IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo - 1 de junio de 2007
Universidade Federal do Rio Grande do Sul


EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO: ESTRATÉGIAS
DE DESENVOLVIMENTO LOCAL NA PERIFERIA DE SALVADOR

Eduardo José Fernandes Nunes
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Eduardo_nns@yahoo.com

Dionalle Monteiro de Souza
Estudante de pós-graduação Universidade do Estado da Bahia – UNEB
dionalle@hotmail.com



Educação e território: estratégias de desenvolvimento local na periferia de Salvador (Resumo).

Análise dos resultados do projeto de pesquisa e extensão Agenda 21em Mata Escura e Estrada das Barreiras, realizado no período de 2005-2006 na periferia de Salvador pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, através da linha de pesquisa Educação, Gestão e Desenvolvimento Local Sustentável. Discute principalmente os problemas urbanos no âmbito social, cultural e ambiental nos bairros da periferia da cidade do Salvador, Bahia, Brasil, como também, o planejamento urbano participativo (Agenda 21) realizado com as associações e conselhos de moradores, escolas, organizações religiosas, grupos de jovens e projetos sociais nos bairros da Mata Escura e Estrada das Barreiras como estratégias de desenvolvimento local. A pesquisa proporcionou uma série de reflexões e propostas de intervenção urbana utilizando-se de uma pedagogia comunitária.  A prática de uma pedagogia comunitária e da criação de espaços de sociabilidades vem sendo uma alternativa para alcançar novas formas de convivência social. Nesse sentido, faz-se necessário que a universidade assuma seu papel no desenvolvimento de uma nova pedagogia. A principal estratégia é a mobilização comunitária a partir do diálogo com as organizações sociais, visando criar uma rede de solidariedade capaz de transformar a vida dos bairros e mobilizar os moradores na luta pela cidadania, igualdade social e preservação do meio ambiente.

Palavras-chave: educação, território, desenvolvimento local, Agenda 21, periferia.


Abstract

This article presents an analysis of the results of an Agenda 21 research and extension project, from 2005 to 2007, developed in Mata Escura and Estrada das Barreiras, two poor neighborhoods in the suburbs of Salvador. Such plan of action has been taken by the Graduate Program of Education and Contemporary of the Estate of Bahia University under the Education, Management and Local Sustainable Development program. Primarily, the article discusses urban social, cultural and environment problems in the suburbs of Salvador City, Bahia, Brazil, as well as the participative urban planning (Agenda 21) held with community associations, resident’s councils, schools, religious organizations, young people and social projects of Mata Escura and Estrada das Barreiras neighborhoods, as local developments strategies. The research provided a series of thoughts and urban intervention proposals utilizing communitarian pedagogy.   The practice of communitarian pedagogy and the creation of sociability’s spaces has become an alternative to achieve new ways of social contact.  Thus, it is needed that the university takes its social rule in the development of a new pedagogy. The major strategy is the communitarian mobilization through dialogue with social organizations, aiming to create a solidarity net which transforms the residents of these neighborhoods’ lives, mobilizes them to assure their citizenship and social equality, as well as to preserve the natural environment.

Key words: Education, territory, local development, Agenda 21, suburbs.



Este trabalho pretende analisar os resultados do projeto de pesquisa e extensão Agenda 21em Mata Escura e Estrada das Barreiras, realizado no período de 2005-2006 na periferia de Salvador pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, através da linha de pesquisa Educação, Gestão e Desenvolvimento Local Sustentável. Discute-se principalmente os problemas urbanos e o modelo de planejamento participativo (Agenda 21) adotado nos bairros da periferia da cidade do Salvador, Bahia, Brasil, realizado em conjunto com as associações e conselhos de moradores, escolas, organizações religiosas, grupos de jovens e projetos sociais como estratégias de desenvolvimento local.

O objetivo do projeto foi propor a realização de uma Agenda 21 nos bairros da Mata Escura e Estrada das Barreiras, localizados no miolo de Salvador; estabelecer estratégias para a criação, gestão e desenvolvimento socioambiental do parque Pierre Verger[1] e criar o conselho de desenvolvimento socioambiental do referido parque. Além disso, desenvolver um planejamento participativo da área e elaborar projetos de intervenção urbana.

