IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

Quando a Geografia CrÍtica É um pastel de vento

e nÓs, seus profesores, Midas

 

 

Nestor André Kaercher

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

nestorandre@yahoo.com.br

 


Quando a Geografia Crítica é um pastel de vento e nós, seus profesores, Midas (Resumo):

 

Como o movimento da Geografia Crítica chega ao Ensino Fundamental e Médio? Qual a contribuição da Geografia Crítica na renovação do ensino? Quais as concepções de Educação e de Geografia que os professores estão construindo com seus alunos? Observamos dez professores de Geografia do Ensino Fundamental e Médio em treze escolas distintas de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul. Constatamos a dificuldade de se renovar as práticas pedagógicas, bem como de se construir um bom embasamento teórico que promova um ensino dinâmico, plural, instigante, reflexivo e democrático, enfim, uma Geografia que pense a ontologia do ser humano a partir do espaço vivido.

 

Palavras-chave: Ensino de Geografia no Ensino Fundamental e Médio;Formação de professores de Geografia;  Geografia Crítica e Epistemologia da prática do professor

 

 


When critical geography is and arid subject and we, its instructors, having to be Midases   (Abstract):

 

How does critical geography gain entry to elementary and middle grade schools?  What is the contribution of critical geography to the revitalization of teaching? What are the educational and geographic conceptions that the teachers are building with their students?  To help answer such issues, ten elementary and middle school teachers were observed, in thirteen schools of Porto Alegre (the capitol city of the southernmost Brazilian state: Rio Grande do Sul). We found that these teachers had difficulty in renewing their pedagogic practice as well as at establishing a good theory base that would promote a more dynamic, plural, instigative, insightful and democratic teaching. In other words, a Geography ontologically thought of from the space we live in.     

 

Key words: Primary and secondary teaching of Geography; Geography teachers training; Critical Geography; Epistemology of the teacher’s practice

 


 

 

Diagnosticar o estado da arte do ensino de Geografia no Ensino Fundamental e Médio (EFM), ainda que seja a partir do microcosmo da cidade de Porto Alegre, pode ser um bom motivo para apontarmos entraves - obstáculos epistemológicos, segundo Bachelard (1996) – que emperram nossa ação pedagógica. E também, a partir do entendimento do modus operandi dos professores, vir a propor pistas para uma outra – entre tantas possíveis – forma de se relacionar com a disciplina e com os discentes.

 

Este trabalho não tem o caráter prescritivo, mas quer ser um pretexto para a discussão coletiva na busca da sempre necessária renovação das práticas escolares. A justificativa para a discussão desta temática, o ensino, encontro em Unwin (1992, p. 284):

 

A maioria daqueles que dizem ser geógrafos profissionais se dedica a dar aula nas distintas etapas do sistema educativo. É, por isso, extraordinário que se preste tão pouca atenção ao ensino de Geografia nos centros (de ensino) superiores.

 

Aliado a isso, veremos que muitos autores criticam, além  da pouca atenção à reflexão sobre o ensino, uma baixa densidade na discussão dos fundamentos epistemológicos da geografia. Esta parca discussão decorre de uma concepção que considera ‘tudo é geografia’, porque tudo ocorre no espaço. Então, qualquer assunto enfocado em aula será entendido pelos alunos como ... geográfico. A isso chamarei de professor Midas geográfico, em alusão ao personagem mitológico que transformava tudo que tocava em ouro/geografia.

 

Uma hipótese

 

A Geografia Crítica é/era uma utopia que queríamos alcançar: um ensino renovado, que fizesse o aluno pensar (= diferente do status quo), que politizasse as temáticas, enfim, que fizesse da Geografia uma disciplina atraente e de maior caráter reflexivo. Um sonho a perseguir ou a busca do paraíso aqui na Terra!?

 

Utopia a construir, a partir de uma prática renovada, a partir de uma maior densidade teórica ou, uma quimera, algo inexistente e inexequível, à medida que só se renovou o palavreado? Uma casca diferente para um conteúdo que continuasse muito semelhante à Geografia Tradicional? Lembrando o clássico ‘O Leopardo’, de Lampedusa (2002, p.228-231): as coisas tem que mudar para ... não mudarem!

 

A hipótese que levantamos é a Geografia Crítica como um obstáculo epistemológico (Bachelard), ou como uma palavra-mestra (Morin, 1986). Geografia Crítica uma idéia, uma palavra-gesso, pois, o rótulo ‘crítico’ rebaixa, engessa a discussão. Em nome da Geografia Crítica criticamos aos outros, mas esquecemos de pensar em nossas crenças e práticas.

 

Em nome da Geografia Crítica corre-se o perigo de fazer da Geografia um pastel de vento: boa aparência externa, mas pobre na capacidade de reflexão. Muito conteudismo, baixa reflexividade.

           

Parece que a formação inicial dos licenciados em geografia tem trabalhado numa lógica demasiadamente conteudista e dicotômica (primeiro, nos departamentos de Geografia, o conteúdo da Geografia, depois, na Faculdade de Educação, os contéudos para se transformar em professor).

 

O modelo de professor está calcado excessivamente na crença da racionalidade, que coloca ênfase, quase exclusiva, no professor como um repassador de informações, um agente que se relaciona com seus alunos apenas através do seu lado racional.

