IX Coloquio
Internacional de Geocrítica
LOS PROBLEMAS
DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y
LAS CIENCIAS SOCIALES
Porto Alegre, 28
de mayo - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul |
ACESSO AO CRÉDITO
E DESENVOLVIMENTO LOCAL:
O MICROCRÉDITO NO
BRASIL
Acesso ao crédito e desenvolvimento local: o microcrédito
no Brasil (Resumo):
Com o êxito da establização
monettária de 1994, o combate à pobreza tornou-se a questão central para
diferentes segmentos da sociedade brasileira. A importância que este tema está
tomando revela o concenso da idéia de que a persistência da pobreza reflete e
sintetiza a face mais crítica dos vários problemas nacionais, entre eles o
crescimento da informalização do mercado de trabalho, as diferenças entre as
pessoas e as desigualdades regionais. A partir dos estudos econômicos,
especialmente de macro-economia, consideramos que parte da renda disponível é
gasta em bens de consumo e serviços necessários à subsistência e parte é
poupada para consumos futuros. Na base da pirâmide social e de negócios, onde
as atividades produtivas são de subsistência ou de acumulação simples, o
microcrédito funciona como um nivelador, incrementando a renda disponível, a
qual é gasta no consumo.
Palavras-chave: acesso ao crédito - desenvolvimento local - inclusão social - pequenos negócios - empreendedorismo
Credit acess and local development: the
microcredit in Brazil (Abstract):
With the
monetary stabilization success of 1994, the combat against poverty became the
central question to the different segments of brazilian society. The importance
that this theme is taking over revels the agreement that poverty persistence
reflects and synthesize the more critic face of several national problems,
between them the increasing informalization of the labor market, the difference
between people and the regional unbalances. From the economy study, in special
the macroeconomy, we have that, part of the being available income is spended
in the goods consume and necessaries services to the subsistence and a part is
saved to the future consume. In the social and business pyramid basis, where
the productive activities are of subsistence or simple accumulation,
microcredit, works as a lever, increasing the available income that is spended
in the consume.
Key words: credit Access - local development - social inclusion - small
business - entrepreneurship
O combate à pobreza e a inclusão
social são temas recorrentes quando se analisam as políticas públicas
implementadas na América Latina na última década. No Brasil, o Plano Real,
implementado no governo de presidente Itamar Franco, em 1994, conseguiu
estabilizar a economia, eliminando a inércia inflacionária de preços e
salários.A eliminação do imposto
inflacionário foi um alívio para a base da pirâmide social e empresarial
brasileira, porém não foi suficiente para conter o processo de empobrecimento
da população, como conseqüência direta da reestruturação produtiva e
distributiva provocada pela globalização, através do aumento do desemprego e da
informalidade dos pequenos negócios.
A partir de 1995 e durante os
oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em
função deste cenário, o governo federal assumiu o papel de formulador e indutor
de uma série de políticas públicas voltadas a minimização desta situação. Dentre
elas, o acesso ao crédito, não como política isolada, mais dentro de um
contexto de desenvolvimento local integrado e sustentado ocupou papel de suma
importância.
Os policy makers deste
período entendiam que o crédito produtivo era a melhor forma de manutenção de
postos de trabalho e geração de renda para a unidade familiar e que, em um
segundo momento, através do efeito multiplicador da renda seus benefícios se
estenderiam por toda a coletividade.
Como resultado desta linha de
ação, temos a partir de 1996 a criação do Programa de Crédito Produtivo Popular
(PCPP) e o Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI) pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o objetivo de fomentar e
criar bases sólidas para a expansão da indústria de microfinanças no país; a
regulamentação de um marco legal para o setor e a criação, no âmbito do
Conselho da Comunidade Solidária, de um grupo de discussão sobre a expansão do
microcrédito no Brasil.A partir de 2003, com a ruptura
política provocada pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, a
nova equipe de policy makers optou pela manutenção da política econômica
do governo anterior, porém, o conceito de acesso ao crédito foi modificado para
bancarização das camadas mais baixas da população. Como resultado desta nova visão
foram destinados dois por cento do compulsório sobre os depósitos a vista para o
microcrédito e a criação pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal de
contas simplificadas.Este artigo tem dois objetivos:
apresentar as principais políticas públicas de acesso ao crédito, implementadas
nos últimos no Brasil, como forma de inclusão social e combate à pobreza, tendo
o governo federal como indutor e ator mais relevante.
A estabilização monetária e as
bases para o crescimento da oferta de crédito no Brasil
Por mais de uma década, a
economia brasileira conviveu com elevadas taxas de inflação que, conjugadas com
o baixo crescimento econômico, verificado a partir de 1981, levaram a uma forte
contração na taxa de investimento. De 1980 até 1994, a taxa média de inflação, medida pelo IGPM (Índice Geral de Preços de Mercado) da Fundação
Getulio Vargas foi de 725,47 por cento. No mesmo período, a taxa média de crescimento
econômico e de investimento, medida em termos percentuais do Produto Interno
Bruto (PIB), foram de, respectivamente 2,29 e 20,5 por cento. Tendo este cenário como pano de
fundo, além da utilização da inflação como instrumento de política econômica,
auxiliando o governo no ajuste ex-post das contas públicas (receitas
indexadas), o setor produtivo se encontrava estrangulado. Um circulo vicioso
estava formado, fazendo com que este período da história econômica brasileira,
em especial os anos 80, ficasse conhecido com a década perdida, caracterizada
por: baixo crescimento econômico, inflação elevada, deterioração do poder de
compra da população e escassez de crédito, onde o sistema financeiro se
afastava cada vez mais da sua função básica de provedor de crédito para
investimento e consumo e se concentrava no financiamento da dívida pública.
