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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XIX, nº 1103 (1), 25 de diciembre de
2014
[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

BERTHA BECKER: GEÓGRAFA DA FRONTEIRA POLÍTICA E DA AMAZÔNIA

Wagner Costa Ribeiro
 Universidade de São Paulo (USP)

Recibido: 9 de septiembre de 2014; aceptado: 10 de octubre de 2014


 

Bertha Becker: geógrafa da fronteira política e da Amazônia (Resumo)

Bertha Becker, geógrafa brasileira, destacou-se como uma intelectual que conciliou reflexão acadêmica com trabalhos aplicados. Entre seus principais temas de investigação estavam a Geografia Política, a fronteira, o planejamento territorial e a Amazônia. Em vida, foi reconhecida por seus pares em diversas ocasiões por meio de prêmios de destaque. Além de aspectos de sua vida e obra, o leitor encontrará uma apresentação dos quatro artigos que integram esse número especial da Scripta Nova. Destacam-se sua atuação junto ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil, bem como na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual formou diversos mestres e doutores.

Palavras-chave: geografia política, Amazônia, planejamento territorial.


 

Bertha Becker: geógrafa de la frontera política y de la Amazonia (Resumen)

Bertha Becker, geógrafa brasileña, se destacó como un intelectual que combina la reflexión académica con el trabajo aplicado. Sus principales temas de investigación fueron la Geografía Política, la frontera, la planificación territorial y Amazonía. En la vida, fue reconocida por sus pares en varias ocasiones a través de importantes premios. Además de los aspectos de su vida y obra, el lector encontrará una presentación de cuatro artículos que componen este número especial de Scripta Nova. El artículo destaca su labor en el Ministerio de Relaciones Exteriores de Brasil y en la Universidad Federal de Río de Janeiro, donde formó muchos doctores y maestros.

Palabras clave: geografía política, Amazonia, planificación territorial.


 

Bertha Becker: geographer of political boundary and Amazon (Abstract)

Bertha Becker, Brazilian geographer, stood out as an intellectual who conciliated academic reflection with applied work. Among his main research topics were Political Geography, the boundary, territorial planning and the Amazon. In life, she was recognized by his peers on several occasions through important awards. In addition to aspects of his life and work, the reader will find a presentation of four articles that comprise this special issue of Scripta Nova. Highlight its work with the Ministry of Foreign Affairs of Brazil and in the Federal University of Rio de Janeiro, which formed many masters and doctors.

Key words: political geography, Amazon, territorial planning.


 

Existem pesquisadores que se distinguem entre seus pares seja pelo caráter inovador de suas ideias, seja por trabalhos aplicados. Mas poucos conseguem ser reconhecidos em vida por uma contribuição teórica e aplicada. É o caso de Bertha Becker, geógrafa brasileira que estudou a Geografia Política e o território como estratégia para propor políticas territoriais para a Amazônia, considerada por ela como o novo eixo de inovação científica e tecnológica.

Bertha Koiffman Becker nasceu na Tijuca, bairro do Rio de Janeiro, em 1930. Filha de imigrantes judeus, atribuiu ao deslocamento de seus progenitores da Romênia (o pai) e da Ucrânia (a mãe), seu gosto inicial pela Geografia[1]. Autora de uma obra diversificada, tratou de temas como planejamento territorial, Geografia Política e fronteiras, um dos mais recorrentes em sua vasta obra.

Ao ingressar como aluna de Geografia e História na Universidade do Brasil, em 1948, também no Rio de Janeiro, iniciou uma formação que a consagrou no âmbito nacional e internacional da Geografia contemporânea. Começou a trabalhar como docente em 1958, como auxiliar de ensino, na Universidade do Brasil, que em 1965 passou a chamar-se Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1970 obteve seu Doutorado, com a tese O Norte do Espírito Santo, Região Periférica em Integração, na época apresentada também como tese de Livre Docência. Ou seja, ela não teve orientador, como ocorre normalmente. Realizou seu pós-doutorado no Departament of Urban Studies and Planning no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados Unidos da América. Foi professora visitante no MIT, assim como na Universidad Autonoma de Mexico, na Université Paris X Nanterre e na Loughborough University, na Inglaterra.

Na UFRJ ela orientou diversos alunos de mestrado e de doutorado, muitos dos quais ganharam destaque. Também foi a criadora do Laboratório de Gestão do Território (LAGET), que aglutinou interessados no tema e produziu uma publicação de mesmo nome.