 

Que espaço a formação inicial tem dado para se refletir em aspectos ‘não racionais’ da docência: o conflito, o medo, a insegurança, a resistência, a indisciplina, o desinteresse, o desejo?

 

Evitamos intencionalmente, definir a priori nossas concepções de Geografia, e, mais ainda, evitamos listar também a priori, um somatório de ‘virtudes’ a serem perseguidas pelos professores.

 

Seria um exercício idealista e inócuo: projetar um modelo ideal de professor, a partir da adição de uma série de positividades (saber bastante Geografia, fazer bom uso dos recursos didáticos, só para citar dois exemplos) que cada um dos professores observados apresentasse. Sabemos: não há professor ideal, menos ainda apontado num estudo acadêmico, distante do calor do dia a dia da sala.

 

A práxis, a existência humana necessitam/implicam a modelagem do espaço. O homem configura os espaços conforme seus interesses e necessidades – claro que com as limitações da natureza – e, ao fazer-se civilização, deixa suas marcas no espaço. Estas marcas, uma vez construídas (uma casa, uma estrada, uma fábrica, uma drenagem, uma irrigação, etc.) muitas vezes condicionarão a existência das futuras gerações.

 

Vários autores (Sposito, 2004, p.28; Castro, 1995, p. 347; Unwin, 1992, p. 269, Valcárcel, 2000, p. 104-105), dentre muitos outros, falam da fragilidade da discussão epistemológica e/ou filosófica da Geografia. Ao mesmo tempo que constatamos essa consensual pobreza na discussão – com a qual, muitas vezes, concordamos -, convém também não desconsiderar dois aspectos que relativizam tal crítica. Primeiro: o debate está ocorrendo permanentemente e o aumento de autores e publicações que se atrevem neste campo é dado nada desprezível. Segundo, e talvez, mais importante: não haverá ‘conselho de sábios’ nem congresso que conseguirá, de uma vez por todas, resolver nossas carências teóricas. Para tais lacunas, que são históricas de nossa constituição como saber acadêmico, não há solução, a não ser fazer o que já está ocorrendo: estudar e escrever sobre a Geografia e seus temas. Publicizar nossas idéias para que elas sejam postas à discussão pública e assim fazer avançar a geografia.

 

Como educador-geógrafo partimos de dois a prioris. Primeiro: que os alunos são capazes de melhoria, capazes de superarem o estado atual em que estão na direção de outro estado que nós reputamos – e eles aceitam, não sem conflitos e impasses – preferível ao anterior. Aposto no crescimento deles, mas sem jamais estar certo do resultado, sem jamais poder dizer se o crescimento ocorrerá, nem quando e nem como. E, segundo: nossa atuação pode fazer diferença. Ou seja, ao mesmo tempo que a razão é limitada em seu poder de educar e de seduzir, ela pode melhorar minha capacidade de educar e de seduzir. Em outras palavras o educador não é nada nem tudo, mas um algo não desprezível.

 

Todo aquele que ensina, é, portanto um crente e um apostador: ele sabe o que ensina, mas, além disso, precisa acreditar no que ensina. Precisa crer, também, que é capaz de fazê-lo e, sumamente importante, que tenha vontade de fazê-lo. Veremos que a falta de vontade de educar constitui um importante obstáculo epistemológico na busca de uma educação mais atrativa ao educando. Falta despertar desafios cognitivos para os alunos, falta relacionar escola e vida, a fim de que o aluno perceba o vínculo dos assuntos trabalhados com sua vida extra-escolar. Sonhar: é preciso despertar o ‘potencial adormecido’ nos alunos.

 

Ao mesmo tempo, concordamos com Hannoun  (p.32), quando diz que, a educação assume todo o seu sentido, quando o educador constrói seu ‘suicídio pedagógico’, isto é, quando, em conseqüência de sua própria ação, visar a pavimentação do caminho de sua própria inutilidade junto ao educando, ao facilitar sua autonomia, ou seja “o suícidio pedagógico do mestre e a autonomia do aluno são as duas facetas inseparáveis do ato educacional”. (p. 32).

 

O professor pode muito; pode aperfeiçoar seus métodos de ensinar. Mas, o mais essencial na relação de ensino e aprendizagem está em outro ‘lugar’; - que não sua técnica ou vontade – está no aluno, no seu desejo de saber, aprender. Desejo este que é imprevisível e, com certeza, incontrolável por nós. Esse é um não-poder importante dos educadores: atuar sobre o desejo do outro. Fabricar este desejo será possível? Quimera ou necessária utopia? Atualmente, creio na segunda hipótese.

 

Buscamos a Educação não para manipular, controlar e/ou sujeitar os educandos, mas para desenvolver neles o desejo de aprender, não só a beleza e a complexidade da Geografia, mas sobretudo, a partir dela, pensarem a beleza, a miséria e a complexidade da nossa existência (Kaercher, 2003a), o saber não apenas como algo possível ou necessário, mas algo desejável. Aqui, mais um obstáculo: para que seja possível desenvolver o desejo do aluno em aprender é preciso que o (futuro) professor também tenham este desejo. E, neste quesito, a situação atual da educação pública brasileira não é alvissareira.

