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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

NOVOS USOS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO À LUZ DO PERÍODO E A CONSTITUIÇÃO DE NOVAS FRONTEIRAS[1]

Telma Batalioti Galli
Universidade Estadual de Campinas
telmag@ige.unicamp.br

Novos usos do território brasileiro à luz do período e a constituição de novas fronteiras (Resumo)

À luz do atual período, denominado técnico-científico e informacional, desenvolve-se uma economia “sem fronteiras” que vem sendo comumente mencionada como globalização e que se estrutura sob bases da desigualdade social e territorial. No Brasil, as intervenções da globalização, comandadas pelo agir do capital hegemônico, têm produzido uma crise para o pacto federativo na medida em que optam seletivamente por porções do território. Os entes federativos (estados e municípios) são assim atingidos de forma e intensidade diferenciadas, onde se acentuam as desigualdades e disputas territoriais produtoras também de novos rearranjos fronteiriços. Desse modo, quando os entes se fundamentam em estratégias de desenvolvimento independente de um projeto nacional que os incluam desencadeia-se uma competição desigual, pois a cada território cabe uma racionalidade que lhe é própria. Se de um lado a globalização implica na maior unificação técnica, de outro, ela evidencia com os novos recortes territoriais a relevância das fronteiras.

Palavras-chave: Federação Brasileira, novas fronteiras, globalização

Nuevos usos del territorio brasileño a la luz del período y la constitución de nuevas fronteras (Resumen)

A la luz del actual período, denominado técnico-científico e informacional, se desarrolla una economía “sin fronteras” que viene siendo usualmente mencionada como globalización y que se estructura bajo bases de la desigualdad social y territorial. En Brasil, las intervenciones de la globalización, comandadas por el actuar del capital hegemónico, han producido una crisis para el pacto federativo al paso en que optan selectivamente por porciones del territorio. Los entes federativos (estados y municipios) son así afectados de forma e intensidad diferenciadas, en donde se acentúan las desigualdades y disputas territoriales productoras también de nuevos rearreglos fronterizos. De esa manera, cuando los entes se fundamentan en estrategias de desarrollo independiente de un proyecto nacional que los incluyan, se desencadena una competición desigual, pues a cada territorio corresponde una racionalidad que le es propia. Si de un lado la globalización implica en la mayor unificación técnica, del otro, ella evidencia con los nuevos recortes territoriales la relevancia de las fronteras.

Palabras-clave: Federación Brasileña, nuevas fronteras, globalización

New uses of the Brazilian territory, in light of the period and the constitution of new borders (Abstract)

In light of the present period, known as the technical-scientific and information era, an economy “without borders” has developed, which has commonly been referred to as globalization, and which is based on social and territorial inequality. In Brazil, the interventions of globalization, controlled by the performance of hegemonic capital, has produced a crisis for the federative pact in that they opt selectively for portions of territory. The federative entities (states and municipal districts) are therefore affected in different ways and to different degrees, beset by inequalities and territorial disputes, which also produce new border rearrangements. Thus, when entities base themselves on independent development strategies of a national project which includes them, this leads to unequal competition, since each territory has its own rationale. While on one hand, globalization involves greater technical unification, on the other, it demonstrates with the new territorial divisions, the importance of borders.

Key words: Brazilian Federation, new borders, globalization

Com o desenvolvimento das sociedades e seu respectivo progresso técnico, ambos condicionaram modos de produção, que permitiram ao homem avançar sobre as fronteiras naturais de um espaço natural, parar então, constituir fronteiras políticas necessárias a um espaço geográfico. Com isso, as fronteiras passam a expressar seu caráter político e adquirem relevância com o desenvolvimento do capitalismo e com a formação dos Estados territoriais modernos. Assim, na identificação de uma fronteira reconhece-se um dado território, este, é obediente a um conjunto de leis e normas produzidas por um Estado e que o difere de outros no seu entorno. Também a divisão territorial do trabalho e a própria geografia dos Estados territoriais sinalizam para as diferenças externas quanto internas a um território.

