REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES Universidad de Barcelona ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 Vol. XIX, nº 1090, 15 de septiembre de 2014 [Serie documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana] |
Cidade e Campo: para alÉm dos critÉrios e atributos, as relaÇÕes e contradiCÕes entre o urbano e o rural
Alcione Talaska
Universidade de Santa Cruz do Sul
Rogério Leandro Lima da Silveira
Universidade de Santa Cruz do Sul
Virginia Elisabeta Etges
Universidade de Santa Cruz do Sul
Cidade e campo: para além dos critérios e atributos, as relações e contradições entre o urbano e o rural (Resumo)
Este texto traz uma contribuição ao debate sobre a questão cidade-campo e urbano-rural, apontando elementos históricos, teóricos e metodológicos que articulados contribuam para aprofundar a reflexão e trazer subsídios para ampliar a compreensão dessa problemática. Para tanto, consideramos necessário ir além dos critérios e atributos usualmente tomados como definidores do urbano e do rural e, assim, considerar novas perspectivas, nesse contexto, com destaque para as relações, as interdependências e as contradições entre o urbano e o rural.
Palavras chave: urbano-rural, campo-cidade, relações, contradições
Town and field: beyond the criteria and attributes, relations and contradictions between urban and rural (Abstract)
This paper provides a contribution to the debate about the town-field and urban-rural question, indicating historical, theoretical and methodological elements for broaden further the discussion of the theme. So provides subsidies to expand the understanding of this problem. Therefore, we consider the need to go beyond the criteria and attributes usually taken as urban and rural definitions and we consider the need of new perspective, the perspective of relationships, interdependencies and contradictions between the urban and rural.
Key words: urban-rural, town-field, relationships, contradictions
As transformações histórico-espaciais nas formas de organização da sociedade têm desafiado estudiosos a construírem e desenvolverem métodos para explicar a realidade do mundo atual. Estas reflexões muitas vezes são marcadas por critérios capazes de distinguir, caracterizar e compreender o modo de organização da sociedade, mesmo sem considerar, nesse limiar, toda a complexidade engendrada na estruturação e configuração dessa organização[1].
Incluída nessa observação está a questão da quantificação e qualificação do que é cidade e campo, do que é urbano e rural e do entendimento de suas analogias, relações e contradições. Essa questão tem chamado a atenção de pesquisadores, muito em virtude das intensidades e ritmos com que as transformações se estabelecem no “tempo-espaço”[2].
Compreender a atual questão remete a necessidade do entendimento de que o “espaço é acumulação desigual de tempos”[3] e, da mesma forma, que a cidade e o campo de hoje são o resultado cumulativo de suas formas anteriores, do processo contraditório de sua construção, destruição, manutenção e transformação através dos tempos. A compreensão assim construída evidencia uma sequência de processos que acabam por configurar o espaço geográfico, conferindo-lhe particularidade a cada novo olhar, num contexto de desenvolvimento histórico.
Nessa perspectiva, se a cidade se constituía, em seus primórdios, como “fortemente aglutinada atrás de uma couraça protetora de muralhas”, distinguindo-se “da região vizinha por onde prolongavam-se, por vezes, precários arrabaldes e onde reinava a agricultura”[4], à medida que as cidades ganhavam importância política e econômica, principalmente pelo avanço técnico e crescimento demográfico, as formas espaciais e de usos tipos nas cidades e a partir das cidades extrapolam os limites de suas antigas muralhas.
O aperfeiçoamento dos meios de transporte permitiu o recolhimento de matérias-primas e alimentos em distâncias mais longas, e, estimulado pelo desenvolvimento industrial, favoreceu a multiplicação das formas da cidade sob vários aspectos, fazendo com que se alargassem através do campo [5]. Desse modo, a partir da ampliação das formas e, propriamente, das relações urbanas, torna-se extremamente complexa a tarefa de definir limites ou mesmo conceitos sobre o que é cidade e o que é campo, visto que, como indica Lefebvre [6], a relação campo-cidade alterou-se intensamente no decorrer do tempo histórico, segundo épocas e modos de produção.
Nesse contexto, o presente texto aborda a problemática da questão cidade-campo, urbano-rural, buscando apontar elementos históricos, teóricos, conceituais e metodológicos no intuito de organizar uma reflexão que contribua para aprofundar a compreensão dessa problemática.
Primeiramente, busca-se contextualizar a questão na contemporaneidade, revelando a existência de um processo de complexização do modo de organização socioespacial da sociedade que acaba trazendo novos elementos que dificultam a definição e caracterização da cidade-campo e urbano-rural.
