração per capita de resíduos sólidos em cidades
brasileiras selecionadas (kg/hab/dia), 1997 a 2006

Ano

São Paulo

Brasília

Belo Horizonte

Recife

Porto Alegre

Natal

Vitória

Florianópolis

1997

2,60

 

1,53

1,35

1,59

1,44

3,12

2,85

1998

2,50

2,99

1,37

1,47

1,51

1,41

3,06

2,75

1999

2,59

2,92

1,34

1,54

1,90

1,46

3,05

2,58

2000

2,77

2,83

1,35

1,48

1,85

1,60

 

2,96

2001

2,87

3,26

1,54

1,55

1,30

1,63

 

2,90

2002

2,99

1,55

1,44

1,44

1,62

1,44

3,03

3,00

2003

3,38

1,56

1,69

1,48

1,97

1,30

 

3,13

2004

3,38

1,67

1,67

1,57

2,41

1,33

3,06

3,23

2005

3,38

1,72

1,82

1,46

2,74

1,51

3,19

3,28

2006

3,25

1,72

1,80

   

1,46

2,98

3,21

Fonte: Elaboração própria a partir de FIBGE (2000; 1992) e SNIS (2002, 2003, 2004, 2005 e 2006)

 

Como mostra o quadro acima, as oito capitais de estado possuem geração per capita elevados em relação a média brasileira, que foi de 1,12 kg/hab/dia em 2007(ABRELPE, 2007). Por ser a maior cidade do país, os índices de São Paulo são bem superiores aos das demais cidades. A partir de 2002, aos dados de Brasília foram adicionados os dados das suas cidades satélites, fato que explica a acentuada diminuição na geração per capita de resíduos na capital federal a partir daquele ano. Os elevados índices de Vitória e Florianópolis podem ser explicados pelas incorreções das informações municipais cedidas para o Ministério das Cidades.

Segundo explica o informe SNIS, deve-se observar que a presença na amostra dos maiores municípios do país, provoca viés nos resultados pois na maioria dos casos estes municípios dão a seus resíduos um tratamento mais adequado que os municípios de menor porte[15]. O quadro abaixo relaciona dados populacionais com geração de resíduos em algumas cidades brasileiras, de 1997 a 2006. Os dados estão em valores absolutos de produção física de resíduos e população e seus respectivos percentuais de variação das duas categorias.

 

Quadro 3. Comparativo entre população e geração de resíduos sólidos em cidades
brasileiras selecionadas, 1997 a 2006

São Paulo

 

Belo Horizonte

Ano

População (mil)1

(%)

RSU (ton X 1000)

(%)

 

Ano

População (mil)1

(%)

RSU (ton)

(%)

1997

9.887,616

 

3.805

   

1997

2.109,223

 

1.377,972

 

1998

9.928,219

0,41

3.970

4,34

 

1998

2.124,176

0,71

1.552,305

12,65

1999

9.968,485

0,41

3.842

-3,22

 

1999

2.139,125

0,70

1.596,676

2,86

2000

10.434,252

4,67

3.772

-1,82

 

2000

2.238,526

4,65

1.662,169

4,10

2001

10.499,133

0,62

3.664

-2,86

 

2001

2.258,857

0,91

1.463,438

-11,96

2002

10.600,060

0,96

3.549

-3,14

 

2002

2.284,468

1,13

1.582,853

8,16

2003

10.677,019

0,73

3.162

-10,90

 

2003

2.305,812

0,93

1.366,018

-13,70

2004

10.838,581

1,51

3.210

1,52

 

2004

2.350,564

1,94

1.403,814

2,77

2005

10.927,985

0,82

3.493

0,69

 

2005

2.375,329

1,05

1.304,815

-7,05

2006

11.016,703

0,81

3.394

5,01

 

2006

2.399,920

1,04

1.333,976

2,23

Fonte: Elaboração própria a partir de FIBGE(2000; 1992) e SNIS (2002, 2003, 2004, 2005 e 2006)
(1) DATASUS (2006)[16]

 

Quadro 3. Continuação

Brasília

 

Recife

 

Porto Alegre

Ano

População (mil)2

(%)

RSU (ton)

(%)

 

Ano

População (mil)2

(%)

RSU (ton)

(%)

 

Ano

População (mil)2

(%)

RSU (ton)

(%)

1997

1.877,015

       

1997

1.357,970

 

1.007,519

   

1997

1.298,108

 