No atual período, a globalização por se estruturar sob bases da desigualdade social e territorial, tendencialmente acentua as diferenças entre os lugares, pois os atinge de forma seletiva e hierarquicamente tanto nos países desenvolvidos, mas com maior aprofundamento nos países subdesenvolvidos. No caso brasileiro, as intervenções da globalização comandadas pelo capital hegemônico são exigentes de novos usos do território e com isso têm produzido uma crise ao pacto federativo. Em oposição à cooperação entre os entes da federação, a globalização acentua a competitividade, aprofundando as fraturas sócio-territoriais.

A inserção do território brasileiro no mundo da globalização: ponto de inflexão para a competição territorial

No atual período, a difusão das técnicas[2], da comunicação e informação, possui uma abrangência mundial, onde os sistemas técnicos dados pelas redes interligam os mais variados pontos do mundo. A materialidade dos sistemas técnico-científicos e informacionais favorecem as ações produtivas hegemônicas e também as especializações territoriais. A possibilidade de conhecimento prévio das virtualidades de cada lugar diferencia o momento atual de anteriores, o que tornou possível a mobilidade dos fatores de produção: dos homens, dos produtos, das mercadorias, do capital (Santos, 1988a).

O sentido das transformações e da internacionalização das relações que nesse período se dá em escala mundial é o da globalização. No entanto, se por um lado, a globalização representa um agir hegemônico liderado pelas grandes empresas que se valem de uma unicidade técnica[3] (Santos, 1999a), por outro lado, ela provoca também profundas desigualdades sócio-territoriais. A ampliação do mercado mundial dada pela globalização, favoreceu a instalação pontual dos atores hegemônicos nas localidades mais favoráveis a sua realização nos moldes capitalistas.

De tal forma, foram criadas as condições para as ações do circuito espacial produtivo (pressupõe a circulação da matéria: fluxos materiais, envolvendo todas as etapas do processo de produção de um produto, desde o começo até chegar ao consumo final [Santos, 1988b]) e seu correspondente círculo de cooperação (pressupõe a circulação da comunicação: fluxos imateriais como informações, finanças, ordens, marketing e outros), estarem em concordância às novas correntes mundiais.

De acordo com Castillo (2005, p. 4), o circuito espacial da produção representa o encadeamento das instâncias geograficamente separadas: produção, distribuição troca e consumo, de um determinado produto, em constante movimento e, o circulo de cooperação garante os níveis de organização necessários para a articulação dos lugares e agentes dispersos geograficamente. “Circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação mostram o uso diferenciado de cada território por parte das empresas, das instituições, dos indivíduos e permitem compreender a hierarquia doa lugares desde a escala regional até a escala mundial” (Santos e Silveira, 2001, p. 144).

A escolha de instalação e ação das grandes empresas em um ponto do globo e não em outro, foi favorecida pela dissociação geográfica das condições de produção, distribuição e consumo, que acompanhou a implantação seletiva dos novos recursos tecnológicos. Para Arroyo (2001), a circulação no período atual e o papel das grandes firmas no comando dos circuitos espaciais da produção, redistribuem o excedente e redefinem, em grande medida, o uso do território. Contudo, a política do Estado, cumpre papel importante como intermediária entre os agentes e, portanto, além das condições técnicas é necessária uma adaptação política que gere normas de aportes financeiros, fiscais, trabalhistas, entre outros, no sentido de regulá-las.

Para Santos (1999b, p. 121), “uma norma pública age sobre a totalidade das pessoas, das empresas, das instituições e do território. Essa é a superioridade do Estado sobre outras macroorganizações”. Assim, mesmo estas estabelecendo ações globais, seus efeitos tendem a ser pontuais. Como no Brasil, todos os entes federativos, correspondem a um Estado, o papel político municipal é central nas estratégias que promovem ou alteram o acontecer dentro de suas fronteiras. Cabe ao governo municipal, portanto, conduzir suas políticas de forma a não privilegiar apenas parcelas de interesses mercadológicos, mais sim em benefício de toda sociedade civil. Nesse sentido, apresenta-se um embate entre o uso social e o uso estritamente econômico (corporativo) proposto pela globalização.