Entre 1986 e 1991, cinco
tentativas heterodoxas de combate a inflação fracassaram – Plano Cruzado
(1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Plano Collor I (1990) e Plano
Collor II (1991). Tais planos, tiveram como característica comum, o
congelamento de preços, que levava a uma queda imediata da inflação, com
posterior aceleração da taxa de crescimento dos preços, conduzindo a uma rota
hiperinflacionária (Giambiagi e Moreira, 1999, p.22). A retomada do crescimento estava
atrelada ao sucesso de um novo programa de estabilização, porém turbulências no
cenário político adiaram sua implementação. O processo de impeachment do
presidente Fernando Collor de Mello, instaurado em 29 de setembro de 1992,
culminou com sua renúncia, em 29 de dezembro e a assunção do cargo pelo então
vice-presidente, Itamar Franco.
Contornada a crise política e,
com uma nova equipe de policy makers, o caminho estava aberto para a
elaboração de um novo programa de estabilização. O Plano Real foi pré-anunciado
em dezembro de 1993 e implementado em três etapas: ajuste fiscal de emergência
(aprovação do orçamento federal caracterizado pelo equilíbrio ex ante,
criação do Fundo Social de Emergência, que desvinculava 20% das despesas da
união entre 1994 e 1995 e aumentava a flexibilidade da execução orçamentária);
a eliminação da inércia inflacionária, através da conversão dos salários e dos
preços, em uma unidade de conta, denominada Unidade Real de Valor (URV), cujo
valor em cruzeiros reais (moeda da época) era reajustado diariamente com base
na variação média de três índices de inflação e, a reforma monetária, através
da transformação da URV em uma nova moeda, em julho de 1994. A taxa de inflação mensal, em junho, foi de 45,21 por cento e, no mês seguinte despencou para 4,33 por cento,
mantendo a tendência de queda nos meses subseqüentes. A implementação do Plano Real
acabou por eliminar a indexação retroativa, sem a necessidade de um
congelamento de preços e salários para conter a inflação. Além disso, a
conjugação da apreciação cambial com a abertura comercial permitiu que os
preços dos tradables fossem rigidamente contidos, dando efetividade a
ancora cambial no controle da inflação. Como resultado desse processo, houve
uma drástica queda da inflação, sem que ocorresse uma severa recessão (Giambiagi
e Moreira, 1999, p.23).
O resultado deste processo foi o
início de um novo circulo virtuoso da economia brasileira, com baixas taxas de
inflação, aumento relativo da taxa de investimento e um moderado crescimento
econômico. A manutenção desta política, nos anos que se seguiram, foi
possibilitada com a eleição para Presidente da República do então ministro da
fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em outubro de 1994. Em seus dois mandatos, 1995-1998
e 1999-2002, sua equipe de policy makers buscou construir um arcabouço
institucional e legal que desse suporte a um dos principais pontos positivos do
Plano Real, a inclusão de milhões de brasileiros no mercado de consumo.
Excertos sobre microfinanças,
microcrédito e as “pirâmides” social e empresarial
Ao cumprir o seu papel de
formulador e indutor de determinada política pública, o agente (Estado), deve
definir corretamente as variáveis componentes do modelo analítico a ser
implementado. A noção de acesso ao crédito como
política pública perpassa todo o Sistema Financeiro Nacional (SFN), onde
“consideram-se como instituições financeiras, para os efeitos da legislação em
vigor, as pessoas jurídicas públicas e privadas, que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta, a intermediação ou a aplicação de recursos
próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de
valor de propriedade de terceiros” (Artigo 17 da Lei 4.695/64, em Fortuna,
2001, p. 17).
Desse amplo espectro de entidades, esta análise se desdobrará
sobre aquelas cuja atuação é vocacionada e/ou direcionada a base da pirâmide
social e empresarial. A definição de pirâmide social
(econômica), utiliza o conceito de camadas de consumo, com base na renda anual per
capta do indivíduo/unidade familiar, extrapolada a partir da paridade do
poder aquisitivo nos Estados Unidos da América (Prahalad e Stuart, 2002, p.18).
No topo da pirâmide, encontra-se a camada 1, onde estão entre 75 e 100 milhões
de consumidores, com renda per capita anual superior a US$ 20.000,00, os
mais ricos do mundo (classe alta e média dos países desenvolvidos e as elites
dos países em desenvolvimento). Nas camadas 2 e 3, com renda per capita anual variando entre US$ 20.000,00 e US$ 1.500,00, encontram-se os consumidores
pobres dos países desenvolvidos e a classe média dos países em desenvolvimento,
um universo de 1 bilhão e 750 milhões de indivíduos. Na base da pirâmide, a
camada 4, com 4 bilhões de indivíduos, e renda anual per capita inferior
a US$ 1.500,00; destes, cerca de 1 bilhão vivem abaixo da linha da pobreza
(renda per capta inferior a US$ 1,00 por dia). No Brasil, em torno de 50
milhões de pessoas se enquadram nesta camada, de acordo com a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1999.