818,700

 

1998

1.923,404

2,47

643,466

   

1998

1.368,010

0,74

928,967

-7,80

 

1998

1.305,869

0,60

864,793

5,63

1999

1.969,867

2,42

675,090

4,91

 

1999

1.378,089

0,74

892,491

-3,93

 

1999

1.314,033

0,63

692,166

-19,96

2000

2.051,146

4,13

725,419

7,46

 

2000

1.422,905

3,25

959,626

7,52

 

2000

1.360,590

3,54

734,104

6,06

2001

2.097,447

2,26

643,547

-11,29

 

2001

1.437,190

1,00

924,340

-3,68

 

2001

1.373,313

0,94

1.057,121

44,00

2002

2.145,839

2,31

1386,919

115,51

 

2002

1.449,135

0,83

1.006,421

8,88

 

2002

1.383,454

0,74

855,171

-19,10

2003

2.189,789

2,05

1403,751

1,21

 

2003

1.461,320

0,84

985,661

-2,06

 

2003

1.394,085

0,77

705,963

-17,45

2004

2.282,049

4,21

1370,320

-2,38

 

2004

1.486,869

1,75

948,735

-3,75

 

2004

1.416,363

1,60

587,714

-16,75

2005

2.333,108

2,24

1420,555

-0,93

 

2005

1.501,008

0,95

1.030,526

8,62

 

2005

1.428,696

0,87

521,896

-11,20

2006

2.383,784

2,17

1388,740

2,30

 

2006

1.515,052

0,94

     

2006

1.440,939

0,86

   

 

Quadro 3. Continuação

Natal

 

Florianópolis

 

Vitória

Ano

População (mil)2

(%)

RSU (ton)

(%)

 

Ano

População (mil)2

(%)

RSU (ton)

(%)

 

Ano

População (mil)2

(%)

RSU (ton)

(%)

1997

668,293

 

464,464

   

1997

275,240

 

96,460

   

1997

267,647

 

85,859

 

1998

678,623

1,55

482,501

3,88

 

1998

278,574

1,21

101,355

5,07

 

1998

269,136

0,56

87,916

2,40

1999

688,955

1,52

471,245

-2,33

 

1999

281,930

1,20

109,422

7,96

 

1999

270,627

0,55

88,870

1,09

2000

712,371

3,40

445,375

-5,49

 

2000

342,315

21,42

115,581

5,63

 

2000

292,304

8,01

   

2001

722,144

1,37

443,441

-0,43

 

2001

352,401

2,95

121,376

5,01

 

2001

296,012

1,27

   

2002

734,505

1,71

508,339

14,64

 

2002

360,601

2,33

120,350

-0,85

 

2002

299,357

1,13

98,950

 

2003

744,794

1,40

573,400

12,80

 

2003

369,102

2,36

117,917

-2,02

 

2003

302,633

1,09

   

2004

766,081

2,86

575,413

0,35

 

2004

386,933

4,83

119,658

1,48

 

2004

309,517

2,27

101,182

 

2005

778,040

1,56

514,041

-10,67

 

2005

396,778

2,54

120,902

1,04

 

2005

313,312

1,23

98,322

-2,83

2006

789,896

1,52

542,777

5,59

 

2006

406,564

2,47

126,647

4,75

 

2006

314,042

0,23

105,364

7,16

 

Observando o quadro acima, pode-se dividir suas informações em três grupos: no grupo 1 está somente a cidade de São Paulo que, por ser a maior cidade do país e a que possui a economia mais pujante, gera quantidades de resíduos muito superiores as demais cidades selecionadas. No segundo grupo encontram-se Belo Horizonte, terceira maior cidade do país, a região metropolitana de Brasília, Porto Alegre e Recife. O terceiro grupo é composto por cidades médias para os padrões populacionais brasileiros que são Natal, Florianópolis e Vitória.

Apesar de se haver contatado diretamente com as municipalidades, infelizmente não foram encontradas maiores informações sobre os resíduos de Curitiba e Rio de Janeiro, cidades importantes para o contexto nacional. Entretanto, os dados apresentados são uma mostra do que está ocorrendo em termos gerais com os resíduos brasileiros, em que sua geração aumenta mais que o crescimento populacional das cidades selecionadas.


