IX Coloquio Internacional de Geocrítica LOS PROBLEMAS
DEL MUNDO ACTUAL. Porto Alegre, 28
de mayo - 1 de junio de 2007. |
A GestÃo Territorial atravÉs do diÁlogo e da
participaÇÃo
Valdir Roque Dallabrida
Departamento de Ciências Sociais
UNIJUÍ, Rio Grande do Sul, Brasil.
A gestão
territorial através do diálogo e da participação. Resumo:
Quais as possibilidades de instituir um processo de
gestão territorial que contemple estratégias de concertação social? Quais
estruturas de governança territorial são necessárias? O presente trabalho
propõe-se contribuir na resposta destas interrogações, a partir de reflexões
sobre a institucionalidade e possível prática dos Conselhos Regionais e
Municipais de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), como
estruturas de governança territorial. Parte-se da concepção de governança
territorial como o conjunto de ações que expressam a capacidade de uma
sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos de interesse
público. Utiliza-se o termo bloco socioterritorial para referir-se ao conjunto
heterogêneo de atores territoriais que num determinado momento histórico assume
posição hegemônica, este formado por redes de poder socioterritorial. Os
acordos resultantes desta prática de gestão territorial constituem-se em pactos
socioterritoriais.
Palavras-chave:
gestão territorial, Conselhos
Regionais de Desenvolvimento, governança territorial, pactos socioterritoriais.
Do which are the
possibilities to institute a process of territorialadministration what does it
contemplate strategies social repairing? Whichones
are government structures territorial necessary? This study proposesto
contribute in the answer of those interrogations, starting from reflections
about for instituionality and Development Regional and Municipal Boards
possible practice of Estado do Rio Grande do Sul (Brazil), like government
structures territorial. Part itself of government conception territorial as the
actions set that express the capacity of na territorial organized society to
manage the subjects of public interest. It uses the term block socioterritorial
to refer to the actors territorial heterogeneous set that in a determined
historical moment takes over hegemonic position, this formed by nets of caning
socioterritorial. The resultant agreements of this practice of territorial
administration they constitute in socioterritorial pacts.
Key-words: territorial administration, Regional Boards
of Development (COREDEs), territorial governance, socioterritorial pact.
A discussão
da temática da gestão territorial nos remete à necessidade de entender o
desenvolvimento a partir da perspectiva territorial[1].
A
fundamentação teórica que faz referência à territorialização do desenvolvimento
vem de longo tempo. Por exemplo, Marshall (1891), ainda no final do século XIX,
contribuiu na abordagem do tema, com a introdução da noção de distrito
industrial. A noção clássica de distrito industrial marshalliana faz referência
ao fenômeno, presenciado ainda no século XIX, de concentração de empresas
especializadas em um ramo de produção em certas comunidades inglesas, com uma
divisão de trabalho entre pequenos produtores, baseada em laços de
solidariedade. O referido autor explica este fenômeno pela existência de
economias externas (também tratado como externalidades) às empresas
individuais, mas internas aos ramos de produção, tratando-se, portanto, de
economias que não surgem diretamente de empresas, mas sim do território onde
elas estão localizadas, em função da proximidade dos produtores. A expressão atmosfera industrial cunhada por Marshall
designa o meio ambiente favorável dos distritos industriais, envolvendo a
concentração de recursos humanos, o sistema educativo, a herança social de
especializações e as trocas de informações e competências.
Na década de
70, outros autores, especialmente diante do fenômeno da Terceira Itália,
procuraram aprofundar a noção de distrito industrial desenvolvida por Marshall
(Bagnasco, 1977/1988; Becattini, 1987/1989; Garofoli, 1986; Sengenberger e Pyke,
1991), a qual exerceu grande influência sobre a elaboração de abordagens
recentes do desenvolvimento local e regional como, por exemplo, a dos Sistemas
Locais de Produção, Clusters e
Arranjos Produtivos Locais. Outros autores ao analisar experiências localizadas
de desenvolvimento, destacam o fenômeno da acumulação flexível (Piore e Sabel, 1984).
Em relação à
gestão territorial, no Brasil, a ausência de uma institucionalidade voltada à
articulação localizada de atores diversos e a dissociação entre políticas de
desenvolvimento e a mobilização de recursos locais, se opõem à
territorialização do processo de desenvolvimento. Entende-se que a superação da
lógica distributiva de localização dos investimentos para uma lógica
territorial e de projetos, só é possível pela presença de uma
institucionalidade que articule os diferentes atores territoriais na definição
de suas expectativas de desenvolvimento e na sua gestão. Recentemente, alguns
avanços estão à vista no Brasil. Um deles é a aprovação da Política Nacional de
Desenvolvimento Regional, em fevereiro de 2006.
Especificamente,
no caso do Estado do Rio Grande do Sul, a estrutura dos Conselhos Regionais de
Desenvolvimento – COREDES e dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento –
COMUDES, de direito, mesmo que ainda não de fato, constituem-se em estruturas
de governança territorial, através das quais possa ser efetivada a gestão
territorial, de modo a contemplar o diálogo e a participação. Neste artigo,
apresenta-se uma base conceitual que fundamenta a afirmação aqui expressa,
iniciando pela abordagem introdutória do tema gestão territorial, democracia e
governança.