Para caracterizar a pirâmide
empresarial, utilizaremos parâmetros brasileiros. A partir da categorização
universal por porte – micro, pequena, média e grande empresa, somar-se-á o
critério da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar 123, de 14
de dezembro de 2006), que classifica as empresas de acordo com sua receita
bruta anual, além do conceito de pessoas ocupadas, utilizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos levantamentos dos censos e
pesquisas sócio-econômicas, anuais e mensais. Segundo o Sebrae (2004), este
conceito abrange não somente os empregados, mais inclui, também, os
proprietários das empresas, como forma de dispor de informações sobre o
expressivo número de micro unidades empresariais que não empregam
trabalhadores, mais funcionam como importante fator de geração de renda para
seus proprietários. Temos então:
- Microempresa:
receita bruta anual inferior a R$ 240.000,00 e/ou estabelecimentos industriais
com até 19 pessoas ocupadas e, no comércio e na prestação de serviços com até 9
pessoas ocupadas.
- Empresa
de Pequeno Porte: receita bruta anual superior a R$ 240.000,00 e igual ou
inferior a R$ 2.400.000,00 e/ou estabelecimentos industriais de 20 a 99 pessoas ocupadas e, no comércio e na prestação de serviços de 10 a 49 pessoas ocupadas.
Os pequenos negócios (micro e
pequenas empresas – MPE) representam, segundo o IBGE, mais de 3,8 milhões de
estabelecimentos, absorvendo 44 por cento da mão-de-obra empregada e gerando cerca de
vinte por cento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Depois de definidas as variáveis
determinantes do nosso modelo, o crédito, variável determinada, deve ser
delineada. Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1999, p.575) a palavra
crédito é originaria do latim creditu e, significa em sentido lato, segurança de que alguma coisa é verdadeira; confiança; boa reputação;
consideração e em sentido econômico a cessão de mercadoria, serviço ou
importância em dinheiro, para pagamento futuro ou a facilidade de obter
empréstimos.
Ao focalizar a base da pirâmide
social e empresarial, o acesso ao crédito pode ser utilizado como ferramenta de
inclusão social de duas formas: orientado para o consumo e/ou destinado à
produção.
Microfinanças são, segundo
Parente (2002, p.11), um campo novo e em acelerado desenvolvimento, no qual
combinam mecanismos de mercado, apoio estratégico do Estado e iniciativas
comunitárias com o objetivo de estruturar serviços financeiros sustentáveis
para a clientela de baixa renda, sejam indivíduos, famílias ou empresas
(formais e informais). No Brasil, a parte mais visível e desenvolvida deste
complexo conjunto de ferramentas de geração de renda e combate à pobreza é o
microcrédito; além deste podemos destacar outros produtos, tais como: poupança
popular; crédito para moradia; seguros; crédito para emergências e o cartão de
crédito popular.
É importante ressaltar que os
produtos criados pelo setor de microfinanças não são apenas cópias dos
oferecidos pelo sistema financeiro tradicional (bancos comerciais e
financeiras); fazem parte de uma filosofia onde o crédito é visto como um
direito, pois o acesso a este leva ao desenvolvimento do indivíduo e de sua
unidade produtiva.Esta realidade – microfinanças –
está presente e consolidada em boa parte dos países da América Latina em
função, de uma legislação mais abrangente e flexível. No Brasil, além de ser
recente, a legislação em vigor só permite uma modalidade das microfinanças: o
microcrédito.
Microcrédito é um empréstimo de
baixo valor, a pequenos empreendimentos informais, microempresas e empresas de
pequeno porte, sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por
não terem como oferecer garantias reais. É um crédito produtivo (financia
capital de giro e investimento fixo) e é concedido através de uma metodologia
assistida, onde o agente de crédito (funcionário da instituição) interage com o
tomador antes, durante e depois da concessão do crédito (adaptado de Barone,
Dantas, Lima e Rezende, 2002, p.14).
Pobreza e desenvolvimento local
Depois desse melting-pot de variáveis, faz-se necessário evidenciar o cenário no qual elas figuram. Uma
política pública de acesso ao crédito, cujas ferramentas provém das
microfinanças, em especial do microcrédito, focadas na base da pirâmide social
e empresarial têm como hastes basilares o combate a pobreza e a inclusão social
dentro de uma estratégia de desenvolvimento local.
Com o sucesso da estabilização
monetária de 1994, o combate a pobreza tornou-se a questão central para os
diferentes segmentos da sociedade brasileira. A importância que o tema vem
assumindo revela o entendimento de que a persistência da pobreza reflete e
sintetiza a face mais crítica de diversos problemas nacionais, entre os quais a
informalização crescente do mercado de trabalho, a desigualdade entre pessoas e
os desequilíbrios regionais (adaptado de Rocha, 2003, p.174).