A intensificação das modernizações, ou camadas técnicas, e das relações capitalistas, que vão se sobrepondo ao território, exigem a sua regulação política. Conforme Cataia (2005, p. 06), “as grandes empresas, vetores das modernizações, difundem as inovações (normativas ou materiais), mas seu funcionamento no lugar requer regulação política”. A competição territorial torna-se desigual, te tal modo que de um lado figura o território normado e de outro o território como norma, (Santos, 1999c). As diferenças territoriais tendem a serem mais intensas e desiguais conforme a capacidade de unificação do território ao mercado, por concentrarem as condições necessárias dos meios de produção, circulação e consumo.

A materialidade ao lado do poder público, “promove um arranjo do conteúdo normativo para viabilizar o aumento da produtividade espacial e tornar mais eficiente o uso do território, pois é mais rápido mudar o arranjo jurídico que o arranjo material” (Kahil, 2005, p.7198). Assim, o território encontra-se em permanente adaptação das normas e formas para otimizar as necessidades do mercado, isso realizado através de uma política que favorece as empresas em detrimento de uma outra voltada aos interesses da sociedade nacional. O uso preferencial de um lugar revela instantaneamente a desvalorização de outros lugares ou áreas que ficam fora desse processo.

Embora a presença do Estado e do capital se realize em toda parte, ambas se fazem de forma diferenciada segundo ritmos diversos e requalificam os espaços, sobretudo para atender os atores hegemônicos da economia e, assim, quanto mais tecnificado o lugar, mais subordinado à lógica global ele está. Também quanto mais circulação, maior é especialização do território e, a divisão social e territorial do trabalho. É desse modo, afirma Santos (1999b), que áreas inteiras permanecem nominalmente no território, fazendo parte do mapa do país, mas são retiradas do controle soberano da nação.

O território, assim, atingido pelo dado da técnica e da política no quadro da modernidade globalizante, têm suas mudanças aceleradas muito em função de uma subordinação oriunda de duplo comando sendo, das políticas das empresas e da política do Estado (Santos, 1997), no qual interesses particulares tendem a se sobrepor aos coletivos.

No cenário do comércio mundial, as práticas globalizantes requerem a participação de novos territórios e para isso, são requerentes das relações entre a política dos Estados e a das empresas, no entendimento do território como produto e, que tendencialmente segue a generalização do mundo da mercadoria. Essas políticas se relacionam de forma tão intensa e exacerbada aos ditames do capital, como se o próprio território também pudesse ser exportado. Nas palavras de Santos (1999b) “importam-se empresas e exportam-se lugares”.

Sendo os entes da federação portadores de poder legiferante desde a Constituição de 1988, estão sempre em tensão ao estabelecerem os usos básicos do território, assim definidos por Gottmann (1975) e Santos (1997) como sendo: território como recurso e território como abrigo. De um lado, estão as empresas que tentam maximizar o uso econômico sobre o território e, de outro, encontram-se as pessoas que buscam nele a sobrevivência.

Na medida em que se intensificam as possibilidades geradas pelo progresso técnico, ampliam-se as especializações territoriais e a fragmentação sócio-territorial, como resposta geográfica à internacionalização dos mercados. As desigualdades entre os entes federativos se acentuam correspondendo a interesses de parcelas da sociedade por determinadas localizações. Empresas e poderes políticos locais fundamentam a competitividade, sobretudo por uma especialização produtiva funcional e cujos comandos seguem uma razão global.

O processo de globalização corrobora na competitividade entre os lugares de acordo com o que esses possam oferecer às empresas, potencializando assim, a globalização. Não existe, portanto, o espaço global, senão apenas como espaço de globalização. O que existe é a compartimentação do território.

