X Coloquio Internacional de Geocrítica
DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008 Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008 |
INTERPRETAR A GOVERNAÇÃO URBANA CONTEMPORÂNEA.
NOVAS PERSPECTIVAS PARA A POLÍTICA NA CIDADE.
João Seixas
Centro de Estudos Territoriais (ISCTE), Lisboa
Contacto: jseixas@claranet.pt
Interpretar a governação urbana contemporânea. Novas perspectivas para a política na cidade (Resumo)
Este texto coloca-se como uma proposta de reflexão conceptual em torno dos possíveis novos sistemas de governação da cidade ocidental que emirjam neste início de século. Com base nos vectores de mudança operados nas políticas urbanas das cidades Europeias nos últimos vinte anos, e procurando nesse sentido contribuir para uma maior clareza analítica – e mesmo prospectiva – perante os desafios com que a governação da cidade de hoje se depara, levantam-se questionamentos que propõem uma perspectiva de conjugação entre o que se denomina de sistema-cidade e sistema de governação de cidade. Sugere-se uma abertura conceptual e analítica em três frentes: a perspectiva de uma maior manifestação sócio-cultural e institucional das atitudes políticas na cidade; um reforço das capacidades de interpretação e entendimento desta; a centralização do conceito de governação como conceito sistémico e integrante das diferentes dimensões e valores de dinâmica socio-política.
Palavras-chave: Cidade, Política Urbana, Governação Urbana
Interpreting contemporary urban governance. New perspectives for city politics (Abstract)
The article stands as a proposal for a broad conceptual reflection, in face of the new governing systems that are emerging in the western city, in this new century. Supported by the main vectors of change operated in the urban politics dimensions of the European cities in the last 20 years, it seeks to contribute to a better analytical – possibly, also prospective – clarity, in front of the challenges that city politics today faces. The questionings are risen proposing a main conjunction among what can be called the city system and the city governation system. There is suggested a conceptual and analytical openness in three fronts: the perspective of a wider socio-cultural and institutional manifestation of the political attitudes in the city; a reinforcement of the capacities of own interpretation and understanding; the centralization of the concept of governation as a systemic and integrative concept, amongst the different dimensions and values of socio-political dynamic.
Key-Words: City, Urban Politics, Urban Governation
“Sendo a política um agir livre, tudo pode recomeçar, mas não de qualquer maneira nem em qualquer lugar”
José Bragança de Miranda
A recomposição das políticas urbanas europeias
A paulatina consolidação de novos paradigmas de desenvolvimento, de produção e de representação (Touraine, 2005), tem colocado a cidade num posicionamento de encruzilhada histórica muito particular. Em texto anterior procurámos sistematizar e interpretar os padrões urbanos de tais processos de mutação, através de uma análise às grandes tendências evolutivas da cidade contemporânea: uma nova posição desta no planeta; uma postura político-económica significativamente mais competitiva; uma maior dependência dos elementos e dos vínculos imagéticos e simbólicos; uma estrutura morfológica mais difusa e fragmentada; uma nova personalidade social e identitária; uma alma mais intranquila e desassossegada; e a coexistência de novas com velhas esperanças de reafirmação como esteio civilizacional e cosmopolita (Seixas, 2006).
O confronto entre a magnitude destes passos de transformação da cidade, e a dificuldade (por parte dos sistemas político-institucionais e sócio-culturais vigentes) tanto na sua inteligibilidade (e concomitante capacidade de compreensão de tais mudanças) como no seu necessário acompanhamento (e na construção de respostas de ordem cultural e política), tem deixado muitas vezes instalar-se um panorama global de relativa desorientação cognitiva, e de uma consequente dificuldade de condução estratégica e de acção colectiva. Este é um panorama que, não obstante, tem sido interpretado e enfrentado de formas distintas nas mais diferentes cidades europeias, constituintes de um amplíssimo universo de múltiplas matizes, e onde as reacções têm sido desencadeadas das mais diversas formas, da quase absoluta passividade, à construção relativamente sustentada de estratégias e de projectos pautados por uma pró-actividade e por um direccionamento consideravelmente concreto no sentido de novas propostas de governação urbana.
Sujeitas a pressões de múltiplas ordens, solicitando (e obtendo) mais responsabilidades, maior autonomia e maior visibilidade política e, muito especialmente, necessitando de actuar em contextos de acção local face a dinâmicas de influência global, as formas de governação urbana tornaram-se objecto de significativas transformações nas últimas duas décadas. Uma recomposição da acção pública local, sobre as cidades, que foi consolidando diversos tipos de caminhos. Caminhos que, pensados ou não em sentido mais estrutural (e apesar do difícil reconhecimento de determinados trilhos – ou por isso mesmo) permitem hoje proporcionar perspectivas analíticas muito interessantes, na busca de uma compreensão mais abrangente dos caracteres dinâmicos da socio-política e, nessa perspectiva, das tendências de reconfiguração das estruturas políticas de regulação e de acção. Como refere Jouve (2004, p.3), “as políticas urbanas têm-se tornado, progressivamente, um espaço de recomposição do lugar entre a sociedade civil e a política”.
Num exercício de sistematização, listamos sete vectores por onde as políticas urbanas europeias (face a um contexto que definimos de glocalização) têm evoluído nos últimos vinte anos (figura 1).
Figura 1
Grandes vectores de recomposição nas políticas urbanas europeias
dos últimos vinte anos (1985-2005)
O que é certo é que, não obstante a magnitude destes vectores de transformação, a cidade tem-se tornado, perante a pressão de múltiplos desfasamentos, mais difícil de governar – condição bem diferente, decerto, de esta se ter tornado ingovernável. Porque cognitiva e politicamente fragmentada, com difícil conjugação de estruturas de responsabilidade colectiva e, demasiadas vezes, sem destino (planeado, pelo menos) bem definido. Apesar de múltiplas acções inovadoras presentemente em desenvolvimento em variadas cidades do planeta, apesar da cidade se encontrar crescentemente reconhecida no seu papel de charneira civilizacional, socio-política e ainda ambiental, apesar da construção operacional e/ou percepcional de autênticos Modelos de governo e de acção sócio-política urbana – como o famoso Modelo Barcelona[1] – parece não se detectar ainda, com relativa facilidade, na maioria das urbes, um sentido de visão e de acção política verdadeiramente estratégico e plural, que corresponderá a uma necessidade perene, precisamente, em período de grandes transformações.
Desde sempre lugar central de problemáticas e de potencialidades de nova índole e, por excelência, das riquezas e das turbulências culturais, humanas e relacionais da história, a cidade coloca-se hoje, e de novo, como palco principal e como elemento charneira perante os historicamente inevitáveis – e provavelmente salutares, por processos como o da destruição criativa – desequilíbrios e confrontos inerentes à mudança.