Posteriormente, sistematiza-se alguns critérios e atributos usualmente empregados para a caracterização do urbano e rural, para na sequência indicar que a simples distinção, por meio de definições estatísticas, não é suficiente para a compreensão da dinâmica da sociedade em sua totalidade. Para isso se faz necessário considerar as complementaridades e diferenças espaciais e funcionais existentes, compreendendo os processos contraditórios de desenvolvimento histórico da sociedade e identificando os traços particulares, a essência do urbano e a do rural.
Nesse sentido, através das discussões teóricas apresentadas, sinaliza-se, em fase de considerações, que o urbano extrapola territorialmente os limites da cidade e, portanto, uma abordagem analítica que considere as relações sociais, a superposição das formas urbanas e rurais, através de um continuum espacial, pode contribuir para o entendimento da dinâmica de um espaço que está em constante transformação.
A cidade e o campo, o urbano e o rural na atualidade - contextualizando o problema
Se na antiguidade os limites campo-cidade podiam ser considerados nítidos, na atualidade tal afirmativa não é mais verdadeira. Isso decorre, sobretudo, por uma série de transformações socioespaciais que ocorreram principalmente após a Revolução Industrial.
Tem sido postulado que tais transformações acentuaram, em dado momento, a possibilidade de diferenciação entre o campo e a cidade, especialmente em razão dos avanços técnicos provocados, que significaram a ampliação da centralização econômica e social da cidade, tornando seu modo de vida e organização singulares em relação ao restante do espaço. Na verdade, entretanto, o advento da Revolução Industrial, devido a ampliação e intensificação de relações entre o urbano e o rural, “introduziu uma confusão total”[7].
A distinção urbano e rural torna-se menos acentuada, menos clara, a ponto de podê-la confundir, pois a intensificação das atividades e relações capitalistas de produção e, consequentemente, a maior interação, por meio de articulações e fluxos cada vez mais frequentes, faz com que a indústria mantenha presença marcante no campo e o trabalhador rural na cidade (o trabalhador boia-fria é um exemplo) [8].
Mais recentemente, com o aprofundamento das mudanças decorrentes do processo de industrialização e da constituição do meio técnico-científico-informacional [9], que propiciou uma reconfiguração e complexização no modo de organização socioespacial da sociedade, promovendo alterações na composição das densidades espaciais, na dinâmica de interligações e nas significações funcionais da cidade e do campo, o debate a respeito da questão da interpretação sobre o que é cidade e campo e sobre o que é urbano e rural adquiriu importância no debate acadêmico, instigando muitos pesquisadores a aprofundarem o tema [10].
Endlich [11] e Rosa & Ferreira [12] indicam que esse debate foi revigorado pela observância de alguns fatos novos que marcam a reorganização da sociedade, tais como:
Atividades não tradicionais que passaram a desenvolver-se no campo, denotando uma “resignificação” do rural: desde a utilização de novos produtos agropecuários, decorrentes do processo de industrialização da agricultura, especialmente após a “Revolução Verde”, e a questão do assalariamento dos trabalhadores do campo; até atividades caracterizadas por não serem tipicamente agropecuárias, como aquelas vinculadas à prestação de serviços, atividades de entretenimento ou mesmo moradia;
Falta de critérios mais precisos para a definição do que é cidade e por oposição o que é campo, que acaba revelando um processo de urbanização questionado.
Processo de desmetropolização, através de uma reestruturação produtiva apoiada na desconcentração espacial das atividades econômicas, sobretudo, com empresas buscando novos mercados, proximidade das áreas produtoras de matérias primas e até mesmo incentivos fiscais;
Interdependência econômica e social entre o campo e a cidade, o rural e o urbano.
Desse contexto, entende-se que a caracterização da cidade-campo, do urbano-rural, na atualidade é um processo complexo. As mudanças recentes verificadas nas formas de organização da sociedade assinalam transformações que se engendram de forma não homogênea e linear no tempo-espaço, com estruturação e reestruturação de fluxos, relações e contradições em diferentes níveis de intensidades entre a cidade e o campo [13]. Assim, talvez não seja mais possível uma distinção específica entre esses espaços, sobretudo se tomado o aspecto das suas relações, ou “ainda se essas distinções e oposições possam [...] ser reconhecidas, elas não são suficientes para a análise da ‘questão cidade-campo’ em termos mais completos”[14].
Em decorrência, como entender então o que é urbano e o que é rural na atualidade? A resposta a esse questionamento passa necessariamente pelo esforço de sistematização dos critérios ou atributos utilizados para tal definição/caracterização e, mais do que isso, pela necessidade de compreensão das relações, contradições e complementariedades existentes entre o urbano e o rural.