A coleta de resíduos sólidos

O Brasil apresenta deficiência em todos os serviços de resíduos (limpeza, coleta, transporte e tratamento final). O quador 1 acima demonstrou a deficiência nos serviços de coleta, traduzidos nos 27,742 toneladas de resíduos diários que não passam pela coleta convencional ou seletiva e que tiveram destino final incerto, no ano de 2007. A coleta seletiva é a modalidade de coleta de resíduos solicitada por catadores e empresários como ferramenta de gestão de resíduos; ainda apresentada pelo governo federal como uma das prioridades da sua futura política nacional de gestão de resíduos[17].

Apesar da importância social, ambiental e econômica no contexto de políticas de gestão de resíduos, programas oficiais de coleta seletiva ainda não são usados pelas municipalidades brasileiras como estratégias de gestão de resíduos urbanos (veja figura 3).

 

Figura 3. Cidades brasileiras com programa oficial de coleta seletiva entre 1994 e 2008
Fonte: Elaboração própria a partir do informe Ciclosoft CEMPRE (2008b)

 

Conforme a figura acima, que mostra a quantidade de cidades brasileiras que possuíam programas oficiais de coleta seletiva, entre os anos de 1994 a 2008, dos 5.565 municípios do Brasil, apenas 405 cidades (7,0% do total), mantinham programas de coleta seletiva no ano de 2008. Vale mencionar que muitas vezes as iniciativas municipais se resumem na implementação de pontos de entrega voluntária de materiais recicláveis; também na formalização de convênios com entidades de catadores, como ocorrem em 43,0 por cento das cidades que afirmaram desenvolver esta modalidade de coleta de resíduos[18].

Uma interpretação da coleta seletiva pode ser compreendida através dos dados que expõem a eficiência destas iniciativas em cidades brasileiras. À exceção Londrina (cidade do estado do Paraná), em 2006 confirmou-se a baixa eficiência dos programas de coleta seletiva nas cidades brasileiras. Obviamente que os dados são aproximativos e logo estas diferenças podem estar vinculados a elementos como o tamanho do extrato populacional que participa da coleta seletiva em cada cidade, as estratégias municipais de desenvolvimento da coleta seletiva a eficiência do próprio sistema de coleta (veja quadro 4).

Quadro 4. Coleta seletiva e recuperação de materiais em relação a massa mensal de resíduos
coletados em cidades brasileiras selecionadas, 2006

Cidade

Recicláveis recuperados (ton/mês)

Coleta seletiva em relação a massa total de resíduos coletados (%/mês)

Recicláveis recuperados em relação a massa total de resíduos (%/mês)

Belém

804

 

3,4

Belo Horizonte

604

1,2

0,8

Curitiba

686

3,3

 

João Pessoa

202

 

0,6

Londrina

2417

 

20,4

Natal

310

2,4

1,0

Porto Alegre

1218

5,1

3,4

Recife

156

0,3

0,3

Rio de Janeiro

302

0,4

0,1

São Paulo

1289

0,7

0,4

Fonte: Elaboração própria a partir da tabela Cs02, informe SNIS (2006)

 

Os materiais recicláveis recuperados em relação a massa total de resíduos obtidos nas cidades brasileiras são baixos se comparados à média das cidades da América Latina e Caribe, visto que na região se recupera 2,2 por cento dos resíduos gerados, sendo 1,9 devido a reciclagem e 0,3% com compostagem[19]. Observado os dados da cidade de Natal no quadro acima, embora seus dados sejam satisfatórios em comparação com outras cidades, os baixos índices de coleta seletiva (2,4%) e recuperação de recicláveis (1,0%) em relação a massa total de resíduos coletados, evidenciam a deficiência dessa modalidade de coleta na cidade.


Disposição e tipos de tratamento final de resíduos

Especialistas do setor de resíduos sólidos urbanos indicam que o principal problema do setor no país é o tipo de destino final dado aos resíduos[20]. É prática social descartar os resíduos em lixões públicos designados pelas municipalidades e em áreas clandestinas, o que propicia a formação de pequenos lixões nas periferias das cidades. A figura a seguir mostra o tipo de destino dado aos resíduos coletados nas cidades brasileiras, nos anos de 1989-2000-2007 e 2008.

