Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XVIII, nº 1050, 25 de noviembre de
2013
[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

ROQUES, Jean-Luc. Une sociologie de la petite ville.  Paris: L’Harmattan, 2011, 258p. [ISBN - 978-2-296-55947-9]

Angela Maria Endlich
Universidade Estadual de Maringá

Recibido: 19 de septiembre de 2013; Aceptado: 19 de octubre de 2013


 

Palavras-chave: pequenas cidades, sociologia, sociabilidade

Key words: small tows, sociology, sociability


 

As pequenas cidades, especialmente aquelas localizadas em áreas dispersas e mais distantes de grandes cidades, se não compreendidas como espaços esquecidos, são seguramente espaços que aparecem com menos frequência nas pautas políticas e acadêmicas. Essa é uma consideração que surge constantemente em publicações e estudos que tomam as pequenas cidades como tema e como recorte espacial de trabalho. No Brasil, como já assinalamos em publicação anterior, o tema passou a ser abordado nos últimos anos com maior constância e por pesquisadores de vários pontos do país[1].

É sempre muito gratificante encontrar novos referenciais pelas contribuições empíricas e teóricas que trazem e que nos permitem relações com os estudos que seguimos realizando. Nesse contexto, registramos nosso encontro com a publicação do sociólogo francês Jean-Luc Roques: Une sociologie de la petite ville. Por meio desse livro descobrimos que ele vem publicando diversos outros títulos que igualmente constituem estudos relacionados as pequenas cidades, como La petite ville et ses jeunes[2], publicado em 2004 e La fin des petites villes: une modernité envahissante[3], publicado em 2009, todos pela mesma editora de Paris, L’Harmattan.

O autor é doutor em sociologia e vincula-se profissionalmente a l'Université de Perpignan, onde trabalha com temas que possuem muita afinidade com a Geografia, como as dinâmicas territoriais, especialmente as dinâmicas das pequenas cidades, seus agentes locais, projetos e vários desdobramentos a partir dessa temática geral.

O título aqui resenhado conta com prefácio de Rémi Hess, sociólogo que trabalhou com Henry Lefebvre, de quem traz a referência ao direito à cidade. Assinala que tal direito deve abranger o acesso a educação, saúde, cultura e ao exercício da prática da cidadania. Nesse contexto questiona se poderiam ser as pequenas cidades espaços estratégicos de reconquista do direito a cidade?  Contudo, menciona elementos da realidade que não são muito favoráveis as pequenas cidades como a questão da economia de escala que permite as grandes cidades possibilidades que não são alcançadas pelas menores. Dentre as maneiras de habitar o mundo, estão as pequenas cidades, considera ele, em parte tomando por referência sua experiência pessoal.

 Jean-Luc Roques sinaliza várias formas de apreciações e de tendências das pequenas cidades, em uma análise atenta a diversidade e concretude delas e que, portanto, não tende a fazer apologias nem a enfocá-las de modo apenas negativo. Ele destaca, contudo, que essas localidades contam com apreensões contraditórias que oscilam entre visões desfavoráveis e outras positivas.

Observamos em nossos estudos que essas possibilidades de visões tão diferenciadas estão relacionadas a diversidade de situações em que se encontram as pequenas cidades. Ou seja, a própria realidade é múltipla, embora as contradições e as possibilidades de concepções tão diferentes estão do mesmo modo no interior de cada uma delas. Assim, a maneira de vê-las depende de como e por quem sua realidade foi apreendida: a que classe ou grupo social pertence, se está enraizado ou se é forasteiro, além das características individuais e psicológicas que levam a uma apreciação positiva ou negativa das possibilidades de inserção social e de sociabilidade nas cidades menores.

O autor começa com um grupo de abordagens avessas e que apresentam as pequenas cidades como um mundo esgotado (depreciado, associado ao conservadorismo e deixado de lado politicamente); desprezado e triste (além da marginalização política, as reflexões literárias sobre as pequenas cidades veiculam imagens fortemente pejorativas ou menosprezadas); esquecido (não só na política, mas igualmente no âmbito das Ciências Humanas e Sociais). Pequenas cidades são lembradas em poucas ocasiões como nos períodos de férias e com base em uma imagem bucólica; e, por fim, um mundo de sofrimento (sentimento de abandono e seus agentes falam da ameaça do seu desaparecimento).

Na sequência, ele mostra outra face das contradições na apreciação das pequenas cidades, e fala de um mundo considerado como estimado (traça panorama com localidades em países onde elas possuem perspectivas melhores e são mais expressivas dentro do processo de urbanização); ideal (em abordagem muito parecida a que já realizamos[4] Roques mostra como as utopias urbanas tomam por referência cidades menores, além de autores que vislumbram nelas perspectiva política mais democrática e direta). Ele menciona os que sinalizam o limite demográfico em suas projeções de espaços ideais, como Platão, Utopia de Thomas More, Rousseau entre outros. Esse último, considera o autor, mais que visão ideal, traz uma visão romântica das pequenas cidades e hostil das grandes cidades, em tom de crítica a essas últimas e que pode ser considerado comum entre esses autores. Ressalta-se a insalubridade das grandes cidades que além de física, pode ser psíquica[5].