As novas possibilidades técnicas, científicas e informacionais desencadeadas no mundo após a Segunda Guerra Mundial, se materializaram no território brasileiro de forma desigual como características da globalização. Assim, as novas orientações tecnológicas que o sistema capitalista de produção buscou para a reconstrução da economia no mundo intensificaram a divisão territorial do trabalho (repartição no espaço geográfico do trabalho morto e de trabalho vivo) acelerando a integração e a formação de grupos econômicos, que se refletiram também no Brasil.

A racionalidade homogeneizante inerente ao processo de acumulação tem se apropriado do espaço a serviço da expansão econômica e, no território nacional, repercutiu na mecanização do campo e urbanização das cidades. Com o processo de urbanização, a estratificação social se mostrou mais evidente ao também revelar novos padrões de consumo que atingem desde os rendimentos das classes mais baixas aos das mais altas. Assim, foram se estabelecendo novas racionalidades, tanto no campo como nas cidades, para atender a divisão do trabalho nas condições necessárias à produção e ao contexto social do atual período.

O agir hegemônico liderado pelas redes (fluxos materiais e imateriais) atinge os territórios criando uma solidariedade organizacional cuja força destrói a solidariedade orgânica (Santos, 1994a), à medida que torna o espaço cada vez mais racional. Dessa forma, a solidariedade organizacional não representa o espaço banal, ou seja, o espaço como totalidade pela indissociabilidade dos sistemas de objetos e ações.

As relações estabelecidas entre os círculos espaciais da produção e os círculos de cooperação podem, neste período, estabelecer uma complementaridade entre as frações de um mesmo território e de outros territórios, desencadeado pelo fenômeno da universalização do processo produtivo. Ao contrário de períodos anteriores, um determinado território ou uma porção dele não depende mais de sua auto-suficiência. A racionalidade do capital, com as novas possibilidades de circulação de produtos, serviços e informação, permitiu as especializações territoriais.

No território brasileiro as especializações territoriais assumem a forma do município, sobretudo pelo poder político do local, que torna uma atividade econômica qualquer como imagem-produto de sua cidade. Contudo, a especialização territorial envolve mais que o local, o lugar, sendo este o todo que se materializa no local. Conforme Silveira (2002, p. 204-5), “O lugar não é um fragmento, é a própria totalidade em movimento que, através do evento, se afirma e se nega, modelando um subespaço do espaço global”. Empiricamente o lugar é a funcionalização do todo.

A sucessão de modernizações dada pelo progresso técnico desencadeou no Brasil, no atual período, novos usos do território, tanto no campo como na cidade. A mecanização do campo, sua modernização, acelerou o êxodo rural, o que correspondeu também na modernização das cidades, sobretudo com novos produtos e serviços. Essa modernização do campo e cidade aponta tanto para a concentração da população, como dos objetos técnicos e do próprio capital. Conforme Santos (1982, p. 16), “uma vez que a acumulação do capital depende da rapidez de sua circulação, os meios de produção tendem a acumular-se nos lugares de produção, junto aos instrumentos de trabalho fixos”. Nesse sentido, os entes da federação quanto mais se tecnificam, mais se especializam, competem entre si e se compartimentam.

O progresso técnico e a urbanização: elementos para novos usos do território nacional.

Após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento em tecnologia, ciência e informação, a economia internacional se manifestou através de solidariedade organizacional crescente entre os países, mas baseada no domínio dos países industrializados sobre os países subdesenvolvidos. Neste contexto, os países pobres se inclinaram também a essa lógica de mercado, cuja população buscou na cidade emprego, moradia e renda. Contudo, aponta Santos (1981), enquanto nos países desenvolvidos o modo de produção conduziu a população do setor primário, baseado na produção agropecuária, passando pelo secundário por meio do processo de industrialização e então ao terciário, nos países subdesenvolvidos, com exceções, a mudança do setor primário foi direta para o terciário, promovendo também uma urbanização diferenciada, sobretudo pela velocidade com que foi se estabelecendo, a exemplo da brasileira (Tabela 1).