Principais critérios e atributos utilizados para a definição do urbano e do rural
Determinados critérios são usualmente empregados para a caracterização do urbano e, por oposição ou complementação, do rural. Assim, muitos deles sempre estiveram atrelados e permanecendo como marcas das cidades desde a antiguidade. Outros são construções recentes na tentativa de desobscurecer a questão cidade-campo. Nesse sentido, sistematiza-se na sequência alguns critérios selecionados.
Em uma abordagem normativa, o critério limites oficiais ou político-administrativos revela o urbano e rural como adjetivos territoriais [15]. Trata-se de adjetivar, por meio de legislação, porções territoriais, criando uma dicotomia urbano-rural similar àquela definida por muralhas na antiguidade. Esse critério expressa no plano territorial os limites entre a cidade e campo, delineando unidades-espaciais urbanas e rurais. Esse critério se traduz pela expressão “cidade≠campo (cidade diferente do campo)”[16].
As limitações da utilização desse critério, no caso brasileiro, são bastante conhecidas e, consequentemente, esse critério é alvo de inúmeros questionamentos. Primeiramente, porque o estabelecimento dos limites urbano-rural é realizado por meio administrativo e arbitrário, ou seja, pela definição do perímetro da cidade realizado por lei municipal, sem considerar outros atributos. Nesse sentido, o rural é entendido como o algo remanescente para além da área do perímetro urbano.
De modo a melhor representar espacialmente esse critério, apresenta-se abaixo a divisão política administrativa da região do Vale do Rio Pardo, localizada no centro do Estado do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil. (figura 1) Nela se destaca a delimitação dos territórios municipais com suas respectivas áreas distritais e áreas urbanas. Estas correspondendo ao perímetro urbano das sedes municipais.
A partir desse critério têm-se a diferenciação da forma de extração da renda da terra, se urbana ou rural, e consequentemente tributação, se urbana (Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU) ou rural (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR). Por meio desse critério é possível também tecer algumas considerações acerca do aumento dos índices de urbanização, já que os habitantes dessas unidades-espaciais são contabilizados nos censos demográficos como população urbana ou rural.
Por meio dessa forma de quantificação, o Brasil apresenta sucessivos aumentos nas taxas de urbanização, alcançando em 2011, 84,36% da população [17]. Essa informação indica a existência de um processo constante de deslocamento da população que vive em áreas não qualificadas como perímetro urbano para o interior das áreas assim qualificadas. Consequentemente, esse processo também contribui para os crescentes problemas urbanos, como o crescimento desordenado das cidades, a “favelização” e a criação de áreas de transição, dentro de perímetros urbanos, mas sem equipamentos urbanos essenciais.
Figura
1. Exemplo da delimitação do urbano e rural, segundo limites oficiais ou
político-administrativos. |
Outro critério usualmente utilizado é a definição de um patamar demográfico. Nesse critério utiliza-se o número absoluto da população e define-se o urbano pela aglomeração de pessoas e o rural pela dispersão (figura 2). O patamar demográfico é estipulado de forma arbitrária e, por isso, sujeito a contestações, principalmente pela simplificação da interpretação do urbano ao tamanho de sua população [18].
Figura 2. Exemplo de delimitação do urbano e do rural, segundo o critério do patamar demográfico.Fonte: Girardi, 2008 |
A densidade demográfica, outro critério empregado para a definição do urbano e rural, utiliza a proporção do número de habitantes em relação a uma determinada área, ao invés do número absoluto da população. Nesse caso, o urbano é identificado pela maior densidade demográfica, enquanto o rural pela menor densidade demográfica (figura 3)[19].
Figura 3. Exemplo de delimitação do urbano e do rural, segundo o critério da densidade demográfica.Fonte: Girardi, 2008 |
Paralelamente a esse critério, Sposito [20] indica a concentração demográfica como um atributo das cidades, não somente ao que se refere ao adensamento de pessoas, “mas de obras, objetos, de infraestruturas, de equipamentos, de edificações, de acontecimentos, de ideias, de valores, de possibilidades, etc”. Assim, a cidade é considerada a partir de suas características em comparação com o campo, podendo-se designar “cidade versus o campo”, numa perspectiva que demonstra que a “cidade é o que o campo não é”. Porém, como salientam Bernardelli [21] e a própria Sposito [22], a determinação de níveis de densidade habitacional deve ser ponto de partida das análises e nunca ponto de chegada, pois a urbanização é um processo complexo e não deve ser simplificado ao aspecto populacional.