Alguns autores, apelando a um novo iluminismo no pensamento político, referem-na mesmo como ‘o novo território do político’, perspectivando-lhe ainda alguns, com a evolução da glocalização e com a recomposição das suas configurações culturais e político-institucionais de governação, a eventual possibilidade de uma ‘nova idade de ouro’ (Jouve e Lefévre, 2002). Mas, evidentemente, uma série de condições colocam-se como essenciais para, quando muito, melhor conjecturar tais perspectivas. Soja (2000) contrapõe a metrópole moderna – a das tendências actuais, mas gerida apenas por intermédio do urbanismo modernista e com fracas perspectivas políticas e culturais, inovadoras e claras – a uma pós-metrópole, ligada precisamente a um pós-urbanismo que enquadre os novos tipos de realidades e desafios, como o do direito à cidade para todos. Sassen (2007) confirmou recentemente como, a par das profundas reconfigurações em curso nas estruturas e nos posicionamentos geo-económicos globais, problemáticas como as da homogeneização ou da diversificação sócio-económica das cidades, se têm tornado das dimensões mais essenciais para os cenários globais futuros. Problemáticas urbanas que, evidentemente, envolvem uma forte correspondência nas respectivas estruturas e opções políticas de cada sociedade. Nas dimensões da cidadania, Jouve (2004) propõe a perspectiva de uma miragem neo-tocquevilliana, pressupondo o aprofundamento das formas e das práticas de concertação, de participação, e de co-responsabilização entre eleitos, administração e sociedade civil (desde os grupos comunitários e associações de diversa índole e escala, aos actores eminentemente económicos). Por outro lado, Clark e Hoffman-Martinot (1998), no âmbito de um longo processo de análise das tendências de evolução socio-política de múltiplas cidades espalhadas pelo mundo, têm postulado o paulatino desenvolvimento de uma nova cultura política nos quadros de acção social, económica e finalmente cívica, particularmente (mas não só) nas cidades de cariz mais Ocidental. Mas para além das diferentes perspectivas e caracteres mais ou menos realistas, todas estas perspectivas, de uma forma ou de outra, acentuam o recolocar da cidade como ágora política, como grande espaço público, afirmando o seu papel de charneira nos tabuleiros da construção social e política como um todo.
Disse Borja (1998, p.55), ainda não há muito tempo: “A cidade é a melhor oportunidade de inovação política. Pela complexidade das políticas públicas que nela se devem integrar, e por uma dimensão que permite uma relação mais directa com a população”. Para o estado-da-arte dos campos do social e do político – e de dimensões tão prementes com o ambiente e a sustentabilidade do planeta – assume óbvia consistência a presente perspectiva, de carácter potencialmente estruturante, de reinvenção da política na cidade – alargando-lhe horizontes, focando-lhe responsabilidades, reestruturando-lhe sistemas, e abrindo-lhe finalmente novas perspectivas de acção e de democracia.
Face às perspectivas de se ir paulatinamente deixando as estruturas e os valores de condução do presente e do futuro das cidades quase exclusivamente para lógicas de mercado e/ou ainda (num outro sentido) para lógicas quase exclusivamente tecnocráticas, colocar-se-á a necessidade de rever o que a cidade – e a sociedade urbana – verdadeiramente necessitam e afinal invocam. Talvez, e muito simplesmente, em torno de duas grandes dimensões:
a) Primeiro, dos próprios desafios da cidade (sustentabilidade, inclusão social, qualidade de vida, urbanismo qualificado, etc.), que necessitarão de uma orientação política muito clara e que, seguramente, irão implicar a tomada de decisões que contestam algumas práticas e pautas presentes, bem como posicionamentos e privilégios actuais;
b) Segundo, dos desafios da própria reafirmação democrática e política, na e com a sociedade urbana – permitindo abrir assim novas perspectivas de interiorização e de accionamento dos valores da democracia, da ética e da responsabilidade para cada cidadão.
A leitura de alguns conhecidos estudos de análise comparativa da evolução das cidades europeias (com base na performance de indicadores de qualificação), desenvolvidos nas últimas duas décadas[2] revela, sem surpresas, uma correlação considerável entre qualificação urbana e inovação política. As cidades com melhores performances e com melhores níveis de qualificação (a vários níveis, social, económico e ambiental, nomeadamente), têm sido também aquelas que, em diferentes situações, cenários e escalas, têm fomentado um determinado grau de inovação e de transformação no panorama das suas políticas urbanas e dos seus próprios quadros político-institucionais.
É por estas linhas, e perante a magnitude e a complexidade dos actuais desafios e das novas oportunidades na cidade, que se coloca como particularmente necessária a construção de uma base conceptual mais consolidada, mas empiricamente bem materializável – portanto, de acção – de reinvenção da cultura e da dinâmica política na cidade. Pois que também aqui se buscam novos paradigmas. Propomos assim, para a parte final deste texto de visão eminentemente conceptual – ‘conceptualmente accionável’, atrever-nos-íamos a dizer – da política na cidade, algumas reflexões de teor sobretudo ensaístico em torno de três grandes aberturas:
O reforço da atitude política na cidade
São de natureza múltipla os vectores pelos quais se vem recentrando o lugar da cidade, num movimento relativamente oposto ao da sua fragilização:
a) Pela mudança de paradigma histórico, recolocando a cidade e seus principais componentes estruturantes (sua identidade, sua cultura e suas estruturas morfológica, social e económica) como vector civilizacional central;
b) Pelo paulatino evanescimento, em áreas anteriormente centrais da acção colectiva, do papel do Estado-nação, retirando-lhe capacidade de protagonismo e abrindo novos espaços e novos territórios de representação social e de responsabilidade socio-política;
c) Pelas grandes transfigurações nas cadeias de valor económico e de poder político, de ordem planetária, estruturadas em importante medida por redes de mais-valias e por estéticas de percepção e de acção, cuja cognição e materialização se encontram profundamente ligadas às novas condições da urbanidade;
d) Pela elevada influência que os modelos e os processos de produção e de reprodução na cidade desencadeiam em essenciais estruturas de sustentabilidade, nomeadamente nas dimensões ambiental e social (estas últimas, de considerável e directo impacto local);
e) Pelas reconfigurações que têm decorrido nas dimensões socio-geográficas das cidades, bem como nas suas estruturas de cultura, de influência e de poder, conferindo-lhe uma crescente centralidade nos padrões de cognição social e sustentando a emergência de atender às mutações em processo;
f) Pela paulatina afirmação de novas formas de mobilização social, de expressão comunitária, e dos próprios entendimentos e expressões da cidadania – particularmente, perante as novas problemáticas, potencialidades e exigências surgidas nos territórios e nas culturas urbanas;
g) Enfim, pela percepção, persistentemente clara, de que é, afinal, no dia-a-dia de cada indivíduo, comunidade ou empresa, e na sua relação com o ambiente urbano, com as oportunidades e constrangimentos existentes nos espaços e nos tempos vividos, que melhor se sente e pressente a qualidade de vida, a qualidade da democracia e, em termos globais, a qualidade das estruturas socio-políticas e culturais vigentes.