 

Tabela 1. Evolução da população urbana no Brasil

Ano

População Total

População Urbana

Índice de Urbanização (%)

Índice de crescimento Populacional (%)

Índice de crescimento Urbano (%)

1900

17.438.434

-

-

-

-

1920

27.500.000

4.552.000

16,55

43,08

-

1940

41.326.000

10.891.000

26,35

33,46

41,79

1950

51.944.000

18.783.000

36,16

25,70

72,46

1960

70.191.000

31.956.000

45,52

35,13

70,13

1970

93.139.000

52.905.000

56,80

32,69

65,55

1980

119.099.000

82.013.000

68,86

27,87

55,02

1991

150.400.000

115.700.000

77,13

20,81

29,22

2000

169.799.170

145.800.000

85,87

12,90

20,64

2006

186.119.238

165.832.920

89,10

9,61

13,74

Fontes: BRASIL. Ministério das Cidades (2004); Oliven (1980) e IBGE: Censos Demográficos de 1940 a 2000 e, estimativa da população maio/2006: < http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/popul/default.>,  [11 de fevereiro, 2008].

 

De acordo com Santos (1994a, p.29), “entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio século (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia”. A partir da década de 40, com a industrialização nacional, ampliou-se o processo de urbanização no Brasil. As novas atividades produtivas levaram ao deslocamento populacional do campo às cidades, e consequentemente a expansão urbana em todas as regiões brasileiras, (Tabela 2).

 

Tabela 2. Índice de urbanização – Brasil e regiões

Região

Índice de urbanização (%)

1950

1960

1970

1980

1991

1996

2000

2006

Sudeste

44,5

57,3

72,7

82,8

88,0

89,3

90,5

92,1

Sul

29,5

37,5

44,3

62,4

74,1

77,2

80,9

82,0

Nordeste

26,4

34,2

41,8

50,4

60,6

65,2

69,0

71,5

Centro-Oeste

24,4

37,1

48,0

67,7

81,2

84,4

86,7

86,3

Norte

31,5

35,5

45,1

51,6

59,0

62,4

69,8

73,5

Brasil

36,1

45,0

56,8

68,8

75,5

78,4

85,8

89,1

Fonte: Censos Demográficos de 1950 a 2000; Contagem da população 1996 e estimativa da população maio/2006: < http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/popul/default.>, [11 de fevereiro, 2008].

 

Também aponta Castro (2005), que a população brasileira cresceu no período entre 1970 e 2000 cerca de 76 milhões de habitantes, ao passo que com relação ao processo de urbanização a população nas cidades foi acrescida de 85 milhões de habitantes, ou seja, urbanizou-se mais do que efetivamente cresceu a população. Essa realidade conduziu a demanda de novos usos do território, no campo como na cidade.

No Brasil, em face dessa nova realidade de desempenho capitalista somam-se também as novas condições históricas (efeitos recentes da reorganização do território e da economia, descentralização produtiva, bem como as novas condições políticas e a abertura democrática) e institucionais (a Constituição Federal de 1988, as novas Leis Orgânicas Municipais, além da redistribuição geográfica do poder e dos recursos fiscais) que tem provocado novas realidades regionais e locais (Santos, 1999d) com o aprofundamento das desigualdades entre os entes, reforçando o papel da fronteira interna no atual período como definidora de poder.

As novas compartimentações territoriais resultaram, portanto, das substantivas mudanças desencadeadas no território brasileiro em fins do século XX, em particular, com a Constituição de 1988, marcadamente descentralizadora. As influências externas e a nova organização institucional da Federação aprofundaram as diferenças no território nacional em função de um lado, das demandas do capital exigente de tecnificação e, de outro lado, com a urbanização, pela demanda da população por infra-estrutura básica.