Como objetivos específicos o projeto previa: mobilização das comunidades envolvidas e formação de equipe de trabalho da Agenda 21; em segundo lugar, história dos bairros, identificação e localização dos espaços de sociabilidades já existentes, formação de grupos de trabalho (educação ambiental; educação, arte e lazer, habitação e infra-estrutura; desenvolvimento econômico e trabalho; geração de emprego e renda), estimular a democracia e o fortalecimento participativo, realização das plenárias temáticas, sistematização dos resultados e coordenação de uma plenária final.


Planejamento participativo e espaços de sociabilidades: uma abordagem teórico-metodológica

Do ponto de vista científico, inúmeros trabalhos estão sendo desenvolvidos sobre cidades sustentáveis. Segundo Gabriel Quadri[2], a sustentabilidade urbana surge da introdução de “conceitos ambientais à gestão das cidades, num enfoque que destaca o impacto da deterioração ambiental sobre o bem estar social das comunidades urbanas” (Quadri, 1977, p. 135). No século XX, o novo modo de vida urbano suscitou grandes transformações nas cidades e configurou modelos urbanísticos pautados no espírito técnico-industrial, comandados por experts da área de engenharia e arquitetura.

A crítica feita aos urbanistas pelos movimentos contra-culturais, pelos movimentos de minorias, pacifistas, ecologistas, situacionistas, a partir dos anos 1960, fez surgir novas perspectivas sobre a relação entre a teoria e a prática, e a buscar novas idéias sobre a possibilidade de desenvolvimento de um urbanismo e arquitetura comunitários em oposição ao urbanismo dos técnicos governamentais.

Nas décadas de 1970 e 1980, a partir dos estudos do Clube de Roma e sua previsão catastrófica do ritmo do desenvolvimento e dos problemas ambientais correlatos, novos modelos são apresentados, influenciando, inclusive, a legislação, provocando mudanças de atitudes em relação à sociedade industrial.

Nesse período, ainda no auge da teoria da dependência desenvolvida por autores sul americanos (Cardoso; Falleto, 2004), o conceito de espaço e a perspectiva ambiental começam a ser valorizados. A incorporação do discurso da sustentabilidade na teoria do desenvolvimento também passa a ser considerada. Alguns importantes trabalhos marcam este período como o estudo realizado por Meadows e sua equipe do MIT (1972), Limites do crescimento, e a conferência mundial do meio ambiente em Estocolmo no mesmo ano.

Ainda nessa época, uma influência teórica importante ganha destaque com os conceitos de “economia mundo” e “sistema mundo” desenvolvidos por Fernand Braudel (1979) e Inmanuel Wallerstein (1979) no final da década de 1970, influenciando as análises dos teóricos do desenvolvimento latino americanos e o conceito de “dependência” (Santos, 2000). No próximo item, serão apresentadas as principais premissas para definir e compreender o conceito de desenvolvimento sustentável, modificando a concepção de planejamento centralizado, coordenado por especialistas.  


Desenvolvimento Sustentável: os limites do conceito

O que é então desenvolvimento sustentável? Uma moda que persiste no tempo, ou será, como afirmam outros, uma variável que não deve ser considerada mais importante que os demais conceitos de desenvolvimento? A afirmação de que o desenvolvimento sustentável atende ao momento atual, sem comprometer as necessidades das gerações futuras, é compartilhada por todos. Segundo Jacobs (1996), desde os dirigentes dos países mais industrializados que fazem parte do grupo dos 7 (incluindo na época, Margareth Tatcher e Ronald Reagan) em Toronto 1988 até os chefes de estado dos países latino americanos em 1996, os empresários de multinacionais e seu conceito de ecoeficiência, o movimento verde, os cientistas, entre outros, utilizam em seus discursos o tema do desenvolvimento sustentável.

 Desse modo, quando um conceito tem uma aceitação geral, pode acontecer a manipulação de um conteúdo evidentemente sério que se apresenta camuflado na maioria de suas aplicações (Nunes, 2003). No marco atual dos programas da União Européia, por exemplo, o desenvolvimento sustentável é visto como um caminho ainda longo para se percorrer. Baseado na estratégia de enfocar os problemas ambientais com a participação ativa dos principais agentes da sociedade, o informe considera que só se terá êxito “quando o desenvolvimento sustentável for considerado como o único modelo de desenvolvimento econômico válido para o futuro e seja plenamente aceito por todos os cidadãos”[3].