Sabemos ainda, em simultâneo, que um panorama da cidade como amplo actor, mais estratégico, mais solidário e mais colectivo, consideravelmente estruturado por formas democráticas, plurais e também eficientes, por redes de poder, de administração, de interrelacionamento e de governança entre os seus diversos actores e instituições, não é um panorama urbano que se encontre facilmente, e se possa dar por adquirido, mesmo após diversas iniciativas políticas e programáticas dirigidas ao fortalecimento das redes de governança urbana. Na verdade, as paisagens, os recursos e as dinâmicas de governabilidade actuais, bem como as estruturas de capital social e cultural, de muitas cidades europeias, parecem hoje demonstrar importantes deficits – ou desfasamentos – de acção colectiva, nos seus sistemas político-institucionais e nas suas próprias capacidades concretas de governação. Por várias razões, que igualmente temos discutido:
a) Pela emergência de uma miríade de novas realidades e de novas problemáticas na cidade e na metrópole, a que dificilmente se tem conseguido acorrer por via de políticas e de programáticas mais tradicionais e sectorializadas, antes sendo necessárias visões e acções mais integradas, mais multidisciplinares e mais cooperantes;
b) Pela fragmentação dos sistemas político-decisionais, alimentada em importante medida pela incapacidade de reforma das bases sistémicas político-administrativas e, por outro lado, pelo aumento da complexidade das problemáticas urbanas e pela multiplicação das perspectivas, dos agentes e das medidas e acções públicas. Uma fragmentação orgânica, de difícil gestão, provocando dispersão de recursos e de energias e eventualmente dificultando as capacidades de construção de rumos estratégicos mais integrados.
c) Pela persistente vigência de sistemas político-institucionais, de estruturas e processos de representação democrática e de decisão pública que, ao não se conseguirem reformar de forma mais consistente nas suas bases (incluindo nas suas bases de domínio), prosseguem uma rota de desfasamento das necessidades e das potencialidades existentes na cidade do novo paradigma. Longamente consolidados ao longo do último século, estruturados nas suas redes de poder, de responsabilidade e de relacionamento, por uma série de subsistemas e de subculturas de ordem institucional, organizacional, corporativa e ainda político-partidária, os sistemas e respectivos status-quo existentes dificilmente compreendem as necessidades de mudança a um ritmo próximo do das transformações que o tempo tem provocado na cidade. Este é um questionamento a colocar, ainda, para as próprias estruturas educacionais e científicas da sociedade, detendo estas, muitas vezes, similares posicionamentos de autodefesa.
d) Por existir, numa importante parte dos espaços de reflexão e de acção mais relevantes sobre os territórios urbanos, um relativamente deficiente entendimento e conhecimento da cidade real e contemporânea. Deficiência provocada pela – e que alimenta a – vigência de entendimentos técnico-culturais clássicos (ou modernistas), como os de índole morfo-funcional, que a vêem quase exclusivamente como um corpo (como cidade de sítios), quando muito com determinado tipo de vida, com (algumas) redes (Ferrão, 2003, Font, 2001 e 2003). E, mesmo nestas ópticas, por formas simplistas, demasiado monofuncionais (id.), sustentando-se quase somente num urbanismo de desenho e de infra-estrutura, propício às simbologias políticas e estéticas mais simples da orçamentação pública e da competitividade económica, mas afinal com resultados globais distantes da qualificação e da sustentabilidade urbanas.
e) Pela distância do poder face ao cidadão (e vice-versa) e pela dificuldade na abertura à sociedade urbana dos espaços de reflexão e de decisão existentes nos sistemas políticos vigentes, comprometendo em importante medida o desenvolvimento de uma cidadania (ou de um capital sócio-cultural na cidade) mais esclarecida e mais empenhada – e o desenvolvimento de novas formas e cenários de futuro.
f) Por se irem transferindo os papéis de principais protagonistas e influenciadores da transformação urbana – em muitas situações, de forma deliberada, numa óptica de favorecimento dos climas, agentes e projectos essencialmente ligados às lógicas da competitividade urbana – para determinados actores de produção e de gestão na cidade, provenientes sobretudo de interesses corporativos e privados, cujas estratégias e acções particulares podem não se encontrar minimamente ligadas por qualquer projecto estratégica e colectivamente pensado e co-responsabilizado.
“Há que colocar a política aos serviço da sociedade”, escreveu Subirats (2003, p.7-9) na sua introdução a um recente trabalho colectivo que procura em simultâneo questionar e sugerir possíveis elementos de nova política em formação nas sociedades contemporâneas. Para este autor, e até recentemente, a equação “população-território-governo representativo” permitia uma razoável conexão entre Estado e Sociedade. Mas efectivamente, nos últimos tempos muita coisa mudou: “hoje em dia temos novas fronteiras, que segmentam a população e as pessoas de novas formas. É necessária uma nova política que opere para reconstruir espaços sociais, donde seja possível refazer os vínculos”. Assim, “deveríamos ser capazes de construir novas maneiras de entender a política, de maneira a conseguir ir transformando e acabar verdadeiramente superando os modelos burocráticos e hierárquicos” (id., ibid.). Após realçar alguns caminhos por onde se tem procurado fomentar tal construção (nomeadamente os processos de descentralização do poder, e a necessidade de abrir novas pontes e formas relacionais entre o Estado e a Sociedade Civil, com base em determinados valores universais), o autor postula que “reinventar a política quer dizer, portanto, saber construir formas de acção colectiva e formas de gestão institucional, que possam reconhecer a riqueza cultural, humana e relacional da vida social, para que se acabem valorizando, e gerando responsabilidades mais claras sobre os problemas colectivos”.
Nestes âmbitos, que caminhos, e que conceptualizações, de inovação da política urbana se poderão – e, hoje, se poderão estar a – configurar? Recordemos, neste ponto, alguns dos primeiros questionamentos colocados pelo visionário Lefébvre (1968 e 1970). Perante as mutações na sociedade e na condição urbana, como administrar melhor a cidade? E, ainda antes disso, como a entender melhor, como a visionar melhor, como lhe tomar o pulso colectivo? Como interligar nela, com coerência –particularmente perante os contextos da sua condução política – projecção com decisão, forma com processo, espaço com tempo? A modelos de governação urbana suportados por uma longa sedimentação fordista (paradigma da era industrial), deveriam dar lugar novos modelos, baseados agora nas próprias e novas condições da urbanidade. Lefébvre (1970) propôs, no final do seu livro sobre a revolução urbana, três leis negativas e três leis positivas:
A. Leis negativas: a) Quebrar as barreiras que dividem e separam o conhecimento e a acção sobre a cidade; b) Acabar com as lógicas de separação e de segregação de pessoas, de funções, de códigos – em suma, acabar com as formas de separação que bloqueiam o desenvolvimento qualitativo; c) Ultrapassar os elementos que provocam a opacidade nos relacionamentos. Subentendem-se, nestas três leis negativas, as fortíssimas críticas de Lefébvre ao urbanismo morfo-funcional da sua época (e em grande medida ainda de hoje), bem mais do que ao facto de este poder ser visto como simples estrutura científico-tecnocrática de suporte às dinâmicas liberais ou neo-liberais – para exigir que a promoção do urbano deixe de ser puramente quantitativa, para se tornar eminentemente qualitativa.
B. Leis positivas: a) Substituir, no entendimento e na acção sobre a cidade, a primazia da perspectiva de bem, pela primazia da perspectiva de contrato; b) Assegurar a reapropriação da cidade pelas pessoas; c) Promover a produção e a gestão urbana por novas fórmulas sociais e novas unidades espacio-temporais. Nestas propostas, por sua vez, subentende-se o entendimento da condição e da sociedade urbana, mais como dinâmica ou vida urbana, privilegiando a atenção aos processos dialécticos, aos intercâmbios e às reciprocidades.