 

Uma ‘boa’ educação é aquela que ajuda o educando a criar-se na autonomia e a independentizar-se, desenvolvendo nele a capacidade de agir livremente, mas sempre lembrando que nossa opinião é uma crença com a consciência de ser insuficiente. E, por saber-se insuficiente, muitas vezes, formula mais questões do que finaliza com respostas.

 

Todo educador, ao se deparar com um grupo de alunos, vá além dos conhecimentos de sua disciplina! Então, que ele faça filosofia quando lecionar Geografia! Que faça da Geografia uma forma de filosofar.

 

 

O aluno devedor e o professor que não professa levam a uma baixa aprendizagem

 

As considerações que seguem resumem nossas observações (154 horas/aula de dez professores – aqui nominados P1, P2, ... P10 - de geografia) acerca do uso - ou não - de alguns suportes didáticos: mapas, livro-didático e quadro negro.

 

Nem sempre o mapa é importante, pois a aula, o conteúdo se baseiam em textos ou tarefas que o dispensam. Mas, de pronto se pode concluir das observações: é muito, muito mais comum o assunto requerer explicitamente o uso de mapas e este não ser usado.

 

Quando dizemos que o mapa seria ‘imprescindível’ ou ‘muito útil’ estamos nos referindo a situações tais como: início de um novo conteúdo (continente africano, por exemplo); ou quando os alunos têm um texto (livro-didático ou xerox) que contém um mapa; ou quando o professor cita vários lugares pressupondo que os alunos estão se localizando; ou até mesmo quando o assunto é mapa/escala/legenda, em suma, quando o uso do mapa, mais do que um complemento ou mera informação é/seria componente fundamental para o entendimento e a visualização do que está se falando.

 

E quando o mapa aparece, isto é, é levado para a sala, é pendurado, é muito comum ele não ser usado. Se usado, geralmente é apenas para apontar genericamente uma região. É muito mais um elemento decorativo do que didático. Fazendo  uso das palavras de Souza & Katuta (2001, p. 120) e mais, incluindo-nos nesta orfandade:

 

“A contradição relatada ocorre porque, apesar de alguns pesquisadores afirmarem ou darem a impressão de que o mapa sempre foi utilizado no ensino de Geografia, o que vemos ou podemos observar na realidade é, como dissemos anteriormente, um paradoxo entre o que os pesquisadores afirmam e o que ocorre no ensino dessa disciplina, porque na maioria das vezes impera um certo abandono, descaso e subutilização  desse meio de comunicação em razão de um discurso tido como geográfico, mas que na verdade empobrece o papel da escola e da própria Geografia. Foi o que ocorreu com boa parte de professores de Geografia formados sob a égide daquilo que conhecemos sob o rótulo de Geografia Crítica. A nosso ver, num determinado momento histórico houve um certo descuido com sua formação cartográfica”.

 

 

Então, se pode dizer que o uso do mapa, nas aulas de Geografia observadas, é bastante reduzido. O mesmo vale para a análise/explicação dos mapas, gráficos, tabelas e outros dados que aparecem nos livro-didático. O que nos leva a algumas hipóteses: ou o professor não julga importante as informações ali contidas, ou ainda, acredita que tais informações já estão incorporadas, entendidas pelos alunos, ou pior, ele próprio domina pouco este importante instrumental.

 

Enquanto o professor não se apropriar melhor deste recurso didático dificilmente ele conseguirá explorar o mapa como uma linguagem rica em significados. Parece que as graduações têm centrado o foco no mapa como algo excessivamente técnico. O uso dele no EFM tem sido pouco problematizado. A conseqüência é visível: o mapa quase desapareceu das aulas do EFM. E, quando aparece, é trabalhado de forma estanque e/ou muito formal (escala, projeções, legenda). É usado na sua forma empobrecida: apenas para localizar pontos. O raciocínio espacial, usando o mapa como elemento de reflexão e questionamento é pouco comum. Em nosso entendimento o mapa é elemento privilegiado para refletir sobre os espaços tratados em aula. O mapa como um elemento de poder, como algo que pode tanto mostrar o que interessa ao seu autor, como o contrário, escamotear/apagar uma série de informações.

 

Quanto ao uso do livro-didático a análise parece mais difusa.  De P1 a P5, e P8, usam bastante o LD. Alguns mais do que se baseiam nele, são quase dependentes, são ‘livro-dependentes’. Alguns destes colegas dizem não adotá-lo, mas ao analisarmos suas aulas, vemos que o livro-didático é a base seja do material entregue aos alunos ou da tarefa executada por eles.

 

É importante que se diga que o uso ou não do livro-didático não é indicativo de muita coisa. Já é superada, esperamos,  a fase de prejulgar os professores que o usam. Acreditamos que os livro-didático de Geografia, em geral são, no mínimo, úteis, já que apresentam de forma organizada uma série de informações que necessitamos. No quadro atual, de sobrecarga dos professores, há muito o livro-didático já se tornou um recurso fundamental. Se bem empregados podem evitar aqueles rituais maçantes de se gastar uma parte imensa da aula só para copiar alguns poucos parágrafos ou dados no quadro, coisa que é comum em sala, e que, sem dúvida, tem um efeito desmobilizador e desmotivador muito grande para o aluno já que, primeiro é feita a cópia, e, só depois, há a explicação do que se copiou. Constatou-se que, não raro, não há – justamente com a justificativa da falta de tempo – as explicações!