 No último quarto do século XX, quando as fórmulas desenvolvimentistas fracassaram e o mundo parecia não ter outra saída a não ser o caos, eis que ressurge com nova roupagem e com muita força através dos novos movimentos sociais e intelectuais uma proposta alternativa de desenvolvimento. Boaventura de Sousa Santos (2002) assinala que a prática cooperativista moderna é muito antiga, surgiu em 1826 na Inglaterra. O cooperativismo e as idéias de solidariedade e de autogestão têm suas origens nos movimentos sociais e se desenvolve através dos pensadores que vivenciaram o surgimento da sociedade industrial nascente no século XIX, propondo formas de organização sociais mais justas que as da sociedade capitalista. Entre esses pensadores podem-se destacar Owen, Fourier, Proudhon, Bakunin, entre outros. Essas idéias influenciaram movimentos sociais e sociedades em todo o mundo ao longo do século XX.

Nos anos de 1990, propostas de planejamento social participativo são formuladas, sobretudo com as discussões de um novo modelo de desenvolvimento e da elaboração de uma Agenda para o século XXI em âmbito global, nacional e local. Na atualidade, buscam-se modelos participativos de intervenção que possam responder a essa intrigante equação do mundo pós-moderno de integrar crescimento, equidade e meio ambiente (Hall, 1998). O fundamento básico dessa nova perspectiva é a participação das pessoas no processo de planejamento.

Mais recentemente, o Fórum Social Mundial, realizado pela primeira vez em 2001, mostrou que um outro modelo de sociedade é possível. Autores, como B. de Sousa Santos, N. Chomsky, P. Singer, assinalaram a importância dos movimentos sociais na construção de uma economia alternativa. Para Singer (2002) essa nova economia solidária compõe-se das empresas que praticam os princípios do cooperativismo, ou seja, a autogestão, sem confundir com as cooperativas que empregam assalariados, a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção. A propriedade da empresa é dividida por igual entre todos os trabalhadores.

Por sua vez, a Agenda 21 é um programa de ação em escala planetária que envolve a defesa da diversidade cultural e ambiental, a justiça social e o respeito pelas tecnologias claramente voltadas para a preservação da nossa mãe terra. Uma pesquisa realizada pela ONU em 180 países para saber como estava sendo realizada a discussão da Agenda 21 em nível local indicou que em 113 países, 6.416 autoridades se comprometeram com a Agenda. 18 países iniciaram 2.640 processos de intervenção. Em 60% dos municípios onde a Agenda foi implementada, ela passou a integrar o sistema público.

Sendo assim, o fomento à participação popular na Agenda 21 requer a construção prévia de uma relação entre a equipe de gestão técnica e a comunidade. Em uma metodologia participativa, a opinião da população interfere diretamente no processo de investigação da realidade. É evidente que o valor da participação comunitária intensifica-se quando esta não é apenas um meio, mas também uma das principais finalidades. Uma relação social mais coesa é o que se busca em uma implementação de Agenda 21, plano de ação que visa a conquista em comum de soluções para os problemas socioambientais.


Salvador: desigualdades sócio-espaciais

Salvador é a terceira cidade mais populosa do Brasil (2.711.372 habitantes) pela estimativa de 2005, depois de São Paulo e Rio de Janeiro. A Região Metropolitana de Salvador tem cerca de 3,6 milhões de habitantes sendo assim a maior metrópole do Nordeste e 5° centro urbano do Brasil atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Salvador é uma cidade litorânea, peninsular, de topografia acidentada, cujas irregularidades de sua geomorfologia conformam uma paisagem de expressivo valor cênico e ambiental, atualmente bastante explorado pela atividade turística. Nessa topografia ondulada vive, sobretudo nas encostas e fundos de vales, uma população com graves problemas sociais e ambientais.

As áreas verdes, destinadas ao lazer da população, estão concentradas na parte costeira (norte) da cidade onde ocorrem os investimentos turísticos e vivem as populações mais abastadas. Atualmente Salvador conta com apenas cinco parques em condições de visitação pública – Parque da Cidade, Parque Pituaçu, Parque de Abaeté, Parque dos Orixás e o Jardim Zoológico da cidade. O Parque São Bartolomeu, objeto de algumas intervenções, não conseguiu ainda sair do papel, apesar de toda a mobilização da sociedade local. No Miolo de Salvador, o Jardim Botânico inicia experiência pioneira de recuperação do Parque da Mata dos Oitis. Ainda no Miolo encontra-se a sub-bacia do Prata e da Mata Escura, pertencente ao governo federal (Ministério da Agricultura e Ibama), que abastecia Salvador desde o século XX, e hoje encontra-se abandonada, em estágio avançado de degradação ambiental (Caldas; Nunes, 2002)