A dimensão do território brasileiro, suas características naturais e a conjunção dos fatores acima mencionados sempre constaram como desafios ao seu uso e conhecimento, bem como, evidenciam as diferenças regionais que desencadeiam também as desigualdades regionais. As condições sócio-territoriais têm condicionado e são condicionadas tanto pela tecnificação do território como pela urbanização, sendo, ambas, expressões do período técnico-científico.

Nesse sentido, a urbanização brasileira tem se constituído acompanhando a desigual distribuição do meio técnico-científico-informacional, que reforça ainda mais, a construção de uma sociedade dividida pelas diferenças e de um espaço seletivo. Também a renovação técnica que se implanta sobre o território, inscreve-se numa sociedade cada vez mais urbana que trás as marcas de projetos anteriores de modernização e, portanto, recriam-se clivagens entre classes, grupos e segmentos sociais. O contexto urbano acentua e torna mais perceptível as ocorrências de profundas cisões sociais mediadas pela acessibilidade.

No Brasil, tanto a tecnificação do território como a urbanização, estão mais intensamente presentes na região concentrada (Santos, 1988a), que cobre os Estados do Sul e do Sudeste e que desborda para o Centro-Oeste. Também configuram manchas em outras áreas do território nacional e se apresentam como pontos em todos os entes da federação (Estados e Municípios). Na região concentrada a mecanização do território se dá com uma adaptação progressiva e mais eficiente aos interesses do capital hegemônico, tornando-a a área com maior expansão dos fixos e dos fluxos. São nessas localidades que se encontram instaladas as instâncias da sociedade econômica, isto é, a produção propriamente dita, a circulação, a distribuição e o consumo (Santos, 1988a).

A partir desta fase, à constituição da rede urbana passa a permitir uma conexão entre os círculos espaciais da produção e os círculos de cooperação, caracterizando no campo e na cidade uma nova divisão sócio-territorial do trabalho. Segundo Santos (1988a), é deste período em diante que no Brasil se acentuam as migrações ascendentes (sobretudo daqueles que não mais conseguem permanecer em seus lugares de origem e, portanto, são expulsos pelos novos nexos econômicos e sociais, buscando nova localização, geralmente nas cidades) e descendentes (geralmente composta por aqueles que se ocupam do trabalho intelectual e que saem das áreas mais desenvolvidas em direção às menos desenvolvidas). Dessa desterritorialização, decorreu uma redistribuição tanto da classe média como dos pobres no Brasil, além de “confundir” a identidade da maioria das cidades receptoras da migração.

O papel assumido pelo campo e pela cidade na organização do território nacional torna-se condizente com a sua modernização. No campo a aceitação do capital é mais veloz que a cidade. Nesse sentido, à medida que o campo se tecnifica com objetos cada vez mais carregados de ciência, ao trabalho exige-se maior qualificação e, à cidade cabe afeiçoar-se às exigências do campo. Assim, enquanto o campo é o locus da produção propriamente dita, é a cidade o locus do seu comando. Com esta configuração, o campo brasileiro passou a incidir na orientação da classe média, ao passo que as cidades se tornaram mais susceptíveis em acolher os pobres.

As cidades ao responderem as demandas do campo se diferenciam umas das outras ao mesmo tempo em que se tornam cada vez mais complexas, tendencialmente deixam de ser a cidade no campo para se tornarem a cidade do campo. “Cada cidade e seu campo respondem por relações específicas, próprias às condições novas de realização da vida econômica e social” (Santos, 1988a, p.61). As cidades locais, por exemplo, aponta Santos (1999c), mudam de conteúdo. “Antes, eram as cidades dos notáveis, hoje se transformam em cidades econômicas” (Santos, 1999c, p. 51).