A ocupação econômica da população é outro critério. Nessa perspectiva, o urbano está associado às atividades secundárias e terciárias, enquanto o rural vincula-se essencialmente às atividades primárias. Assim, o “caráter urbano amplia-se quanto maior o nível e a quantidade de atividades não agrícolas presentes” [[23]], sendo essencial a presença de atividades do setor terciário. Nesse contexto, a definição do urbano, e, por contraposição, do rural, estariam vinculadas ao estabelecimento de uma proporção maior ou menor de habitantes ocupados economicamente com atividades secundárias e/ou de serviços (figura 4).
Figura
4. Exemplo de delimitação do urbano e do rural, segundo o critério da ocupação
econômica da população. |
A crítica a este critério refere-se a sua não suficiência para caracterizar e explicar o urbano e rural, sobretudo, no modo de organização da sociedade atual, onde se verificam atividades não primárias sendo desenvolvidas no campo e, em alguns casos, atividades primárias sendo desenvolvidas em áreas entendidas como cidade. Além disso, tal exemplificação pode incorrer em críticas, por não considerar de uma forma mais completa a grande diversidade das formas e conteúdos tidos no processo de organização socioespacial e econômico das regiões brasileiras.
De uma maneira geral, os critérios e atributos apresentados parecem não satisfazer a compreensão da atual realidade urbana-rural. Nesses referenciais os conceitos de urbano e de cidade estão mesclados e confundem-se. Assim, a compreensão da essência da questão cidade-campo, e urbano-rural, requer a consideração de outras dimensões e abordagens que extrapolam definições fundamentadas em estatísticas e em normatizações arbitrárias e, sobretudo, que possibilitem a compreensão das novas formas de manifestação das práticas socioespaciais do mundo contemporâneo.
Para além dos critérios e atributos: as relações e contradições entre o urbano e o rural
A consideração e a definição do urbano e do rural a partir dos critérios anteriormente mencionados, de “forma descontextualizada, sem analisar a historicidade presente nos fatos e processos, parece estático demais”[24]. Essa afirmação está relacionada com a necessidade de se entender a dinâmica da sociedade em sua totalidade, na qual a simples distinção e oposição urbano-rural não são suficientes.
Nesse sentido, se as perspectivas mencionadas anteriormente trazem, de forma generalizada, o entendimento da existência de uma oposição entre urbano e rural, a abordagem da “diferenciação social”, possibilita, enquanto procedimento analítico, considerar os processos de “relação entre cidade e campo”. E dessa forma, revelar os sentidos e papéis desses espaços e consequentemente a “unicidade e complementaridade compreendida por esse par dialético”[25].
Assim, para além dos critérios e atributos para a definição do urbano e do rural, é importante a compreendeção dos movimentos e forças que os articulam e os produzem, o que “exige não apenas a apreensão dos fatos, mas uma teoria, no âmbito da qual os conceitos de urbano e rural constituem-se em ferramentas fundamentais para se compreender cidade e campo”[26].
Nesse contexto, pode-se citar a teoria dos lugares centrais de Christaller [27], que embora tenha promovido muitas polêmicas e tentativas de verificação e refutação, indica uma forma de analisar as cidades e seu espaço de relação. Essa teoria pode ser considerada uma abordagem metodológica e conceitual, e estabelece à cidade o papel de lugar central, “um núcleo susceptível de unificar, de dominar, de organizar a periferia”[28].
Explicitando essa afirmativa, Beaujeu-Garnier [29] indica que a cidade, enquanto “concentração de homens, de necessidades, de possibilidades de toda a espécie [...], com uma capacidade de organização e transmissão, é ao mesmo tempo sujeito e objeto”. É objeto por se constituir materialmente [“o quadro urbano”], e é sujeito por “exercer influência nos seus habitantes”, mantendo ligações complexas com espaços que ultrapassam o seu quadro urbano.
Assim, o papel da cidade engloba a “noção de difusão de um bem ou de um rendimento e a do limiar da sua população”[30], indicando a tendência do urbano se alargar para além dos seus limites e consequentemente permitindo a separação dos conceitos de cidade e urbano[31], mesmo ambos possuindo conexões profundas.