Uma cidade que em apenas três décadas deu um salto demográfico significativo, duplicando sua população entre os anos 1970 e 2000, fechou o século XX com graves problemas socioambientais na maioria dos seus bairros periféricos, apesar do curto tempo de consolidação. Nos últimos 20 anos de ocupação urbana, ocorreu uma melhoria nas edificações dessas áreas, apesar de ter proliferado as autoconstruções que degradaram vastas áreas verdes do município e ameaçam outras que ainda subsistem.

Nesse período, a população de Salvador e da sua região metropolitana cresceram de forma significativa, realizando grandes transformações na morfologia urbana da cidade. A população de Salvador passou de 1.007.195 habitantes, em 1970, para 1.505.013 em 1980. De acordo com o último Censo Demográfico, realizado em 2000 pelo IBGE, a população de Salvador atingiu o número de 2.457.000 habitantes. Ocorreu, portanto, nas duas últimas décadas uma taxa de crescimento anual elevada, apresentando na década de 70/80 uma taxa de 4,0% aa e na década de 80/90, uma taxa de 2,9% aa (Souza: 2000, apud Caldas; Nunes: 2002).

Paralelamente foram construídos na periferia, através do poder público, populosos conjuntos habitacionais com pouco ou quase nenhum equipamento urbano (hospitais, escolas, áreas de lazer e cultura), sem qualquer preocupação com a preservação ambiental, principalmente na área da represa do Prata e da Mata Escura. Vale salientar que essa transformação da morfologia da periferia de Salvador contribuiu para o aumento da violência nessas áreas. No entanto, apesar do aumento da violência, da falta de serviços públicos, da miséria e das condições subumanas de vida, ocorre também o fortalecimento da solidariedade e da capacidade de superar as dificuldades que são muitas, indo desde a falta de água, de comida, de lazer, de atendimento de saúde, de trabalho, de transporte, de segurança até de áreas verdes.


O Miolo de Salvador

O “miolo” situa-se entre a Avenida Luiz Viana Filho (Paralela) e a BR-324, ao norte até os limites da cidade com o município de Simões Filho. A ocupação dessa área central da cidade começa a ocorrer a partir da década de 1950 com a construção do aeroporto na periferia. Salvador necessitava de uma via de ligação entre o aeroporto e o centro urbano. Nesse período foi construída a avenida Aliomar Baleeiro conhecida como Estrada Velha do Aeroporto - EVA. De acordo com o Plano de ocupação para a área do miolo de Salvador (1985) foram definidos 4 pólos de ocupação: Região do Cabula, Região de Pau da Lima /EVA, Área de Cajazeira e Área de Mussurunga/São Cristovão.

Os pólos foram sendo ocupados inicialmente com a construção de conjuntos habitacionais populares nas áreas de antigas chácaras e fazendas. A partir da década de 1970, de forma mais intensa, ocorre uma série de ocupações desordenadas, auto-construções, quando a população carente migra de outras áreas de Salvador ou provenientes do meio rural como forma de resolver o problema da moradia.

A topografia do Miolo, com cotas entre 10 a 110 metros, abriga os pontos mais altos da cidade, com topos relativamente planos e entalhado por vales profundos. Constitui-se numa ampla rede de drenagem natural. Com declividades em alguns trechos acentuadas, a ocupação ocorre nas cumeadas e nas meias encostas preservando-se os fundos dos vales. A vegetação é composta de remanescentes de Mata Atlântica, árvores de grande porte e zonas de mata como a represa do Cascão, Prata e a Mata dos Oitis e também de plantações de fundo de quintal. As principais bacias hidrográficas localizadas no miolo são formadas pelos rios Camurujipe, Cachoeirinha e Pituaçu, Saboeiro e Cascão (bacia das Pedras), Jaguaribe e Ipitanga.