A geógrafa brasileira teve um percurso profissional que combinou trabalhos aplicados e acadêmicos. Ela foi assessora de vários órgãos estatais, como o Ministério do Meio Ambiente, da Integração Regional e das Relações Exteriores, e dirigiu e integrou grupos de pesquisas internacionais na União Geográfica Internacional (UGI), da qual foi uma das Vice-Presidentes no período 1996 a 2000, além de Presidente da Comissão Nacional do Brasil, entre 1992 e 1996. Também foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), entre 1995 e 1997. Essa série de funções permitiu que ampliasse sua visão que expressou em reflexões agudas sobre o Brasil e, em especial, sobre a Amazônia, combinando, de modo original, planejamento territorial e Geografia Política.

Foi por meio de sua colaboração como membro do Instituto Rio Branco, que forma  diplomatas no Brasil, iniciada em 1966 e encerrada em 1976, que ela chegou a uma nova frente de pesquisa, talvez a que mais a projetou: a Geografia Política. Ao perceber a importância desse campo da ciência geográfica para a formação dos futuros embaixadores brasileiros, passou a dirigir sua reflexão para a importância do território nas relações internacionais, bem como a identificar os atributos que o qualificam na projeção de poder de um país. Artigos e livros que expressam essa compreensão podem ser encontrados em Becker[2], no qual retoma a importância da Geografia Política, e em Becker e Egler[3], no qual analisam a projeção do Brasil como potência regional muito antes que ela se configurasse uma realidade para tantos outros pesquisadores.

Ao afirmar que “o rompimento da barreira entre a Geografia e a Geopolítica numa perspectiva crítica, integrando a natureza holística e estratégica do espaço, pode representar um passo importante”[4], aponta que essa perspectiva pode ajudar a entender como o “controle do espaço é utilizado como forma alternativa de controle social. O modo pelo qual o espaço é apropriado e gerido e o conhecimento desse processo constituem, ao mesmo tempo, expressão e condição das relações de poder”[5]. Ou seja, para ela, a relação entre Geografia e Geopolítica permite entender como ocorre a instrumentalização do espaço geográfico para o exercício do poder. Não resta dúvida que essa formulação teórica está relacionada a seus estudos para o planejamento, que são analisados em alguns artigos desse número especial.

A descoberta da Amazônia também é resultado de sua presença no Instituto Rio Branco. Foi por meio de trabalhos de campo, realizados com alunos daquela instituição, que adentrou naquela porção do Brasil, para nunca mais abandoná-la em suas reflexões, conforme declarou em entrevista[6]. Iniciava-se uma nova possibilidade de interpretação do Brasil, que percorreu as inquietações de Bertha Becker ao longo de sua vida acadêmica.

Para ela, a Amazônia representaria outra maneira de introduzir o país na economia globalizada. Ela não tinha dúvida em criticar o preservacionismo, que se preocupa com a biodiversidade sem levar em consideração a população amazônica. Foi ousada a propor inúmeras vezes a conservação da Amazônia, que devia ser valorizada como floresta em pé, da qual se extrairiam produtos que combinassem combate à pobreza, desenvolvimento, palavra que utilizava sem preconceito, e conservação ambiental.

Em obras como Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos, de 1982, e Amazônia: geopolítica na virada do III Milênio, de 2004, apresentou uma inovadora teoria geográfica para aquela porção do território brasileiro: a fronteira científica e tecnológica do país, que deveria ser explorada à luz do conhecimento científico ponderado aos saberes locais e à dinâmica conservacionista[7]. Ou seja, a Amazônia seria a nova fronteira técnico-científica na qual caberia implementar um novo desenvolvimento, baseado no planejamento, que combinasse a valoração dos atributos da floresta em pé, fonte da inovação de materiais, de energia e de produtos, que consideraria ainda o saber local e a dinâmica dos processos naturais.

Mas existe um problema geográfico a ser superado. A logística para extrair produtos da ainda longínqua Amazônia em relação aos mercados consumidores do Brasil e do mundo. Bertha Becker criticou as ações que, desde o período da ditadura militar (1964/1985) foram aplicadas na área, como a construção de eixos de penetração na floresta, as estradas, acompanhados de projetos de colonização que, ao final, deslocaram pessoas sem infraestrutura para a produção e escoamento de produtos. Ela defendia a criação de um sistema multimodal, que combinasse o aproveitamento dos rios para transporte associado a rodovias, que não estimulasse o desmatamento. Suplantar essa dificuldade é um enorme desafio, pois depende dos interesses locais, regionais e nacionais que se expressam territorialmente na Amazônia que, até o momento, foi apropriada em uma lógica exploratória e de pequena valorização de seus atributos socioambientais, infelizmente.