 

Alguns LD são muito bons e cada professor deve(ria) ter discernimento para escolher o que mais combina com sua forma de ver  a geografia. Não é objetivo deste trabalho analisar as distintas obras, tarefa por si só passível de uma tese, cada qual com suas virtudes e eventuais lacunas, mas sim pensar o uso que se faz deste importante apoio ao professor.

 

Algumas tendências. A que mais se repetiu foi o uso do livro-didático como um ‘ganha-tempo’, ou melhor, um ‘gasta-tempo’, isto é, a parte do livro-didático mais usada, de longe, são os questionários ou os exercícios. Uma vez explicado o tópico - o que nem é tão comum -, o professor orienta os alunos a fazerem os questionários. O professor pede para fazerem, no geral, todas as questões, e, muito dificilmente, exclui algo ou acrescenta uma questão de sua autoria. P2, por exemplo, não adota livro-didático, mas seus polígrafos são retirados deles, sem que, no entanto, se diga de qual. A fonte não é escrita no texto. Fica um texto sem autoria! As idéias parecem ter ‘geração espontânea’, o que ajuda a manter nos alunos uma concepção ingênua de que o que se lê, ou vê na televisão, são apenas fatos, sem manipulação ou interesses.

 

Paradoxal: surpreendeu-me a subutilização do livro-didático A leitura do livro-didático, em voz alta, com as devidas pausas para esclarecimentos, para todo o grupo, é bastante rara. Parece que se perdeu esse momento tão crucial, em que o professor dirige-se a todos os alunos que, ouvindo-o em relativo silêncio, têm uma explanação geral acerca do que se fala. O simples silêncio do aluno e mera explanação do professor, em voz clara e para todo o grupo, não garantem a aprendizagem, mas são elementos que favorecem-na pois diminuem a excessiva dispersão dos alunos.

 

Também a análise das fotos, tabelas e/ou mapas dos livro-didático é bastante incomum. Ou seja, parece que o livro-didático é constituído apenas do texto escrito, ‘conjunto de letras’. As outras formas textuais, baseadas em cores, gráficos, figuras e fotos, é esquecida. Essa dimensão do professor que educa para a leitura, que educa o olhar do aluno para os diferentes textos é qualidade fundamental e imprescindível à Geografia: treinar o olhar para as paisagens mundo afora que os alunos vêem.

 

Às vezes, os professores pedem a leitura individual do livro-didático, dentro da sala de aula, o que é raramente obedecido, até porque poucas vezes há o mínimo de silêncio para que a leitura possa surtir efeito. Então, paradoxalmente, talvez se possa dizer que o livro-didático é pouco utilizado e, mais uma vez, como no caso da relativa ausência dos mapas, o professor crê que o aluno vá, de forma espontânea, lê-lo e, mais, vá entender tudo que lê sem que o professor precise clarear, esclarecer, interpretar e chamar a atenção para os mapas, textos, tabelas, gráficos e fotos dos livro-didático. Essa dificuldade de entendimento fica evidenciada muito claramente quando os alunos, por exemplo, precisam apresentar trabalhos em aula para o grupo: simplesmente lêem ipsis litteris, o que o livro-didático traz. Pura repetição! E o fazem de forma tão mecânica que demonstra o estranhamento com o próprio vocabulário do livro-didático. Até aí, novidade alguma!

 

Mas, o que mais chamou a atenção foi a indiferença de alguns professores diante desta leitura mecânica dos alunos. Pensávamos que os professores, diante dessa mera cópia, desse marasmo, fossem questionar os alunos, mas ... nada! Reina o “deixa estar! Nada tenho a ver com isso”!

 

Um alerta: a sala de aula não é um espaço, via de regra, onde exista um ambiente convidativo para estudar/ler/ouvir. A escola, a sala de aula, comumente, é um espaço que desestimula a reflexão. Isso vai reduzir, certamente, a própria aprendizagem.

 

Usar ou não o quadro indica apenas ... seu uso. Mas, em mais da metade dos professores, ele é bem pouco usado. Se juntarmos essa informação com a que diz que são relativamente escassas as aulas expositivas onde o professor desenvolve oralmente alguma linha de raciocínio, e ainda, que o livro-didático é mais utilizado nos seus exercícios - leia-se, questionários -, a docência parece um tanto confuso. Aquela aula dita ‘tradicional’, onde  há exposição do professor, complementada com a leitura do livro-didático e um quadro organizado, praticamente não existe mais! Ou seja, o professor não professa! São residuais as situações que o professor assumiu a condução do processo pedagógico.

 

Na tentativa de superação da Geografia Tradicional em direção a uma Geografia diferenciada (a Geografia Crítica) perderam-se alguns recursos e habilidades didáticos básicos: o mapa, o quadro, o hábito de os alunos escreverem no caderno, a observação e a descrição das paisagens. Confundiu-se erroneamente tais tarefas como sendo necessariamente ‘negativas’ porque identificadas à Geografia Tradicional. “Jogou-se fora a criança com a água do banho”. Em nosso entendimento não se trata de eliminar esta ou aquela técnica ou recurso, mas sim usá-lo de forma que explorem melhor as potencialidades de cada material e, sobretudo, dialoguem de forma criativa e estimulante com os alunos.