 

Figura 4. Disposição final dos resíduos brasileiros, 1989-2000-2007-2008
Fonte: Elaboração própria a partir da tabela 3.1.4.1, informe ABRELPE (2008)

 

Dados da ABRELPE indicam que 61,4 por cento das cidades brasileiras não possuíam sistema de disposição final adequado para os resíduos coletados no ano de 2007. Em 2008, esse percentual diminuiu para 45,1 por cento, com aproximadamente 55,0 por cento dos resíduos coletados no país sendo destinados ao tratamento final em aterros sanitários e controlados. Comparando os dados brasileiros com os países europeus, segundo o informe da Agencia Européia de Meio Ambiente, apesar das normativas européias de restrição ao descarte incontrolado de resíduos, o destino final de resíduos em lixões ainda é o método destino final dominante na região. Considerando os 25 países membros da Comunidade Européia juntamente com os países do leste europeu, no ano de 2005, quase a metade (42,0%) de todos os resíduos gerados naquela localidade foram descartados em lixões[21].

Embora o informe ABRELPE demonstre avanço no tipo de destino final dado aos resíduos, pode-se questionar a amplitude deste avanço devido a metodologia de obtenção de dados municipais, que se resume ao preenchimento de formulário por parte do gestor público local. A suposição de que algumas informações para os resíduos brasileiros podem não ser condizentes com a realidade é sublinhada no informe oficial produzido pelo governo brasileiro:

“Admitindo-se a hipótese das 50 milhões de toneladas/ano “potencialmente” coletada em 2007, pode-se inferir que se deve ter aproximadamente 20 milhões de toneladas/ano sendo coletadas pelos médios e, principalmente, pequenos municípios, o que, possivelmente, pode se constituir, em uma forma de poluição difusa pelo país, admitindo-se a maior ocorrência de lixões nos pequenos municípios”[22]

A precária situação sanitária e ambiental dos lixões faz que estes lugares sejam ambientalmente insustentáveis[23]. Também inaceitáveis desde uma perspectiva social devido a existência de catadores, que em condições subumana fazem da coleta de recicláveis nos lixões uma fonte de renda e sobrevivência[24].

Com alternativa a esse statuos quo, na perspectiva da ABRELPE há uma tendência crescente e inevitável da participação do setor privado na execução dos serviços dos resíduos sólidos, sobretudo no tratamento final dos resíduos em aterros sanitários (veja figura 5)[25].

 

Figura 5. Quantidade e tipo de administração de aterros sanitários no Brasil, décadas 1970-1980-1990-2000
Fonte: Elaboração própria a partir das tabelas Up 01 e Up 02, informe SNIS (2009)

 

Os dados oficiais confirmam que foi na década de noventa que a administração pública investiu na construção de aterros sanitários como forma de tratamento final de resíduos, assim que em 2006 existiam 81 aterros sanitários em operação no país. Desse total, o setor privado administra 59,0 por cento e as prefeituras o restante (41,0%). Em 2007, haviam 18 novos aterros sanitários em funcionamento, o que já representa 37,1 por cento das unidades de destino final dos resíduos.

Complementado os dados da figura acima, o quadro abaixo apresenta o tipo de gestão, início de funcionamento, quantidade de resíduos tratados e preço do serviço de tratamento nos 81 aterros sanitários do Brasil, em 2006.


Quadro 6. Informações gerais sobre os aterros sanitários de cidades brasileiras, 2006

Cidade

Gestão

Início

Quantidade (ton/dia)

Preço (R$/ton)

 

Cidade

Gestão

Início

Quantidade (ton/dia)

Preço (R$/ton)

Anápolis

Privada

1999

77,299

22,75

 

Guarulhos1

Privada

2001

1100

53,64

Belém

Publica

1990

293,827

8,47

 

João Pessoa

Privada

2003

430,524

17,25

Boa Vista

Privada

2003

260,680

19,80

 

Joinvile

Privada

1988

116,613

20,33

Campinas

Privada

1992

270,089

33,36

 

Juiz de Fora

Privada

1999

67,044

44,63

Cascavel

Publica

1995

71,887

15,38

 

Lajes

Privada

2005

22,453

28,80

Criciuma

Privada

2005

29,000

58,00

 

Natal

Privada

2004

950

44,15

Cuiabá

Privada

1997

151,282

37,01

 

Nova Iguaçu

Privada

2003

379,650

16,90

Curitiba

Privada

1989

586,413

18,52

 

Rio de Janeiro

Privada

2003

1068,924

15,93

Dourados

Privada

2004

41,669

58,97

 

Rio de Janeiro

Privada

1987

1033,707

10,85

Farroupilha

Privada

1993

10,871

95,93

 

Salvador

Privada

1997

775,971

32,41

Feira de Santana

Privada

2004

151,055

21,18

 

