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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES (Serie documental de Geo Crítica) Universidad de Barcelona ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 Vol. IX, nº 510, 15 de mayo de 2004 |
ABRUCIO, Fernando L. SOARES, Márcia M. Redes federativas no Brasil: cooperação intermunicipal no Grande ABC. São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, 2001. 236 p. [ISBN 85-7504-015-4]
Ivaldo Gonçalves de Lima
Departamento de Geografia, Universidade
Federal Fluminense/CAPES, Niterói, Rio de Janeiro
Palabras clave: poder local, cooperación, estrategias territoriales
Key words: local power, collaboration, territorial strategies
Esse livro é resultado de pesquisa realizada por F.Abrucio, doutor em Ciência Política pela USP, São Paulo, e M. Soares, mestre em Ciência Política pela UFMG, Minas Gerais, em parceria com a Fundação Konrad Adenauer e o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). A preocupação geral dos autores é a formação de redes intergovernamentais na Federação brasileira, com o foco principal no conceito de redes federativas, estudado sob um ponto de vista teórico e histórico, tendo como base empírica a região do Grande ABC, área formada por sete municípios, com destaque para os municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano, cujas letras iniciais -ABC- dão nome à região, localizada no Estado de São Paulo. Trata-se, em linhas gerais, de uma reflexão sobre a governança metropolitana e as formas de cooperação intergovernamentais.
Nessa perspectiva, a obra contém, pelo menos, três importantes contribuições: 1) apresentação e discussão da relevância do conceito de rede federativa como recurso analítico para se entender e implementar mecanismos de coordenação horizontal e vertical, como fomento à interpretação da organização político territorial do poder; 2) realização de um balanço histórico da experiência federalista brasileira, com ênfase no período recente, tendo como referência empírica as regiões metropolitanas, em especial as do Estado de São Paulo; e, finalmente, 3) avaliação de avanços e de obstáculos do funcionamento das redes federativas no Grande ABC, com a indicação de propostas para a consolidação do federalismo no país.
A argumentação dos autores situa-se, claramente, no contexto de redemocratização política do país, a partir do colapso do modelo centralizador imposto durante o regime militar. Tal contexto encerra uma tensão ou mesmo, como querem os autores, o dilema da Federação: ou se cria a situação de hierarquia, submissão e cooptação nas relações intergovernamentais, ou se adota a posição de separação, fragmentação e competição predatória entre os entes federativos. Os autores propõem novos caminhos para superar o dilema, reportando-se à cooperação intermunicipal e a um novo modelo de gestão urbano-metropolitano. Acrescente-se que os autores empreendem uma abordagem regional para tratar do tema do federalismo.
Em outras palavras, trata-se de um amplo debate sobre o processo de descentralização e de coordenação de políticas públicas, com perspectiva de participação da sociedade civil, organizada de distintas formas, em seus múltiplos segmentos. A proposta do livro está centrada no argumento de que as redes federativas sao o horizonte político mais adequado na busca de soluções para problemas comuns vividos pelos cidadãos de grandes aglomerados urbanos.
Para discorrer sobre essa proposta central, afora a "introdução" e a "conclusão", o livro contém seis capítulos. Há um grande bloco (capítulos I, II, III e IV) no qual são abordados temas tendo como eixos um viés teórico para o conceito de rede federativa; e um outro histórico, para a evolução do federalismo, das regioes metropolitanas brasileiras e região do Grande ABC paulista. No segundo e último bloco, são analisadas de forma mais específica as experiências da cooperação regional no Grande ABC, com detalhamento de sua origem, estrutura institucional e funcionamento atual.
E, por fim, no capítulo VI, são comentados avanços e obstáculos à cooperação intergovernamental no Grande ABC.
Admitindo que a explicação da ação coletiva constitui-se como a problemática por excelência das Ciências Sociais, os autores desenvolvem, no capítulo I, o conceito de rede federativa, assumindo-o como o fio condutor do livro. No livro, são feitos comentários sobre as transformações recentes na estrutura territorial do poder, com citações de D. Bell, quando este afirma que "o Estado-nação está se tornando muito pequeno para os grandes problemas da vida e muito grande para os pequenos problemas da vida". Os autores questionam a centralização como via de construção de uma soberania una e indivisível, num processo hobbesiano. Assim, é aberto o debate sobre a descentralização, ou melhor, sobre "qual descentralização?".
Os autores abordam a descentralizão como um processo político, o qual não se traduz, automaticamente, como democratização, e, ademais, envolve, de modo complexo, a autonomia dos governos subnacionais.O livro alerta para a necessidade de se evitar o neolocalismo, entendido como o aumento do poder das oligarquias e encerra o debate, defendendo a idéia de que não há dicotomia centralização versus descentralização, mas sim um possível enquadramento de coordenação intergovernamental, a busca de um equilíbrio, à guisa da unidade na diversidade como um prisma de análise, uma démarche. Os autores enfatizam que a Federação segue o princípio contratualista, regulada por pactos, e que isto deve ser permanente em seu funcionamento.