Reconhecida como uma importante pesquisadora sobre a Amazônia integrou equipes interdisciplinares que trabalharam na área, como o Projeto Large Scale Biosphere Atmosphere Experiment In The Amazon (LBA), que, com financiamento de órgãos internacionais e brasileiros, permitiu avançar no conhecimento da área. Também foi coautora da proposta da Academia Brasileira de Ciências, que, entre outras medidas, sugeriu um desenvolvimento baseado na conservação socioambiental e no desenvolvimento científico e tecnológico, por meio da implementação de centros de inovação tecnológica associados ao conhecimento de comunidades tradicionais.

Entre as inovações metodológicas e teóricas cabe mencionar o Zoneamento Ecológico-Econômico proposto para a Amazônia, em conjunto com o também geógrafo e professor da UFRJ Claudio Egler. Para eles, o território deveria expressar um pacto político dos interesses das várias escalas (local, regional, nacional e internacional). Essa ação, somada à proposição da Amazônia como uma fronteira científica e tecnológica baseada na conservação dos atributos ambientais da floresta em pé e do conhecimento milenar dos povos que a habitam pode ser sintetizada como uma das grandes contribuições de Bertha Becker.

Pouco antes de falecer, em 13 de julho de 2013, lançou seu derradeiro livro: A Urbe Amazônica, no qual se dedicou a estudar as cidades da/na floresta, bem como a rede urbana que, com todas as especificidades regionais, foi formada na Amazônia. Nessa obra, a geógrafa critica uma vez mais o modelo aplicado no desenvolvimento das cidades amazônicas, que se pautou pela reprodução do uso da terra baseado na renda da terra urbana, sem considerar os atributos naturais que qualificam de modo singular essa parcela do território brasileiro[8].

O volume e a qualidade de estudos e propostas teóricas e aplicadas desenvolvidas ao longo da trajetória profissional pela professora Becker foram reconhecidos por várias entidades nacionais e nacionais, que lhe conferiram distinções como professora Emérita na UFRJ (2002), Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Roraima, em BoaVista no Brasil (2011) e pela Université Jean Moulin (2005), em Lyon, na França. Recebeu também a Ordem de Rio Branco, que lhe conferiu o grau de Comendador pelo Ministério das Relações Exteriores (2008), mesmo grau que lhe foi outorgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia por meio da Ordem do Mérito Científico (2007). Foi apontada como a Mulher do Ano (1997), na área de Ciências, pela Associação Nacional de Mulheres e recebeu, da American Geographical Society, a David Livingstone Centenary Medal para Avanços Científicos no Hemisfério Sul(2001), entre outras premiações.

Conheci a professora Bertha Becker no primeiro Simpósio Nacional de Geografia Urbana, realizado na Universidade de São Paulo, em 1989. Naquela época eu acompanhava a indústria de armamentos no Brasil para o meu mestrado, tema que ela também estudava e sobre o qual fez uma excelente apresentação no evento. Após abordá-la, gentilmente me passou seu telefone e recomendou que a procurasse, no Rio de Janeiro. Alguns meses depois, fui recebido em sua residência, onde mantinha uma qualificada biblioteca. Ao longo de mais de duas horas de conversa me passou referências e materiais que utilizara em sua pesquisa sobre o assunto. A partir daí, desenvolvemos uma relação cordial que se desenrolava em reuniões científicas e, algumas vezes, sociais. Seu espírito jovem espalhava alegria e bom humor, sem perder a densidade teórica.