Jacobs (1961, p.491), profunda crítica dos modelos de planeamento baseados no racionalismo funcional e quantitativo, propôs, por seu lado, três ordens de olhares: (a) Reflectir sobre os processos, (“quando se pensa em processos urbanos, necessariamente se deve pensar nos catalisadores desses processos, os quais são também cruciais”; (b) Usar a indução; (c) Estar atento às coisas pequenas. A autora, preocupada com a evolução das visões distantes e enviesantes da cidade, pugnou pela instauração nela de valores essenciais, valores como a diversidade e a complexidade, a concentração e a proximidade. Valores que, na verdade, se podem aplicar, por sua vez, tanto aos quadros de regulação e de gestão essencialmente morfológica e urbanística, como às próprias estruturas de relacionamento e de acção socio-política e governativa na cidade.
Nos anos mais recentes, uma miríade de processos, de iniciativas, de políticas, acções e programas tem sido desenvolvida, em variadas cidades e territórios urbanos, procurando dirigir-se, cada uma delas por formas mais ou menos inovadoras, para o atender das problemáticas e dos desafios com que se têm que defrontar, em distintas áreas e escalas: a abertura de novas áreas e de novas dimensões de actuação pública e cívica sobre a cidade; o reordenamento institucional de estruturas de responsabilização e de accountability; processos de planeamento urbano e de planeamento estratégico, a várias escalas, por formas social e civicamente mais envolventes e mais co-responsabilizantes; a descentralização de responsabilidades, políticas e programas; o redesenho e reorientação de estruturas normativas e jurídicas; processos de reflexão e de decisão política mais participativos ou mesmo deliberativos; novas experiências de responsabilização comunitária.
Em simultâneo, observando e analisando com atenção as diversas experiências e transformações nos quadros concretos de estratégia e de acção urbana, uma vasta série de pensadores tem procurado desenvolver propostas conceptualmente mais sólidas de estruturação de acções no sentido da reinvenção da política na cidade contemporânea. Borja (2003), para citar apenas um dos mais conhecidos, propõe-nos uma série de áreas a aprofundar: o estabelecimento de cartas de valores e de ideais para a cidade; a consolidação do pensamento e da gestão estratégica; a necessidade das reformas político-institucionais; as concomitantes reorientações formativas e culturais; a primordialidade dos espaços públicos no urbanismo e na dinâmica da cidade; a atenção a elementos mais cognitivos e igualmente de sustentabilidade, como a paisagem; o aprofundamento dos processos e dos espaços para a participação e o envolvimento cidadão; a atenção a novas perspectivas científicas como a economia cognitiva, o urbanismo reflexivo, ou ainda o ‘urbanismo cidadão’.
Para Guerra (2002, p.47), e perante os “embaraços teórico-metodológicos com que nos confrontamos”, nomeadamente perante os novos desafios em formação e face a necessárias novas estruturas de entendimento e de acção socio-política, coloca-se a necessidade de uma atenção a três perspectivas (id.):
a) À necessidade de se entenderem as dinâmicas sociais como processos – seguindo, neste âmbito, as visões de autores das escolas sociológicas francesas, como Crozier e Friedberg (1977), Touraine (1984), ou Gaudin e Novarina (1997), e as aproximações de alguns (poucos) urbanistas (como Jacobs), apontando a importância do entendimento das cidades como sociedades urbanas, em permanente dinâmica e interacção[3].
b) Colocando um carácter de urgência na necessidade de construir “uma teoria de acção colectiva, que permita a análise articulada da relação entre o sistema e as racionalidades dos ‘actores’” (Guerra, 2002, p.48). Ou seja, procurando entender e configurar as pautas e as estruturas globais de relacionamento e de accionamento socio-político, de acordo com as estratégias e atitudes dos variados stakeholders na cidade.
c) Defendendo uma análise que aproxime, por formas mais articuláveis, precisamente, a teoria da acção. Colocando a tónica nas metodologias de acção e de operacionalização das dinâmicas socio-políticas na sociedade, baseadas em estruturas de pensamento e de integração estratégica e materializadas em formas mais estruturadas de proximidade, de negociação, de interacção e de reciprocidade. A autora, para além de procurar reposicionar as posturas técnico-científicas para sentidos mais indutivos e mais sistémicos, procura ainda alavancar conceitos tão vitais como os da governação e do poder, apelando assim às grounded theories para a criação de espaços concretos de acção política – no fundo, para um efectivo e operativo retorno ao político.
Tendo em conta esta desejada busca de “uma maior harmonia entre ciência e acção” (id., p.51), num quadro de reinvenção da política na cidade, o levantamento das dimensões de enfoque sugere-nos três âmbitos muito concretos de suporte para o seu desenvolvimento: a existência de pautas de valores e de princípios para a cidade; a renovação e revigoração do papel do Estado na cidade (e na política da cidade); e a paulatina inclusão das práticas de cooperação e da expressão da cidadania na cidade e na sua política.
Em primeiro lugar, o reconhecimento mais colectivo do papel central da cidade nos panoramas culturais e civilizacionais, evoca a instauração de pautas de valores e de princípios para ela, através de um forte vínculo simbólico e normativo, tal como uma carta, lei geral ou declaração de princípios. Vínculo discutido e construído de forma aberta e democrática, que assegure à cidade e aos seus cidadãos, precisamente, valores e direitos essenciais: o da cidadania, o da participação, os direitos sociais, a estratégia, o bom governo da cidade, os seus recursos e autonomia, a responsabilidade e a avaliação pública, a eficiência do serviço público, o urbanismo de carácter mais humano, etc. Diversas cidades do planeta têm desenvolvido estes ‘pilares constitucionais’ (uns mais orientados para princípios gerais, outros para questões político-institucionais muito concretas) e muitos deles têm tido um impacto basilar na sua estruturação e no seu desenvolvimento cultural, social e político. Um exemplo muito interessante e abrangente é o recentemente aprovado Estatuto da Cidade, para as cidades brasileiras[4]. Num outro âmbito, a Carta de Barcelona é igualmente um interessante exemplo de um enquadramento político e autonómico para a cidade[5].
Em segundo lugar, e apesar de todos os sinais de crise, de fragmentação e de falta de orientação em diversos sistemas político-institucionais vigentes, há que realçar de novo o papel central das instituições do Estado e dos governos territoriais (e no fundo, também de uma boa e eficiente gestão pública) nos processos de reinvenção da política na cidade. Será essencial não menosprezar o facto – demasiado frequente nos textos mais pós-modernistas sobre temáticas como a da governança – de que as estruturas de governo (ou de soberania) e de administração pública, não obstante o questionamento de alguns dos seus fundamentos, deverão continuar a jogar um papel absolutamente central na condução política da cidade (Jouve e Lefévre, 1999, Hamel, 2004). Ainda para mais quando uma parte considerável dos territórios sob maior expectativa e pressão de transformação se encontrarão, precisamente, no seu seio. Sobretudo, o actor central da cidade, não sendo capturado (ou não se deixando capturar) no seu papel, deverá continuar a ser o governo local. Como realçaremos de seguida, afiguram-se, assim, particularmente importantes os conceitos de governação urbana e de gestão urbana – muito especialmente o primeiro, porque mais integrado e sistémico, embora de todo diminuindo o segundo, mais quotidiano e eficientista, mas que evoca igualmente todos os princípios do bom governo da cidade. Esta atenção sublinha a grande importância do poder e do saber liderar, e particularmente poder e saber liderar em simultâneo com o aprofundamento da democracia, sustentando uma capacidade de tomar decisões em ambientes de pluralidade e de dialéctica. O sistema de governação da cidade, com as suas dinâmicas, os seus objectivos e os seus múltiplos stakeholdings, necessita igualmente de valores de liderança, de direcção e de gestão, bem como de processos de avaliação e de accountability.
