REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES (Serie documental de Geo Crítica) Universidad de Barcelona ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 Vol. XIII, nº 785, 25 de mayo de 2008 |
SENTIDOS DO RISCO: INTERPRETAÇÕES TEÓRICAS
Silvia Helena Zanirato[1]
Jane Z. S.Ramires[2]
Anie Gracie Noda Amicci[3]
Zulimar Márita Ribeiro[4]
Wagner Costa Ribeiro[5]
Sentidos do risco: interpretações teóricas (Resumo)
Ameaças à existência humana podem ser encontradas no passado. Porém, a sociedade de risco que vivemos se distingue por criar riscos, muitos dos quais afetam de modo desigual à população. A gestão dos riscos passou a ser uma das preocupações de governos e agências internacionais desde o século XX. Porém, nem sempre as ações se orientam sobre uma matriz reflexiva, que aponte as diferentes interpretações sobre o risco e suas causas. Com base nisso, este texto apresenta a posição de diferentes autores sobre os riscos. Parte de sua historicidade à sociedade atual, discute os conceitos, tipologias e suas relações com o território, a escala e a gestão dos riscos.
Palavras-chave: riscos, sociedade de riscos, tipologia e gestão de riscos
Sentidos del riesgo: interpretaciones teóricas (Resumen)
Las amenazas a la existencia humana se encuentran en el pasado. Pero, la sociedad del riesgo en que vivimos se distingue por la creación de riesgos, muchos de los cuales afectan de manera desigual a la población. La gestión de los riesgos se ha convertido en una de las preocupaciones de los gobiernos y de los organismos internacionales desde el siglo XX. Sin embargo, no siempre las acciones se dirigen en una matriz de reflexión, que apunta a las diferentes interpretaciones sobre el riesgo y sus causas. Sobre la base de esta, en este artículo se presenta la posición de diferentes autores acerca de los riesgos. Parte de su historicidad a la sociedad actual, se estudian los conceptos, los tipos y sus relaciones con el territorio, la escala y la gestión de riesgos.
Palabras clave: riesgo, sociedad del riesgo, tipos y gestión del riesgo
Senses of risk: theoretical interpretations (Abstract)
Threats to human existence can be found in the past. But the risk society we live in is distinguished by creating risks, many of which affect so unequally the population. The management of risks has become one of the concerns of governments and international agencies since the twentieth century. However, not always the actions are directed on a matrix reflective, which points to the different interpretations on the risk and its causes. Based on this, this paper presents the position of different authors about risks. Part of its historicity to the present society, discusses the concepts, types and their relations with the territory, the scale and risk management.
Keywords Risks, risk society, types and risk management
A constatação de que vivemos em uma sociedade de riscos, em um mundo de ameaças resultantes da modernização e do progresso não é nova. Há algumas décadas esse assunto tem sido objeto de discussão em vários campos do conhecimento. Sabemos que não se trata unicamente de reconhecer que fenômenos como mudanças climáticas, desastres ecológicos ou terrorismo internacional representam riscos globais e ameaças à destruição da vida no planeta, mas sim de compreender que vivemos em uma conjuntura na qual a sociedade se reconhece como causadora dos riscos que a afetam, e, por isso mesmo, clama pelo controle das ameaças criadas por ela própria.
Partimos do princípio que se faz necessário a correta definição do assunto abordado e, para dar conta disso organizamos esse texto, que expressa uma síntese da leitura de autores que, de forma diferenciada, acercaram-se do assunto.
Tratamos inicialmente a historicidade do fenômeno de modo a mostrar suas diferenças ao longo do tempo e do espaço; expomos a seguir a interpretação de especialistas acerca da sociedade contemporânea, seus processos de individualização e de gênese de riscos. Para esse fim nos valemos das análises dos sociólogos Ulrich Beck[6] (1986) e Anthony Giddens (1991 e 2002).
Passo seguinte, procuramos a definição conceitual da palavra, para a qual foram consideradas os aportes do professor da Universidade de Oregon Paul Slovic (1987), da antropóloga inglesa Mary Douglas (1976 e 1992), do professor e coordenador do Departamento de Sociologia da Tecnologia e do Ambiente da Universidade de Stuttgart, Ortwin Renn (2003) e pelo psicólogo e pesquisador do Departamento de Psicologia da Universidade de New Hampshire, Clinton M. Jenkin (2006).
Os estudos que vêem da geografia discutem textos dos geógrafas Valerie November, da École Polytechnique Féderal de Lausanne, e Yvette Veyret, da Université de Paris X e de Francisco Calvo Garcia-Tornel, da Universidad de Murcia. Eles tratam da tipologia dos riscos, seu território de ação, suas diferentes escalas e a imperiosa necessidade de gestão. Tais autores aproximam a discussão do planejamento e da gestão do território.Discutir conceitualmente a sociedade de risco, as definições de risco e algumas tipologias organizadas podem orientar a elaboração de políticas públicas voltadas à gestão dos riscos. É preciso ter em mente que eles podem ser criados também pelas relações sociais atuais e que, por isso, têm seu combate focado em ações da sociedade, sejam elas mediatizadas pelo Estado, como desejamos, seja por meio de ações individuais, como pregam os defensores da securitização privada.
Esse debate não é novo. O item a seguir indica que a preocupação com os riscos remontam ao passado.