Um país com dimensões
continentais, o Brasil possui 5.656 municípios, que são as células mater da federação, sendo que destes, segundo o IBGE, apenas 6% têm mais de 50 mil
habitantes e, apenas 95 cidades, entre elas, as capitais dos estados, têm mais
de 150 mil habitantes. Com diferenças sociais, políticas e econômicas, qualquer
política pública de inclusão que almeje ser eficiente, eficaz e efetiva deve,
ao mesmo tempo, ter abrangência universal e ser focalizada na menor unidade federativa,
o município, seguindo a velha máxima de “pensar globalmente e agir
localmente”.
Do estudo da economia, mais
especificamente da macroeconomia, temos que parte da renda disponível do
individuo é gasta no consumo de bens e serviços necessários a sua subsistência
e parte é poupada para consumo futuro (Y = C + P). Na camada 4 de consumo
(pirâmide social) ou na base da pirâmide empresarial (empresa informal,
microempresa e empresa de pequeno porte), onde as atividades produtivas são de
subsistência ou de acumulação simples, o microcrédito, que é um crédito
produtivo, funciona como alavanca, aumentando a renda disponível do
indivíduo/unidade familiar que é gasta no consumo. O efeito multiplicador da
renda, gerado por este processo, quando ampliado, em um distrito de um pequeno
município, no próprio município e assim sucessivamente, gera em termos de
agregados macroeconômicos, crescimento da renda nacional e conseqüentemente
crescimento econômico com inclusão, quimera almejada por todos os policy
makers.
Por outro lado, o crédito para o consumo também pode gerar efeitos
similares para a coletividade pois, ao estimular, pelo lado da demanda,
determinada parcela da população a consumir e/ou aumentar seu consumo de uma
cesta de bens e serviços, a oferta desta terá que se adequar, produzindo mais,
gerando mais empregos e, conseqüentemente, em termos agregados, mais renda
estará disponível na economia.Daí a importância da compreensão
do conceito de que pobreza e exclusão social não devem ser enfrentadas apenas
com crescimento econômico e políticas compensatórias, e sim, com programas
inovadores de investimento em capital humano e capital social (Franco, 2002, p.
37).
A comunidade solidária, seu entorno
e as políticas públicas de acesso ao crédito
Um dos pensamentos que ficaram
marcados durante a campanha e o início do primeiro mandato do Presidente
Fernando Henrique Cardoso (1995-98) era que “o Brasil não é um país pobre, e
sim um país injusto”. Sob esta tônica e, através de um decreto presidencial, a
Comunidade Solidária foi criada em janeiro de 1995 e, em paralelo, a “famosa”
Legião Brasileira de Assistência (LBA) era extinta.
Uma agenda de desenvolvimento
social para o país foi construída, tendo, de acordo com Cardoso, Franco,
Oliveira e Lobo (2002, p.05), novos conceitos no lugar de velhas estruturas,
propostas singulares de ação substituindo antigos e ultrapassados modelos
assistencialistas. Neste processo, também foi posta de lado a idéia de que o
desenvolvimento social é tarefa única do Estado. Parcerias com a sociedade
civil e a iniciativa privada foram utilizadas para potencializar a ação do
Estado em diversas frentes.
No bojo dessas transformações, em
junho de 1996, surgem as Rodadas de Interlocução Política do Conselho da
Comunidade Solidária, impulsionadas, segundo Cardoso, Franco, Oliveira e Lobo
(2002, p.13), pela convicção de que era essencial a construção de novos canais
de diálogo entre o governo e a sociedade.Foram, ao longo de seis anos,
realizadas quinze rodadas sobre temas-chave de uma agenda de desenvolvimento
social para o Brasil, sendo que, destas, três (Alternativas de Ocupação e
Renda; Marco Legal do Terceiro Setor e Expansão do Microcrédito no Brasil)
contribuíram para a indução, formulação e implementação, direta ou indiretamente,
de políticas públicas de acesso ao crédito como forma de combate a pobreza e a
inclusão social.
O microcrédito no Brasil não é
recente, suas origens remontam ao final da década de 50, quando Dom Helder
Câmara, no Rio de Janeiro, criou uma “carteira de empréstimos” cujo objetivo
era auxiliar os excluídos sociais a iniciarem uma atividade produtiva. Esta
carteira foi o embrião do Banco da Providência, uma resposta da igreja católica
à realidade miserável de parte da população carioca, buscando colaborar e participar
ativamente no esforço de ajuda e promoção humana do socialmente excluído.
Na década de 70, mais
especificamente em 1973, nos municípios de Recife e Salvador, por iniciativa e
com assistência técnica da
Accion Internacional, na época chamada AITEC,
e com participação de entidades empresariais e bancos locais, foi criada a
União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, conhecida como
Programa UNO, uma ONG especializada em microcrédito e capacitação para
trabalhadores de baixa renda do setor informal (Barone, Dantas, Lima e Rezende,
2002, p.21).