Gestão territorial, democracia e governança
Apesar da não
unanimidade, pesquisadores internacionais, dentre eles Kevin Morgan, reafirmam
a importância das questões regionais no mundo atual, principalmente, explicado
pela proliferação de sistemas de governança regionais, ou territoriais, em
vários países do mundo, tanto em países mais antigos, como nos de mais recente
criação. No entanto, o autor entende que é necessário aprofundar a reflexão
sobre alguns questionamentos, tais sejam: (a) a descentralização do poder à
escala regional constitui um passo politicamente progressista ou regressivo; (b)
o crescimento da governança regional potencia formas políticas mais
participativas e processos mais transparentes de formulação de políticas, ou é
só uma retórica populista para esconder a colonização de um novo âmbito por
novas elites; (c) permitem os sistemas de governança regional planejar
políticas mais de acordo com as circunstâncias ou se limitam a descentralizar portifólios
em lugar de poder, permitindo aos governos centrais transferir
responsabilidades sobre os assuntos regionais; (d) a mobilização regional deve
ser considerada como uma elogiável defesa pela identidade cultural ou como uma
resposta tardia e atávica ao rótulo homogeneizador da globalização (Morgan,
2005). Como reafirma o citado autor, existem defensores das duas posições
binárias. No entanto, o fato de continuarmos debatendo região e regionalismo,
“longe de ser um vínculo primário, condenado a eliminação pelo fenômeno da
globalização, as alianças territoriais sub-nacionais seguem vigentes” (Morgan,
2005, p. 178).
Assumir a
gestão territorial a partir de estruturas de governança tem uma relação direta
com a ampliação da prática democrática, não só na sua dimensão representativa,
mas também a democracia participativa - ou deliberativa, como vários autores
preferem chamá-la -, principalmente pelo fato de que a democracia não pode
resumir-se a um regime político que contempla eleições livres para os cargos
políticos nas diferentes escalas territoriais. A defesa da necessidade de
estruturas de governança que possibilitem associar democracia representativa
com democracia deliberativa é feita por diferentes autores.
Por exemplo,
Fleury (2004) defende a tese de que somente com um novo modelo que associe
democracia representativa com democracia deliberativa se gerariam as condições
necessárias para a concertação social em uma esfera pública ampliada, que
permita a criação de um novo pacto político, capaz de dar sustento às políticas
públicas distributivas. Referindo-se especificamente à situação dos países da
América Latina, afirma que o desenvolvimento de uma cultura democrática depende
de que se constituam atores sociais capazes de desenvolver formas de organização
e recursos estratégicos que lhes permitam ser incluídos em processos de
negociação e construção de projetos hegemônicos. As vantagens da deliberação se
expressam como o intercâmbio de informações entre os participantes e, ao mesmo
tempo, favorece os consensos que incluem interesses divergentes, tendendo,
assim, a promover a justiça distributiva.
Sobre a
questão da democracia, O’Donnell (2001) complementa, afirmando que a democracia
não é somente um regime democrático, senão também um modo particular de relação
entre Estado e cidadãos, e entre os próprios cidadãos, frente a um tipo de
estado de direito que, junto com a cidadania política, sustente a cidadania
civil e uma rede de prestação de contas. Fleury (2004) acrescenta que a
democracia deliberativa facilita a livre argumentação entre cidadãos iguais,
desde que contem com condições favoráveis de expressão, associação e participação.
Para tanto, é indispensável que se criem espaços públicos de representação,
negociação e concertação, assim como, um redesenho do papel do Estado,
permitindo a interação deste com a sociedade através do uso de novas
tecnologias, para definir as prioridades a partir das demandas expressadas pela
população e negociadas com os demais participantes, segundo regras previamente
acordadas, respeitando os princípios do reconhecimento, da participação e da
redistribuição.
O desafio
atual, segundo Calderón (2005), é a construção de uma ordem institucional
distinta, que necessariamente deve ser aberta, plural e capaz de administrar
conflitos. Tratar-se-ia de um potente mecanismo de gestão e planejamento
territorial. É importante admitir que, mesmo as experiências referidas, tais
como a dos COREDES e dos COMUDES, ainda precisam de avanços, bem como
reformulações em sua prática.
A defesa de
uma nova relação entre o Estado e a sociedade é feita por intelectuais que
vivenciaram experiências administrativas participativas, como Tarso Genro, na
cidade de Porto Alegre (RS). Segundo o autor, a reivindicação cidadã começa
como um processo de construção de milhares de organizações que promovam a
auto-organização da comunidade, criando uma esfera pública não estatal, que
gere novas formas de autonomia e inclusão (Genro, 1997). “A reconstrução da
esfera pública deve identificar-se claramente como parte da luta pela hegemonia
e a construção de um novo bloco no poder, que perpassa o Estado e requerem
novos aparatos, tecnologias e processos para exercer o poder, que inscrevam as
novas relações de poder na estrutura organizativa do Estado” (Fleury, 2004, p.
160).
A democracia
deliberativa, quando ineficaz, também apresenta riscos, tais como, o reforço às
posições corporativas e a dificuldade de consenso. Ao mesmo tempo, ao
considerar a necessidade de relações de igualdade entre os atores envolvidos
num processo deliberativo, pode fazer com que a própria desigualdade deixe de
ser discutida. É um risco que merece atenção. De qualquer forma, é
indispensável que a sociedade civil se fortaleça, evitando ser capturada por
processos de cooptação por parte do aparato estatal, sendo suficientemente
autônoma para preservar sua identidade e, ao mesmo tempo, forte, para que os
distintos atores vejam contemplados seus interesses na administração negociada
de seus conflitos, no processo de formação da agenda pública.
Bardhan
(2004), de forma muito incisiva, chama atenção, ao mesmo tempo, da importância
da descentralização e dos seus vícios. Um dos vícios é o relacionado aos
governos locais, sujeitos ao que se pode chamar de captura por parte das elites
locais. Segundo o autor, a facilidade ou dificuldade para que a elite local
capture ou coopte o governo, tem relação com vários fatores, dentre os quais: o
nível de desigualdade social e econômica local; a tradição de participação
política; de quanto consciente seja o votante; do nível de transparência local
nas eleições, na tomada de decisão e na prestação de contas dos governos; na forma
de atuação dos meios de comunicação locais. A relativização da força das elites
locais e, ao mesmo tempo, o fortalecimento da sociedade civil, só se efetiva em
processos qualificados de governança territorial.