Mesmo considerando que a cidade é marcada pelo predomínio de relações secundárias e de negociações e o campo pelas relações primárias, Wirth [32] afirma que os modos de vida produzidos nesses espaços se interpenetram. Para esse autor, o urbano e rural não devem ser interpretados como opostos ou como espaços e modos de vida separados e sem contato. O modo de vida produzido na cidade, o urbano, é influenciado, em certa medida, pelo modo de vida produzido no campo, o rural, e do mesmo modo, o “urbanismo”[33]é espraiado para além das fronteiras da cidade, denotando a ideia de cultura urbana. Nas palavras do autor: “o urbanismo não está confinado a tais localidades, mas manifesta-se em graus variáveis onde quer que cheguem as influências das cidades”[34].
Nessa concepção, a cidade apresenta-se como espaço da diversidade de objetos e ações, e o urbano é entendido como o modo de vida de quem vive na cidade, mas que extrapola os limites físicos desta. Ao ponto do rural, em virtude da influencia do modo de vida urbano, ser considerado como praticamente superado. Nesse contexto, as cidades se acentuam como “elementos dominantes na nossa civilização e [estendem] enormemente o modo de vida para além dos [seus] limites”[35], no campo.
Assim, “embora possa ser mantida a preocupação com a definição de cidade, o urbano a extrapola. O urbano irradia-se a partir da cidade e atinge territorialmente os limites das influências dela”[36].
Não obstante, e com o entendimento de que o urbano e rural se referem a diferentes modos de vida, Endlich [37], ao analisar a perspectiva da sociedade urbana de Lefebvre, indica que, com o avanço do capitalismo, os negócios dos capitalistas tornam-se urbanos e cria-se um modo de viver de base urbana, que se irradia pelos campos, por meio da entrada de sistemas de objetos (eletricidade, objetos e estruturas tecnológicas...) e de valores (hábitos, padrão de consumo, modismos...).
Para Lefebvre [38], a relação cidade-campo torna a cidade um centro de decisão e aparentemente de associação e, desse modo, “a cidade em expansão ataca o campo, corrói-o, dissolve-o”. Simultaneamente, a condição de vida urbana penetra na condição de vida do campo, transformando características e elementos tidos como tradicionais, num processo marcado, às vezes, por resistências.
Esta nova condição de vida urbana, se compreendida em uma forma mais ampla, pode gerar uma nova configuração de sociedade, a sociedade urbana de Lefebvre [39]. Pois para esse autor, as comunidades rurais são compreendidas por possuírem uma condição de vida que vem sendo superada material e culturalmente, e, portanto, a urbanização tenderia a apagar a distinção cidade-campo, por meio de “uma fusão da sociedade urbana com o campo”[40].
De maneira geral, essas possibilidades de abordagens teóricas trazem perspectivas urbanas, por meio das quais, se pode buscar a compreensão das transformações histórico-espaciais da sociedade. Reiterando algumas considerações, pode-se ressaltar que a quantificação e também a qualificação do urbano e do rural não se resume à estipulação de critérios ou da simples ponderação de atributos. Essas abordagens teóricas indicam a apreensão de que pode-se conceber cidade-campo e urbano-rural como categorias diferenciadas (figura 5). As primeiras, campo e cidade, entendidas enquanto materialidade, meio, condição e produto da sociedade, espaços construídos/modificados que manifestam em seus conteúdos os processos contraditórios de desenvolvimento histórico da sociedade. E as segundas, o urbano e o rural, compreendidas enquanto relações sociais, ou seja, formas abstratas, também condição e produto do desenvolvimento histórico da sociedade, mas que extrapolam os limites morfológicos da cidade e, no sentido inverso, os limites do campo.
Figura
5. Categorias analíticas: campo-cidade e urbano-rural |
Essas formas abstratas, surgidas e derivadas da cidade ou do campo, mantêm constante embate entre si no tempo-espaço e acabam modificando pouco a pouco a configuração e o padrão de organização da sociedade, revelando, por exemplo, alterações nos “modos de vida” e, inclusive, possibilitando a constituição de uma nova condição de vida da sociedade, na perspectiva da sociedade urbana de Lefebvre.
Nesse contexto, essas formas abstratas representam o não aparente da cidade e do campo, sendo que para empreendê-las é indispensável compreendê-las a partir de sua essência. E a essência é manifestada mediante sua interação com outros objetos, fatos e processos que os cercam e influenciam, introduzindo modificações em seu conteúdo [41].
Assim, a compreensão da essência da cidade e do campo, suas relações, analogias e contradições, passa pela consideração da intrínseca relação sociedade-natureza, onde através de um processo dialético, materializado pelo trabalho, pelas relações sociais, pelos “sistemas técnicos e sistemas de ações”[42], a sociedade se organiza espacialmente e reproduz seu espaço, num processo indissociável com a natureza. Acredita-se, portanto, que a compreensão do urbano e do rural, enquanto relações derivadas da cidade e do campo, requer a consideração da dialética, onde a organização da sociedade no tempo-espaço se desenvolve através de movimentos, de mudanças, de processo de transformações, considerando o desenvolvimento das forças produtivas e a estruturação econômica e social.