Nos anos 80, duas experiências,
de porte regional, surgiram no país: o Banco da Mulher (Associação Brasileira
para o Desenvolvimento da Mulher), fundado em 1984 por iniciativa do Conselho
da Mulher Executiva da Associação Comercial do Rio de Janeiro e, a Rede CEAPE,
a partir do Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Ana Terra, no Rio
Grande do Sul, em 1987. Coube a iniciativas da sociedade
civil a introdução do microcrédito no Brasil, porém, o ambiente de inflação
elevada dos anos 80 e início da década de 90 praticamente inviabilizou o
surgimento e o desenvolvimento de uma quantidade significativa de experiências.
Em meados da década de 90, ocorreu uma mudança fundamental no ambiente macroeconômico
do país – a estabilidade de preços - alcançada a partir da implantação do Plano
Real. A eliminação da inércia
inflacionária e a reforma monetária criaram um ambiente favorável para as
poucas instituições que operavam microcrédito. Ao passarmos de uma taxa de
inflação anual superior a 1.000 po cento para 15 por cento, e com um viés de baixa que se
confirmou nos anos seguintes (ver Tabela 1), essas instituições puderam ajustar
suas expectativas no que se refere à taxa de juros, isto é, com uma conjuntura
econômica favorável, começaram a operar com taxas pré-fixadas, contribuindo de
maneira significativa para a expansão de suas carteiras de crédito.
Este “incentivo”, somado a outras
ações estruturantes promovidas pelos governos federal, estaduais e municipais
fizeram com que o número de entidades operadoras ultrapassasse 200, em 2004 (de
acordo com pesquisa em andamento realizada pelos autores).Dentre as ações estruturantes
promovidas pelo governo federal, cabe destacar a criação, em 1996, da Área de
Desenvolvimento Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
– BNDES que, em sintonia com o Conselho da Comunidade Solidária, lançou o
Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP), com o objetivo de divulgar, de
forma consistente e conseqüente, o conceito de microcrédito e promover a
formação de uma ampla rede institucional capaz de propiciar crédito aos
microempreendedores, formais e informais (Kwitko, Burtet e Weihert, 1999,
p.11). Através deste e do Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI), fruto
de um convênio de cooperação técnica não reembolsável com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), o banco passou a dispor de uma linha
de crédito especial para alavancar as carteiras das instituições operadoras em
funcionamento (
funding) e, investiu na infra-estrutura do mercado e no
fortalecimento da capacidade institucional, através do desenvolvimento de
manuais de capacitação em metodologias de análise, concessão e acompanhamento
de microcrédito, para agentes de crédito; manuais para gerentes (técnicas de
gestão microfinanceira, marketing, regulamentação das microfinanças e sistemas
de informação); um manual para empresas de auditoria; sistemas de classificação
institucional (
rating); apoio para o desenvolvimento de sistemas de
informação gerencial, sistemas de pontuação de crédito (
credit-scoring),
bem como ações de fortalecimento institucional: governabilidade,
regionalização, transformação institucional, desenvolvimento de novos produtos,
entre outras.
Em paralelo a essas ações, no
âmago da Comunidade Solidária, através de seu Conselho, eram promovidas Rodadas
de Interlocução Política que iriam influenciar de sobremaneira as políticas
públicas de acesso ao crédito. Na quinta rodada, que tratou do tema
Alternativas de Ocupação e Renda, realizada em agosto de 1997, o microcrédito
foi apontado como importante estratégia das políticas de trabalho e renda e,
foi criado um grupo de trabalho, com representantes do Banco Central do Brasil
(BCB), BNDES, Ministério da Fazenda, entre outros, para apresentar propostas
para o seu incentivo e regulamentação.Com dois encontros, em agosto de
1997 e maio de 1998, a Rodada de Interlocução Política sobre o Marco Legal do
Terceiro Setor, incorporou, segundo Ferrarezi e Rezende (2000, p.13), a
necessidade de construir um novo arcabouço legal, que reconheça o caráter
público de um conjunto, imenso e ainda informal, de organizações da sociedade
civil e, ao mesmo tempo facilite a colaboração entre essas organizações e o
Estado. A partir dessas duas rodadas, começa a ser desenhado um arcabouço legal
que facilitaria as operações das instituições de microcrédito da sociedade
civil.Com a estabilização monetária e
impulsionadas por um dos principais temas da agenda nacional e global do início
dos anos 90 – desenvolvimento social, as instituições de microcrédito se
multiplicaram no país, através da sociedade civil organizada (ONG) e de
iniciativas públicas municipais e estaduais (fundos municipais e estaduais),
conhecidas como bancos do povo.
Esta expansão se deparava com um problema
legal. A concessão de crédito, com taxas superiores a 12% ao ano, de acordo com
a legislação brasileira vigente (normas legais sobre a usura, comumente
conhecida como “Lei da Usura”: artigos 13, 14 e 15 do Decreto nº 22.626/33;
artigo 4º da lei nº 1.521/51; artigo 7º, V, da Lei nº 8.137/90), só poderia ser
feita por entidades pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional (SFN). Além de não fazerem parte do
Sistema Financeiro Nacional, maior parte dessas entidades cobrava e cobra taxas
de juros que garantam sua sustentabilidade no longo prazo (entre 3 e 4% ao
mês), cubrindo seus custos e despesas operacionais e ainda gerem superávit para
ser reinvestido em suas operações. Este problema legal só foi resolvido, em
1999, com a promulgação da Lei nº 9.790 e pela Medida Provisória nº 1.965-11,
de fevereiro de 2000 (sucessivamente reeditada), ambas frutos das duas Rodadas
de Interlocução Política supracitadas.A Lei nº 9.790/99, também
conhecida como “Lei do Terceiro Setor”, criou uma nova qualificação para as
pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos: organizações da
sociedade civil de interesse público (OSCIP), representando, segundo Ferrarezi
e Rezende (2000, p.13), um passo na direção da reforma do marco legal que
regula as relações entre Estado e sociedade civil no Brasil. Segundo esta Lei,
as entidades que tiverem por finalidade a concessão de microcrédito não estarão
sujeitas a chamada “Lei da Usura”, se se qualificarem como OSCIP;
posteriormente regulamentado pela Medida Provisória nº 1.965-11/00.