 

O que há, então, no lugar do aula-monólogo expositivo da Geografia Tradicional? Temos uma série de pistas, indícios: um tempo considerável é investido na administração burocrática do tempo: deslocamento do professor, entrada na sala de aula, negociação do silêncio e na volta aos lugares dos alunos, feitura da chamada, conversas gerais sobre assuntos quaisquer, mero passatempo, sem relação com a aula! Outro bloco considerável é a operacionalização da aula (solicitar e esperar que abram os cadernos, copiar no quadro ou ditar, fazer silêncio, buscar LD na biblioteca, acertar o ponto da fita de vídeo, interromper as conversas/bagunças)! A elaboração das tarefas ‘cognitivas’ - que exigem raciocínio dos alunos são amplamente secundárias. Predominam, largamente, atividades mecânicas, ‘tarefeiras’, que ocupam mais o tempo e o corpo do que a mente! O cognitivo é secundarizado. Responder questionários, não raro entendendo ‘pelo alto’ o que se faz, ou preparar um trabalho, que será apresentado posteriormente em aula, são as principais atividades dos alunos: é outro grande bloco que completa as aulas. Pintar um mapa é atividade bem mais comum do que analisá-lo e/ou entendê-lo.

 

Enfim, o professor se exime de ser ... professor, de conduzir o processo. O professor não professa. Confundiu-se aquela pertinente crítica à Educação e à Geografia Tradicionais, que dizia que o conhecimento não está apenas na fala do professor e, confundiu-se a assertiva que todo o conhecimento tem que ser construído na relação professor-aluno. Como se estes dois atores tivessem o mesmo papel! Concordando com Castellar (2003a, p.5-6) que insiste na centralidade do papel do professor:

 

Qual deveria ser o papel do professor? A tarefa docente consiste em organizar, programar e dar seqüência aos conteúdos de forma que o aluno possa realizar uma aprendizagem significativa, encaixando novos conhecimentos em sua estrutura cognitiva prévia e evitando, portanto, uma aprendizagem baseada apenas na memorização. Os componentes que interferem na aprendizagem são de ordem cognitiva e afetiva e a atuação do professor deve estar voltada para esses aspectos que vão determinar a qualidade do ensino. (...) A decisão do conteúdo a ser trabalhado é do professor e esta decisão deve estar apoiada em uma análise do conhecimento já elaborado que se deseja ensinar.

 

Castellar (1999[1], p. 50-2) e Cavalcanti (2002, p.8), entre outros, lutam contra a Geografia que pareça com um almanaque, uma revista de variedades, tal a amplitude – o que não é um defeito, mas virtude – de assuntos tratados superficialmente. A Geografia, com seus professores ausentes e com sua pouca densidade no tratamento dos assuntos tratados soa como um pastel de vento: uma aparência externa agradável, ‘moderna’, mas de conteúdo dispersivo e de reflexão superficial.

 

A crise da escola/professor tradicional deixou um vácuo. Houve, a partir de meados da década de 70, justamente quando nela começa a ingressar massivamente as camadas mais humildes da população, uma desagregação da escola tradicional. As causas dessa decadência são várias e não nos deteremos nelas aqui. Claro que, a escola tradicional não significava necessariamente eficácia nem qualidade, menos ainda democracia, pois só atendia uma elite, uma minoria. O que veio posteriormente – GC e Pedagogia progressista -, embora com intenções mais democráticas, pelo menos no nível do discurso, com uma maior preocupação com o sujeito aluno, não conseguiu dar um salto de qualidade no que diz respeito a uma melhoria da aprendizagem do aluno e nem na construção de relações Professor-Aluno mais efetivas. A Geografia Crítica e a Pedagogia Progressista trouxeram um grande número de slogans, palavras de ordem, boas intenções, mas sua operacionalização cotidiana na sala de aula ficou frágil, pois o próprio papel do professor ficou secundarizado, confuso. Uma ressalva é necessária: isso não equivale a dizer que tais percalços sejam responsabilidade da Geografia Crítica ou das correntes renovadoras/progressistas da Pedagogia. Sabemos que há uma inevitável distância entre o que as teorias educacionais dizem e de como a comunidade escolar (direções, professores, alunos e pais) operacionaliza cotidianamente tais teorias.

 

Constatamos mais um resultado paradoxal da renovação pretendida na Geografia: desejava-se dar voz ao aluno, desejava-se o debate de idéias, mas a relativa ausência do professor acentuou lacunas de formação e de informação. Como debater sem idéias, sem o domínio de certos conteúdos, com poucas informações? Como defender seu ponto de vista se o aluno não consegue expor, por escrito, ou oralmente, suas idéias? A escola, no geral, deixou ao encargo somente dos professores de Língua Portuguesa a tarefa de escrever com clareza. Isso é um erro.  Guedes (In:  Neves et al, 1998, p. 13) é direto:

 

“Ler e escrever são tarefas da escola, questões para todas as áreas, uma vez que são habilidades indispensáveis para a formação de um estudante, que é responsabilidade da escola. Ensinar é dar condições ao aluno para que ele se aproprie do conhecimento historicamente construído e se insira nesta construção como produtor de conhecimento. Ensinar é ensinar a ler, pois o conhecimento acumulado está escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é ensinar a escrever porque a produção de conhecimento se expressa por escrito”.