No entanto,
Messner (2003) lembra que com a globalização, a economia mundial passa a ser o
marco de referência da economia nacional e regional. Trata-se, então de centrar
a atenção não só nas possíveis formas de governança local, ou regional, mas
também global. Defende o autor que os enfoques que têm abordado o fenômeno da
globalização e seus impactos no local, ou regional, podem ser agrupados em três
tendências – o enfoque neoliberal, a perspectiva dos críticos da globalização e
os que enfatizam a importância das interações local-global pela perspectiva da
ação intergovernamental –, os quais, segundo ele, são insuficientes para
interpretar o contexto mundial. Para o autor, é fundamental considerar as redes
de poder representadas pelas cadeias corporativas, que caracteriza como o Triângulo da Economia Global. As
observações feitas por Messner (2003), merecem a devida atenção, apesar terem
muito mais um caráter de avaliação crítica, do que de negação de princípios.
Servem como alerta, no sentido de ampliar nossa compreensão e ressaltar os
limites da governança local/regional/territorial[2].
De maneira
geral, pode-se afirmar que o conceito de governança, passa a ser utilizado em
publicações internacionais, principalmente a partir da década de setenta, em
meio à necessidade de novos argumentos para discutir os limites do Estado, o
qual se mostrava incapaz de fazer frente às necessidades de crescimento de uma
cidadania acostumada com altos níveis de bem-estar (PRATS, 2003).
Strom e
Müller (1999) definem governança como processos de interação entre atores
estratégicos. Atores estratégicos ou relevantes são os que contam com recursos
de poder suficiente para impedir ou perturbar o funcionamento das regras ou
procedimentos de tomada de decisão e de solução de conflitos coletivos (Coppedge,
1996). Quer dizer, são atores com poder de veto sobre uma determinada política.
O recurso de
poder tem diferentes origens. Pode proceder do controle de determinadas funções
públicas (exército, poder legislativo, executivo e judiciário, governos
estaduais e municipais...), ou do controle de fatores de produção (capital,
trabalho, matérias-primas, tecnologia...), ou do controle da informação e das
idéias (principalmente meios de comunicação social), ou da possibilidade de
produzir mobilizações sociais desestabilizadoras (grupos ativistas, movimentos
sociais...), ou mesmo da pretendida autoridade moral (igrejas, instituições
educativas...) (Prats, 2003).
Kooiman
(2004) refere-se aos processos de governança como formas de governo interativo
ou sócio-político, ou seja, acordos estabelecidos entre atores públicos e
privados com o fim de resolver problemas e criar oportunidades. Tais processos
de governança, segundo o autor, resultam de cadeias de interação e/ou interdependência,
cada vez mais institucionalizadas. Complementando, Milani & Solinís (2002) afirmam
que o termo governança pode ser definido, genericamente, como um processo
complexo de tomada de decisão que antecipa e ultrapassa o governo.
A governança territorial como fonte
sinergizadora do processo de gestão do desenvolvimento[3]
O tema
governança territorial e sua relação com a prática de gestão do desenvolvimento
têm recebido abordagens parciais, exigindo aprofundamento, principalmente na
indicação de uma terminologia que abarque enfoques interdisciplinares[4].
Aqui se
utiliza o termo governança territorial para referir-se às iniciativas ou ações
que expressam a capacidade de uma sociedade organizada territorialmente, para
gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos
atores sociais, econômicos e institucionais.
Já o termo
sistema de governança territorial, pode ser utilizado para referir-se ao
conjunto de estruturas em rede, através das quais os atores/agentes e
organizações/instituições territoriais atuam no planejamento e consecução das
ações voltadas à gestão territorial. Boscherini e Poma (2000), com sentido
semelhante, referem-se ao sistema institucional territorial, como o conjunto de
agentes locais que, segundo os autores, precisam avançar do papel de ferramentas de government do território,
para agentes da governance do territorial.
A posição destes autores não conflita com a argumentação aqui explicitada, pelo
contrário, a complementa.
Assumir o
presente conceito de governança territorial implica em admitir a sociedade
civil de um território ou região como uma das fontes de poder nos processos de
governança global. Trata-se da interação entre micro e macro-atores,
contemplando a perspectiva de afirmação dos interesses e necessidades
territoriais. No entanto, é importante lembrar que, essa interação de uma forma
igualitária, implica na necessidade de estruturação de um sistema de
governança, não só territorial, mas também global, em que a sociedade tenha vez
e voz, o que exige avanços radicais.
Não são
muitos os autores que têm se referido à governança na sua dimensão territorial,
ou mais precisamente, na sua relação com o debate sobre desenvolvimento.
Conforme Bandeira (2000), a incorporação do conceito de governança à abordagem
do desenvolvimento é relativamente recente. Até a década de setenta
predominavam, ainda, as abordagens focalizadas na ação do governo, que viam na
atuação do setor público o motor do processo de desenvolvimento. Na década de
oitenta, essa compreensão ampliou-se, passando a estar focalizada na administração
do desenvolvimento, incorporando a avaliação da capacidade do Estado para
integrar e liderar o conjunto da sociedade. Na década de noventa, a abordagem
ampliou-se ainda mais, passando a ser focalizada tanto na capacidade do estado
quanto da iniciativa privada e da sociedade civil como atores do
desenvolvimento. Passou a ser crescentemente enfatizada a natureza democrática
da governança, abrangendo os mecanismos de participação, de formação de
consensos e de envolvimento da sociedade civil no processo de desenvolvimento.
Mas os
processos de governança territorial a que se fez referência ocorrem
localizadamente, na dinâmica territorial do desenvolvimento. Avancemos nesta
reflexão.