Em novembro de 1997, o Banco do
Nordeste (banco de desenvolvimento público federal, que tem como área de
atuação em toda a região nordeste do país e o norte de Minas Gerais e do
Espírito Santo), balizado pela agenda de desenvolvimento social do governo
federal, criou um programa de microcrédito, o CrediAmigo que, trabalhando com
uma metodologia de grupos solidários e, oferecendo concomitantemente a
concessão do crédito, a capacitação gerencial aos tomadores, se tornou o maior
programa de microcrédito do país e um dos maiores, em termos de números de
clientes e valor total das operações, da América Latina.
Na segunda metade dos anos 90, o
setor de microcrédito brasileiro era composto, em princípio, apenas pelas ONG
sendo, posteriormente, incorporadas as experiências de governos municipais e
estaduais, e do programa CrediAmigo do Banco do Nordeste. A participação da
iniciativa privada no setor se dava através de doações para formação de capital
próprio (
equity) ou capital de empréstimo (
funding) às
organizações da sociedade civil que atuavam nesse setor.
A sustentabilidade de uma
intervenção pública, em qualquer área, depende da capacidade de articulação de
parcerias estratégicas e, no caso de uma política pública de acesso ao crédito,
isto não é diferente. O seu equilíbrio dinâmico só poderia ser assegurado com a
entrada de um novo
player, a iniciativa privada.
Mais uma vez, coube ao
Conselho da Comunidade Solidária criar bases, através quinta Rodada de
Interlocução Política – Alternativas de Ocupação e Renda, para que este fato
acontecesse. Como resultado do grupo de trabalho iniciado em 1997, o Conselho
Monetário Nacional (CMN) editou, em agosto de 1999, a Resolução 2.627, considerada o marco legal da iniciativa privada no setor de microcrédito
(posteriormente aperfeiçoada pela Resolução 2.874/01). Esta Resolução dispõe
sobre a constituição e o funcionamento das Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor (SCM), pessoas jurídicas de direito privado, com finalidade
lucrativa, cujo objetivo social exclusivo é a concessão de financiamentos a
pessoas físicas, com vistas a viabilizar empreendimentos de natureza
profissional, comercial ou industrial de pequeno porte, bem como pessoas
jurídicas classificadas como microempresas.
A expectativa em torno desse novo
ator foi muito grande, na medida em que assegurava contribuições para o
equilíbrio de todas as dimensões de viabilidade do setor (econômica,
financeira, institucional e social). Isto, menos pelo número de instituições (o
arcabouço legal ainda não atraiu a quantidade de investidores privados
almejada), e mais pelo caráter de
business, agregando
expertise mercadológica e agressividade às operações de microcrédito. Esse conhecimento
de finanças vem do fato de que as Sociedades de Crédito ao Microempreendedor
(SCM) estão sendo constituídas por pessoas oriundas do sistema financeiro, em
especial por proprietários de empresas de fomento mercantil (
factorings).Com o objetivo de levar serviços
financeiros a população dos municípios não atendidos pelo Sistema Financeiro
Nacional (1.627), o governo federal, através do Ministério das Comunicações, em
outubro de 2000, editou a portaria nº 588, instituindo o serviço financeiro
postal especial, denominado Banco Postal, a ser prestado pela Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos (ECT). Segundo o artigo 2º desta portaria, os serviços
relativos ao Banco Postal caracterizam-se pela utilização da rede de
atendimento da ECT para a prestação de serviços bancários básicos, em todo o
território nacional, como correspondente de instituições bancárias. O BRADESCO,
maior banco privado do país venceu, em agosto de 2001, concorrência para
operacionalizá-lo. A primeira agência foi inaugurada em março de 2002 e, seus
resultados impressionam. No final de 2003, já contava com 3.365 agencias e, hoje
(2007) já são mais de 5.500 pontos de atendimento, cobrindo 4.843 municípios.
Ainda como desdobramento da
quinta Rodada de Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária e,
sob os dois consensos básicos sobre o microcrédito aprovados na Rodada sobre
Alternativas de Ocupação e Renda, de que “o chamado microcrédito ou crédito
popular pode cumprir um papel estratégico no campo das políticas públicas de
trabalho e renda, visto não como uma política compensatória, mas como elemento
de uma perspectiva mais ampla de integração de empreendimentos populares ou de
pequeno porte no processo de desenvolvimento, dentro de uma ótica
não-excludente e, de que o crédito popular só conseguirá se expandir para
cumprir o seu papel estratégico se for tratado de forma diferenciada do crédito
tradicional” (A Expansão do Microcrédito no Brasil, Documento Final, 2001,
p.10), A Expansão do Microcrédito no Brasil foi tema de dois encontros, em
março e outubro de 2001.