A historicidade dos riscos
Toda análise do risco deve considerar a maneira como o meio ambiente foi abordado ao longo do tempo, em função das características específicas de cada sociedade (Calvo Garcia-Tornel, 2001). Este termo possuiu conotações diversas como, por exemplo, “meio natural”, “meio físico” ou simplesmente “meio”. Na tradição religiosa, a Terra era vista como a morada do homem, cuja criação se deu através de um ser supremo. No século XIX os trabalhos de Charles Darwin demonstraram a evolução da natureza e o homem deixou de ser apenas uma criação divina. A partir de então, foram várias as explicações fundamentadas no determinismo físico ou ambiental, com base científica, representado principalmente pelas teorias de Friedrich Ratzel. Com a reação anti-positivista e o triunfo do historicismo estas idéias entraram em decadência ainda que, segundo esse autor, o viés determinista permaneça até hoje, como é possível identificá-lo na teoria de Gaia.
Para Beck (2006), a compreensão do que seja risco requer o entendimento de sua historicidade, por isso em sua análise ele faz um acompanhamento dos riscos desde o passado até a sociedade atual. Nessa trajetória compara os riscos aos quais Cristóvão Colombo esteve sujeito quando se aventurou em busca do caminho para as Índias com os que enfrentamos atualmente.
Os riscos daquele momento, lembra o sociólogo, eram pessoais, posto que Colombo não sabia se no final do oceano haveria ou não um abismo que o levaria à queda no vazio; não havia garantias de que o retorno seria possível. Os riscos eram então associados à “coragem”, à “aventura”. Nos tempos de Colombo os riscos eram percebidos mediante os sentidos humanos (visão, olfato, audição), já que parte significativa deles provinha da ausência de infra-estrutura nas cidades.
Já os riscos atuais são bastante diferentes, afirma Beck (2006), uma vez que são globais e põem em perigo a sobrevivência da vida na Terra, em todas as suas manifestações. Eles resultam de causas técnico-científicas, pois são produtos da maquinaria do processo industrial, se expressam em fórmulas fisico-químicas e na ameaça nuclear, por exemplo. Na conjuntura em que vivemos esses riscos coexistem com outros, nada novos, como os riscos da pobreza, da saúde, da desqualificação profissional. Os riscos atuais podem ser compreendidos como produtos do estágio industrial de produção e efeitos secundários sistemáticos dos processos de modernização; são, portanto, produtos históricos e resultantes de ações e omissões humanas e expressão do desenvolvimento das forças produtivas e do período técnico-científico-informacional, como definiu o período atual o geógrafo Milton Santos (1996).
Para Giddens (2002), o risco moderno é melhor entendido se comparado ao pré-moderno, quando era marcado por causas naturais. Na modernidade, sobretudo no mundo Ocidental, o risco é criado socialmente e conexo ao conceito de perigo, quer os sujeitos estejam ou não conscientes dele. Isso não significa que as sociedades ocidentais estejam mais expostas aos perigos do que as antecessoras. O que se pode dizer é que agora os perigos são codificados como “riscos”, na medida em que os sujeitos podem exercer algum controle sobre eles.
Como se vê, o risco não é uma novidade. O novo está em uma sociedade que passa a gerá-lo e a naturalizar a convivência com ele e suas conseqüências. Trata-se, deste modo, de uma sociedade de risco.
A sociedade de risco
Os autores citados convergem na definição da sociedade contemporânea como uma “sociedade de riscos”. Tal expressão foi cunhada por Beck (2006), que apontou suas características: a globalização, a individualização e a reflexividade.
Os processos de produção globalizados distribuem os efeitos nefastos do processo industrial. Muitos países oferecem menos restrições à instalação de unidades produtivas, que geram mais impactos ambientais que se fossem localizadas em outros países. Isso aumenta o risco da população local. Além disso, a acumulação de detritos em escala global gera problemas até para quem não usufrui do consumo de bens, como registram os recentes relatórios do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Apesar de imersa nos riscos, e talvez por isso mesmo, a sociedade gerou uma capacidade de reflexão sobre si mesma que pode alterar o cenário. A reflexividade é uma condição presente que leva a pensar sobre o estilo de vida, seus riscos e efeitos para a população.
Segundo Giddens, a reflexidade permite que reconheçamos as "incertezas manufaturadas” ou incertezas criadas pelo próprio desenvolvimento da ciência e da tecnologia (Giddens, 1991).
Com o advento da modernidade, a reflexividade assume um caráter diferente. Ela é introduzida na própria base de reprodução do sistema... A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter (Giddens, 1991, p. 45).
Nessa época de incertezas, tem-se a manufatura de riscos.
O risco manufaturado é resultado da intervenção humana na natureza e nas condições da vida social. As incertezas (e as oportunidades) que ele cria são amplamente novas. Elas não podem ser tratadas como remédios antigos; mas tampouco respondem à receita do Iluminismo: mais conhecimento, mais controle. (Giddens, 1994, p. 38).
Os riscos são então criados
por formas normativas sancionadas de atividades – como no caso dos jogos de azar ou esportes. Os mercados de investimentos representam facilmente o exemplo mais proeminente da vida social moderna. Todas as firmas de negócios [...] e todos os investidores, operam num ambiente onde cada um tem de prever os lances do outros no sentido de maximizar os lucros. As incertezas envolvidas nas decisões de investimentos derivam em parte das dificuldades de antecipar eventos extrínsecos, tais como inovações tecnológicas, mas fazem também parte da natureza dos próprios mercados (Giddens, 1994, p. 130).