 

E, logo adiante, nos provoca (p. 15):

 

“Logo, nós só vamos aprender a ler e a escrever se praticarmos bastante a leitura e a escrita, se praticarmos muito mais do que nos mandaram praticar. Onde? Só tem um lugar: na escola.

E só tem um meio: nós, professores de todas as áreas, em vez de nos limitarmos a choramingar que nossos alunos não têm o hábito da leitura, devemos nos dedicar a proporcionar muitas e muitas oportunidades para que todos descubram que ler é uma atividade muito interessante, que a leitura nos proporciona prazer, diversão, conhecimento, liberdade, uma vida melhor, enfim. (...)

Isso é tarefa do professor de português? É. É tarefa do professor de história, de geografia, de ciências, de artes, de educação física, de matemática ... É. É tarefa da escola”.

 

Não basta reclamar da (in)ação dos alunos ou da incapacidade/desinteresse deles em aprender! Se não superarmos esse obstáculo epistemológico de vermos nossos alunos pela sua negatividade (‘alunos não sabem’, ‘não querem’, ‘não fazem’, etc) e se não reassumirmos um papel mais protagonista na condução do ensino, a escola, sobretudo a pública, continuará condenando ao fracasso os já excluídos socialmente. Há a tendência de imputar aos alunos toda a sorte de ‘defeitos’ morais e psíquicos. Nesta hora os educadores assumem uma faceta perversamente conservadora.

 

Um grande desafio para nós educadores é a superação deste obstáculo epistemológico que vê o aluno como um gentio a ser convertido no que desejamos. Superarmos a idéia do ‘aluno deficit’ (falta-lhes vontade, inteligência, comportamento) arraigada em muitos de nós é uma necessidade para que as escolas não excluam ainda mais alunos que, não raro, já são excluídos socialmente. Mudar a percepção que temos dos alunos. Que sejam vistos como parceiros e não como desviantes do bom caminho!

 

Silva (2002, p.225) aponta-nos um nó, um gargalo das escolas:

 

“ ... o que transparece no âmbito da escola é a demasiada importância dada à listagem de tarefas ou códigos de obrigações, de tal forma que, nesse lugar, o sujeito é um aluno “devedor” dessas tarefas/obrigações e, em algumas circunstâncias, há um professor/diretor “cobrador”, o que contribui para que o aluno não leve para fora ou para vida mais do que isto: o fazer por fazer”.

 

A relação sociedade-espaço construído: um avanço da Geografia Crítica

A Geografia Tradicional não se posiciona: ilusão ingênua

A Geografia Crítica faz a gente ser mais ... crítica! Avanço ou redundância?

 

A Geografia Crítica vê os dois lados: permanece o simplismo: é branco ou é preto.

 

Com relação a formação inicial dos dez professores observados, nota-se um predomínio de uma formação ‘técnica’, mais tradicional, com ênfase na compartimentação e na informação. O ensino é deixado para as Faculdades de Educação (FE) (Cacete, 2002, p. 46-7). O que é aparentemente lógico, mas revela-se um problema, pois nas FE há ênfase nas discussões mais gerais da educação e não nas da Geografia. Justamente por não se pensar no fim/destino escolar das informações recebidas na universidade, os jovens professores, recém egressos da universidade, sentem-se inseguros e tendem a reproduzir o modelo Natureza-População-Economia, não raro num acúmulo de informações. O que leva, via de regra, a uma Geografia como sinônimo de ‘lição de coisas’, onde se fala de tudo, - muito rapidamente, quase em flashes - numa perspectiva quase jornalística, de buscar ‘as atualidades’. A segurança do professor passa a ser o conteúdo na versão meramente informativa, pouco fermentada com a dúvida e as interpretações distintas que os conteúdos podem ter.

 

Com relação a Geografia percebe-se a pequena importância que se dá à reflexão da Geografia escolar. A minha experiência, como graduando e profissional, indica que a grande maioria dos colegas sai da faculdade sem ter refletido mais sistematicamente acerca das diferenças entre a Geografia acadêmica, feita no Ensino Superior, e a Geografia escolar, destinada ao EFM. Aprende-se (vamos ser otimistas) a primeira, mas ensina-se (pelo menos, deseja-se) a Geografia escolar. Essa distinção entre Geografia acadêmica e escolar parece sutil,  mas tem grandes repercussões no ensino. É possível graduar-se na lógica do acúmulo de informações, até hiper-especializar-se numa ‘gavetinha’ específica (agrária, urbana, clima, etc), mas ser professor do EFM, na mesma lógica do acúmulo de informações, tende a gerar um ensino pouco consistente do ponto de vista epistemológico, e, pouco atraente do ponto de vista didático. O resultado é que os alunos não entendem bem o que estão estudando. Porque? Porque muitos de nós, não entendemos o quê e porque ensinamos o que ensinamos.