Em 1970, o miolo já abrigava 7,5% da população de Salvador, sendo os assentamentos mais importantes Pernambués, Pau da Lima, São Gonçalo e Cabula. Em 1980 salta para 18,75%, cerca de 467781 habitantes, sendo que 64% desse total vivem em ocupações espontâneas. Na atualidade, segundo Rosali Fernandes (2004), o Miolo se constitui em uma importante região de Salvador. Em termos de área, o Miolo corresponde a 36,74% de toda a cidade e, em termos de população representa cerca de 28,67 por cento de Salvador.


Metodologia da Agenda 21

O Projeto Agenda 21 foi estruturado em seis etapas para ser realizado no período de 12 meses. Na primeira, mobilização e formação da equipe de trabalho para a criação da Agenda 21; a segunda etapa, identificação de áreas com possibilidades de serem transformadas em espaços de sociabilidades; a terceira, formação de grupos voltados para a educação ambiental, educação arte e lazer, habitação e infra-estrutura, desenvolvimento econômico e trabalho, geração de emprego e renda. A quarta etapa, realização das plenárias temáticas e sistematização dos resultados. A quinta, realização da plenária final. Sexta, elaboração de relatórios e seminários de avaliação.

Durante as reuniões iniciais de formação da equipe e discussão dos objetivos do projeto foi definido que a Agenda 21 teria 4 eixos principais de discussões: Infra-estrutura e habitação; Educação e sustentabilidade; Saúde e Desenvolvimento Social e Econômico. Para cada um desses temas realizar-se-iam reuniões quinzenais ao longo de dois meses, envolvendo, portanto 04 reuniões com a comunidade por tema. Foram escolhidas duas áreas de atuação: o bairro da Mata Escura e a localidade de Estrada das Barreiras.

Os debates tiveram como objetivo primordial traçar o diagnóstico das localidades, baseando-se nas linhas temáticas pré-estabelecidas e definição de prioridades que serão descritas e especificadas na Agenda 21 oficial do município de Salvador. A discussão social e econômica que seria um tema específico praticamente foi discutida em todas as três etapas subseqüentes.

A participação de diversas organizações comunitárias[4] dos bairros de Mata Escura, Estrada das Barreiras, Engomadeira e Cabula I foi importante para a realização da Agenda 21. A metodologia de trabalho utilizada na implantação da Agenda 21 teve como pressupostos teóricos as idéias de Paulo Freire (2005), Moacir Gadotti (1993), Francisco Ferrer (1960) que propõem como princípios básicos uma educação transformadora, ecológica e libertária. Uma educação ambiental transformadora que utilize as metodologias participativas da Agenda 21, o fortalecimento da democracia e cidadania, uso de tecnologias sociais, cooperativismo e economia solidária, diagnósticos participativos sócio-educacional e ambiental com referências culturais, grupo focal e reuniões periódicas com a comunidade.


O bairro da Mata Escura - Salvador – Bahia

Como a maioria dos bairros periféricos de qualquer cidade do terceiro mundo, o bairro[5] da Mata Escura, também apresenta problemas sociais, ambientais e estruturais dos mais graves. Esse bairro surgiu de forma desordenada a agigantou-se sem que nenhum tipo de infra-estrutura fosse criado para acompanhar o seu crescimento. Como conseqüência, 46.132 pessoas que o habitam, segundo o censo 2000 do IBGE, enfrentam dificuldades extremas nas áreas de transporte, saneamento básico, limpeza urbana, educação, lazer, saúde, segurança, áreas de sociabilidade, etc.

A evolução do bairro da Mata Escura se vincula ao processo de industrialização do município de Salvador e de sua Região Metropolitana verificado nas décadas de 1960 e 1970, com a implantação do Centro Industrial de Aratu - CIA (1964) e do Pólo Petroquímico de Camaçari (1975).

A existência das represas do Prata e da Mata Escura e suas respectivas áreas de preservação, localizadas nos bairros da Mata Escura, Estrada das Barreiras, Cabula I, Arraial do Retiro e do Calabetão, foram definidas por decreto, como área não edificável (Área de Domínio Público) em 1973, devido aos seus atributos naturais. Em 1977, foi considerado por lei como Área de Preservação Permanente e, em 1988, foi ratificada pela Lei nº 3.853, como parte do Sistema Municipal de Áreas Verdes.

Estas represas, projetadas pelo engenheiro Teodoro Sampaio[6], em 1906, foram utilizadas para o abastecimento de água de parte de Salvador até 1987, quando a de Mata Escura foi desativada devido ao elevadíssimo índice de poluição e a do Prata, à sua baixa vazão.