Em terceiro lugar, colocando uma paralela prioridade na valorização das componentes mais dialogantes e cooperantes do capital social e cultural da sociedade urbana[6]. Reivindicando, muito particularmente, a cidadania como expressão maior desse capital, e as lógicas da governança, da cooperação e das parcerias como lógicas de estruturação formal (e, nos seus interstícios, informal) de comunicação e de envolvimento (Healey, 1997, Mayer, 2001). Uma cidadania, assim, potencialmente mais envolvente e mais envolvida nos e com os sistemas de governação da cidade. Mesmo, evidentemente, quando esta se manifeste por vias externas a qualquer estrutura mais formalizada de diálogo e de participação, e ainda por formas de todo assimiláveis por tais estruturas – o que, em si mesmo, não deixará decerto de ser salutar.
O entendimento da cidade
O ‘longo período de desorientação’ em torno da cidade e do urbano, de que já falava Lefébvre em 1970, passados mais de trinta anos, existe ainda – e não em pouca medida. Esta desorientação (ou nebulosidade, como alguns também referem) no conhecimento e na interpretação sobre a cidade real, tem dois grandes efeitos nela. Por um lado, tem escamoteado possibilidades de desenvolvimento de caminhos e de processos de transformação mais amplos e mais integrados, mais estratégicos e mais colectivos. Por outro lado, tem permitido a sua fragilização, pela persistente vigência de estruturas e de sistemas político-administrativos e de regulação relativamente desfasados das suas necessidades e potencialidades mais profundas, estruturas que dão muito mais atenção e apoio a modelos, a agentes e a projectos cujas consequências poderão não estar a assegurar padrões de desenvolvimento urbano efectivamente sustentáveis.
Surgem, pois, essenciais, formas e estruturas de inteligibilidade e de cognição da cidade que, ao mesmo tempo que espelhem bem – e amplamente – as suas características simbólicas, identitárias, filosóficas e funcionais (numa perspectiva essencialmente contemporânea), consigam desencadear, nos seus actores urbanos, uma nova sistémica, mais motivacional e mais estruturada, de acção e de dinâmica, tanto cultural como política. Esta necessidade de uma nova inteligibilidade da cidade mostra-se particularmente significativa quando, como temos equacionado ao longo destas páginas, em período de mudanças globais de ordem paradigmática poderem ser perigosamente crescentes os desfasamentos entre os panoramas de acção político-institucional e as múltiplas exigências da urbanidade (e afinal, da própria democracia) – ou, como também escrevemos, a cidade real continuando a afastar-se da cidade política (Seixas, 2002). Para Ferrão (2003, p.222), “é este desfasamento entre as características da cidade real e as representações e categorias que sobre ela vamos produzindo que importa esclarecer, de forma a aumentar a nossa capacidade colectiva de a pensar estrategicamente”.
Incidiremos a nossa atenção, nestas perspectivas, em torno de determinadas leituras sobre a cidade – ou sobre a sociedade urbana – que nos parecem de especial acuidade:
a) Por um lado, apontando a necessidade de afirmar visões mais holísticas e em simultâneo integradoras sobre a cidade, procurando consolidar campos para a sustentação de visões, estratégias e projectos mais globais e mais colectivos. Reconhecendo, também, que a prevalência de perspectivas essencialmente sectorializadas e especializadas sobre a cidade – em certo sentido, também circunscritas e discricionárias – tem-lhe originado, nos tempos mais recentes, consequências de carácter mais dispersivo e insustentável do que se esperaria;
b) Por outro lado, e seguindo uma perspectiva de inspiração weberiana, reavivando as áreas das ciências sociais na sua atenção sobre a cidade – que, na verdade, deve também ser entendida como uma construção social – e colocando assim a tónica nas lógicas e nas dinâmicas de ordem social, nas percepções e identidades, nos processos, estratégias e práticas de actuação dos múltiplos actores e comunidades nela existentes. Reconhecendo que o capital sócio-cultural e os chamados sistemas de acção de uma cidade se situam, afinal, não somente sob determinadas configurações urbanisticamente desenhadas ou planeadas, mas afirmam-se como estruturas de suporte e de energia quotidiana que alicerça os destinos da cidade.
Citaríamos, neste contexto, Harvey (1996, p.53): “Penso que é necessário reconceptualizar a questão urbana, não como o problema de estudar umas entidades quase naturais, chamem-se cidades, subúrbios, zonas rurais ou o que seja, mas sim como algo de essencial relevância no estudo dos processos sociais que produzem e reproduzem espacio-temporalidades que são, frequentemente, de tipo radicalmente novo e distinto”.
Assim, e em primeiro lugar, sigamos precisamente Ferrão, na sua proposta de entendimento da cidade, visando os novos desafios de postura e de acção sobre ela (id.). Uma proposta de inteligibilidade cuja excepcionalidade, no nosso entender, se coloca numa muito interessante conjugação entre uma conceptualização sistémica de natureza holística com uma potencial capacidade de tradução em sistemas concretos de governabilidade e de acção socio-política. Numa clara alusão (não escrita) entre a cidade e um ser vivo – muito provavelmente evocando a perspectiva, de todo meramente metafórica, de encarar o sistema urbano como um ecossistema – o autor propõe o entendimento da cidade por intermédio de três grandes ingredientes que personificam o corpo, a vida e a alma (figura 2).
Figura 2
O triângulo de entendimento da Cidade (Ferrão, 2003)
1. O corpo da cidade são os seus sítios: os solos, os bairros, as avenidas, as ruas, os espaços públicos, as frentes ribeirinhas, os espaços da habitação, de escritórios, de equipamentos ou de comércio. Este é o espaço urbano, nas suas múltiplas escalas, entendido nas suas formas essencialmente clássicas.
2. A vida da cidade é personificada nas suas redes ou fluxos (como o sangue de um ser vivo): as infra-estruturas diversas (com os múltiplos tipos de fluxos que nelas correm), as redes de mobilidade, as redes sociais, os ecossistemas naturais.
3. A alma da cidade e, designadamente, o seu espírito cosmopolita “sustenta a cidade cognitiva, a cidade que pensa, intui e sente” (id., p.223). Dá-lhe um sentido, estrutura atitudes e comportamentos, e ainda competências, normas e convenções sociais. Forma-a cultural, social e politicamente, consolida-lhe “uma inteligência colectiva que apenas as cidades parecem conseguir alcançar” (id. ibid.).