Muitas vezes a Geografia Crítica ficou em slogans, não raro na crítica política, aprofundando pouco a epistemologia e a didática da Geografia. Comento algumas opiniões dos professores acerca da questão: “O que pensas da Geografia Crítica? Em que ela se diferencia da Geografia Tradicional”?

 

P4 avança ao perceber que a Geografia Crítica exige, por ter outros pressupostos teóricos, uma outra postura do professor e outra visão de Geografia (o que também P1, P2 e P3 pressupõem, mas ficam restritos a pensarem que as diferenças são fundamentalmente pedagógicas), e, percebe também que essa ‘outra postura do professor’, além de dar mais trabalho, dá mais ‘barulho’, já que faz os alunos participarem mais. Sua fala está à frente de sua prática docente, baseada em aulas bem convencionais, onde o tipo de participação que é solicitada do aluno é meramente repetidora da fala da professora.

 

P5 remete a um raciocínio circular ‘Geografia Crítica faz a gente ser mais crítica’. Em várias respostas ela usa esta palavra: ‘crítica’, um verdadeiro divisor de águas no raciocínio dela, acaba quase como um mantra. A experiência nos diz que, onde e quando se fala muito, “eu sou livre”, há que se desconfiar.

 

É a partir de P6 que teremos respostas mais densas e – o que é importante - condizentes com uma prática de aula mais coerente com o discurso. Neste sentido, P6 enfatiza, e tenta pôr em prática, uma maior interação P-A: ‘não quero o monólogo, quero interação’. O difícil – para todos nós - é operacionalizar esta bela intencionalidade.

 

É com P7 e P10 que me identifico mais. Se houve algo que a Geografia Crítica avançou foi, de fato, tentar colocar os seres humanos, a sociedade, as temáticas sociais dentro da Geografia, como algo orgânico e não uma simples camada de ‘habitantes’ vivendo sobre o espaço de forma harmônica. E não quaisquer seres humanos, mas seres humanos diferentes e desiguais entre si, e, como tal, com os inevitáveis conflitos que ocorrem entre grupos que disputam o espaço e o poder.

 

Então, não basta falar de ‘população’ pressupondo que isso é sinônimo de sociedade, é preciso incorporar a perspectiva do conflito, da mudança e da contradição como peças inerentes ao ser humano, e não como ‘anomalias’, ‘casos excepcionais’. Aqui, mais uma vez, P8 é claro: “Na Geografia Tradicional a população é oca, não tem substância, é vazia, não é concreta”! P7 também traz uma leitura interessante: ‘patriotismo’ (ênfase da Geografia hegemônica, perspectiva conservadora, do status quo) x ‘cidadania’, (busca de uma Geografia que enfatiza os grupos sociais e suas lutas, sobretudo a dos excluídos). Na Geografia Tradicional, há a preponderância do Estado sobre os cidadãos e os movimentos sociais! Mas, é um estado como sinônimo de ‘país’, leia-se, sinônimo de área, tamanho, superfície (espaço geométrico), e não um estado composto por ‘gentes’ (sic), de diferentes classes sociais, mas ‘comandado’, via de regra, por elites políticas e econômicas. Esse apagamento do ‘povo’, dos ‘de baixo’, sob o rótulo de ‘população’, juntamente com o embaçamento da noção de Estado com a de país, levam a Geografia a se solidarizar com os ‘de cima’, com as elites, pois constrói uma visão de ciência desinteressada ( = informativa) e/ou disciplina escolar ‘positiva’, ‘cívica’ porque construtora da noção de pertencimento a um país. Constrói-se uma noção de, por exemplo, brasilidade  que identifica mais o Brasil com o seu território e com seus dirigentes do que com o seu povo, os seus habitantes!

O apagamento dos conflitos também pode se dar com o mito da precisão, que é fornecido pelo excesso de números e estatísticas, que dariam a Geografia um caráter mais ‘exato’, ‘científico’.

 

P10 faz um boa sacada: “a Geografia Crítica  ‘esqueceu’ da natureza”! Se antes, com a Geografia Tradicional a natureza sempre tinha precedência sobre os seres humanos, ainda que uma natureza excessivamente dissecada, a GC também sectarizou. Simplesmente ignorava o estudo da natureza por considerá-lo ‘conservador’, ou porque o ritmo da natureza não se submetia às ‘leis’ do materialismo dialético. Foi jogada, janela afora, a criança junto com a água do banho.

 

Parece-nos que os professores de Geografia tem perdido uma boa oportunidade em mostrar aos alunos do EFM que a Geografia, muito antes de ser uma disciplina escolar, ou mais importante do que suas subdivisões (GF, GH, G Econômica), é uma prática social que nos acompanha sempre por absoluta necessidade. Os seres humanos, no processo de sua civilização/diferenciação dos demais seres vivos, modificam e modificarão sempre ativamente o seu entorno. Ao civilizar-se, o ser humano fez Geografia, entendida aqui, como a  transformação do espaço em que ele vive. Ao fazer Geografia, transformando o seu entorno, os seres humanos civilizaram-se. Geografia como materialização da história, concretude do tempo. Daí o termo já usado anteriormente: naturalização da sociedade e socialização da natureza. Para constituir-se cultura,/civilização os seres humanos interagem com a natureza; fazem Geografia!