São Josédo Campos

Publica

1999

350,894

41,22

Goiânia

Privada

1993

835,511

14,98

 

São Leopoldo

Privada

2003

34,624

60,80

Gravataí

Privada

1998

50,495

32,00

 

Uberlândia

Privada

1997

71,223

21,24

Foz do Iguaçu

Publica

2000

66,510

12,51

 

União da Vitória

Privada

2005

9,240

26,51

Fonte: Elaboração própria a partir das tabelas Up 01 e Up 02, informe SNIS (2006)
(1) Dada a impossibilidade de construir aterros sanitários devido o elevado índice de urbanização da cidade, São Paulo mantém contrato com administradoras de aterros de cidades da sua região metropolitana para receber os seus resíduos gerados. Uma destas cidades é Guarulhos, mostrada na tabela acima.

 

Apesar do aterro sanitário ser a opção ambiental de menor preferência na hierarquia da gestão final dos resíduos, conforme mostra o GREENPEACE[26], o informe oficial SNIS indicou que em 2007 a media nacional da quantidade de resíduos recebidos pelas unidades de processamento caracterizadas como aterros sanitários aumentou, atingindo 170.592 t/dia[27]. Ainda segundo o informe oficial brasileiro:

“A massa recebida nos aterros sanitários segundo informações dos municípios, foi igual a metade dos resíduos coletados, ou seja, 50% dos resíduos domiciliares e públicos tiveram destino final adequado; o restante, parte passa também por processos tidos como adequados (unidades de triagem, reciclagem, compostagem, manejo de galhadas, incineradores e outros) e parte é destinada, inadequadamente, aos lixões, aterros controlados ou queima em forno de qualquer tipo[28].”

As estatísticas indicam que devido a deficiência no destino final dos resíduos, as municipalidades brasileiras estão aderindo à construção de aterros sanitários como forma de gestão final para os resíduos. Conforme será apresentado na próxima secção, o setor dos resíduos brasileiros conta com maior participação da iniciativa privada para a execução dos serviços dos resíduos, o que demonstra a opção pela privatização dos serviços.


A gestão dos resíduos sólidos nas cidades brasileiras

Desde a última constituição brasileira de 1988 que as municipalidades são responsáveis e possuem autonomia na formulação de políticas de gestão de resíduos sólidos. O quadro abaixo apresenta a participação dos setores públicos e privados na gestão de resíduos de cidades brasileiras selecionadas, em 2006. A segunda coluna mostra a participação dos setores público e privado na gestão de todos os serviços de resíduos (limpeza, coleta, transporte e tratamento final). As quatro colunas seguintes expõem a participação dos setores público e privado em cada serviço.


Quadro 7. Participação dos setores públicos e privados na gestão de resíduos
de cidades brasileiras selecionadas, 2006

Cidade

Participação na gestão de todos serviços de RSU

Limpeza de ruas

Coleta e transporte de RSU ao destino final

Coleta e transporte de resíduos de unidades de saúde ao destino final1

Tratamento final de resíduos

Público

Privado

Público

Privado

Público

Privado

Público

Privado

Público

Privado

Belém

2,4

97,6

0,0

100,0

0,0

100,0

0,0

100,0

3,4

96,6

Belo Horizonte

46,9

53,1

20,3

79,7

18,0

72,0

83,3

16,7

92,1

7,9

Curitiba

2,0

98,0

0,0

100,0

0,0

100,0

0,0

100,0

5,3

94,7

Florianópolis

100,0

0,0

100,0

0,0

100,0

0,0

0,0

0,0

100,0

0,0

João Pessoa

45,8

54,2

40,1

59,9

9,3

90,7

0,0

0,0

75,1

24,9

Londrina

4,2

95,8

0,0

100,0

6,9

93,1

   

0,0

100,0

Natal

47,3

52,7

30,7

69,3

8,7

91,3

0,0

100,0

55,5

44,5

Porto Alegre

100,0

0,0

               

Recife

15,18

84,9

0,0

100,0

0,0

100,0

0,0

100,0

22,8

77,2

Rio de Janeiro

68,2

31,8

100,0

0,0

41,4

58,6

96,2

3,8

60,0

40,0

São Paulo2

1,1

98,9

100,0

0,0

100,0

0,0

100,0

0,0

1,8

98,2

Fonte: Elaboração própria a partir da tabela Ge03, informe SNIS (2006)
(1) Refere-se a tratamento de resíduos de unidades de saúde administradas pelo governo
(2) Dados do ano 2004, informe SNIS (2004)