Seu objetivo era construir propostas e medidas
consensuais capazes de contribuir para a superação dos obstáculos que
impediam/impedem o crescimento do microcrédito no país, entre eles a expansão e
a consolidação das microfinanças como um novo setor econômico; atingir regiões
do interior do país com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) e
capilarizar a oferta de crédito no país. Seus instrumentos e resultados foram
primorosos para o setor, como a criação de quatro comissões técnicas para
propor caminhos de ação para os entraves do setor: marco legal, divulgação e
fortalecimento institucional, capacitação e avaliação.
Dentre os seus
resultados, destacam-se: a edição da Resolução nº 2.874, de julho de 2001, que
aprimora o marco legal da participação da iniciativa privada no setor, através
das SCM, flexibilizando algumas regras de operação e tornando-as mais atrativas
a investidores; a criação do portal do microcrédito (
www.portaldomicrocrédito.org.br);
a elaboração de uma cartilha para a divulgação do microcrédito no país;
elaboração dos requisitos mínimos para programas de capacitação em microcrédito
e a formulação de um conjunto de indicadores financeiros e de avaliação de
impacto e seus conceitos.
No fim do segundo mandato do
Presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), o ultimo ator de peso, no
cenário sócio-político, a adotar uma política específica, direcionada ao
fomento do microcrédito no país foi o Serviço Nacional de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – SEBRAE. O SEBRAE é um serviço social
autônomo, criado em 1990, a partir de dispositivos da Constituição de 1988,
cujo propósito, segundo o direcionamento estratégico de 2001/2002, é trabalhar
de forma estratégica, inovadora e pragmática para fazer com que às micro e
pequenas empresas no Brasil tenham melhores condições para uma evolução
sustentável, contribuindo para o desenvolvimento do país como um todo.
Em
outubro de 2001 foi lançado o Programa SEBRAE de Apoio ao Segmento de
Microcrédito, exemplo de como a parceria público-privado-sociedade civil pode
ser conduzida em benefício de um setor específico. Segundo Barone, Dantas, Lima
e Resende (2002, p.26), ao atuar como instituição de segunda linha, propunha
apoiar a criação e o fortalecimento de organizações de microcrédito, desde que
estas adotassem princípios de independência e auto-sustentabilidade. Dentre as
modalidades de apoio, além de recursos para
funding, o programa previa o
apoio à reestruturação das instituições; capacitação dos recursos humanos;
cessão de uso de sistema informatizado de gestão, entre outros.
O governo de Luis Inácio Lula
da Silva e a nova visão de acesso ao crédito
A eleição do metalúrgico Luiz
Inácio Lula da Silva para Presidente da República, no final de 2002,
representou uma ruptura com o modelo político vigente no país dos últimos 20
anos. A partir de 2003, uma nova equipe de policy makers optou pela
manutenção da política econômica do governo anterior, porém, o conceito de
acesso ao crédito passou a ser entendido como a bancarização das camadas mais
baixas da população (base da pirâmide social).
Para classe média e alta,
utilizar um “ultrapassado” pedaço de papel (cheque) para pagar uma conta é uma
rotina trivial, porém, como afirma Rubin (2004), para boa parte da população do
país, este ato banal chega a ser sofisticado, até inédito. Não há estatísticas
precisas sobre o número de brasileiros economicamente ativos sem acesso a
serviços bancários, mas se calcula que seja algo na faixa entre 25 milhões e 45
milhões de pessoas.
Incluir esta grande massa de
pessoas ao Sistema Financeiro Nacional passou a ser a tônica principal das
políticas públicas de acesso ao crédito do novo governo. Nos oito anos do
governo anterior, microcrédito era entendido como um crédito produtivo, capaz
de alavancar renda. Neste governo, o conceito de microcrédito foi subvertivo
para crédito de pequeno valor, produtivo ou não, também, como já exposto
anteriormente, capaz de gerar renda (ver item 4).
Dentre as medidas tomadas,
destacando-se a edição, em junho de 2003, do “Pacote do Microcrédito”, um
conjunto de medidas que objetivavam ampliar a oferta de serviços financeiros as
populações de baixa renda. Três foram os seus pilares: a criação de contas
simplificadas (bancarização); o estímulo a oferta de crédito através da
destinação de parte dos recursos do recolhimento compulsório sobre os depósitos
à vista e a formação de cooperativas de crédito de livre associação. A edição da Resolução nº 3.104,
de junho de 2003, pelo CMN, como parte do pacote tentou instrumentalizar,
através da ampliação de mecanismos facilitadores de acesso da população de
baixa renda ao Sistema Financeiro Nacional e, conseqüentemente, propiciar a
melhoria das condições de obtenção de crédito, de realização de poupança e de
aquisição de produtos financeiros, além da maior comodidade de pagamento de
contas por parte de pessoas de menor renda (Darcy e Soares, 2004, p.22).