 

 

Concepções-obstáculo ao avanço da Geografia: “a geografia é a síntese das ciências”, “a geografia ajuda a interpretar o mundo”, “a geografia nos dá uma visão crítica”.

 

 Na versão completa deste trabalho (disponível em www.teses.usp.br) discuto mais detalhadamente algumas idéias comuns a nós, professores de geografia. Idéias que considero obstáculo para nos aproximarmos de um ensino melhor fundamentado epistemologicamente e mais eficaz na promoção de aprendizagens significativas.

 

Resumindo muito: não creio que a Geografia seja uma síntese de outras ciências. Todas as ciências fazem sínteses e análises. Isso são operações cognitivas para entendermos o objeto que buscamos estudar. Não é característica de uma disciplina.

 

Toda disciplina, toda ciência é evidentemente, uma tentativa de leitura, de interpretação do mundo. O que nós geógrafos estamos esquecendo, por incrível que pareça, é uma das nossas especificidades: o espaço e suas categorias de análise (entre elas, paisagem, lugar, território, sociedade, região, natureza). Buscar as respostas para questões de ordem espacial: o que fazem as coisas e as pessoas neste lugar? Qual a diferença se elas não estivessem aqui? Enfim, a geografia como o estudo dos arranjos e arrumações dos fluxos e dos fixos.

 

Somos radicalmente contrários ao mantra senso-comum que diz que “a GC nos torna mais críticos”. Ou a ciência e a educação estão à serviço de entendermos mais e melhor o mundo que vivemos ou estamos ocupando desnecessariamente o tempo e a paciência de nossos alunos, seja lá de que idade forem.

 

 

Considerações finais

 

 A Geografia com os pés de barro: uma pobre discussão acerca dos objetivos e conteúdos da Geografia escolar e uma Pedagogia confusa, quando não conservadora.

 

Parece que nós, professores, não carecemos justificar para os alunos que o que falamos é Geografia, pelo simples fato de que falamos de lugares, de espaços. É uma ciência que não precisa de justificativas, pois ela “fala” por si, basta que ela cite nomes de lugares ou ponha um mapa na parede.

 

A Geografia se confunde com toponímia, com a topologia. Em outras palavras, o fato da Geografia ter um “objeto” muito ‘concreto’ (o espaço em que vivemos), muito ‘visível’ (os espaços em que vivemos), muito perceptível (todos nós vivemos num espaço), qual seja, a Terra toda e tudo mais que nela está (povos, países, paisagens). Dá-nos a idéia de que, assim sendo, tudo é Geografia. Essa leitura nos deixa como que deitados em “berço esplêndido”, acomodados. Então, o falar de tudo (todos os lugares) nos enche de assuntos, conteúdos, mas à custa de uma reflexão mais fundamentada. A saída mais comum é a prática de sobrecarregar nos conteúdos, sempre tão infindos, o que nos parece uma saída, uma “fuga para frente”. Sempre ‘falta tempo’ para trabalharmos os conteúdos e assim, nos parece, nunca paramos para pensar “porque isso é Geografia!?” Será que corremos dos conteúdos para fugirmos de nossa confusão epistemológica?

 

Ocorre a crença tautológica: falar de algo nas aulas de Geografia torna esse algo ... Geografia. O professor comporta-se como um Midas geográfico: tocou em algum assunto, esse assunto é Geografia. Não é preciso ao professor esclarecer o aluno, relacionar o tema com Geografia.

 

A ligação com a Geografia se dá pelo epifenômeno, pelo acessório. Por exemplo, colocar um mapa, falar uma série de topônimos, citar países/regiões/estados torna isso Geografia. A isso chamaremos de automatismo da Geografia.

 

Proponho pensar estes obstáculos não para culpabilizar os professores, mas para refletirmos a prática com a intenção de qualificar nossa ação docente. Buscar sim a utopia de uma educação apaixonada, mas bem alicerçada na reflexão.

 

 

                                                                      



Nota:

 

[1] Terra Livre, n.14 (1999); Castrogiovanni (org.) et al (2002); Castrogiovanni (org.) et al (2003); Boletim Paulista de Geografia, n. 79 (jul. 2003); Caesura, n.21 (2002), Carlos, (1999a); Carlos, (1999b); Carlos (1999c); Almeida, (2001); Caderno Prudentino de Geografia, n.17 (1995); Revista Geografia e Ensino, v.6, n. 1 (mar. 1997); Revista Geografia e Ensino, v.7, n.1 (jan. 1998); Caderno Cedes, n.39 (1996); Alfageo (1999); Carvalho (org.) et al (1998); Vesentini (org.) et al (2004), Cavalcanti (2002), entre outras, são publicações dedicadas à temática do ensino de Geografia (ou Cartografia). Como são muitos os artigos interessantes em cada uma dessas obras, remeto apenas a obra como um todo. Gostaria, no entanto, de destacar nossa admiração - e concordância, salvo pequenas exceções de algumas idéias pontuais - pelos escritos de Diamantino Pereira, Douglas Santos, Nídia Pontuschka, Helena Callai, Rosângela Almeida, José W. Vesentini e Lana Cavalcanti.

 

 

 

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