É a partir do olhar histórico e dialético sobre a cidade, o campo e suas relações que se percebe que nenhuma das suas configurações são definitivas. Tudo tem uma forma anterior e uma forma posterior. Tudo está em movimento. Houve e há processos de mudança, de transformação, onde novos elementos, novas funções, novas ruralidades e novas urbanidades são verificados. Há um encadeamento de processos, nos quais as influências das partes são totalizantes, tudo exerce influencia em tudo. Por isso, nada está acabado, não há uma configuração final, mas há uma sequência de processos que acabam por configurar esses espaços e suas relações diferentemente a cada novo olhar, num contexto de desenvolvimento histórico. Contudo, estas configurações não são tão simples quanto aparentam. Para compreendê-las torna-se necessário entender como este processo se realiza, ou seja, o processo dialético de sua constante transformação.
Dessa forma, o espaço geográfico não só se transforma e se configura em campo ou cidade, mas mantém traços que não são simplesmente puros de um ou de outro. Assim, no interior das relações urbanas ou rurais existem forças que se embatem, pois mantém características de polos opostos. Estas forças tendem para a afirmação e para a negação de características urbanas e rurais.
Logo, o entendimento e a compreensão do urbano e do rural passam pela lógica da afirmação, negação e negação da negação. As relações tipicamente urbanas ou rurais apresentam contradições, enquanto um agrupamento de relações é negado por não possuir característica que o outro possui, o outro agrupamento de relações que possui tal característica é valorizado, portanto afirmado. Exemplo: o campo é afirmado por ter a capacidade de gerar alimentos para serem comercializados e consumidos na cidade ou por proporcionar usos dificilmente possíveis de serem realizados nas cidades; entretanto, é negado por carecer de serviços urbanos, típicos da cidade. Assim, um espaço é afirmado pelo que possui, mas é negado pelo que não possui, num processo contraditório de presença e ausência. A afirmação de um espaço se dá pela negação do outro espaço. Nota-se, nenhum deixa de existir por isso, pelo contrário.
Portanto, as diferenças entre esses espaços se apresentam de forma a complementá-los, mas não tornando-os homogêneos. Do ponto de vista da dialética, a cidade, por exemplo, é ao mesmo tempo o urbano e é o seu contrário, o rural. A cidade não existe sem o rural e o campo não existe sem o urbano. Embora, haja oposição e diferenças entre a cidade e o campo, ambos só existem a partir de seu contrário. Isso equivale a dizer que uma afirmação não é absoluta, pois a afirmação contém uma parte da negação, exemplo: o campo, produtor de alimentos para comercializar na cidade, contém em si a necessidade dos serviços e características urbanas para existir, é a afirmação que contém parte da negação. Logo, por a cidade e o campo e suas relações, o urbano e o rural, conterem afirmações e negações conflitantes, eles se transformam, se modificam num terceiro termo que é a negação da negação, a síntese.
O movimento de afirmação-negação ajuda na compreensão das modificações que ocorrem nesses espaços, nas suas relações e na permanência das suas características próprias. Há, pois, movimentos de territorialização de atividades urbanas sobre o campo e consequentemente de desterritorialização de atividades rurais, mas há, também, a transformação do rural e do urbano num sentido que, enquanto síntese dessas contradições, geram uma nova realidade.
Assim, coexistem no território um conjunto de relações que originam a emissão, mediação e receptação de fluxos materiais e imateriais, tornando a oposição cidade-campo não absoluta, mas sim, relativizada e ganhadora de um sentido cada vez maior de complementaridade.
Avançando nesse ponto, em que pese a oposição ainda remanescente entre a cidade e o campo, e entre suas relações, verifica-se que a dificuldade da distinção, no plano das formas espaciais, da cidade e do campo, alargada pela ampliação das áreas de transição entre as morfologias de relações urbana e rural, requer a consideração de uma nova forma de se pensar a questão e, sobretudo, a forma espacial de análise.
Nesse aspecto, diversos autores propõem a consideração de uma superposição de formas espaciais caracterizadas por aspectos urbanos e rurais, formando um continuum espacial. Esse conceito, que não é recente, foi elaborado por Robert Redfiel em meados de 1930 para explicar as variações e continuidades entre os aspectos culturais de populações urbanas e rurais.