Meu último encontro com a professora Bertha foi justamente em um evento internacional de alcance mundial: a Rio+20. Ambos participamos dos “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável”, um seminário participativo que foi proposto pelo governo brasileiro, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, por meio de uma plataforma eletrônica[9], na qual qualquer pessoa do planeta podia fazer sugestões de discussão de temas como água, oceanos e florestas. Foi a primeira reunião da ONU sobre meio ambiente em que isso ocorreu. Essa inovação foi importante porque permitiu, pela primeira vez, a participação da sociedade diretamente em uma reunião multilateral da ONU sem mediação de um governo e/ou estado. As dez sugestões mais votadas foram discutidas por pesquisadores e lideranças de movimentos sociais no plenário da Rio+20 entre os dias 16 e 19 de junho, como atividade preparatória para a reunião dos Chefes de Estado. Eu atuei como facilitador no grupo Desenvolvimento Sustentável e respostas à crise econômica e financeira e tive a missão de estimular o debate sobre as propostas enviadas. A professora Bertha foi uma das debatedoras que discutiu os temas mais votados em cada grupo em plenário, que definiu pelo voto as propostas que foram encaminhadas aos Chefes de Estado.

A coletânea de artigos aqui reunidos oferece ao leitor uma introdução à enorme contribuição de Bertha Becker à Geografia Política, ao planejamento territorial e à discussão de modelo de desenvolvimento para a Amazônia. Em “O planejamento territorial, o Estado e a Amazônia na obra de Bertha Becker: algumas reflexões”, Neli Mello-Théry e Hervé Théry sintetizam muito bem as reflexões de Becker acerca do planejamento territorial e sua aplicação na Amazônia por meio de sua proposta em conciliar desenvolvimento social com valoração dos atributos ambientais da área. O artigo “Bertha Becker e a Amazônia”, de autoria de Ima Vieira, Peter Toledo, Gilberto Rocha e Roberto Santos Junior, apresenta a importância de sua obra para a elaboração de políticas públicas para a Amazônia ao considerar o território como síntese de diversas matrizes políticas. Em “O legado e as lições de Bertha Becker ao BNDES”, Helena Maria Martins Lastres, Nelson Siffert, Marcelo Machado da Silva e Marcus Cardoso destacam a contribuição da geógrafa para a definição de estratégias de financiamento desenvolvidas pelo Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nas quais ela ressaltava o território e sua articulação com a ciência e a tecnologia. Por fim, o artigo de Adma Hamam de Figueiredo oferece uma análise sobre a proposta de zoneamento ecológico-econômico de Bertha Becker.

Apesar de nascer carioca, foi na Amazônia que Bertha Becker vislumbrou a possibilidade de reunir suas paixões: a Geografia Política, o estudo do território e da fronteira. Ela conseguiu chegar a uma síntese que resultou em uma construção teórica que subsidiou a elaboração de políticas públicas. Poucos intelectuais conseguiram essa proeza. Que esse exemplo possa estimular a superação dos desafios impostos aos que trabalham em Universidades, que são cada vez mais avaliados por números que pela qualidade da reflexão e de intervenções sociais que geram em suas pesquisas.

 

Notas

[1] Furtado, 2007.

[2] Becker, 1988.

[3] Becker e Egler, 1993.

[4] Becker, 1988: 99.

[5] Becker, 1988: 99.

[6] Furtado, 2007.

[7] Becker, 2005.

[8] Becker, 2013.

[9] www.riodialogues.org.

               

Bibliografía

BECKER, B. K. A Urbe Amazônida. Rio de Janeiro: Gallimard, 2013.

BECKER, B. K. Geopolítica da Amazonia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n.53, p. 71-86, 2005.

BECKER, B. K. Amazônia - Geopolítica na Virada do III Milênio. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2004.

BECKER, B. e EGLER, C. A. G. Detalhamento da metodologia para o ecológico-econômico da Amazonia Legal. Brasilia: SAE/MMA/LAGET. 1997.

BECKER, B. K.; EGLER, C. A. G. Brasil: Uma Nova Potencia Regional na Economia-Mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.

BECKER, B. K. A Geografia e o Resgate da Geopolitica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 50, n.2, p. 99-126, 1988.

BECKER, B. K. Geopolitica da Amazonia: A Nova Fronteira de Recursos. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

FURTADO, S. M. de A. Entrevista com a professora Bertha Koiffmann Becker. Geosul, Florianópolis, v. 22, n. 44, p 205-218, 2007.

 

 

© Copyright:Wagner Costa Ribeiro, 2014
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Ficha bibliográfica:

RIBEIRO, Wagner Costa.Bertha Becker: geógrafa da fronteira política e da Amazônia. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 25 de diciembre de 2014, Vol. XIX, nº 1103(1) <http://www.ub.es/geocrit/b3w-1103(1).htm>[ISSN 1138-9796].


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