A dinâmica territorial do
desenvolvimento como demonstrativa da possibilidade de territorialização do
processo de gestão do desenvolvimento
A referência à dinâmica territorial do desenvolvimento, dentre outras
razões possíveis, justifica-se pelo fato de que se entende que o
desenvolvimento ocorre localizadamente, no território, na região, no município,
na localidade, logo porque desenvolvimento territorial, que pode substituir
termos usuais como desenvolvimento local, desenvolvimento regional,
desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento humano, desenvolvimento
local/regional sustentável, ou outros. O qualificativo territorial abarca todas
estas dimensões.
A dinâmica territorial do desenvolvimento refere-se ao conjunto de
ações relacionadas ao processo de desenvolvimento, empreendidas por
atores/agentes, organizações/instituições de uma sociedade identificada
histórica e territorialmente. O seu uso sustenta-se na hipótese de que o
desenvolvimento tem uma relação direta com a dinâmica (social, econômica,
ambiental, cultural e política) dos diferentes territórios. Dependendo do tipo
de ação, passiva ou ativa, dos atores territoriais na defesa dos seus
interesses, frente ao processo de globalização, os territórios assumem opções
de desenvolvimento que os favorecem ou que os prejudicam, em diferentes
intensidades, transformando-se em territórios do tipo inovadores/ganhadores ou
submisso/perdedores. Desse processo dialético global-local, de ação-reação,
cujas intenções são projetadas pela dimensão global, mas acontecem no
território, resultam as diferenciações ou desigualdades territoriais.
O bloco socioterritorial como
instituinte do processo de gestão do desenvolvimento
Para avançar, propõe-se aqui o termo bloco socioterritorial, para
referir-se ao conjunto de atores localizados histórica e territorialmente que,
pela liderança que exercem localmente, assumem a tarefa de promover a definição
dos novos rumos do desenvolvimento do território, por meio de processos de
concertação público-privada que contemplem o caráter democrático-participativo.
Na literatura recente, são feitas algumas referências ao termo, com
sentido similar ao atribuído aqui. Por exemplo, Benko (1999) afirma que a
escolha política de um modelo de desenvolvimento, a expensas de outro, tem origem
na emergência de um novo bloco sócio territorial, que determina o tipo de rede
industrial e de emprego locais e os rumos do desenvolvimento do território.
Becker (2001) utiliza o termo bloco
hegemônico regional, para indicar a quem cabe a articulação e coordenação do processo de desenvolvimento local e
regional, dando um sentido similar ao termo bloco socioterritorial. Da
mesma forma, Portelli (1997) ao fazer uma defesa sobre a importância da primazia da sociedade civil sobre a
sociedade política, interpretando Gramsci, faz referência ao bloco histórico.
No caso
específico aqui referenciado, a experiência dos COREDES, o bloco
socioterritorial seria representado pelo conjunto de lideranças que compõem
suas instâncias de decisão, principalmente, o Conselho de Representantes.
A concertação social como norma
no processo de gestão do desenvolvimento
Para o melhor entendimento do termo concertação, é fundamental
referir-se à sua origem: a palavra concerto. Concerto, entendido como o ato de
concertar, harmonizar interesses, ou seja, de realizar a concertação. Para
entender o sentido do termo concertação é indispensável ainda relacioná-lo com
o de pacto. Pacto, entendido como acordo em situações de impossibilidade de
superar desafios, senão pela conjugação de esforços, agindo em concerto.
Assim, entende-se a concertação social como o processo em que
representantes das diferentes redes de poder socioterritorial, através de
procedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da
gestão territorial de forma descentralizada. É fundamental que seja através de
processos de concertação social que a sociedade de uma determinada região
organizada em suas redes de poder socioterritorial, democraticamente, se
proponha construir consensos mínimos que representem as decisões acordadas
naquele momento histórico, no que se refere à superação dos seus desafios. Isso
implica na participação cidadã dos diferentes atores sociais, econômicos e
institucionais, como protagonistas do processo.
Toda a prática de concertação social implica em uma relação horizontal
entre diferentes, onde cada um participa ativamente, em condições iguais,
fortalecendo relações de confiança entre os setores, facilitando a comunicação
e o entendimento entre eles, contribuindo para uma boa governança territorial.
Tem-se presente que a perspectiva da participação igualitária dos
diferentes segmentos da sociedade organizada territorialmente é um desafio
ainda não superado, com diferenças significativas nos diferentes âmbitos
espaciais. Assim, os processos de concertação social, dentre outros desafios,
precisam contemplar formas de empoderamento social dos atores mais frágeis. De
qualquer forma, realizar a gestão do processo de desenvolvimento territorial na
perspectiva da concertação social implica numa revalorização da sociedade
civil, assumindo o papel de protagonista, com postura propositiva, geradora de
novas propostas, ou reativa, fazendo a crítica e/ou reagindo às diferentes
formas de intervenção externa que por ventura desrespeitem as expectativas
locais.
As redes de poder socioterritorial como
estrutura de poder no processo de gestão do desenvolvimento
Inicialmente
é necessária uma explicitação mínima sobre poder, no sentido de situá-lo no
contexto da temática aqui refletida. A concepção de poder aqui explicitada
refere-se ao conjunto de relações de força que se articula em redes, nas quais
se estruturam as atividades socioeconômicas de um determinado território ou
região.
Já foram
feitas referências acima quanto ao conceito de território e desenvolvimento
territorial. Talvez fosse necessário reforçar tal referência, acrescentando a
concepção de território de três autores da Geografia: (1) Santos e Silveira
(2001), que concebe o território como uma extensão do espaço apropriada e usada;
(2) Corrêa (1994), que o concebe como um espaço de ação e poder e, (3) Souza
(1995), que o concebe como espaço territorializado, apropriado pelo homem,
regido por interesses sociais, culturais, ambientais e econômicas de uma
sociedade. Em todas as definições a noção de território está associada à noção
de poder.