A consideração dessa superposição “não pressupõe o desaparecimento da cidade e do campo como unidades espaciais distintas, mas a constituição de áreas de transição e contato entre esses espaços que se caracterizam pelo compartilhamento, no mesmo território, ou em micro parcelas territoriais justapostas e sobrepostas, de usos do solo, de práticas socioespaciais e de interesses políticos e econômicos associados ao mundo rural e ao urbano”[43].
Assim, essa proposição consegue conter contraditoriamente o urbano e o rural “superpostos, amalgamados e intrinsecamente relacionados”[44]. Essa superposição, além de superar a oposição entre o campo e a cidade, engloba todo o ritmo de mudanças recentes que marcam a organização da sociedade, resultados da lógica da produção territorial da cidade no modo de produção capitalista.
A noção do continuum implica considerar a existência de uma graduação entre o urbano e o rural, de modo que pode-se identificar diferentes níveis escalares de relações urbanas ou rurais, os quais seriam níveis de transição entre os extremos urbano e rural (figura 6).
Figura
6. Níveis escalares do urbano-rural |
É nesse aspecto que o continuum se diferencia das perspectivas que buscam definir territórios como sendo unicamente urbanos ou rurais, num sentido arbitrário de delimitação do que é urbano e do que é rural, como exposto anteriormente.
A perspectiva do continuum, entretanto, quando analisada com maior acuidade, permite a verificação da existência de duas vertentes, as quais os autores, inclusive aqueles trazidos nesse texto, se filiam. A primeira vertente está inserida no paradigma que procura compreender a passagem das sociedades tradicionais, pré-capitalistas, essencialmente rurais, para uma sociedade moderna, capitalista, essencialmente urbana. Indica, desse modo, que o campo perderia sua identidade enquanto espaço de relações rurais, ou seja, a cidade, enquanto fonte de valores dominantes estabeleceria seu domínio sobre todo o conjunto urbano-rural da sociedade. Já a segunda vertente está inserida no contexto em que, mesmo com a aproximação entre o rural e o urbano, não desaparecem suas particularidades. Nessa vertente ressaltam-se as semelhanças e diferenças entre o extremo urbano e o extremo rural, demonstrando a continuidade de relações existentes entre o campo e a cidade, representando a reafirmação da existência das relações rurais. Assim, áreas com características próprias permaneceriam existindo, mas com grau de inserção à dinâmica social e econômica regional e global diferenciada. Para esta vertente, o processo de desenvolvimento histórico gera maior interação entre o urbano e o rural, porém não havendo homogeneização.
De modo geral, o continuum, enquanto unidade espacial, pode contribuir para o entendimento da dinâmica de espaços em constante transformação. Ou seja, acredita-se que a noção de continuum pode ser pensada para se entender que tanto o urbano quanto o rural são partes da mesma sociedade, fazem parte da “totalidade”.
Considerações finais
A problemática da questão cidade-campo, urbano-rural, e do entendimento de suas analogias, relações, complementaridades e contradições, é muito mais ampla que a trazida neste texto, tampouco foi nossa intenção esgotar o seu debate. Contudo, pode-se tecer e também ressaltar algumas considerações, que, em certa medida, já foram expostas no decorrer do texto.
Primeiramente, é importante que se entenda que a compreensão da problemática atual da questão cidade-campo, urbano-rural, deve considerar o processo de sua construção histórica. Com o exacerbamento da divisão do trabalho, do desenvolvimento do modo de produção capitalista e da difusão dos sistemas cibernéticos, as configurações da sociedade se transformam, tornando cada vez menos perceptível as diferenças entre a cidade e o campo e principalmente entre o urbano e o rural.
A tentativa de utilização de diferentes critérios e atributos para desobscurecer a questão e elucidar a diferenciação entre o que é cidade/urbano e o que é campo/rural não atendem a compreensão da problemática em sua plenitude, visto sua complexidade. A consideração de abordagens teórico-metodológicas para a interpretação da questão parece ser mais produtivo, principalmente: i) pela potencialidade de qualificação das categorias analíticas cidade/campo e urbano/rural, que ao que parece é o grande problema em questão; e, consequentemente, ii) pelo fato da possibilidade de compreensão da dinâmica das relações e contradições que compõem a sociedade no tempo-espaço.
Nesse sentido, a proposição da superposição de formas, relações e qualidades urbanas e rurais, por meio de um continuum espacial, pode ser considerada uma forma alternativa para se pensar a questão, principalmente enquanto procedimento de análise espacial. Essa proposição, embora necessite de maior aprofundamento, dado suas vertentes, parece representar uma possibilidade real de avanço no sentido da compreensão da configuração do espaço contemporâneo, um espaço em constante construção, destruição, manutenção e transformação.