Abrucio e Soares confrontam o modelo do federalismo competitivo (interestatal), de forte matiz norte-americano com aquele do federalismo cooperativo (intra-estatal), marcadamente alemão e australiano, apresentando os méritos e deméritos de ambos os modelos; optando, por razões óbvias, pelo modelo cooperativo, de um "federalismo colaborativo". Por fim, os autores definem a constituição de redes federativas como a "criação de instituições, políticas e práticas intergovernamentais que reforcem os laços entre os entes, sem que se percam o pluralismo e a autonomia característicos da estrutura federativa" (p.48) ; e concluem esse capítulo indicando que estudarão um modelo particular de rede federativa: o Consórcio do Grande ABC.
No capítulo II, os autores têm como objetivo compreender a dinâmica das relações intergovernamentais brasileiras e as condições que influenciaram a montagem das redes federativas. Os autores analisam a transição democrática, recuperando aspectos da história política recente do país, sob o ângulo de uma dupla crise: a) do regime militar; e b) do Estado varguista. Acresce-se a essas crises a ascensão dos governadores (reforçando o estadualismo) e das elites regionais e locais, resultando na conformação de um novo federalismo. O termo novo federalismo refere-se, aqui, à combinação entre demandas por descentralização com a crise do modelo de intervenção estatal centralizada. No Brasil, o novo federalismo estabeleceu, de acordo com a leitura do livro, "uma Federação de múltiplas faces" (p.58).
No livro, com expressivos dados estatísticos, analisa-se a maneira como os municípios tiveram a maior elevação relativa na participaçao tributária, e, a partir daí, como se fortaleceram a ideologia e a prática de um municipalismo autárquico, exacerbando-se a multiplicação do número de municípios, a partir da Constituição Federal de 1988 até fins dos anos 90. A marca da Federação brasileira passa a ser, mais evidentemente, a de um acordo não-cooperativo e, muitas vezes, predatório, incluindo-se no jogo político uma acirrada guerra fiscal.
Consoante os autores, opoe-se à realidade federativa dos anos 90 a possibilidade de criaçao de consórcios intermunicipais, como instrumentos legais para realizar atividades de interesses comuns - mono ou multitemáticas, e, ao mesmo tempo, combater o municipalismo autárquico e competitivo. Trata-se de um recurso, portanto, administrativo, jurídico e político. Os autores alertam para o fato de que não se deve menosprezar o papel desempenhado pela cultura política e pela história regional, as quais podem favorecer (ou nao) o consorciamento de municípios, dando fôlego, inclusive, a novas regionalizações. Efetivamente, o livro advoga esses consórcios como um modelo mais flexível de associação horizontal entre os governos locais, podendo dar respostas multissetoriais dentro de uma visão integral de desenvolvimento.
A problemática particular das regiões metropolitanas no Brasil é o tema principal do capítulo III. O capítulo está estruturado em cinco seções, tratando, respectivamente: a) de um breve retrospecto do processo de urbanização no país, com ênfase na metropolização; b) da institucionalização das regioes metropolitanas brasileiras; c) da crise do modelo centralizador-autoritário e do processo subseqüente de redemocratização; d) do fenômeno metropolitano no contexto espaço-temporal paulista; e e) de um balanço da experiência metropolitana no Brasil e no Estado de São Paulo.
Os autores destacam as linhas gerais do processo que conduziu o Brasil desde uma situação com 90 por cento da população vivendo em áreas rurais, no início do século XX, a um país com mais de 80 por cento da população vivendo em cidades, no final do mesmo século. Nesse capítulo, são apresentadas periodizações para esse processo e comentários acerca de sua inter.-relaçao com a industrializaçao nacional. Os autores analisam a criação das regiões metropolitanas no ano de 1973, em plena vigência de um modelo unionista-autoritário do regime político de exceção e, em seguida, assinalam a crise vivida na década de 80, com a escassez de recursos destinados a essas imensas concentrações urbanas. Aqui, segundo os autores, no lugar da concepção das redes, predominou uma visão estanque e fragmentária do jogo intergovernamental. Configurava-se uma ótica e uma prática centrífuga, por parte do governo central.
O que se depreende da revisão histórica apresentada é o reforço do municipalismo autárquico e descoordenado - tão criticado pelos autores - com incentivos à guerra fiscal, dentro de um país com regiões metropolitanas cada vez mais densas e complexas.A região metropolitana de São Paulo, por exemplo, representa o 3º maior aglomerado urbano do mundo e o maior centro produtor e consumidor do país; contudo, o seu tamanho também revela as enormes diferenças existentes entre seus municípios, dificultando a governabilidade. Nas palavras dos autores, diante da acelerada urbanização do país e das formações metropolitanas com seus problemas intrínsecos, "só as redes federativas podem equacionar ou, no mínimo, minorar os efeitos de tal cenário" (p.110).