O poder
precisa ser concebido na sua dimensão multidimensional, pois se considera que o
Estado não é o único ator capaz de determinar os processos sobre o território.
Insere-se, então, nesse cenário o poder da sociedade civil e do mercado. Assim,
as aqui chamadas redes de poder socioterritorial, são constituídas
regionalmente pelas estruturas estatais nas suas diferentes esferas, pelas
diferentes formas de organização social ou institucional da sociedade civil e
pelas organizações corporativas que atuam regionalmente. Frente a isso, o
conceito território adquire importância, pois é o poder expresso pelos atores
sobre o espaço e sua apropriação que leva à formação dos mesmos, ou a novos
usos políticos e econômicos do território. Becker (1983, p. 7-8), reforça esta
idéia:
Face à multidimensionalidade do poder, o espaço
reassume sua força e recupera-se a noção de território. Trata-se, pois, agora
da geopolítica de relações multidimensionais de poder em diferentes níveis
espaciais. No momento em que se retorna à análise das relações de poder (...) o
território volta a ser importante, não mais apenas como espaço próprio do
Estado-Nação, mas sim dos diferentes atores sociais, manifestação do poder de
cada um sobre uma área precisa. O território é um produto “produzido” pela
prática social, e também um produto “consumido”, vivido e utilizado como meio,
sustendo, portanto, a prática social (Grifos do autor).
Raffestin (1993) afirma que o território é produto
dos atores sociais, do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações,
pequenas ou grandes. São esses atores que produzem o território, composto por
nós, malhas e redes. Assim, na era da globalização, a rede assume papel
dinamizador do território, não se opondo ao mesmo. Segundo Haesbaert (2002), o
território não significa somente enraizamento, estabilidade, limite e/ou
fronteira, incluindo, também, o movimento, a fluidez, as conexões, sendo a rede
responsável por transportar o global ao local e vice-versa, tendo tanto um
caráter técnico, quanto social.
Para Dowbor
(1999), a questão do poder, ou mais precisamente do poder local, ou
territorial, envolve a questão básica de como a sociedade decide o seu destino,
constrói sua transformação, se democratiza. E acrescenta: o poder local, com
seus instrumentos básicos que são a participação e o planejamento
descentralizado, constitui-se num mecanismo de ordenamento político e econômico,
que já deu provas de eficiência, principalmente nos chamados países
desenvolvidos.
Estas breves
argumentações, referenciadas em alguns autores contemporâneos, justificam
minimamente o sentido de se estar utilizando neste artigo o termo redes de
poder socioterritorial. A tessitura de tais redes, com suas malhas por onde
circulam os diferentes fluxos, com seus nós ou pontos de conexão, resulta da
articulação de cada grupo de representação da sociedade, fazendo uso de seu
poder na defesa de seus interesses, no processo de construção dos territórios.
Redes de
poder socioterritorial, é um termo que se propõe utilizar para referir-se a
cada um dos segmentos da sociedade organizada territorialmente, representados pelas suas lideranças,
constituindo-se na principal estrutura de poder que, em cada momento da
história, assume posição hegemônica, tornando-se capaz de dar a direção
político-ideológica ao processo de desenvolvimento.
O exercício
da chamada governança territorial acontece através da atuação e interação dos
diferentes atores da sociedade, oriundos das redes de poder socioterritorial.
Estas redes de poder constituem-se a partir de interesses grupais de diferentes
ordens, ou de interesses corporativos. Algumas destas redes têm abrangência
restrita à dimensão local, outras atingem a dimensões regional, estadual,
nacional e até internacional. Quanto mais densas ou mais abrangentes forem suas
conexões, maior poder representam. A participação ativa dos atores locais, no
exercício da governança territorial, efetiva-se nos processos de concertação
social, pela elaboração dos consensos grupais ou corporativos, constituindo-se
numa das condições básicas para que se efetive uma gestão territorial do tipo societária, ou seja, a gestão
territorial.
A utilização
do termo redes de poder socioterritorial, parte da hipótese de que os
indivíduos têm diferentes necessidades e desejos, que são particulares, mas
que, pela sua participação em grupos, sejam de interesses ou corporativos,
reconhecem-se grupalmente pelos objetivos semelhantes, com quem passam a
interagir, formando redes. Criam-se, então, as condições de exercício do poder,
podendo direcionar suas demandas comuns, às instâncias onde são tomadas as
decisões. Assim, nos diferentes processos de concertação social, constitui-se
um conjunto de lideranças possuidoras da posição hegemônica localmente, que
passam a formar o chamado bloco
socioterritorial. Como resultante, o projeto político de desenvolvimento
a ser então construído, abarca, predominantemente, a visão de sociedade desta
parcela hegemônica, podendo ser diferente do momento histórico anterior ou
seguinte, da mesma forma que de outros âmbitos espaciais.
Com relação
aos diferentes sentidos atribuídos ao termo rede, considera-se o mesmo como
sendo o conjunto de relações de comunicação que grupos sociais situados
historicamente num determinado território, estabelecem para atingir objetivos
comuns com vistas ao desenvolvimento territorial. A participação dos atores regionais no exercício da governança
territorial, efetivada nos processos de concertação social, resulta na
elaboração dos consensos grupais ou corporativos, estes aqui denominados pactos
socioterritoriais.
Mas é
fundamental levantar aqui uma questão importante, mesmo sem ter a pretensão de
esgotar o tema. Por hipótese, admite-se que a gestão do desenvolvimento deve
ser feita através de processos de concertação público-privada, tendo as
lideranças das diferentes redes de poder socioterritorial como protagonista
principal. Sabe-se, no entanto, que não vivemos numa sociedade plenamente
democrática. Assim, além da necessidade de empoderamento dos atores mais
frágeis, é fundamental considerar o desafio de que outros interesses exclusos
interferem no processo de tomada de decisão sobre a apropriação e uso dos territórios,
ou seja, a gestão territorial. Entende-se, portanto, que a possibilidade de
relativização da interferência destes interesses exclusos aumenta na mesma
proporção da consistência da organização socioterritorial de cada âmbito
espacial.