Beck (2006) igualmente afirma que os riscos foram apropriados para a reprodução do capital, seja por meio de seguros, seja pela produção de artefatos para a prevenção de ações de risco ou de perigo. Ele identifica nesse processo de desenvolvimento “uma nova forma de capitalismo, uma nova forma de economia, uma nova forma de ordem global, uma nova forma de sociedade e uma nova forma de vida pessoal” (Beck, 1999, pp. 2-7).
Trata-se de uma sociedade na qual a produção social de riquezas é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos (Beck, 2006). Isso se explica uma vez que as tecnologias desenvolvidas na contemporaneidade têm acarretado o esgotamento dos recursos naturais renováveis e não renováveis e também gerado substancias nocivas que poluem o solo, a água, o ar, que contaminam os lençóis freáticos e põem em perigo a vida na Terra, em todas as suas formas de manifestação.
Os riscos produzidos nessa fase da modernização, diz Ulrich Beck, não respeitam as fronteiras dos Estados nacionais e não são específicos de uma classe social, razão pela qual essa é uma “sociedade catastrófica”, caracterizada por uma carência: a impossibilidade de prever externamente as situações de perigo. Assim é uma sociedade que dissemina as ameaças por todas as classes sociais, na qual a produção industrial acompanha um universalismo dos perigos, independe do lugar de sua produção.
No entanto, afirma Beck, os riscos parecem fortalecer a sociedade de classes, pois os ricos podem tentar evitar os riscos mediante a escolha de um lugar onde morar, um meio de se alimentar e de obter mais rapidamente a informação, podem também comprar a segurança e a liberdade. Já as classes populares, com parco poder aquisitivo, têm menos possibilidades de escolhas e sujeitam-se a morar perto das zonas de perigo, como as áreas industriais e, com isso, ficam mais expostas às substancias nocivas do ar, da água, do solo. Alem disso, são justamente essas classes que têm maiores dificuldades de acesso à informação. Conclui Beck que se a miséria é hierárquica, a poluição é democrática, o que faz a sociedade de riscos ser diferente da sociedade de classes, uma vez que seus perigos se distribuem em todas as direções e não respeitam as fronteiras dos estados, ainda que afetem de modo distinto as classes sociais.
A convivência com os riscos não implica na sua compreensão pelo grande público. A análise do fenômeno ainda se faz no restrito mundo acadêmico. Segundo Beck
Muitos dos novos riscos (contaminações nucleares ou químicas, substâncias nocivas nos alimentos, enfermidades civilizatórias) fogem por completo à percepção humana imediata. Ao centro passam cada vez mais os perigos, que muitas vezes não são visíveis nem perceptíveis para os afetados, perigos que em certos casos não se ativam durante a vida dos afetados, mas têm conseqüências nas de seus descendentes; trata-se, em todo o caso, de perigos que precisam dos ‘órgãos perceptivos’ da ciência (teorias, experimentos, instrumentos de medição) para se fazer ‘visíveis’, interpretáveis como perigos". (2006, p. 40. Grifos do autor).
Na medida em que são adquiridos novos conhecimentos sobre o meio ambiente, surgem questionamentos sobre sua crescente deterioração e as conseqüências negativas daí provenientes, bem como sobre o papel fundamental da humanidade nesse processo.
Sem dúvida e apesar da frequente valoração positiva da ação do homem sobre o mundo natural, o episódio final acabará sendo a denúncia da voraz atividade destruidora da humanidade e sua participação na deterioração global do meio (Calvo Garcia-Tornel, 2001, p. 15).
Segundo Calvo Garcia-Tornel, os estudos sobre as mudanças climáticas globais, por exemplo, têm contribuído para o nascimento de uma nova “consciência ambiental” que poderá iniciar um movimento em torno de uma nova ética, pois a realidade socioambiental demanda muito mais do que a gestão dos recursos naturais. Esse autor compreende que a reflexividade da sociedade de risco aponta para uma necessária revisão do padrão de consumo e apropriação dos recursos naturais. Por isso, afirma que
postula-se o nascimento de uma ética da Terra, que impeça a espécie humana de comportar-se como uma praga e inclusive que se concedam direitos à natureza ou ao menos, mais modestamente, que se inclua o direito a um meio ambiente não deteriorado entre os direitos humanos (Calvo Garcia-Tornel, 2001, p. 16).
Calvo Garcia-Tornel ressalta que o ambiente físico apresenta, em sua essência, uma dinâmica de mudanças e transformações e, dessa maneira, os riscos e as incertezas sempre estiveram e estarão presentes na história da humanidade e do planeta. Considerando que as transformações fazem parte da dinâmica do meio físico, poderíamos entender que a humanidade vivencia esse processo e também se transforma.
Para ele, os acontecimentos naturais não podem ser considerados excepcionais, pois são coerentes com a dinâmica do planeta. Por outro lado, a permanente expansão da ocupação humana seguida de instalações materiais tem aumentado continuamente os espaços de riscos. Assim, a abordagem dessa questão deve ser pensada considerando a capacidade da atividade humana e suas escolhas na ocupação do território; lembrando, ainda, que a ocupação diferenciada desse território implica na exposição também diferenciada de grupos humanos à situações de vulnerabilidade.