Com a revolução e estruturação dos macrossistemas técnicos de transportes, energia e comunicações (Lojkine, 1995), há uma distribuição das funções produtivas entre as cidades. No caso brasileiro, as unidades federativas passaram a estabelecer disputas para criarem condições atrativas à produção. Dessa forma, buscam na capacidade de renovação técnica atrair atividades competitivas. As empresas por outro lado, necessitam além das condições de produção, dar movimento ao produto, e para tanto é indispensável às condições de circulação, de fluidez, tanto técnica quanto política, apresentadas pelo território. Em geral, são nas grandes cidades, e também nas menores no entorno delas, que ocorrem uma maior fluidez, onde os fluxos (materiais e imateriais) corroboram para as atividades competitivas da economia global.

Em regiões de grande adensamento técnico, científico, informacional e também populacional é que se desenvolve o intercâmbio necessário à circulação de capitais de um lado, enquanto de outro, produz também a segregação social e espacial nas cidades. A urbanização, neste contexto, se apresenta como fenômeno territorial expressivo e condicionante da divisão territorial e social do trabalho, requalificando e criando constantemente espaços que sirvam aos reclamos dos novos usos do processo produtivo e do consumo. O desenvolvimento da aglomeração urbana está relacionado à acumulação capitalista, que por sua vez, incide na diminuição do tempo de produção e no tempo de circulação do próprio capital (Lojkine, 1981).

Em decorrência das tendências mundiais de interação e comunicação, emergem exigências tanto ao Estado quanto ao setor privado, pela produção de fluidez ou, como chamou Santos (1999c), de alargamento dos contextos. As novas possibilidades de fluidez ampliam a expansão do intercâmbio e consequentemente a expansão territorial de processos como a circulação de produtos, capital, serviços e informação. Com isso, eleva-se a eficácia do uso do território como já previa Marx para a diminuição da arena da produção e alargamento de sua área.

A essas novas condições históricas e institucionais lançadas ao território brasileiro à luz do atual período, somou-se a introspecção de uma ideologia do desenvolvimento e da modernidade imposta pelo mercado global, intensamente estimulada pelos meios de comunicação. Disso, resultou um modelo competitivo de governar entre os entes federativos, repercutindo em novos usos do território pelo poder público e privado, ambos sob a apropriação do espaço. Além do desenvolvimento é necessária a modernização constante e, essa modernização requer renovação constante tanto das técnicas quanto das normas. As transformações seguem no sentido da reelaboração dos espaços.

Para Barrios (1986), a apropriação do espaço pela classe dominante é questão estratégica no sistema capitalista, no sentido de manutenção e fortalecimento da sua situação de poder, circunstância que define claramente o papel desempenhado pelo espaço como reprodutor material de uma organização social. “O espaço modificado surge então não como resultado natural da evolução sociocultural da humanidade, mas como produto intencional e não-intencional de uma ordem estabelecida” (Barrios, 1986, p.5).

Sendo o espaço estratégico e definidor de políticas públicas e privadas, neste período, os novos usos do território, se apresentam com maior destaque sob três situações, tornadas constantes no contexto nacional, como medidas para assegurar o poder pelas classes dominantes. A primeira, diz respeito à reelaboração dos espaços rural e urbano, tornando-os produtos vendáveis. Esta primeira, por sua vez, pode estar bastante associada à segunda situação, a especialização produtiva funcional do lugar, por meio de uma ou mais atividades econômicas. E a terceira, se apresenta com propostas de criação de novos entes federativos ou mesmo, propostas de rearranjos de fronteiras por meio de anexação de áreas.

Com o progresso técnico e o desenvolvimento do capitalismo houve uma maior compartimentação do espaço geográfico e conseqüentemente a instituição de fronteiras políticas. Assim, a unificação técnica não significou a união política. Novas fronteiras internacionais foram criadas como também novas fronteiras internas dentro dos Estados.

O progresso técnico conquistado pelo homem possibilitou a ele a superação dos obstáculos ou fronteiras naturais. No atual período, os elementos da globalização (a unicidade técnica, a convergência dos momentos, o motor único e a cognoscibilidade do planeta) dos quais falou Santos (2000), deram margem a um discurso indicativo do fim das fronteiras. O mundo assim, transformado em uma “aldeia global” todo conectado pelo sistema informacional, traria um esvaziamento das funções das fronteiras. Entretanto, como temos presenciado as fronteiras continuam a serem instituídas.