Os pactos socioterritoriais como resultantes
da concertação social instituída no processo de gestão do desenvolvimento
A expressão pacto socioterritorial é aqui proposta para referir-se
aos acordos ou ajustes decorrentes de processos de concertação social, que
ocorrem entre os diferentes representantes de uma sociedade organizada
territorialmente, relacionados à definição de seu projeto de desenvolvimento
futuro. A construção de pactos, considerando a concepção teórica aqui
defendida, é indispensável que sejam protagonizados pelos representantes das
chamadas redes de poder socioterritorial de um determinado território ou
região.
Historicamente, a idéia da necessidade de construção de um pacto,
está associada à condição da sociedade de um país, território ou região que atravessa
uma situação emergencial. Aqui, o uso do termo pacto socioterritorial não
contempla apenas as situações emergenciais, entendendo que o mesmo resulta dos
acordos que, temporal e espacialmente, tornam-se indispensáveis no processo de
planejamento e gestão territorial (Dallabrida e Becker, 2003). Com isso, o
pacto socioterritorial resulta da articulação do bloco socioterritorial,
constituído pelos representantes das redes de poder socioterritorial, no
processo de concertação social para
o desenvolvimento.
Conforme já referido, falar em concertação social é falar no processo
em que, procedimentos voluntários de conciliação e mediação, dão lugar a
entendimentos informais ou escritos, entre diferentes setores da sociedade,
sobre a maneira mais adequada de efetuar a conjugação de interesses setoriais e
gerais, numa situação que exige soluções rápidas e eficazes. Os acordos
resultantes, os resultados das discussões e entendimentos, as definições
consensadas, resultam no pacto socioterritorial. O pacto socioterritorial, na
medida em que ele resulta de um processo democrático de concertação social,
articulado pelas lideranças representativas das redes de poder socioterritorial,
transforma-se no projeto político de desenvolvimento de uma sociedade
organizada territorialmente.
Alguns autores utilizam termos com sentido semelhante ao aqui
referido. Por exemplo, Vázquez-Barquero (2000), utiliza o termo pacto
territorial, para referir-se a um acordo entre os atores públicos e privados
que permite identificar as ações de natureza diversa que facilitam a promoção
do desenvolvimento local integrado de um determinado território ou região. Tal
pacto, segundo o autor, baseia-se num projeto que surge no território e que
utiliza os recursos e o potencial de desenvolvimento local, com condições de
mobilizar os empresários e obter o apoio das forças sociais, de tal forma que
os investidores se sintam interessados em investir localmente, que resulte de
um processo de concertação entre os diversos atores sociais e agentes econômicos
e institucionais locais.
Da mesma
forma, os aqui chamados pactos socioterritoriais, como acordos pactuados
territorialmente, são constituintes dos planos de desenvolvimento
local/regional/territorial de um determinado território ou região, instituídos
nos diferentes momentos de sua história.
O desenvolvimento como resultado final do
processo de governança territorial
Aqui, prefere-se
utilizar o conceito território para referir-se a uma fração do espaço historicamente construída através das
inter-relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste
âmbito espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em
motivações políticas, sociais, ambientais, econômicas, culturais ou religiosas,
emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou
indivíduos[5].
Em relação ao conceito desenvolvimento, assume-se uma
posição que tem relação com o campo das ciências sociais, mais precisamente, a
Geografia: o uso preferencial do conceito desenvolvimento territorial. Não se desconhece a diferença
conceitual entre local e regional. No entanto, considerando o conceito aqui
assumido de território, parece mais adequado, sob o ponto de vista teórico, o
uso da expressão desenvolvimento territorial.
Primeiro, porque a noção de território pode referir-se aos âmbitos espaciais
com abrangência tanto local como regional. Segundo, pelo fato de que o conceito
de território assumido tem uma correlação muito mais próxima com o enfoque de
desenvolvimento aqui destacado.
Somando-se às
razões já referidas, assume-se o uso preferencial do conceito desenvolvimento
territorial, por entender que o desenvolvimento, além da dimensão tangível
(material), que tem nos aspectos econômicos sua expressão maior, possui uma
dimensão intangível (imaterial). Assim, dentre os fatores causais do
desenvolvimento, a dimensão possível de ser expressa pelos indicadores
econômicos refere-se à dimensão tangível, enquanto a dimensão intangível
refere-se à capacidade coletiva para realizar ações de interesse social. No
entanto, a justificativa principal é a necessidade de entender o processo de
desenvolvimento na sua dimensão localizada, superando a setorialização,
integrado nas suas diferentes dimensões (econômica, social, cultural,
ambiental, política, físico-natural...).
Com isso, seria possível afirmar que o desenvolvimento territorial pode ser entendido como um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos capitais e recursos (materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à dinamização econômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população.
Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento –
COREDES do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil)
Diferentes obras têm se referido à experiência dos COREDES,
destacando-se: Bandeira (2000), Frantz (2004) e Dallabrida e Bütembender
(2006). Aqui faremos uma referência sintetizada sobre sua organização,
situando-os no debate aqui contemplado.
Os COREDES constituem a instância institucional de articulação
regional com vistas à definição das estratégias de desenvolvimento de cada uma
das 24 regiões em que é dividido o Estado do Rio Grande do Sul. Esta mesma
regionalização, paulatinamente, está servindo de referência para o Governo do
Estado, com o fim de sediar suas estruturas administrativas. Durante o primeiro
semestre de 2006, iniciou-se um novo debate, envolvendo o Governo Estadual, a
Assembléia Legislativa, as Federações das Associações de Municípios, as
Universidades e o Fórum Estadual dos COREDES, para rediscutir tal
regionalização, podendo resultar no aumento do número de regiões, além de haver
o propósito de que esta nova regionalização sirva de referência, tanto para a
localização das estruturas administrativas governamentais, como as corporativas
e as institucionais.