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Notas
[1] Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada e debatida no XV Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, realizado no mês de Maio de 2013 em Recife, Pernambuco, Brasil.
[10] No caso brasileiro, embora a industrialização no Brasil tenha iniciado de forma rudimentar, como demonstrado por Dean (1971), com produção de produtos simples, e na melhor das hipóteses de artigos intermediários, foi a Crise de 1929 (Crise do Café) que tornou evidente a ruptura no modelo de desenvolvimento econômico brasileiro. Ruía o modelo típico e exclusivo agroexportador e iniciava o processo de substituição das importações, com política cambial e maciços investimentos por parte do Estado, visando a efetiva industrialização. Essa ruptura, como demonstra Tavares (1981) e Furtado (1984), foi fundamentada num pensamento desenvolvimentista, que relacionava a modernização via industrialização urbana como solução (visível) para alavancar o Brasil. Assim, em decorrência desse processo, originou-se um novo modelo de organização social caracterizado pela crescente urbanização. Atualmente, entretanto, na discussão das categorias campo e cidade, rural e urbano, não podemos deixar de mencionar que se em um determinado período o rural predominava na forma de organização social, após a industrialização, a cidade passa a desempenhar o papel de estimular a função tradicional do rural, espraiando algumas de suas particularidades. Um quesito importante nesse sentido é lembrado por Rosa & Ferreira (2006), que indicam o processo de modernização do campo como um marco histórico que se intensificou a partir de 1960, através da denominada Revolução Verde, e que contribuiu para que as relações entre o rural e o urbano se tornassem mais intensas, tanto na parte econômica, quanto na social.
[13] As mudanças nas formas de organização da sociedade são efetivadas lentamente, “conjugadas a permanências de formas e conteúdos, nas cidades e no espaço rural, manifestando-se e concretizando-se diferentemente no tempo e no espaço geográfico” (SAQUET, 2006, p.181).
[19] Seguindo esse critério, conforme demonstrado em trabalho anterior (Talaska; Arantes; Farias, 2009), alguns pesquisadores acabam não definindo como sendo urbanos os habitantes que vivem em municípios com menos de 20 mil habitantes, outros propuseram classificações intermediárias, considerando diferentes patamares demográficos para classificar a população como urbana, como ambivalente (rural-urbana) e como rural. No entanto, todas as tentativas de classificação do urbano e rural seguindo esse critério revelam certo grau de arbitrariedade na forma da definição dos patamares demográficos.
[31] Segundo Beaujeu-Garnier (1997), a função de difusão exercida pela cidade, está relacionada com a disposição do consumidor realizar determinado trajeto para ter acesso a determinado bem ou serviço. Já a função do limiar da população está relacionada com as condições necessárias para que certa atividade possa funcionar. Convém ressaltar também, que a centralidade exercida pela cidade não se resume a um só número, mas sim a consideração de uma gama de atividades, até para que se verifique o grau da centralidade exercida sobre áreas exteriores à cidade (ENDLICH, 2006).
[33] Para Wirth (1987), o termo urbanismo não deve ser confundido com urbanização ou com a entidade física da cidade. Esse termo possui o significado de modo de vida urbano, que se estende para além dos limites da cidade. Nesse sentido, segundo Endlich (2006, p.20), o termo urbanismo utilizado por Wirth “possui significado equivalente a urbano”.
[39] Lefebvre (1999, p.15) denomina a sociedade urbana como “a sociedade que resulta da urbanização completa, hoje virtual, amanhã real”. Portanto, a sociedade que traz consigo a marca da industrialização e, mais do que isso, só pode ser “concebida ao final de um curso do qual explodem as antigas formas urbanas, herdadas de transformações descontínuas”. Assim, conforme Endlich (2006), a concepção de sociedade urbana de Lefebvre requer a apropriação do tempo e do espaço pelo homem, no sentido de transformação do cotidiano para alcançar o desenvolvimento, ou seja, requer avanço social e político em vários sentidos.
© Copyright: Alcione Talaska, Rogério Leandro Lima da Silveira yVirginia Elisabeta Etges, 2014.
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Ficha bibliográfica:
TALASKA, Alcione; SILVEIRA, Rogério Leandro y ETGES, Virginia Elisabeta. Cidade e campo: para além dos critérios e atributos, as relações e contradições entre o urbano e o rural. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 15 de septiembre de 2014, Vol. XIX, nº 1090 <http://www.ub.es/geocrit/b3w-1090.htm>[ISSN 1138-9796].