Os sentidos do conceito
O risco, como aponta Ortwin Renn (1992), pode ter uma heterogeneidade de sentidos. Para melhor compreende-lo há que se fazer uma análise sistemática de seus variados significados. Em sua análise Renn explana sobre o risco na perspectiva técnica-científica e cultural. Segundo ele, “as análises técnicas são compreendidas como espelho da relação entre observação e realidade e não consideram que as causas dos danos e a magnitude das conseqüências sejam ambas mediadas pelas experiências e interações sociais” (1992, p. 61). A análise cultural é importante posto que “os seres humanos não percebem o mundo com olhos primitivos, mas por lentes filtradas por sentidos sociais e culturais transmitidos por meio de processos de socialização incluindo família, amigos, chefias e colegas do trabalho” (1992, p. 67).
Mary Douglas também entende a necessidade de se abordar os riscos em uma perspectiva cultural. Esse enfoque permite entender como são ou não estabelecidas as estratégias de prevenção, pois estas são orientadas pelo contexto cultural no qual os sujeitos se encontram inseridos (Douglas, 1976)
Segundo Calvo Garcia-Tornel, o risco existe quando o ritmo das transformações passa a ser acelerado e ultrapassa o tolerável, iniciando assim uma situação que conduz à catástrofe. Pensar em risco em um contexto puramente natural não tem sentido; pois a medida do risco é humana. No entanto, salienta, o risco não deve ser confundido com catástrofe, apesar de estar intimamente relacionado, pois “o risco é uma situação que implica em perigo e que pode ou não caminhar para um desenlace catastrófico” (Calvo Garcia-Tornel, 2001, 12).
Veyret também afirma que o risco é diferente de catástrofe. Para ela, o riso é “a percepção de um perigo possível, mais ou menos previsível por um grupo social ou por um indivíduo que tenha sido exposto a ele” e pode ser definido como “a representação de um perigo ou alea (reais ou supostos) que afetam os alvos e que constituem indicadores de vulnerabilidades” (Veyret, 2007, p. 30).
A autora entende que o risco é a percepção por um indivíduo ou por um grupo social, pois um sujeito, um grupo social ou profissional, uma comunidade ou uma sociedade apreende o risco por meio de representações mentais e passa a conviver com ele por intermédio de práticas específicas. Por isso mesmo, a percepção do perigo é historicamente determinada. Afirma Veyret que os riscos contemporâneos, tanto naturais quanto tecnológicos ou sociais, são tributários de um passado nem sempre conhecido e de escolhas políticas ou econômicas que só podem ser compreendidas no contexto de sua ocorrência. Portanto, os riscos e a percepção que se tem deles não podem ser enfocados sem que se considere o contexto que os produziu.
Jenkins também parte do pressuposto de que o conceito de risco é socialmente construído e psicologicamente orientado; é assim um “conceito psicológico” e fundamentado mais na percepção do que no fato. Essa percepção “é baseada nas características qualitativas e não nas quantitativas do hazard considerado” (Jenkin, 2006, p. 1).
Paul Slovic (1987) argumenta que os riscos são atributos qualitativos como voluntariedade ou probabilidade. Ele acredita que os riscos não possuem um atributo específico, relacionado a um hazard. Cada fato define, pelo juízo humano, o risco e sua relação com o hazard, a partir do conhecimento humano sobre ele. O volume de informação sobre o fato e suas prováveis conseqüências qualifica o risco. Assim, entender a subjetividade e a percepção natural dos riscos são desafios para a psicologia. (Slovic, 1987, pp. 280-285).
Infere-se então que o risco não pode ser interpretado como um conceito objetivo e mensurável, mas sim como “algo construído social, cultural e politicamente”, cuja definição “é fundamental para os debates sobre políticas públicas” (Douglas, 1992). Daí deriva uma outra dimensão do risco: a responsabilidade sobre sua gestão. Esta pauta é freqüente em fóruns públicos, nos quais o
risco é invocado para réplicas de estilo moderno contra abuso de poder. A acusação de causar risco é uma arma contra a autoridade, para fazer burocratas preguiçosos prestarem atenção, para pedir restituição para vítimas. Para estes fins, em outros tempos, a palavra correta teria sido perigo, mas perigo por si só não tem a aura de ciência ou permite a pretensão de um possível cálculo preciso (Douglas, 1992, p. 24-25).
Para Mary Douglas há que ser realçada a linguagem dos riscos, pois ela é usualmente técnica e não contempla o aspecto positivo do jogo que o risco representa. O risco, diz Douglas, passou a ser associado apenas ao perigo, ou seja, ao lado negativo. Nada melhor para quem vende seguro, por exemplo.
Valerie November em importante análise de situações de risco em Genebra e em Quebec argumentou que o risco é “qualquer coisa de potencial, ou seja, que ainda não aconteceu, mas que é pressentida como algo que se transformará num evento prejudicial para os indivíduos ou coletividade de um dado espaço” (November, 2002, p. 19).
Esta dimensão, no entender de Renn, dificulta a ação de gestores públicos. A percepção dos riscos muitas vezes está em posse de especialistas e distante do grande público. Desfazer essa ligação é o maior desafio dos gestores públicos.