 

No âmbito geral, constata-se que há uma tendência à privatização dos serviços de resíduos nas cidades brasileiras. Das onze cidades apresentadas no quadro acima, oito possuem maior participação do setor privado na execução dos serviços. Analisando a cidade de Natal, observa-se que houve equilíbrio na participação dos setores público (47,3%) e privado (52,7%) na gestão de todos os serviços de resíduos. Tais dados se aproximam com os dados de João Pessoa (45,8% público e 54,2% privado), que possui estrutura de gestão, característica populacional e geração de resíduos semelhantes a Natal. No quadro destacam-se ainda as cidades de Florianópolis e Porto Alegre, onde a totalidade dos serviços é administrada pelo setor público. Já as cidades de Belém, Curitiba e São Paulo optam pela majoritária participação do setor privado na execução dos serviços de resíduos.

O aprofundamento dos dados acima é apresentado no quadro abaixo, que relaciona a alocação dos gastos oficiais com a gestão de resíduos nas cidades brasileiras, no ano de 2006.

 

Quadro 8. Síntese de gastos com gestão de resíduos em cidades brasileiras, 2006

Cidade

Gasto total com gestão RSU (R$/ano)

Gasto com gestão de RSU em relação a orçamento da Prefeitura (%/ano)

Gasto per capita RSU (R$/hab/ano)

Gastos do serviço em relação ao gasto total com gestão de RSU (%)

Limpeza de ruas

Coleta (convencional, seletiva e resíduos unidades saúde) e transporte de RSU ao destino final

Tratamento final de resíduos1

Belém

68.464.543,00

8,2

48,24

4,6

24,1

71,3

Belo Horizonte

163.279.460,00

6,0

68,04

26,2

36,2

37,6

Curitiba

88.300.690,00

9,7

49,37

17,7

45,1

37,2

Florianópolis

20.990.567,00

4,0

53,20

29,1

61,9

9,0

João Pessoa

54.685.305,00

9,6

81,37

13,6

37,0

49,4

Londrina

12.959.893,00

6,8

26,97

27,7

61,7

10,6

Natal

100.662.229,00

13,6

127,44

3,3

15,8

80,9

Porto Alegre

60.490.407,00

4,6

64,23

27,4

33,9

38,7

Recife

90.138.257,00

5,6

59,50

16,7

17,4

65,9

Rio de Janeiro

498.146.160,00

6,9

81,18

36,9

36,7

26,4

São Paulo

770.884.202,00

5,8

74,40

14,9

20,8

64,3

Fonte: Elaboração própria a partir da tabela Ge01, informe SNIS (2006)
(1) Inclui gastos com tratamento final de resíduos de unidades de saúde administradas pelo governo

 

Do que foi apresentado acima, Natal teve a maior relação entre gastos com serviços de resíduos e orçamento público global da prefeitura, (13,6%), sendo superior à média brasileira, que está entre 5,0 e 12,0 por cento[29]. O gasto absoluto com a gestão de resíduos é considerado elevado, 100.662.229,00 reais, sendo superior ao gasto de cidades maiores como Curitiba, Porto Alegre e Recife. Em comparação com cidades de escalas semelhantes, o gasto com os resíduos de Natal é o dobro de João Pessoa e cinco vezes maior que o gasto de Florianópolis. Natal obteve também o maior gasto per capita com gestão de resíduos entre as cidades relacionadas, 127,44 reais/habitante. Observa-se que o tratamento final de resíduos em Natal representou, em 2006, 80,9 por cento do total de gastos com resíduos, o que indica o elevado gasto público com este tipo de serviço.

As recentes informações sobre a gestão dos resíduos indicam que a média brasileira de despesas com empresas privadas, em 2007, foi de 71,3 por cento dos gastos totais no setor dos resíduos. O gasto per capita médio com resíduos foi naquele ano de 63,67 reais/hab/ano, variando entre 2,50 reais/hab/ano e 147,43 reais/hab/ano em todo o país[30].