Seguindo com sua análise o autor volta a apresentar as pequenas cidades como um mundo revisitado (sinaliza perspectivas diferentes com a descentralização e que as pequenas cidades podem manter ou recuperar centralidade). Elas perdem algumas funções, mas ganham outras, mais no âmbito econômico que cultural. No aspecto cultural, o autor mostra exemplos que indicam a tendência de persistência da estrutura social tradicional, baseado em suas famílias enraizadas e controle social. Fala de um mundo atraente (sublinhando que desde que se difundiu a ideia do “Small is beautiful”, registra-se uma atração pelas pequenas cidades, especialmente como áreas para instalar empresas e áreas dinâmicas economicamente). Essa tendência relaciona-se especialmente a busca de terrenos mais baratos, qualidade de vida e espaços mais seguros.

Na sequência o autor elenca critérios para definir a pequena cidade, de forma geral. Para tanto, traz elementos que outras obras já apresentaram como o critério administrativo e o quantitativo. Como outros autores que já trataram do tema, ele traz a problematização que é peculiar a esse debate de que os dados são muito variados no espaço e, por isso, existe a dificuldade de que esse possa ser um referencial uniforme. Em seguida, trata de aspectos culturais e simbólicos das pequenas cidades, destacando a sociabilidade diferenciada nelas existente. Aborda também a necessidade para compreender as pequenas cidades de considerar o território em que ela está inserida e a questão do pertencimento. Avançando em relação as demais contribuições, destaca a identificação de códigos locais, como passagens simbólicas para a vida social e que podem ser experimentadas de formas muito diferentes por autóctones e pelos que vem de fora. Os acessos precisam de mediações e adverte o autor que o isolamento social em uma pequena cidade pode ser mais grave do que em uma grande metrópole.

Na segunda parte o livro contempla as ameaças sobre a pequena cidade, reconhecendo também duas lógicas contraditórias, que seria incorporar a modernidade ou resistir às pressões exógenas. Tomando em consideração tais lógicas ele sinaliza para algumas possibilidades para as pequenas cidades que oscilam com dinâmicas demográficas diferenciadas no tempo e no espaço (declínio demográfico ou crescimento excessivo). Registra que embora a população de pequenas cidades isoladas sofram, inclusive com supressão de serviços, algumas são marcadas pela hipermobilidade e tem sua vida local acelerada intensificando tanto a mobilidade pendular quanto a migração. Culturalmente, processos como esses impulsionam outras formas de vida, diferentes da tradicional ressalvando, contudo, a diferença na média de deslocamentos entre as classes/grupos sociais.

As pequenas cidades, afirma o autor, precisam ser compreendidas em contexto territorial e histórico maior. Ele alerta para pequenas cidades que são muito significativas e menciona a longa lista delas que são patrimônios mundiais pela Unesco, são as pequenas cidades universais.

Quanto a essa oscilação entre estar aberta ou fechada as mudanças e ao mundo exterior, sublinha Roques a possibilidade de abertura com as redes tecnológicas, em especial a Internet. Para ilustrar menciona sites das prefeituras, itinerários por seu patrimônio e outras sugestões turísticas e culturais que podem ser facilmente acessadas. Enfim, abrir-se e acolher o mundo, melhoraria sua visibilidade.

Se as pequenas cidades crescem existe o risco de atomização do corpo social e dos seus sistemas de regulação. Com a chegada de outras pessoas, os moradores antigos se fecham e tornam-se menos seguras. Além disso, a chegada de turistas aumenta o tráfego, a poluição e beneficia poucos empresários locais. Por isso, o autor sistematiza reações possíveis a essas tendências. A pequena cidade que quer se manter pequena (reduzida), preservando-se como espaço de vida tranquila e segura, próxima da natureza e contraposta à metropolitana. São valores que se perdem se a cidade cresce, como os vínculos de identidade que são territoriais e que mediante o risco dele desaparecer, mantêm-se uma resistência. Assim, ele expõe uma pequena cidade enraizada, com vontade de conservar as raízes, retorno a suas festas e manutenção de espírito comunitário. Contudo, autor alerta sobre a necessidade de ponderar sobre o que é positivo e o que é negativo na questão das raízes, bem como quanto ao poder local e sua conservação.

A pequena cidade que permanece fechada, conforme o autor, conserva práticas de muita alteridade, especialmente quanto ao imigrante. O turista como aporta divisas pode ser bem vindo, mas quanto ao imigrante podem-se identificar animosidades.  Para tanto, pode se apegar a elementos oriundos da religião, a presença de um dialeto ou valorização da estabilidade familiar. Nesse contexto, os recém-chegados representam um risco e provocam um sentimento de insegurança. Enfim, a pequena cidade tenta proteger sua identidade muitas vezes promovendo uma sacralização do espaço local ou museificação. São comportamentos que o autor reconhece como patologias e exacerbação das raízes.