Três pilares de valores, que se reforçam reciprocamente, distribuem-se entre estes três elementos. Valores estes, certamente, não menos importantes do que os próprios elementos da cidade, porque afinal são também eles seus constituintes e vínculos basilares de conjunção: paisagem, democracia e abertura.
a. A paisagem da cidade assume-se como o resultado da junção dos seus sítios com as suas redes, sendo “a infra-estrutura que sustenta a cidade cosmopolita”. É mais do que uma realidade meramente morfológica: ela traduz em grande medida a sua capacidade de afirmação, o vigor e os sentidos das opções tomadas.
b. A democracia materializou-se na cidade, fundindo a ocupação do espaço com o espírito social humano. Numa cidade saudável, a cidadania democrática surge enriquecida “como resposta às tensões e necessidades que as cidades impõem, mas também às expectativas e ambições dos que aí vivem e trabalham” (id., ibid.).
c. A abertura da cidade mostra as suas condições de acessibilidade, de mobilidade e de conectividade, nas mais variadas dimensões, desde a partilha de informação e de conhecimento, à capacitação e aprendizagem, à disponibilidade multicultural. A abertura da cidade “reflecte, sem dúvida, o potencial de criatividade e inovação que cada aglomeração urbana possui” (id., ibid.).
Embora de evidente complexidade na sua substância, esta é uma estrutura de entendimento que espelha, de forma consideravelmente clara, os interrelacionamentos entre os elementos e os valores de base com que a cidade se suporta e afirma. O entendimento da cidade como um organismo colectivo coloca-a na natural assunção de tomar opções e de definir estratégias – ou melhor, de definir para si própria um pensamento e uma atitude estratégica – para o seu desenvolvimento. Como tal, esta estrutura de entendimento assume-se igualmente como uma estrutura que permite transmitir um quadro sistémico de acção – social e política – condição particularmente premente em tempos de abertura de estratégias, de novas propostas e, precisamente como atrás se pugnou, de uma maior proximidade entre teoria e acção. Uma perspectiva, aliás, com a qual Ferrão de certa forma prossegue o seu texto (id.): “a única maneira de, tirando partido dos grandes valores urbanos, imprimir inteligência e sustentabilidade aos três ingredientes básicos da cidade é através da configuração de sistemas de governança e de financiamento adequados” (id., p.224).
A interligação entre as perspectivas de maior enaltecimento da cidadania e do capital sócio-cultural na cidade, e uma série de novas prerrogativas de acção pública, decerto de índole mais racionalista, em torno de campos de acção e de programática política concreta (como a governança urbana ou o planeamento estratégico) parece ajustar-se bem a estas propostas conceptuais de entendimento mais sistémico da cidade, bem como nas teorias sociológicas de acção colectiva. Seguindo estas lógicas, o passo seguinte parece ser o de como conseguir conjugar da melhor forma, em processos de dialéctica e de sinergia social (e de construção das próprias políticas públicas), as estratégias, os objectivos e as acções dos múltiplos actores urbanos, no sentido de uma melhor cidade para todos. No campo do planeamento e do urbanismo, nomeadamente, são crescentes as vozes que solicitam um tipo de regulação e de actuação mais substantivo e qualitativo, certamente mais flexível e de controlo menos racionalista[7]. Conceptualmente, retomando o que refere Guerra (2002 e 2006), colocando o cerne das atenções nas perspectivas – tanto teóricas como práticas, através, precisamente, da vital aproximação entre teoria e acção – de gestão dos interrelacionamentos entre actores e de estruturação de modelos de estratégia, de regulação e de acção colectiva.
A governação urbana. Um quadro sistémico de entendimento e de acção na cidade
A exigência do alargamento dos universos de inteligibilidade e das dinâmicas de acção política na cidade, particularmente no âmbito da construção de novos quadros de acção colectiva, obriga-nos, também aqui, a uma revisão de algumas estruturas de pensamento. Procuraremos, para tal, desenvolver uma estruturação conceptualmente sistémica e integrada da acção socio-política na e sobre a cidade, em torno de um conceito-síntese, mais abrangente do que os de governo, de governabilidade, de regulação ou ainda de governança: a Governação Urbana.
Como refere Guerra (id.), ao englobar as estruturas, as culturas e as relações de poder e de acção na cidade, a Governação permite combinar processos políticos de regulação dos actores e do sistema com a acção pública administrativa (mais institucional e organizacional), mas também com o fomento de uma cultura de emancipação cultural e política para os indivíduos e para os territórios: “A noção de governação inclui e combina o conhecimento de processos políticos de regulação social com compromissos em formas institucionais, organizativas e gestionárias várias” (id. p.55). Simultaneamente, pode também ser percebido como um sistema integrado de acção – ou seja, de dinâmica comum política e cívica: “a noção de governação apela à existência de objectivos próprios na intervenção pública, que seriam mais do que simples geração de consensos, mas uma real procura de equidade social”, implicando “uma perspectiva construtivista (…) uma perspectiva interpretativa pluralista, onde se valorizam os processos de articulação e a capacidade de aprendizagem dos ‘sistemas de acção’” (id. p.56). Ou seja, governação com processos, claro, mas também com objectivos bem definidos e reconhecíveis. Ou ainda, se quisermos, bem percepcionáveis pelos actores – incluindo o seu próprio papel nos sistemas de acção daí decorrentes.
A Governação pode ser assim epistemologicamente suportada no âmbito de uma conceptualização de sentido integrador e sistémico, colocando-se numa posição de conceito-síntese – inclusive perante as próprias perspectivas dinâmicas e processuais de governabilidade. No nosso entender, aquele que poderá ser um dos focos de entendimento mais significativos, coloca-se precisamente nas perspectivas de interligação e de interjunção entre actores, campos e entendimentos diversos, demasiadamente separados por razões de natureza sócio-cultural. E ainda, na potencial capacidade de uma equilibrada relação entre ‘como coordenar’, ‘como mobilizar’, ‘como perspectivar’ e, ainda, ‘como decidir’, perante determinados quadros sócio-culturais, político-institucionais e técnico-científicos. A forma de entendimento e de interrelacionamento de base sistémica assume, assim, e de novo, particular relevância, abrindo a grande lente e conjugando diferentes níveis, escalas, dinâmicas – e culturas. Sem esquecer, muito pelo contrário, algumas condições também elas essenciais, nomeadamente a posição primordial do actor ‘governo local’ e das suas ‘políticas públicas’ (e, da mesma forma, a responsabilidade dos elementos do Estado na perspectiva, na coordenação e na mobilização das estruturas de governação), bem como a imanência do pensamento estratégico e do projecto colectivo, estruturantes ao processo colectivo quotidiano – tanto da cidade como da sua política.
O sistema de Governação da cidade entende-se (e na verdade existe) intrínseco ao próprio sistema-cidade. A reafirmação da política na polis pressupõe uma interligação permanente, uma retro-alimentação e reciprocidade de caracteres e de fluxos entre ambos os sistemas. E o projecto colectivo de cidade é, obviamente, um projecto de carácter político e, como tal, emergente do seu sistema de governação (Nel.lo, 2001). Estas perspectivas evocam assim os entendimentos sistémicos da cidade apresentados no ponto anterior. Prosseguindo as perspectivas da proposta de Ferrão (2003) de entendimento da cidade como organismo colectivo, a cidade como organismo político colectivo pode convocar-nos assim, por sua vez, para três elementos, também eles representando corpo, vida e alma: a cidade das instituições, a cidade da governança, e a cidade como capital sócio-cultural colectivo. Estruturamos assim a nossa proposta sistémica para o contexto da governação na cidade (figura 3).