Em um outro texto sobre riscos, Renn apresenta três aspectos que, em seu entendimento, caracterizam o risco: complexidade, incerteza e ambigüidade. O primeiro envolve especialistas, que estudam as causas e a temporalidade do fato. A incerteza pondera a variação sistemática do evento, erros em procedimentos estatísticos e os limites do sistema. A ambigüidade decorre da análise do risco, que está mais voltada à ética que à moral do avaliador. Por fim, destaca que os fatores que importam na avaliação do risco incluem não só os componentes clássicos como probabilidades de dano potencial, mas também critérios como incertezas, ubiquidade, persistência, efeitos retardados, equidade de violações (ou seja, o risco é justo - ou não - para todos) e o potencial de mobilização social. (Klinke and Renn, 1999).
Do exposto, pode-se definir o risco como produto social, cuja percepção é subjetiva e técnica. Ele envolve especialistas que o diagnosticam, mas deve mobilizar também especialistas em comunicar seus efeitos ao público, muitas vezes distante da compreensão do potencial de perigo que um acontecimento pode acarretar.
O aspecto subjetivo não está no risco em si, mas na sua construção, definida pelo grupo social. Por isso ele se altera ao longo da história, tais quais as mudanças experimentadas pela espécie humana em sua aventura na Terra.
Mas e o gestor público do risco? Qual seu papel diante das situações de perigo? Uma vez que a prevenção cabe ao Estado, o gestor público dos riscos deve agir de modo antecipado para proteger a coletividade. Para tal, os especialistas em risco criaram uma tipologia de riscos, que facilita esta tarefa.
Tipologia dos riscos
Os riscos têm origens diversas; há uma gama de tipos que os caracterizam.
Valerie November, por exemplo, trata da dinâmica espacial dos riscos e os ordena em focalizado ou inserido em profundidade no território, e difuso ou disperso no território. O primeiro não é facilmente eliminável do local onde emergiu, ou seja, permanece impregnado em um longo tempo. Tal risco pode mudar de categoria após uma primeira gestão, como por exemplo, a redução de risco de inundação por meio da construção de uma barragem ocasionando o risco de erosão (November, 2002, p. 21). O risco difuso, por sua vez, pode ser oriundo do transporte de materiais perigosos na malha rodoviária, ou de incêndio, que pode se manifestar potencialmente em qualquer local.
Para November, os riscos podem ser classificados segundo a espacialidade e representam uma transição da sua tradicional categorização segundo sua natureza, o que é produtivo, dado que as tipologiais dominantes não contribuem para o entendimento da relação risco-território.
Ao revisitar definições generalistas de risco, November observa que, em geral, tais definições distinguem riscos naturais dos riscos tecnológicos. O primeiro “implica na possibilidade ou probabilidade de eventos catastróficos de origem natural: inundações excepcionais, avalanches, terremotos, secas prolongadas, ciclones, tsunamis, proliferação de insetos nocivos”. O segundo é relacionado “a eventuais acidentes em estabelecimentos industriais: vazamento de gases ou líquidos tóxico, explosões, radioatividade” (November, 2002, p. 151).
November argumenta que os riscos sociais são pouco abordados. Em seu entendimento Patric Pigeon é um dos poucos que trata do assunto ao enfocar a conjunção dos perigos, entre eles o perigo social “representado pela probabilidade de danos causados a certos grupos humanos, danos que materializam as doenças contagiosas, o terrorismo ou a insegurança, por exemplo” (Pigeon, 1996, p. 52 apud November, 2002, p. 160). Patric Pigeon também distingue riscos “urbanos” de riscos “ambientais”. Os urbanos ocorrem na cidade. Quando o risco não se circunscreve ao meio urbano é visto como natural, ainda que seja resultante de uma ação humana num ambiente não urbano.
A autora trata ainda dos riscos ambientais como “aqueles que surgem, ou são transmitidos pelo ar, água, solo ou pela cadeia alimentar para o homem”. Em sua avaliação, o risco ambiental é mais abrangente do que os demais, pois ele “não precisa ser específico de uma comunidade: pode ter conseqüências regionais ou globais, por exemplo emissão de CO2)” e podem ser de origem natural ou antrópica (November, 2002, p. 157).
Segundo a geógrafa suíça, há possibilidades de dividir os riscos em reportados ou residuais. Os reportados são “aqueles para os quais o estado do conhecimento em um dado momento não permite antecipar os efeitos danosos que se manifestarão no meio e longo prazo”. Os residuais são “os riscos conhecidos mas que, abaixo de um certo nível, não podem mais ser racionalmente apreendidos” (November, 2002, p. 7).
Calvo Garcia-Tornel procura classificar os riscos diferenciando-os em induzidos e tecnológicos e ressalta que ambos possuem sua gênese na ação antrópica.. Os riscos induzidos são aqueles
derivados de uma intensificação artificial do componente de perigo que inclui um processo natural e a conversão em agente catastrófico de um fato natural que, em princípio, não tem porque ser excessivamente agressivo e inclusive pode não ser (Calvo Garcia-Tornel, 2001, p. 90).
Tais riscos estão relacionados com o aumento da potencialidade destrutiva de certo evento natural, bem como à transformação pelo homem, de um evento de pouca agressividade em agente catastrófico.