Atualmente encontram-se assoreadas e poluídas pelo lançamento de esgoto e lixo doméstico. A partir de 2004 o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador considerou a área como parque urbano. A área de preservação das represas está atualmente ocupada pelo Horto do Ministério da Agricultura e pelo do IBAMA, uma reserva de 36 hectares que a Prefeitura Municipal de Salvador doou ao Ministério da Agricultura. Parte da área do Ibama era utilizada para o fornecimento de mudas para a cidade (desativado) e ainda em funcionamento o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) para garantir a sobrevivência de animais apreendidos em operações desse órgão.

Paradoxalmente, a população dessa localidade ainda não se deu conta da riqueza que é ter em seu território um ecossistema da Mata Atlântica, ainda em bom estado de conservação. Essas áreas podem servir para o desenvolvimento local sustentável, onde seria possível associar as idéias de preservação ambiental, desenvolvimento e tecnologia. Esses espaços poderiam tornar-se também espaços de convivência e sociabilidade, associando formação profissional, desenvolvimento cultural e esportivo da população que o habita.

A Mata Escura e o seu entorno também eram conhecidos como território quilombola desde o início do século passado, quando em 1916, aí se instalou o Terreiro de Candomblé Bate Folha, um dos mais importantes e tradicionais de Salvador, representado juridicamente por uma sociedade beneficente com a finalidade de amparar, proteger e cultuar preceitos afro-brasileiros dentro da nação Angola. Em 1993 foi reconhecido pela Prefeitura Municipal como de Utilidade Pública. O Terreiro Bate Folha possui um patrimônio ambiental de 15 hectares de Mata Atlântica, possuindo espécies nativas e africanas utilizadas nos rituais do culto de Candomblé. Após a realização de estudos topográficos e demarcação, o Terreiro Bate Folha foi reconhecido como Território Cultural Afro-Brasileiro.


A Agenda 21 da Mata Escura

A implantação da Agenda 21 na área teve início em meados de setembro de 2004 quando, através de vários contatos na escola Márcia Meccia e com o projeto Cidadão do bairro do Cabula, travamos conhecimento de uma questão socioambiental extremamente importante: as represas do Prata e da Mata Escura. A área vinha sofrendo invasões constantes, desmatamentos e problemas de poluição devido à falta de saneamento ambiental, em decorrência da implantação dos conjuntos habitacionais populares em seu entorno e de autoconstruções.

Após realização de algumas reuniões e levantamento de dados constatou-se a importância tanto do ponto de vista histórico, ambiental (remanescente de Mata Atlântica) e cultural de lutar pela preservação da área, quanto do ponto de vista geográfico, pelos seus recursos hídricos, a área localiza-se num vale que forma a sub-bacia do rio Camurujipe.

Em seguida, começou-se a articular com as diversas associações comunitárias e escolas a discussão de uma Agenda 21 local. A primeira delas, ainda no final de 2004, contou com a presença de vários órgãos públicos e entidades comunitárias resultando, entre outras coisas, na realização de um abaixo assinado dos moradores pedindo para que o Ministério Público tomasse providência para conter o avanço das invasões sobre a área. A partir daí, vários encontros de mobilização comunitária, grupos de discussão, pesquisas de campo foram realizados durante o ano de 2005, seguindo as temáticas sobre Habitação e Infra-estrutura e Educação. Essas reuniões geraram uma série de projetos que foram encaminhados para os órgãos públicos para que sejam implementados.

Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2005 ocorreram as reuniões preparatórias com a equipe técnica para discussão da metodologia e elaboração do cronograma de atividades. Nessas reuniões, ficou definido que iniciaríamos as reuniões da Agenda 21 no mês de março, sendo o local escolhido para os primeiros encontros a Escola Estadual Marcia Meccia.


Resultado das reuniões com a comunidade

Na escala cidade o que há de bom é a população, o meio social, praias, praças, escolas, segurança, centro histórico. O que há de ruim falta de recursos para educação, trânsito, meninos na rua, fome, aborto infantil, prostituição, drogas, transporte, segurança, saúde, desemprego, discriminação, desigualdades, hospitais, hospitais de saúde mental, salário, asfalto, saneamento básico, impostos, desigualdade de atendimento dos órgãos públicos entre os bairros.