A criação dos COREDES não se constitui em um fenômeno novo. A
implantação dos Conselhos pode ser interpretada como uma resposta concreta e
local aos processos sociais de transformações ocorridos a partir da década de
80, no Brasil e no mundo. Como tais, os COREDES representam o início de uma
ruptura na forma tradicional de gestão pública.
A nova
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, promulgada em 1989,
O Governo do
Estado, em 1991, atendendo ao Artigo 55 das disposições constitucionais
transitórias conclamou a sociedade a se organizar
A estrutura básica dos COREDES prevê: (1) uma Assembléia Geral
Regional, como instância máxima de decisão, composta por representantes da
sociedade civil organizada e dos Poderes Públicos existentes na região,
assegurada a paridade entre trabalhadores e empregadores; (2) um Conselho de
Representantes, como órgão executivo e deliberativo de primeira instância do
COREDE, ao qual compete formular as diretrizes para o desenvolvimento regional,
promover a articulação e integração regional entre a sociedade civil organizada
e os órgãos governamentais, promover a articulação do COREDE com os órgãos
públicos estadual e federal, com vistas a integrar as respectivas ações
desenvolvidas na região, além de ter a função de elaborar o Regimento Interno;
(3) Comissões Setoriais, que tratam dos temas específicos, com função de
assessoramento, de estudo dos problemas regionais e elaboração de programas e
projetos regionais e, (4) uma Direção Executiva, composta por um presidente, um
vice-presidente, um tesoureiro e um secretário, que tem mandato de dois anos,
cabendo-lhes dirigir a Assembléia Geral, o Conselho de Representantes e as
Comissões Setoriais. O conjunto dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento das
regiões constitui o Fórum Estadual dos COREDES, instância de articulação e
coordenação da ação dos conselhos no Estado.
Os COREDES como estrutura de poder da
sociedade riograndense
Na introdução
deste artigo, são levantadas duas questões: a) quais as possibilidades de
instituir um processo de gestão territorial que contemple estratégias de
concertação social? b) quais estruturas de governança territorial são
necessárias? Considerando a reflexão teórica até aqui explicitada, parece
oportuna uma nova interrogação: a estrutura legal e a prática dos COREDES
oportunizam condições para a operacionalização da gestão territorial que
contemple estratégias de concertação social?
Em relação à
questão central - a estrutura legal e a prática dos COREDES oportunizam
condições para a operacionalização a gestão territorial que contemple
estratégias de concertação social? -, sem a pretensão de absolutizar a resposta,
parece possível afirmar que: de direito, mesmo que ainda não de fato em todas
as regiões, e apresentando diferentes estágios e trajetórias, a estrutura legal
e organizativa dos COREDES, é minimamente suficiente para constituir-se como
estrutura de poder da sociedade riograndense para a instituição de uma prática
da gestão territorial que contemple o diálogo e a participação.
Para exemplificar, considerando a organização institucional proposta
pelos COREDES, o bloco socioterritorial de uma região estaria representado na
composição do Conselho de Representantes e da sua Assembléia Geral Regional.
Com pequenas variações de uma para outra região, em geral, a Assembléia é
composta pelas seguintes representações políticas, sociais, institucionais e
econômicas regionais: os deputados estaduais e federais com domicilio eleitoral
na região; os prefeitos municipais e presidentes das Câmaras Municipais, dos
municípios integrantes do COREDE; um representante de cada partido político com
pelo menos um diretório municipal organizado na região de abrangência do
COREDE; um representante de cada órgão público estadual ou federal de caráter
regional; um representante de cada universidade ou instituição de ensino
superior com sede na região; um representante de cada pólo de desenvolvimento
cientifico e tecnológico localizado na região; um representante de cada
sindicato dos trabalhadores legalmente constituídos na região; um representante
de cada sindicato ou associação dos empregadores, ou entidades representativas
empresariais, de profissionais liberais, comércio e serviços, legalmente
constituídos na região; três representantes de cada Conselho Municipal de
Desenvolvimento legalmente constituído na região de abrangência do COREDE; um
representante dos movimentos sociais legalmente constituídos e em atividade na
região, devidamente habilitados pela Assembléia Geral Regional; um
representante dos Movimentos Ecológicos ligados a entidades não governamentais,
legalmente constituídos e em atividade na região; um representante dos
Conselhos de Associações de Moradores de Bairros, organizados e em atividade
nos municípios da região; um representante de cada cooperativa dos diferentes
segmentos, com sede na região; um representante dos estudantes de cada
universidade ou instituição de ensino superior com sede na região, e um
representante das Uniões de Grêmios Estudantis da região.
Como já referido, este conjunto de representantes da sociedade
regional pode ser considerado o bloco socioterritorial de uma região. Por outro
lado, este é constituído pelos representantes das redes de poder
socioterritorial, ou seja, dos segmentos da sociedade organizada regionalmente.
Os acordos consensados, sobre prioridades de desenvolvimento, municipal e
regional, se constituiriam nos chamados pactos socioterritoriais, ou planos de
desenvolvimento local/regional/territorial.
As decisões pactuadas, ou planos de desenvolvimento, se constituiriam
no resultado final do processo de governança territorial. O exercício da
governança territorial ocorreria em seus fóruns correspondentes: regionalmente,
nas instâncias dos COREDES e, nos municípios, nos COMUDES. Importante: a
concertação social tem sido aqui concebida como norma no processo de gestão do
desenvolvimento. Logo, as instâncias dos COREDES e COMUDES, de cada região e
município, se constituiriam em espaços permanentes de concertação
público-privada.