Em paralelo, a Caixa Econômica
Federal e o Banco do Brasil (bancos públicos federais), criaram mecanismos para
operacionalizar esta política pública através da criação de contas correntes
simplificadas, movimentadas por cartão magnético e, necessitando para sua
abertura, somente, a apresentação de documento de identidade e CPF. A Caixa
criou a conta simplificada denominada “Caixa Aqui” e, o Banco do Brasil, uma
subsidiária integral, denominada Banco Popular do Brasil para atender este
segmento. Sob outro aspecto, esta Resolução, permitiu também, a criação de
cooperativas de livre admissão de associados que, segundo Darcy e Soares (2004,
p.22), permitirá a organização de populações hoje, com pouquíssimo acesso a
serviços financeiros, tais como as localizadas longe dos grandes centros, para
que possam mobilizar e aplicar recursos em seu próprio benefício, estimulando
assim pequenos empreendimentos rurais e urbanos geradores de empregos. Outra
Resolução do CMN, a nº 3.140, de novembro do mesmo ano, facultou a criação de
cooperativas de crédito de empresários vinculados a entidades de classe.Complementando o pacote e,
implementada através da Medida Provisória 122, de 25 de junho de 2003
(regulamentada, posteriormente, pela Lei 10.735, de 11 de setembro de 2003),
foi conferindo ao Conselho Monetário Nacional “competência para regulamentar as
aplicações dos bancos comerciais, dos bancos múltiplos com carteira comercial,
da Caixa Econômica Federal, bem como das cooperativas de crédito de pequenos
empresários, microempresários ou microempreendedores e de livre admissão de
associados, em operações de microfinanças destinadas à população de baixa renda
e microempreendedores, baseadas em recursos oriundos dos depósitos à vista”
(Darcy e Soares, 2004, p.40).
Com base nesta Medida Provisória, o CMN editou
uma resolução (nº 3.109, de junho de 2003) estabelecendo a aplicação de 2% dos
depósitos à vista, captados dessas instituições para operações de crédito para
base da pirâmide social e empresarial. Com esta medida, esperava-se deixar a
disposição e conseqüentemente injetar no mercado mais de US$ 350 milhões em
créditos de pequeno valor, produtivos ou não, através dos canais já existentes,
principalmente os grandes bancos de varejo, nacionais ou estrangeiros.
Conclusão
Apesar do “incentivo” dado pela
estabilização econômica, e de um conjunto de políticas públicas voltadas para o
acesso ao crédito, tanto nos dois anos de governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998 e 1999-2002) quanto nos primeiros anos do governo de Luiz Inácio
Lula da Silva (a partir de 2003), muito ainda precisa ser feito em termos de
crédito produtivo (microcrédito), crédito para o consumo e bancarização no
Brasil.
É assustador número de pessoas
que vivem abaixo da linha de pobreza no país (mais de ¼ da população) e o
crescimento da informalidade nos grandes centros urbanos. Os pequenos negócios,
urbanos e rurais, formais e informais, sofrem de aguda escassez de capital, o
que gera baixa produtividade e baixo rendimento do capital, o que impede o
efeito multiplicador da renda e, conseqüentemente, em termos macroeconômicos, o
desenvolvimento econômico includente.Esta tese é corroborada por uma
pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde a
demanda potencial por crédito no Brasil, é estimada em quase 14 milhões de
pequenos empreendimentos. Este número foi obtido cruzando dados da Pesquisa Nacional
de Amostra Domiciliar, de 1999 com os da Pesquisa sobre a Economia Informal
Urbana, de 1997, ambas realizadas pelo IBGE (Darcy e Soares, 2004, p.07).
Quando se verifica a oferta de
microcrédito, o resultado é desanimador, mesmo com o crescimento expressivo do
número de entidades operadoras pós-Real, que só atendem 1% da demanda estimada
pela OIT, segundo Darcy e Soares (2002, p.07) e, metade deste número é de
responsabilidade do Programa CrediAmigo do Banco do Nordeste. Em parte, esta
situação explica a opção pela bancarização e do aumento da oferta de crédito
através das instituições financeiras tradicionais (2% do compulsório sobre
depósitos à vista), como política pública do governo do Partido dos
Trabalhadores.
Independente da estratégia
adotada pelo governo federal: incentivo ao crédito produtivo (microcrédito)
através da sociedade civil organizada, iniciativa privada e programas de
governo (de primeiro e segundo piso, municipais, estaduais e federais);
bancarização, por meio do aumento da oferta de produtos específicos destinados
a população de baixa renda e o incremento da cobertura espacial, especialmente
nos municípios não atendidos pelo Sistema Financeiro, via Banco Postal e, o
estímulo a expansão da oferta de crédito, produtivo ou não (2% do compulsório
sobre depósitos à vista), os policy makers e a sociedade têm
compreendido, em particular, nos últimos dez anos, que a guerra contra a
pobreza não será vencida com ações paternalistas, clientelistas e
assistencialistas, tradicionais na sociedade brasileira do século XX e sim, com
estratégias universais, quanto a finalidade, e focalizadas, no sentido de
intervenção de um conjunto de agentes específicos, propiciando desenvolvimento
local e inclusão, através do aumento sustentável da renda dos beneficiários.
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