O objetivo proposto no capítulo IV consiste em descrever o espaço no qual estão sendo desenrolados os mecanismos de consorciamento e de redes federativas analisados pelos autores, isto é, a região do Grande ABC paulista. Os autores referem-se à formação de uma identidade regional, derivada de fatores 1) históricos, pois, há pouco tempo, tratava-se de um único município que se desmembrou sucessivamente; 2) geográficos, ao configurar-se como uma área de mananciais; 3) econômicos, já que a industrialização marca o perfil da região; e 4) culturais, tal é o sentimento dos atores sociais de pertencerem a uma região.
Nesse contexto, impõe-se na ordem do dia a questão regional. Alguns falam de desindustrialização, outros de reestruturação regional, como é o caso do trabalho de Jeroen Klink, cientista social com pesquisa realizada na Universidade da Califórnia, acerca da reestruturação produtiva e da aplicação do conceito de cidade-região ao
Grande ABC paulista. Os autores da obra aqui apresentada partilham da idéia de que pode estar ocorrendo uma desaceleração econômica, daí a necessidade de reforço à consolidação da cooperação regional no Grande ABC paulista. Este é justamente o tema do capítulo V.
Os autores se propõem a descrever o processo de formação dos instrumentos de cooperação intergovernamental na região do Grande ABC, estudando cada uma das organizações criadas. São elas: a) o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings (1990); b) o Fórum da Cidadania do Grande ABC (1994); c) a Câmara do Grande ABC (1997); e d) a Agência de Desenvolvimento Econômico (1999).
A coordenação entre essas organizações impõe-se como fator crucial na governance
regional.Para os autores, envolver vários atores é o objetivo maior dessa coordenação; estando em rede, destarte, os governos estadual e municipais e a sociedade civil. A Câmara funcionaria como uma vasta "mesa de negociação". Implementar uma agenda regional, por conseguinte, apresenta-se como grande desafio, especialmente num momento em que não se está conseguindo obter um apoio sólido da sociedade civil quanto à questão regional do ABC.
Para finalizar, no capítulo VI, os autores realizam um balanço da cooperaçao intergovernamental no Grande ABC e reiteram que o segredo da articulação regional está na montagem das redes federativas; ressalvam que o espaço onde se dá o consórcio é digno de nota, pois se trata de uma região metropolitana. No livro, afirma-se que a experiência da região demonstra ser possível congruência na diversidade e que são decisivos a participação social e o apoio institucional para que se obtenha bons resultados.
Os maiores obstáculos para a obtenção de resultados favoráveis , segundo os autores, seriam: a) regras institucionais que desestimulam ou dificultam a coordenação entre níveis de governo; b) falta de uma política nacional para as áreas metropolitanas; c) indefinição quanto ao papel das regiões metropolitanas; d) especificidade do alto grau de competitividade do espaço político do Grande ABC. de acordo com os autores, o revigoramento da consciência regional está posto como um dos pontos mais sensíveis das conquistas que se podem manter e ampliar para a região em foco.
Assim, concluem os autores que "o futuro do modelo de cooperação de rede federativa nas regiões metropolitanas depende da publicização, ampla e transparente, de experiências como a do Grande ABC, revelando seus efetivos resultados" (p.227).
Apresento um breve comentário final a respeito da importância desse livro. Trata-se de um trabalho sério, com elevado valor social e acadêmico, Afora suas ricas contribuições, o livro nos estimula a refletir sobre a temática enfocada,. Deste modo, parece-nos lícito ponderar: a) qual é e sob que condições se delineia a natureza das redes federativas, num esforço interdisciplinar de se surpreender e decifrar o seu significado mais compreensivo e extensivo, em termos lefebvrianos; b) em que medida compromete-se a análise face à indistinção conceitual entre espaço, território e região, tratados genericamente como loci da cooperação intergovernamental, sobretudo considerando-se os aportes teóricos mais recentes produzidos no âmbito da Geografia Política; c) o conceito de cidade-região, proposto por geógrafos californianos como A. Scott, M. Dear e E. Soja , dentre outros, e o conceito de redes políticas, numa perspectiva territorial, por mim discutido (Revista Experimental, ano II, nº 4/5, 1998, USP, São Paulo) desdobrariam o conceito de rede federativa?
Considero que a tese central defendida
no livro está de acordo com tendências mais atuais e significativas
nos estudos sobre poder local. Entretanto, uma articulação
mais próxima à análise geográfica torna-se
fundamental. A questão, que se impõe, gira em torno
da diferença que o espaço faz para o processo de cooperação
intergovernamental. Por exemplo, como ocorreria tal processo numa área
de fronteira, como a Amazônia Brasileira? Admito que as estratégias
políticas, convertidas em estratégias territoriais,
envolvem mais que as instâncias de governo, em múltiplas escalas
espaciais, agregando também segmentos da sociedade civil e ONG,
inclusive, provocando uma espécie de "curto-circuito" nas
relações federativas. Assim, as redes federativas seriam
mais do que governamentais, mais do que o próprio nome lhes sugere;
residindo aqui a possibilidade de seu desdobramento conceitual, como venho
propondo com o termo rede política. Para o leitor, decerto,
estarão abertas outras possíveis avaliações.
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