Foram colocadas as seguintes soluções/responsáveis: Mais ônibus/prefeitura (AGERBA e SETIN), mais emprego/empresários e governantes, salário mais justo/Governo Federal, maior oferta de hospitais/Governo Federal e Estadual, Secretaria de Saúde, para a educação mais recursos e mais professores/Secretaria de Educação e Ministério de Educação, tirar os mendigos da rua com projeto de recuperação da auto-estima/Governo e sociedade.

Quanto ao bairro o que há de bom segundo os moradores: Projeto Agenda 21, Núcleo de Apoio à Família, Posto Médico funcionando, projeto AMATAQUEDÁ, natureza, ACOPAMEC, Igrejas, Associações de Moradores (foi relatado que elas disponibilizam acesso a advogados e médicos), Rádio, Iniciativas da comunidade. O que há de ruim: falta de médicos do Posto de Saúde (foi relatado que há algum tempo houve agressões a médicos no Posto), conscientização dos moradores porque não valorizam patrimônio público, falta de circulação de informações, pouco acesso à rádio, conscientização sobre o lixo e coleta insuficiente, tráfego confuso na mão e contra-mão da Rua Direta da Mata Escura. As soluções colocadas foram a mudança no tráfego (colocar uma só mão na rua Direta e remanejar a volta por outra via), união da comunidade e mais creches comunitárias. Os responsáveis identificados foram as pessoas da comunidade.

Na escala Rua o que há de bom: iluminação, proximidade do comércio, coleta de lixo. De ruim foram identificadas também a iluminação de algumas ruas, asfalto, saneamento básico, falta de água, buracos, barracas nos passeios afetam espaço de pedestre, fezes espalhadas. A solução sugerida foi o mutirão sendo que os responsáveis seriam os moradores do bairro.

Em relação às casas foram colocadas as seguintes coisas boas: famílias, alguns vizinhos, água, luz, comida e paz. Coisas ruins: telhado, falta de rede de esgoto, falta de documentação, presença de animais nocivos. A Solução colocada foi o planejamento familiar.


Agenda 21 Estrada das Barreiras

A segunda etapa da Agenda 21 foi realizada na localidade de Estrada das Barreiras, situada ao longo da rua com o mesmo nome, também no miolo de Salvador, tem como limites os bairros da Mata Escura, Engomadeira, Beiru, Cabula I e a área do Horto onde está localizada a represa do Prata. Conta com uma população aproximada de 20.000 moradores. Possui cerca de 09 associações comunitárias e religiosas atuantes, 01 Posto de Saúde da Família, 05 Escolas. Teve sua expansão urbana iniciada por volta da década de 1970 quando os antigos sítios e fazendas de laranja, manga e outros produtos agrícolas e de criação de animais foram sendo substituídos ao longo das últimas décadas por conjuntos habitacionais populares e autoconstruções.

Atualmente, inúmeros problemas continuam ocorrendo na área como a falta de infra-estrutura (pavimentação inadequada, falta de saneamento, acúmulo de lixo), escolas com falta de espaços e de equipamentos adequados e o posto de saúde insuficiente para o pronto atendimento de seus moradores.

A agenda 21 da Estrada das Barreiras teve início em setembro de 2005 realizando suas primeiras reuniões na sede do Conselho de Moradores das Barreiras - COMOBA.

 Foram inúmeros problemas e prioridades levantados pelos moradores da Estrada das Barreiras durante as reuniões:

Infra-estrutura: Recuo no ponto de ônibus; sinaleira; problemas com postes baixos, especialmente nas ruas Santa Bernadete e Santa Luzia; pavimentação e iluminação da travessas Kaique, Escanteio, Militar e Florestal e Santa Luzia; Asfalto e registro para a rua João Henrique; Macro-drenagem para a rua Doralice Pereira Dorea, final da rua Juarez Araújo, 1ª e 2ª Travessa Maria das Graças Ribeiro, rua Irmã Dulce, Rua Palmas Dantas e Loteamento Nossa Senhora das Graças, final da rua Alaide e final da rua Diogo. Construir encosta e escada com urgência na rua Santa Luzia e na travessa Escanteio; construção de uma praça na rua Fernando Pedreira no terreno próximo ao PSF e  a mini-praça na rua vila dois irmãos, na área da CHESF.

Educação: Construção da creche escola na rua Fernando Pedreira próxima ao PSF; Construção do colégio de 1º e 2º graus; Curso profissionalizante de informática; construção de um galpão para cursos profissionalizantes (oficinas); construção de centro social; construção de pré-escola; implantação de pré-vestibular em associação e conselhos.