O informe ABRELPE (2008) mostra que o volume movimentado na prestação de serviços no setor dos resíduos no país atingiu 17 bilhões de reais em 2008, dos quais 12 bilhões de reais corresponderam à iniciativa privada e o restante ao setor público. Foram gerados 250 mil empregos diretos em 2007, e, 2,2 por cento a mais no ano seguinte. Essa evolução ocorreu praticamente no setor privado, que responde por mais da metade (60,0%) do total de empregos do setor. Para a associação, "a geração de empregos para trabalhadores de baixa especialização e o volume econômico movimentado confirmam a importância do setor dos resíduos na economia brasileira bem como a necessidade da privatização dos serviços dos resíduos"[31], já que para a ABRELPE, o setor privado reúne as melhores possibilidades para administrar a gestão dos resíduos sólidos brasileiros.

Os dados apresentados confirmam a maior participação do setor privado na gestão dos resíduos brasileiros. Demonstra também a mudança na gestão dos resíduos que de tradicional, passa a se configurar como uma gestão moderna, caracterizada pela perspectiva técnica para o tratamento final dos resíduos em aterros sanitários. Contudo se essa tendência implica numa melhora considerável ao tratamento dos resíduos, por outro lado pode submeter a gestão dos resíduos à lógica do mercado para o setor, caso observado em Natal, onde há uma supervalorização do tratamento final dos resíduos sem que hajam estratégias paralelas de diminuição na quantidade gerada de resíduos.


A deficiência no sistema de informação para os resíduos sólidos brasileiros

A partir dos anos noventa houve maior interesse da administração pública e do setor privado em obter dados necessários à formulação de análises sobre os resíduos sólidos urbanos brasileiros. Nesse período produziram-se estudos acadêmicos sobre a questão dos resíduos nas mais diferentes áreas de conhecimento. Ainda, tem-se destacado o maior interesse das organizações não governamentais, que conduziram suas análises à problemática socioeconômica dos catadores. Tal interesse resulta que atualmente o Brasil conta com uma série de informações relevantes sobre resíduos, amplamente difundida e relativamente fácil de ser manuseada[32].

Apesar do substancial avanço nos sistemas de informações para resíduos sólidos, os dados oficiais são incompletos, o que dificulta na formulação de análises sobre o setor. Também questionáveis pois a metodologia de envio de questionários às municipalidades pode mascarar a realidade, dependendo da conveniência do gestor público local. O diagnóstico do Ministério das Cidades afirma que “a ampliação e a confiabilidade do informe irão depender essencialmente da disposição dos municípios convidados a integrá-lo em coletar e registrar (também sistematicamente) as informações solicitadas”[33].

As informações sobre resíduos sólidos divulgadas pelo setor empresarial, embora confiáveis, devem ser usadas com ponderação pois a iniciativa privada possui seus interesses, e portanto, suas informações e interpretações podem distanciar-se das realidades e demandas socioambientais do setor dos resíduos. Ainda há que observar a metodologia de coleta de tais dados se restringiu ao envio de questionários às entidades encarregadas da gestão dos resíduos no âmbito municipal, que à semelhança da metodologia empregada pelo Ministério das Cidades, não escolheu uma amostra de cidades para uma visita in loco para conferência dos dados informados com a realidade local.

Semelhante ressalva se faz às informações das organizações não governamentais, que não raro analisa a questão socioeconômica dos resíduos fundamentada nas implicações políticas de suas análises. As informações quantitativas e qualitativas divulgadas pelas investigações acadêmicas podem contribuir na alimentação de dados referente a resíduos, desde que estes dados não sejam coletados segundo a restrição teórica e metodológica utilizada na elaboração dos estudos.

Uma alternativa para aproximar as informações dos informes sobre os resíduos sólidos à realidade das cidades, seria a administração pública realizar amostragem empírica sobre os resíduos em diversas cidades do país. Esta abordagem metodológica aproximativa evitaria as incoerências nas informações prestadas pelos gestores públicos pois haveria possibilidade de se agrupar as cidades por características, e as distorções poderiam ser verificadas in loco.

Independentemente da precisão estatística, as diversas informações divulgadas tendem a se aproximar da realidade do setor dos resíduos no Brasil. Os dados manejados neste artigo revelam a importância e, sobretudo, a urgência na efetivação da política nacional para os resíduos do país. Apesar de passível de críticas devido a incongruências no texto do projeto de lei nº 1991/07 da PNRS, o país necessita contar com um corpo normativo que defina as ações públicas e privadas para o setor dos resíduos, o que contribuirá para a qualidade das informações do setor.