O geógrafo espanhol ressalta que a origem deste tipo de fenômeno se encontra em uma característica permanente da humanidade em relação ao meio, ou seja, na modificação dos fenômenos naturais em busca de determinado benefício. A interferência em processos naturais pode romper equilíbrios pré-existentes e ultrapassar níveis que, a princípio, absorviam os componentes de perigo. O conjunto de ações que determinam o uso do território é o fator que geralmente inicia e agrava o risco potencial pré-existente em uma área. Nesse caso, o risco continua sendo natural, mas agora com potencial de maior agressividade provocado pela ação humana.
Os “riscos tecnológicos” são “derivados da atividade humana e do conjunto de estruturas de todo tipo criadas com a finalidade de favorecer o desenvolvimento econômico e social” (Calvo Garcia-Tornel, 2001, p. 95).
Segundo Calvo Garcia-Tornel, em muitas ocasiões, os riscos tecnológicos são identificados somente com as grandes crises produzidas nos campos da energia nuclear, na indústria química e nos resíduos tóxicos; sempre associados aos perigos provenientes das tecnologias mais recentes. No entanto, esse tipo de classificação leva a uma simplificação do problema, pois os riscos tecnológicos sempre estiveram presentes na história da humanidade, em função da modificação do meio até o ponto de transformá-lo em essencialmente artificial. Assim, acrescenta que
o risco tecnológico é, por tanto, antes de tudo a possibilidade de falha em um sistema de controle, aproveitamento ou produção instalado, e, por suposto, o conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais que possam estar na base dessa falha. Suas conseqüências podem ter grande amplitude, mas são, de antemão dificilmente delimitáveis no espaço e no tempo, uma vez que mostram uma grande capacidade de desestabilizar a organização social do grupo afetado (Calvo Garcia-Tornel, 2001, pp. 95 e 96).
Para ele, os riscos tecnológicos da atualidade podem afetar extensas superfícies e superar os limites de uma região ou Estado, mantendo sua nocividade através do tempo, assim como suas seqüelas. Entretanto, ainda que estes riscos mereçam atenção especial, é possível que um aspecto novo, até agora relegado ao segundo plano, acabe por transformar-se em um risco tecnológico maior, de evolução imprevisível, qual seja: a contaminação crônica originada de numerosos pequenos acidentes que afeta o solo e as águas subterrâneas. Assim, estaríamos diante de um risco difuso e generalizado de contaminação ambiental, difícil de resolver e de efeitos graves e imprevisíveis, uma vez que podem conter todos os tipos de produtos e afetar tanto as condições do meio como a saúde da população.
Frente a esta crescente modalidade de risco difuso, as investigações e normas adotadas para os grandes acidentes se mostram ineficazes. O autor entende que os riscos tecnológicos de contaminação difusa e suas possibilidades de controle fazem parte de um grande número de problemas que afetam o mundo atual. Para que tal problema seja evitado se faz necessário a implantação progressiva de tecnologias mais limpas, supressão das ineficazes e uma nova orientação na gestão industrial em relação ao meio ambiente.
Sua correção repousa melhor sobre a implantação progressiva de tecnologias mais limpas, supressão das que se têm mostrado mais contaminadoras (...) e, em geral, sobre uma nova orientação da gestão industrial em relação com seus efeitos ambientais (Calvo Garcia-Tornel, p. 104).
Yvette Veyret, escrevendo com Nancy de Richmond, argumenta que há diferentes fatores geradores de riscos, que interagem uns com os outros, de modo que “os riscos pertencem simultaneamente a diversas categorias” (Veyret, 2007, p. 63). Salienta, entretanto, que a Geografia se interessa pelos riscos cuja percepção e gestão seja acompanhada de uma dimensão espacial. Com base nessa argumentação considera os riscos em função dos processos, dos tipos de perigo que podem permitir a sua apreensão pela população. Define então os riscos naturais, classificados no grupo dos riscos ambientais como aqueles que são pressentidos, percebidos e suportados por um grupo social ou um indivíduo, sujeito a ação possível de um processo físico como terremotos, desmoronamentos de solo e erupções vulcânicas, ou que podem ser resultantes da ação de ciclones, chuvas, nevascas ou de secas.
Veyret e Richmond também tratam dos riscos decorrentes do impacto causado pela atividade humana, como a erosão do solo e a desertificação, os incêndios urbanos e florestais, a poluição do ar, da água e do solo.
Os riscos industriais, por sua vez, decorrem de atividades de armazenamento de substâncias tóxicas, da produção e do transporte de materiais perigosos. Igualmente constitui fator de risco as disputas pelo acesso a certos recursos renováveis ou não, que se traduzem em conflitos latentes ou abertos, como se vê nas contendas pelas reservas de petróleo e de água.
Quanto ao risco social, este é considerado como resultante da segregação da sociedade e da fragmentação urbana, que acarretam cada vez mais insegurança. Esse tipo de risco se expressa na saúde dos indivíduos, na qualidade dos produtos consumidos, na insuficiência alimentar, na utilização de drogas ilícitas.
Para as autoras, não há riscos de maior ou menor impacto. A diferença de denominação provém da maior ou menor midiatização dos fatos. Os riscos difusos, como a desertificação, são “mais difíceis de serem apreendidos, menos espetaculares, mais traiçoeiros; em suma, menos midiáticos que um acontecimento de efeitos imediatamente visíveis” (Veyret, 2007, p. 77).