As fronteiras externas ao Estado-Nação ou internas a ele, se adaptam às dinâmicas impostas pelo agir hegemônico em correlação com as políticas dos Estados. O exercício do poder implica em manipular constantemente a oposição entre continuidade - deslocando os limites – e, descontinuidade – criando novos limites, pois, eles fazem parte do processo de reprodução social: produção, troca e consumo. A manipulação das fronteiras é parte integrante das técnicas do poder.

No Brasil, cada ente (União, Estados e Municípios) como figura do poder, contempla um território, e um território é exigente de fronteiras, pois são elas que definem a existência de um conjunto de normas jurídicas: executivas, legislativas e tributárias que regulam o território, ou seja, constituem um sistema de poder para a organização do território. Dessa forma, todos os entes articulam-se entre si e, por serem capazes de legislar, eles encontram-se em permanentes disputas territoriais por investimentos públicos e privados. As relações que se estabelecem entre o poder público e privado ressaltam a relevância das fronteiras.

As fronteiras, no entanto, “cercam” apenas o processo político e ainda assim, não eliminam a possibilidade de influências políticas as atravessarem. Outros processos, como o econômico, o cultural ou o ideológico, têm propriedades espaciais mais flexíveis (Cataia, 2001). Ainda assim, mesmo a fronteira sendo transposta pela circulação dos fluxos e mesmo deixando de expressar alguma função ou uma dada ordem, ela mantém seu papel de regulação do território. O discurso de seu enfraquecimento contempla alguns agentes hegemônicos que se beneficiam com a emergência dos fluxos, que é a velocidade de circulação.

Considerações finais

Nesta contemporaneidade temos um espaço geográfico híbrido, composto por materialidades e ações, que condicionam as relações sociais no território e este às relações. A fronteira é um elemento de organização sócio-territorial que obedece a racionalidade da sociedade. Assim, na medida em que se altera a racionalidade sobre a qual funciona e se organiza a relação social é conveniente que as fronteiras passem por adaptações.

Mesmo as fronteiras sendo transpostas pelos fluxos, o que atende aos interesses daqueles que comandam a globalização, elas ainda assim, representam o controle de leis e normas que regulam a sociedade. A complexidade de relações externas e internas a uma fronteira e que ocorrem no período atual, é necessária de cada vez mais regulação, justificando-se o Estado e suas fronteiras. O conteúdo do território encontra-se em constante mudança e a fronteira se adapta a ele.

Portanto, no atual período, com a emergência dos fluxos, as fronteiras externas ou internas a um Estado tornaram-se ainda mais importantes e não o contrário como aponta o discurso de integração do mundo via globalização econômica. Se por um lado, de fato as fronteiras são transpostas, por outro, a concorrência e a competição entre Estados para a inserção e permanência no mercado global produziram novos territórios e consequentemente novas fronteiras. É na confluência das políticas entre Estado e capital hegemônico que as fronteiras se apresentam mais rígidas ou mais permissivas. A fronteira ao informar, regula a sociedade e o território evidenciando sua atualidade.

 

Notas

[1] Este texto é resultado parcial de pesquisa de doutorado que vem sendo realizada com apoio da FAPESP.

[2] Por técnica entendemos [...] “a reação energética contra a natureza ou circunstância que leva a criar entre esta e o homem uma nova natureza posta sobre aquela, uma sobrenatureza”. (Ortega y Gasset, 1957, p. 14). As técnicas compõem um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza a sua vida, produz e, ao mesmo tempo cria o espaço.

[3] A unicidade técnica refere-se ao “fato de que as técnicas atuais formam sistema à escala do globo, cada lugar abrigando fragmentos ou peças interdependentes” (Santos, 1999a, p.08). Ver também (Simondon, 1969).

 

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