Figura 3
O contexto da Governação Urbana na Cidade
1. O corpo da cidade política será o seu quadro institucional e organizacional de governo, envolvendo os diferentes órgãos públicos que, pelas mais diversas formas, a governam: câmara municipal, governo regional, freguesias ou distritos urbanos – referindo aqui sobretudo os actores públicos mais clássicos, dado que os universos da acção pública, hoje em dia, incluem formas muito diversas. Apesar da crise manifestada em diferentes vertentes da capacidade de acção e de coordenação político-institucional e governativa sobre a cidade (onde se inclui a própria crise dos sistemas de representatividade), as instituições de governo urbano devem procurar situar-se e agir no âmbito de uma representação em simultâneo simbólica e operacional, que enquadre a complexidade das necessidades da cidade e da sua própria expressão política e democrática, sendo ainda com elas que se reduz muita da incerteza e se contextualizam práticas fundamentais (Reis 2003, Esser e Hirsch, 1994, Healey, 1997 e 1998). As instituições de governo são assim obviamente vitais na própria coordenação e estruturação dos sistemas políticos, e evidentemente dos sistemas de acção política na cidade – mesmo quando (ou especialmente quando) possam ter como um dos seus principais vectores de acção, uma maior partilha de responsabilidade.
2. A vida da cidade política (ou os fluxos de interacção da política) pode ser interpretada pelas suas estruturas e dinâmicas de governança urbana. Relembramos – e repetimos – a definição de Bagnasco e LeGalés (2000, p.26): “governança define-se como um processo de coordenação de actores, de grupos sociais e de instituições, no sentido de atingir objectivos colectivamente discutidos e definidos, em ambiente fragmentado ou mesmo nebuloso”. Em importante medida, a cidade como actor colectivo emerge das redes de interrelação entre os seus actores (dos empresariais aos ambientalistas, dos institucionais aos sociais), o que implica, em termos concretos, a existência de estruturas de diálogo em diversas escalas: de espaços, instrumentos e mecanismos por onde os fluxos de dialéctica e de cooperação se processem com considerável proximidade, e se desenvolva assim a troca de argumentos e de perspectivas, e a formação de ideias, de consensos, de interdependências e de parcerias, a materializar com consideráveis doses de objectividade e prosseguindo determinados – e consensualizados – fins.
3. A alma da cidade política, ou o seu cosmopolitismo político, afirma-se pela solidez do seu capital sócio-cultural. É, em simultâneo, a sua identidade e a sua inteligência política colectiva – estruturando-lhe as percepções, os entendimentos, os valores, as atitudes e os comportamentos. Elementos estes, de natureza eminentemente cognitiva, cuja reflexividade nas estruturas culturais e motivacionais de expressão política e cívica, consolidam melhor ou pior a qualidade global do sistema de governação da cidade.
O sistema de governação da cidade situa, igualmente, os valores da paisagem, da abertura e da democracia:
a. A Paisagem na governação urbana enquadra a cidade das instituições de governo e a cidade da governança. Uma boa paisagem de governação necessitará do adequado suporte de recursos e de instrumentos políticos e programáticos, directa ou indirectamente afectos ao governo e à gestão da cidade. Entre estes recursos e instrumentos, deverão encontrar-se tanto elementos simbólicos e normativos basilares tais como pautas de valores e de princípios, como elementos mais operacionais (embora igualmente fundamentais) tais como estruturas de planeamento estratégico e estruturas de competências, bem como adequados recursos humanos e financeiros.
b. A Democracia na governação urbana é fundada nas pautas culturais dos seus valores cívicos e colectivos, e consolida os panoramas institucionais do governo urbano. O cosmopolitismo político da cidade permite, e sustenta, o desenvolvimento de respostas governativas e democráticas – aprofundando-as, se necessário – para as suas problemáticas e para os seus anseios.
c. A Abertura na governação urbana interliga as redes de participação e de governança com as estruturas do capital social e cultural da cidade. Uma governação sustentada numa postura de considerável abertura, proximidade e conectividade nas suas redes e espaços de diálogo e de decisão permitirá uma capacitação dos actores urbanos para um mais aprofundado exercício da cidadania. Consolidando, como tal, os espaços públicos da política na cidade.
Poder-se-á, assim, desenvolver uma muito breve análise crítica do estado-da-arte da governação da cidade, em torno desta proposta de entendimento sistémico. Como vimos acima, os sítios da política da cidade têm sido objecto de diversas transformações nas últimas duas décadas – através de processos como a descentralização administrativa ou as mais distintas formas de reorganização institucional. Existe, no entanto, ainda um longo caminho a percorrer quer em termos da sua melhor interligação e paralelismo com os ‘sítios’ da cidade contemporânea, quer em si mesmo e na sua melhor reestruturação e capacitação (por veículos como uma melhor eficiência ou mais garantidas atitudes de avaliação e de accountability). As redes da política na cidade, por sua vez, são campo com largas expectativas de experimentação e de aprofundamento na reinvenção da política urbana, não obstante as já múltiplas iniciativas que têm vindo a ter lugar pelos mais variados locais, da democracia participativa às mil formas de parceria e de cooperação entre actores. Este é um campo, por sua vez, também pleno de dubiedades e de diferentes matizes, decerto inevitáveis num processo de transformação de índole paradigmática. Até porque as redes da política, sempre tendo existido, quase sempre se basearam na existência de comunidades políticas de âmbito consideravelmente discricionário – e, para o caso de muitas cidades de hoje, mesmo sob formas de regimes estaduais de competitividade e de empreendedorismo (Brenner, 2004), panorama que não parece facilitar a abertura da governação urbana para redes mais fluidas e mais participativas de governança. Finalmente, os espaços da alma na política urbana parecem alimentar-se bem mais do próprio cosmopolitismo da cidade, do que de iniciativas políticas concretas para a sua valorização. Não obstante, é aqui, nas dimensões da cognição, da inteligência colectiva e do capital sócio-cultural da sociedade urbana que reside o mais precioso capital para a reinvenção da cidade e da sua própria governação.
O que uma análise crítica das transformações dos quadros de acção política na cidade nos últimos vinte anos também mostra, é que, e apesar dessas transformações, parece ainda difícil encontrar processos de mudança que perspectivem a política da cidade por estas – ou por quaisquer outras – formas mais sistémicas, articuladas e interrelacionáveis. Pelo que, seguramente, um dos principais – senão o principal – desafio que se coloca à reinvenção da política na cidade, colocar-se-á, muito simplesmente, na necessidade de verdadeiramente a vermos como um sistema integrado e colectivo.