Ainda na obra organizada por Veyret encontram-se os estudos de François Bost e Hervé Vieillard-Baron que analisam os riscos econômicos e sociais. Para eles, os riscos econômicos são inerentes às atividades econômicas, que pressupõe sua assunção. Tais riscos são avaliados na conjuntura da economia globalizada e de seus efeitos multiplicadores. Os riscos de unificação e homogeneização relativa dos modos de vida e consumo, a destruição do emprego industrial e a migração maciça das indústrias para países de baixos salários são alguns exemplos trazidos à análise. Segundo Bost e Vieillard-Baron, os Estados são confrontados com decisões difíceis e que podem repercutir tanto no futuro econômico quanto na estabilidade geopolítica, mas “a inação é igualmente portadora de outros riscos” (Veyret, 2007, p. 252).
Esses autores inserem nos riscos econômicos o que nomeiam como “riscos de estratégias de desenvolvimento”, que são oriundos da ação de governos e envolvem escolhas definidas em função da natureza do regime político local e da especificidade de cada estado. Ainda nesse campo, referem-se aos riscos relacionados às grandes intervenções no território que, em função das transformações estruturais profundas que elas engendram em longo prazo, se fazem acompanhar por uma forte assunção de risco. É o que se passa, por exemplo, diante da implantação de grandes barragens hidroelétricas e das intervenções hidroagrícolas.
No que concerne aos riscos sociais, prosseguem os autores citados, formas segregacionistas de organização do espaço urbano e a insuficiência de atenção por parte dos setores públicos implicam no crescimento da insegurança e são considerados riscos sociais maiores. Eles exemplificam tal risco como o que se coloca em face do futuro das aposentadorias em decorrência do aumento da população inativa e da redução de trabalhadores ativos.
A diversidade de classificações exposta acima colabora para que se conheçam os riscos, suas distintas causas e conseqüências. A maior dificuldade se expressa nos riscos sociais, que são produto fundamentalmente de processos sociais desiguais e concentradores de riqueza. Aliviar as tensões que eles geram só seria possível mediante uma reforma social mais ampla. Já os demais tipos de risco, mesmo os naturais, de difícil previsão, são passíveis da ação do estado e podem ser enfocados na perspectiva da gestão dos riscos.
Território, escala e gestão dos riscos
Existe um ponto em comum a todos os riscos, “não importando a perspectiva na qual eles são abordados: eles se produzem dentro de um espaço geográfico, e mais precisamente, dentro de um território” (November, 2002, p. 17). Por isso a discussão sobre a relação risco-território é fundamental.
November destaca como o risco foi discutido na Geografia a partir da separação entre geografia física e a humana, no final do século XIX. Os riscos naturais tornaram-se objeto da geografia física, enquanto que à geografia humana coube estudar os riscos sociais e tecnológicos. Somente no início da década de 1980 é que houve um movimento na França que buscou unificar a problemática do risco, ressaltando suas características simultaneamente físicas e humanas.
Calvo Garcia-Tornel (1997 e 2001)[7], também na perspectiva da geografia, discute o risco e suas escalas de análise. O fenômeno que gera as situações de risco ocorre na escala determinada pelos parâmetros físicos, que delimitam territórios com potencial de risco e no interior dos quais se desenvolvem acontecimentos que incorporam algum tipo de perigo. Estabelecido o âmbito físico de um perigo, as análises referentes a seu impacto social devem considerar diferentes escalas, que podem ser maiores ou menores em função dos objetivos definidos. Nos estudos sobre os grupos diretamente afetados é pertinente que se use a escala de maior detalhe, pois o objeto de estudo encontra-se no interior do território de risco. Já os efeitos gerados pelos riscos, bem como as políticas encaminhadas para preveni-los ou mitigá-los exigem a análise de um entorno maior e mais complexo.
Esse autor considera a existência do “território potencial de risco” (Calvo García-Tornel, 1997), ou seja, todo espaço que tem a possibilidade de sofrer o evento catastrófico, não importando o grau de intensidade. A escala do “território do risco” poderá recobrir variados “espaços de catástrofe”, que se diferenciam quantitativa e qualitativamente. A forma de ocupação do território estará intimamente relacionada com as perdas humanas e materiais. Esta ocupação coloca os grupos humanos em situações diversas frente ao perigo; ou seja, em graus diferentes de vulnerabilidade.
Não se pode esquecer que o território é diferenciado do espaço, já que a noção de território é “jurídica, política, econômica, social e cultural, até mesmo afetiva” (November, 2002, p. 17). O território é habitado, vivido e apropriado por seus habitantes. É uma forma de organização política agregada à condição de ser no mundo. Daí seu caráter universal, como bem definiu o geógrafo alemão Friedrich Ratzel no século XIX.
Calvo Garcia-Tornel (2001) define o “território de risco” como aquele onde existe a possibilidade de que ocorra uma catástrofe. Sua delimitação está relacionada com os eventos físicos e com a informação que se possua sobre a freqüência e as características dos acontecimentos anteriores. O “espaço da catástrofe” é aquele inserido no interior do território do risco, determinado pelas características de um risco efetivo ao manifestar-se em um setor e em uma determinada fração da sociedade.