Assim, duas condições essenciais se efetivariam: a governança
territorial como fonte sinergizadora e a dinâmica territorial do
desenvolvimento como demonstrativa da possibilidade de territorialização do
processo de gestão do desenvolvimento.
Restaria ainda uma questão em aberto: a estrutura legal e a prática
dos COREDES (e complementarmente dos COMUDES) oportunizam condições para a
operacionalização desta proposta de gestão territorial? A avaliação
oportunizada pela observação da prática dos COREDES e COMUDES, é de que são
necessários avanços. Sobre a estrutura legal que disciplina a organização e a
ação dos COREDES, poucas mudanças são necessárias. Em geral, seu Estatuto e os
Regimentos Internos, contemplam minimamente a possibilidade de suas instâncias
transformarem-se em espaços de concertação público-privada.
Quanto aos COMUDES, se apresentam grandes desafios. Como sua
constituição é mais recente, estes carecem de regimentos internos que definam
claramente as formas de participação das representações da sociedade no âmbito
municipal. Em muitos casos, sua constituição foi feita a partir da lógica das
administrações municipais, tornando-se pouco representativos dos diferentes
segmentos da sociedade local.
Quanto à participação dos diferentes segmentos da sociedade nas instâncias dos COREDES e COMUDES, a situação é diferenciada. Alguns Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Estado têm uma boa prática. Outros carecem de avanços. Nos COMUDES, a partir da observação da prática, em apenas uma minoria a participação é representativa. De qualquer forma, é necessário maiores observações investigativas para dar conta da resposta desta questão. O debate acadêmico, a partir da apresentação deste ensaio teórico e a continuidade da investigação sobre o tema, trarão mais elementos de análise e conclusões mais precisas[6].
Considerações finais
Diferentes
afirmações, de diferentes autores, foram referenciadas neste artigo. Algumas
delas reforçam de maneira especial a construção teórica aqui desenvolvida para
situar os COREDES e COMUDES como estruturas de governança territorial. Dentre
muitas, citamos: é indispensável que se criem espaços públicos de
representação, negociação e concertação; é fundamental a construção de uma
ordem institucional distinta, que necessariamente deve ser aberta, plural e
capaz de administrar conflitos; governança, como processos de interação entre
atores estratégicos; atores estratégicos ou relevantes como os que contam com
recursos de poder suficiente para impedir ou perturbar o funcionamento das
regras ou procedimentos de tomada de decisão e de solução de conflitos.
Os referidos espaços públicos
de representação, negociação e concertação - pessoalmente chamados de espaços permanentes de concertação
público-privada -, são os COREDES e COMUDES, na institucionalidade atual do
Estado do Rio Grande do Sul. Espaços que, de direito, permitem ser abertos,
plurais e capazes de administrar conflitos e detectar oportunidades. Espaços,
onde pode ocorrer concretamente a gestão territorial, que, aqui, confunde-se
com o conceito de governança territorial.
A governança territorial pode
ser percebida como uma instância institucional de exercício de poder de forma
simétrica no nível territorial. A sua prática incide sobre três tipos de processos:
(a) a definição de uma estratégia de desenvolvimento territorial e a
implementação das condições necessárias para sua gestão; (b) a construção de
consenso mínimos, através da instauração de diferentes formas de concertação
social como exercício da ação coletiva e, por fim, (c) a construção de uma
visão prospectiva de futuro.
Uma prática qualificada de
governança territorial é um requisito indispensável para a efetivação da gestão
territorial, com vistas ao desenvolvimento territorial. A gestão do
desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público-privada,
implica numa revalorização da sociedade, assumindo o papel de protagonista, com
postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas estatais
nas suas diferentes instâncias.
Por fim, reforça-se a perspectiva de que é através de processos de concertação social que a sociedade de uma determinada região ou território, organizada em suas redes de poder socioterritorial, democraticamente, constrói consensos mínimos, os quais representem as decisões consensadas naquele momento histórico no que se refere à superação dos seus desafios, resultando nos chamados pactos socioterritoriais, ou seja, nos seus planos de desenvolvimento territorial. Esta é uma das possibilidades para que, dadas determinadas condições histórico-culturais locais, se efetive concretamente a gestão territorial, na qual possa ser contemplado o diálogo e a participação.
[2]
Em Fernández e Dallabrida (2006), esta questão é aprofundada, propondo a necessidade
de estruturas de governança multiescalares.
[3]
Este artigo resulta de reflexões oportunizadas pela execução de dois Projeto de
Pesquisa: Estratégias de Gestão do
Processo de Desenvolvimento: diagnóstico e análise sobre a região Fronteira
Noroeste/RS/Brasil e Estudo sobre
possibilidades de integração horizontal e vertical nos arranjos produtivos da
região Fronteira Noroeste. Ambos foram desenvolvidos no Mestrado em
Desenvolvimento da UNIJUI, contando com financiamento da FAPERGS. Em Dallabrida
2006 é realizada uma primeira versão deste tema.
[4]
Em Dallabrida e Becker (2003), fez-se uma abordagem introdutória sobre o tema
govenança territorial.
[5]
Em Siedenberg (2006) – Dicionário do
Desenvolvimento Regional -, são propostos conceitos sobre vários termos
aqui utilizados. Na referida obra, pessoalmente, contribuo com vários verbetes,
dentre os quais: região, território, governança territorial, pacto
socioterritorial e concertação social.
[6]
Quando aqui se faz referência às experiências de governança territorial, tem-se
presente pesquisas e observações sobre uma das regiões do COREDE: a região
Fronteira Noroeste. Tal processo é relatado e analisado em várias publicações,
destacando-se: Dallabrida e Brose (2002); Dallabrida (2004); Dallabrida et all (2005).
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