Na terceira parte do livro, o autor apresenta a ideia de pequena cidade híbrida frente a esses conflitos de orientação e pressões de ordens diversas (econômicas, políticas e culturais). De um lado mostra a relevância da comunidade e, por outro, o apelo a mudanças e desafios da lógica econômica globalizante. A pequena cidade híbrida representa uma posição equilibrada que incorpora progressivamente os elementos da modernidade, mas os filtra.

Nos últimos itens do livro o autor toma exemplos concretos que permitem ver com mais clareza inferências anteriores. O primeiro exemplo menciona o uso da água, expondo sua oscilação entre a dimensão simbólica e sagrada e seu uso meramente racional. O segundo exemplo, trata-se na realidade de dois estudos: o primeiro sobre mulheres com formação superior, procedentes de cidades grandes e buscam trabalho nas pequenas e o segundo sobre jovens que moram nas pequenas cidades.

 No caso das mulheres, autor analisa a forma como elas buscam emprego e como os empresários escolhem seus trabalhadores que passa por contatos diretos e pessoais, o que ilustra a questão dos códigos locais mencionada anteriormente.  Eles privilegiam o enraizamento o que pode provocar na pessoa de fora um sentimento de isolamento social. O exemplo dos jovens baseou-se na análise das suas atitudes em quatro pequenas cidades. Esse estudo se baseia na imagem que o indivíduo atribui ao seu espaço, com base em uma análise dos desenhos por eles elaborados.  Por exemplo, os jovens de fora representavam a cidade sem vias de comunicação e seu espaço como fechado e inacessível, revelando o sentimento de exclusão social.

Ao finalizar o livro, o autor reitera o que também já constatamos em nossos estudos. As pequenas cidades apresentam situações muito variadas e diferentes apreciações por sujeitos que a vivem também de forma diversa, já que possuem condições de vida diferenciadas. Reitera-se, portanto, o fato e as motivações pelas quais os discursos e apreensões sobre pequenas cidades são contraditórios e opostos. Além de pequenas cidades em situações variadas e diversas que os subsidiam, eles oscilam e dependem de pontos de vistas que passam por outros igualmente variados fatores sociais e individuais, incluindo aspectos psicológicos.

As pequenas cidades que aparentemente são locais simples, menos densos em tudo, constituem, na realidade, espaços que quando se estuda de forma aprofundada revelam sua complexidade. É preciso dedicação para desvendá-las, especialmente quanto às formas de sociabilidade nelas existentes, tão peculiares como tão bem se destaca nessa obra, brevemente sinalizadas nessa resenha.

Retomamos para finalizar a ideia apresentada por Rémi Hess no prefácio desse livro. Levando em consideração as condições sociais e humanas tão impróprias que tem significado a vida nas metrópoles e nas grandes cidades, serão as pequenas cidades uma possibilidade para o direito à cidade de forma mais efetiva do que a que temos conhecido? Encontramos ressonância a esse pensamento em Capel[6] ao sinalizar para a essencial reconstrução de uma nova perspectiva de futuro, no qual se inclui como possibilidade as pequenas cidades como referenciais positivos.  Tais espaços ao passo que figuram como elementos participantes das transformações poderiam ser do mesmo modo transformados, superando não só as apreensões negativas, mas a base material que as motiva, pelas ações de uma sociedade que deve avançar e superar seus limites.

Notas

[1] Endlich, 2009.

[2]Roques, 2004.

[3] Roques, 2009.

[4] Endlich, 2006.

[5]Sobre isso nos parece ilustrativo o filme Koyaanisqatsi

[6]Capel (2009, p. 27-28).

 

Referências

CAPEL, H. Las pequeñas ciudades en la urbanización generalizada y ante la crisis global. Investigaciones Geográficas – Boletin del Instituto de Geografia, n.70, 2009, p.7-32.

ENDLICH, A.M.  Pensando os papéis e significados das pequenas cidades do Noroeste do Paraná. 2006,505 p. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.

ENDLICH, A. M. (Org.); ROCHA, Márcio Mendes (Org.). Pequenas cidades e desenvolvimento local. Maringá: PGE-UEM, 2009, 147p.

ROQUES, Jean-Luc. La petite ville et ses jeunes. Paris: L’Harmattan, 2004

ROQUES, Jean-Luc. Une sociologie de la petite ville. Paris: L’Harmattan, 2011.

 

© Copyright Angela María Endlich, 2013.
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[Edición electrónica del texto realizada por Fabiana Valdoski]

 

Ficha bibliográfica:

ENDLICH, Angela Maria ROQUES, Jean-Luc. Une sociologie de la petite ville. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 25 de noviembre de 2013, Vol. XVIII, nº 1050. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-1050.htm>. [ISSN 1138-9796].