Yvette Veyret e Nancy de Richemond argumentam que o risco pode ser calculável, avaliável, previsível, ainda que expresso no âmbito de relações complexas. Para tal, há que abordá-lo fora do determinismo geográfico e sem considerar unicamente a avaliação quantitativa das conseqüências previsíveis de um acidente ou de uma crise para tratá-lo por meio de uma abordagem probabilista, fundada na avaliação quantitativa da possibilidade de uma crise ultrapassar certos limites. Tal enfoque permite que se avaliem os danos passíveis em alvos vulneráveis, como um patrimônio construído ou uma população. A vulnerabilidade, afirmam as autoras, revela a fragilidade de um sistema em seu conjunto e a capacidade de superar a crise provocada pelo acontecimento. Para reduzir a vulnerabilidade e diminuir os efeitos possíveis da crise, há que se ter o conhecimento dos processos e dispositivos adequados para enfrentá-la.
Para essas autoras a estimativa do risco depende da maneira como as sociedades percebem a ocorrência de uma crise ou de uma catástrofe em seu cotidiano. Não bastam dispor de conhecimentos científicos e técnicos para se divisar a gravidade de um acontecimento potencial, as diferenças culturais pesam na apreciação do risco. Daí depreende a importância das representações veiculadas sobre os riscos e a eficácia dos enunciados que podem manipular a percepção do perigo, dramatizando ou subestimando-o.
Definido o território do risco, suas escalas de análise e os grupos sociais ou edificações mais vulneráveis, faz-se necessário integrá-los às diferentes práticas de gestão pública.
A gestão dos riscos implica em escolhas, em integração às políticas de organização do território, enfim, em ações preventivas sobre o espaço de risco onde pairam as ameaças. “Gerir os riscos” diz Veyret, “equivale, em muitos casos, a administrar os conflitos e as posições antagônicas”. Para isso, é fundamental que se definam normas de governança capazes de controlar os riscos que acompanham, sistematicamente, o processo de produção social de riquezas (Veyret, 2007, p. 52).
É preciso identificar e calcular os danos eventuais controláveis e definir o papel dos atores sociais, como os especialistas que avaliam os riscos, os políticos que buscam respostas à sociedade civil, a sociedade civil, que alerta sobre os perigos, debate e estabelece responsabilidades e a mídia, para informar o grande público e ampliar mobilizações. A ação conjunta desses atores contribui para que se obtenha o maior número possível de informações que possibilitem apreender o risco. Para Renn
A estratégia de prevenção é essencialmente a gestão da crise do risco, de modo a eliminar rapidamente os riscos claramente intoleráveis. O conceito de gestão do risco se move do grau simples ao complexo e do incerto para fenômenos ambíguos e é uma ferramenta útil para selecionar o risco e encontrar estratégias para lidar com o mesmo (Renn, 2003, p. 1).
Portanto, a gestão dos riscos exige uma apreensão de suas múltiplas faces. Ela não pode estar restrita aos aspectos técnicos que apenas indicam o grau de um acontecimento. É preciso ponderar a cultura e o gênero de vida das populações afetadas, as desigualdades sociais que estão no território. Outro aspecto fundamental é a escala da análise, que vai do pontual, para determinar o diretamente afetado, a outra, mais abrangente, que delimita a área de influência do evento de risco. A gestão pública dos riscos deve ser preventiva e combinada aos fatores acima.
Considerações finais
Risco não é algo apenas a ser medido. Ele pode ser apreendido e qualificado na perspectiva da sociedade do medo e do risco. É um evento cultural que remete para além da condição de indivíduo. Estaríamos preparados, individualmente, a superar os desafios que os riscos criados ao longo da aventura humana engendram?
Não será possível avançar na mitigação dos riscos se não forem considerados os princípios de solidariedade, de cidadania, de humanidade e de co-responsabilidade dos indivíduos em face aos perigos que nos ameaçam. É inegável que vivemos em uma sociedade de risco. Controlar os riscos requer a construção de outras formas de viver a democracia e a cidadania. Isso exige a participação de todos os indivíduos como cidadãos diante dos perigos que nos ameaçam.
Entretanto, as ameaças não estão distribuídas igualmente. Muitos não são afetados pelos riscos. Outros, mesmo afetados, têm condições de enfrentá-los. Na escala nacional, estadual e até internacional, a equalização dessa discrepância exige políticas públicas que levem a uma atenuação dos riscos para todos.
A gestão dos riscos naturais, tecnológicos ou sociais solicita a multiplicação de atores e não pode ser colocada somente em termos técnicos ou estritamente securitários. As negociações devem envolver agências multilaterais, governos dos estados, empresas, associações ou grupos de pressão e a sociedade em geral, de modo a esclarecer os fatos que desencadeiam os riscos e determinar as condições para seu enfrentamento.
O desafio é ainda maior graças ao acúmulo de desigualdades sociais que assistimos em nossos dias. Pensar a gestão dos riscos pode ser, também, uma maneira de atenuar tais diferenças, que são cada vez mais agudas na escala mundial.
Notas
[1] Historiadora e professora associada da Universidade Estadual de Maringá.
[2] Geógrafa e aluna do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo.
[3] Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental - PROCAM da Universidade de São Paulo.
[4] Geógrafa, professora da Universidade Federal do Maranhão e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo.
[5] Coordenador do Grupo de Pesquisa Geografia Política e Meio ambiente do CNPq, geógrafo e professor do PROCAM e do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo.
[6] Nesse texto utilizamos a versão em espanhol, publicada em 2006.
[7] Um extenso levantamento bibliográfico sobre risco pode ser encontrado em Espejo Marín e Calvo García-Tornel, 2003.
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Ficha bibliográfica:
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