 

Notas

[1] Os resíduos sólidos urbanos compreendem todos os resíduos sólidos gerados em um aglomerado urbano, excetuados os resíduos das unidades de saúde, industriais e gerados em portos, aeroportos e zonas de fronteira. Ainda aqueles estabelecidos em legislação específica e de responsabilidade exclusiva de seu gerador. Veja glossário de informações do informe Panorama dos resíduos sólidos no Brasil, produzido pela ABRELPE 2008, p. 178 <http://www.abrelpe.org.br/panorama_2008.php>.

[2] FIBGE 1992.

[3] FIBGE 2008 <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/default.shtm>.

[4] SNIS 2009 <http://www.snis.gov.br/>.

[5] ABRELPE 2010 <http://www.abrelpe.org.br/panorama_apresentacao.php>.

[6] Ciclosoft CEMPRE 2008b <http://cempre.tecnologia.ws/ciclosoft_2008.php>.

[7] Veja glossário de informações, informe SNIS 2006.

[8] Existem distintas maneiras de diferenciar países segundo suas características econômicas, sociais, políticas, idiomáticas, históricas e geográficas. A ciência econômica utilizou nomenclaturas como países ricos e países pobres, países desenvolvidos, em vias de desenvolvimento e subdesenvolvidos; também países do primeiro, do segundo mundo (países do ex-bloco soviético), e terceiro mundo. Recentemente, tem-se usado com mais freqüência o uso da expressão países do norte e do sul, haja vista que a maioria dos países que possuem índices de desenvolvimento socioeconômico elevados localizar-se no hemisfério norte e, complementarmente, a maioria dos demais países encontram-se no hemisfério sul. Nesta investigação serão denominados países centrais para o grupo de países chamados de ricos desde uma perspectiva econômica e social; e países periféricos, para aqueles que possuem elevados níveis de pobreza econômica, com reflexos nas estruturas sociais. Criado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe nos anos sessenta, esta diferenciação é a nomenclatura que melhor se relaciona a este estudo por aportar a dimensão econômica, social e geográfica dos países.

[9] Até o fechamento deste artigo, não havíamos encontrado estatísticas mais recentes que relacionassem a geração per capita de resíduos em diversos países. CEMPRE 2008 <http://www.cempre.org.br/cempre_informa.php?lnk=ci_2008-0506_negocios.php>.

[10] Informe Consumo y Producción Sostenibles, EEA 2007 <http://glossary.es.eea.europa.eu/terminology/sitesearch?term=Consumo+y+producci%C3%B3n+sostenibles>.

[11] No informe considerou-se os seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Suécia.

[12] ABRELPE 2009 <http://www.abrelpe.org.br/panorama_2009.php>.

[13] EEA 2007, p. 283.

[14] ABRELPE 2007 <http://www.abrelpe.org.br/panorama_2007.php>.

[15] SNIS 2007, p. 136.

[16] DATASUS (2006) <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?idb2006/a01.def>.

[17] A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi sancionada em julho de 2010. Uma análise que cerca a atuação dos agentes sociais envolvidos na questão dos resíduos brasileiros pode ser encontrada em Figueiredo (2008) <http://www.ub.es/geocrit/aracne/aracne-112.htm>.

[18] ABRELPE (2008) <http://www.abrelpe.org.br/panorama_2008.php>.

[19] Monteiro et. al., 2006 <http://www.ibam.org.br/publique/media/rs_esp.pdf>.

[20] Grimberg 2007 <http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=181>.

[21] EEA 2007, p. 283.

[22] SNIS 2009, p. 39.

[23] Grimberg, 2007.

[24] Bursztyn, et. al., 2000.

[25]  SNIS 2006.

[26] GREENPEACE 2008 <http://www.greenpeace.org/raw/content/argentina/contaminaci-n/basta-de-basura/impacto-de-los-resíduos-de-la.pdf>.

[27] SNIS 2007, p. 120.

[28] SNIS 2007, p. 140.

[29] ABRELPE 2007.

[30] SNIS 2007, p. 97-98.

[31] ABRELPE 2008, p. 41.

[32] Figueiredo 2007 <http://www.ub.es/geocrit/aracne/aracne-093.htm>.

[33] SNIS 2007, p. 140.

 

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Ficha bibliográfica:

FIGUEIREDO. Fábio Fonseca. Panorama dos resíduos sólidos brasileiros: análises de suas estatísticas. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 25 de junio de 2011, Vol. XVI, nº 928. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-928.htm>. [ISSN 1138-9796].