Saúde: trabalho com nutricionista, assistente social e psicóloga para os moradores; CAPS para deficientes mentais; troca dos administradores do distrito para evitar acomodação; curso de humanização para todos os profissionais da unidade de saúde, especialmente vigilantes; ter uma emergência; recepcionista para o PSF; uma 5ª equipe para melhorar o atendimento de todos os moradores.


Conclusões

A experiência de planejamento participativo nesses dois bairros de Salvador realizando uma agenda 21 através de uma metodologia diversificada (reuniões, seminários, grupo focal, pesquisas) foi importante tanto para os participantes dos bairros envolvidos, como pela experiência adquirida pelos pesquisadores e estudantes universitários. A troca de experiências e o conhecimento sobre a realidade local para ambos os grupos (comunidade e universidade) possibilita a realização de propostas de intervenção urbanas mais coerentes com os desejos dos moradores.

Por outro lado, a possibilidade de experimentação de uma pedagogia com base comunitária permite a realização de novos modelos de planejamento urbano, como também, a necessidade de fortalecimento das redes associativas nesses bairros através de suas associações, conselhos, escolas, grupos de jovens, organizações religiosas, projetos sociais de forma a propiciar o desenvolvimento local mediante a construção coletiva de soluções para os problemas existentes.


Notas

[1] O nome de Pierre Verger foi lembrado para a denominação do parque pelo seu trabalho de recuperação das tradições africanas em Salvador, no entanto, durante o desenvolvimento do projeto foi realizada uma pesquisa de opinião para saber dos moradores qual o nome que deveria ser dado ao parque. A pesquisa indicou em primeiro lugar o nome de Parque Horto Florestal, em segundo lugar Parque da Mata Escura e em terceiro, Parque Ecológico do Cabula.

[2] QUADRI, Gabriel. Políticas ambientais para uma cidade sustentável. In: ALVA, Eduardo N. (org.). Metrópoles (In)sustentáveis. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1977. p.133-135. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2ed. Rio de Janeiro: FGV, 1991. Ver também, CAVALCANTI, C. (Org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1997. CIDADES sustentáveis - memória do encontro preparatório São Paulo: Secretaria de Estado de Meio Ambiente, 1992. A CAMINHO da Agenda 21 brasileira: princípios e ações 1992/97. Brasília: MMA, Secretaria Executiva, 1997.

[3] COMISIÓN EUROPEA. Hacia un desarrollo sostenible: informe de aplicación y plan de actuación de la Comisión Europea sobre el quinto programa de política y actuación en materia de medio ambiente y desarrollo sostenible. Luxemburgo, 1997. p. 13.

[4] Associação Feminina da Mata Escura, Rádio Comunitária da Mata Escura, Associação Beneficente Cultural Social da Comunidade da Mata Escura, Associação de Moradores da Mata Escura, Escola Estadual Márcia Meccia, Movimento dos Sem-teto da Bahia/ Vila Via Metrô, Projeto Cidadão, Sociedade Recreativa e Cultural do Bairro de Mata Escura, Conselho de Moradores de Engomadeira, Associação Cultural Comunitária Engenho dos Negros, Conselho de Moradores das Barreiras, Associação Comunitária da Vila Moisés, Comunidade Organizada de Moradores das ruas Ubaranas, Doralice, Canal e adjacências, Associação da Vila Dois Irmãos, Igreja Católica Volta do Senhor, Clube de Mães da Estrada das Barreiras, Igreja Santa Maria Mãe de Deus, Centro Espírita Centelha de Luz, entre outros.

[5] Em Salvador não existe a delimitação territorial de bairro. Eles existem apenas do ponto de vista cultural

[6] Theodoro Fernandes Sampaio, descendente de africanos, filho de uma escrava, nasceu em 07/01/1855 no Engenho Canabrava, numa senzala, no município de Santo Amaro, na Bahia. Aos 9 anos (1864) foi enviado ao Rio de Janeiro, sendo matriculado no Colégio São Salvador. Em 1871 ingressou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde se graduaria em Engenheira Civil em 1876, na primeira turma que lá se formou. Depois de 18 anos em São Paulo, regressou à Bahia em 1904 para executar as obras de restauração nos sistemas de água e esgoto de Salvador.


Referências

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