Face ao risco da proliferação de espaços vazios, ou de ‘terras de ninguém’, nos sistemas de governação da cidade – ou então, da sua apropriação por interesses particulares e difusos – hoje, talvez mais do que nunca, mostra-se necessária a construção de Manifestos para a Cidade, pautas de valores, de desígnios e de objectivos. Seguindo a reivindicação do que Nel.lo (2001, p.52) chama de ‘geografia voluntária’: “um exercício de reflexão e de acção colectiva em que a maioria dos cidadãos, de acordo com os seus interesses e o seu espaço de vida, estabelecem os limites entre os quais desejam desenvolver um projecto de vida urbana em comum”. Um voluntarismo com o qual as representações e interesses de cada actor, cada escala territorial e questões correspondentes, são expressos e concertados por formas democráticas. Obviamente tal implica a consolidação de um projecto político forte, capaz de enquadrar e gerir o desenvolvimento urbano e os diferentes interesses em benefício da sociedade e do território urbano como um todo, envolvendo por conseguinte um concomitante processo, uma estratégia de coordenação e uma adequada abertura territorial (id.). Estendendo e ampliando o ‘debate da cidade’, perspectivando e então agindo sobre ele, nas suas mais variadas escalas, vectores e dimensões, num exercício que procurará seguir uma determinada utopia, embora não meramente metafísica. Um verdadeiro projecto colectivo de futuro para a cidade pode assim tornar-se, como sugerimos acima, e para além de pauta global de acção no sentido de resolução das necessidades e dos anseios da sociedade urbana, simultaneamente em recurso e elemento basilar de sustentação do seu capital sócio-cultural e cosmopolitismo urbano. A sua construção e sustentação necessitarão de uma afirmação política dos actores urbanos, conduzindo a materializações sinergéticas e confirmando a relevância dos processos e das dinâmicas de interrelacionamento, mas solidificando também as estruturas institucionais e as pautas de responsabilidades. Assim se baseando e estruturando, enfim, uma sistémica de acção colectiva.
Reafirmaríamos aqui, e de novo, o essencial papel dos órgãos eleitos, dos governos urbanos e em geral do Estado, nesta ordem de expectativas de evolução. Em primeiro lugar, e muito simplesmente pelo facto de que, em período de carência de respostas numa série de áreas concretas, o Estado se mantém como principal símbolo e garante – mesmo que em alguns casos, meramente em potência – da estruturação normativa e socio-política, e da construção e realização de políticas, na sociedade. E em segundo lugar, pela premente necessidade de avançar – politicamente – por direcções que implicam consideráveis doses de iniciativa e de pró-actividade pública, tais como o maior envolvimento da participação cívica nos processos de reflexão e de decisão; o desenvolvimento de mais alargados sistemas de governança e de partilha de poder; a reconfiguração de estruturas técnico-legais de base (tais como as estruturas normativas de planeamento e de gestão do território ou ainda as estruturas de incidência fiscal sobre a produção e a especulação urbanas); ou, ainda, a reorganização institucional dos próprios sistemas de governo e de administração pública. Tais direcções implicam, ao contrário do que para algumas simplisticamente poderá parecer, uma elevada exigência do papel dos órgãos de governo e do Estado em geral. Na verdade, e em paralelo com o movimento ‘do governo das cidades para a governança urbana’ (como LeGalés intitulou, 1995), há também que estar muito atento ao pendular ‘da governança urbana para o governo das cidades’ (como Jouve e Lefévre igualmente sublinharam três anos depois, 1999).
O princípio da soberania, apesar de ainda hobbesiano e de raiz moderna, fundamentando-se sobretudo na legitimidade democrática e na capacidade de auto-institucionalização (Duchastel e Canet, 2004) - elementos ainda muito baseados nos poderes delegados essencialmente por lógicas de representatividade – permanece, assim, essencial para a boa regulação política da governação como um todo. Muito particularmente, e numa direcção apenas aparentemente paradoxal, em período de abertura dos espaços de discussão e de responsabilização política. Apesar das crises manifestadas em diferentes vertentes da democracia representativa e dos questionamentos levantados com as graduais entradas em cena de novos co-sistemas, será ainda vital que o princípio da soberania emane e mandate actores que se mantenham capacitados e sólidos o suficiente para uma boa construção e gestão dos sistemas de governação da cidade, nas diferentes escalas (da micro-local à metropolitana/regional); qualificando os espaços de administração, de regulação de tomada de decisão; aprofundando o conhecimento sobre a cidade e tomando as decisões necessárias em prol de uma melhor equidade na sua produção e qualificação; construindo e apoiando os espaços de governança; apoiando espaços e dinâmicas catalisadoras da expressão da cidadania e do capital sócio-cultural na cidade; coordenando e gerindo as regras e as agendas na discussão das iniciativas, das participações e das deliberações mais colectivas. Propondo direcções, entendendo anseios, conciliando estratégias e interesses conjuntos, orquestrando recursos e energias, projectando alianças e, assim, com os demais cidadãos, qualificando a cidade e consolidando-lhe a identidade urbana – e humana – com coesão socio-económica, sustentabilidade ambiental e criatividade empresarial e cultural. Assim, e tendo o Estado como principal actor estruturante da consolidação de um sistema mais plural e participado, mas também mais perceptível, um novo tipo de soberania, potencialmente mais sólida, poderá desenvolver-se, aprofundando os valores e as instituições da própria democracia na cidade.
Muitos dos caminhos de carácter inovador, em desenvolvimento nas mais variadas cidades e nas mais variadas áreas procuram, precisamente, construir e consolidar pontes entre diferentes entendimentos e diferentes perspectivas sobre a cidade. O planeamento estratégico e as estruturas de governança, a microcirurgia urbana e o urbanismo do quotidiano, ou as abordagens cognitivas e criativas, são áreas de trabalho que evocam tal transdisciplinaridade. Colocando também, por esta via, e tal como se pretende para a cidade, determinados actores em diálogo e em confronto. O synekismo ou o ‘habitar em conjunto, em proximidade’ realçado por Soja (2000) também se aplicará, sem surpresa, à própria expressão da actuação sobre a cidade. Para além da cidade em si, com toda a sua riqueza e o seu fascínio – e que continua a dar-nos, quotidianamente, pequenas e grandes razões para o nosso contentamento e para a sua qualificação – as doses de ética e de motivação potencialmente existentes, respectivamente, nos caracteres de exigência e de utopia das diversas opções a poderem ser tomadas, permitem proporcionar à governação da cidade um capital de esperança muito significativo.
Notas
[1] Veja-se, a propósito do Modelo Barcelona, as análises críticas desenvolvida por Capel (2005) e por Casellas (2007), muito espacialmente na sua perspectiva de, não obstante se estar perante um modelo de governação com uma determinada linha estratégica (mesmo que de solidez variável) e com inegáveis impactos na qualificação da cidade, se colocar a inegável necessidade de um maior aprofundamento da participação cívica no debate e na escolha dos destinos desta.
[2] Vejam-se, nomeadamente, os estudos e análises de Cheshire e Hay (1989), Cheshire (1995), Harding (1996a e 1996b), Kantor, Savitch e Haddock (1997), Borja e Castells (1997), Parkinson (2001), Jouve e Booth (2004).
[3] Relembrando Weber, Lefébvre ou Touraine, mas também outros autores mais recentes.
[4] Ver em www.estatutodacidade.org.br e ainda o texto síntese de Júnior e Rolnik (2001).
[5] Ver em www.bcn.es.
[6] Em texto posterior, apresentaremos uma proposta conceptual de entendimento do capital sócio-cultural de uma cidade, no âmbito de seis vectores estruturadores: a configuração e a complexidade socio-espacial da cidade; os padrões de identidade e de cultura urbana; os recursos e espaços existentes de informação e de conhecimento urbano; o cosmopolitismo e a envolvência das elites urbanas; as dinâmicas de associativismo e de mobilização cívica; as estruturas e influência das redes de governança.
[7] O Conselho Europeu de Urbanistas divulgou recentemente a sua nova visão sobre as cidades do século XXI, em documento simbolicamente intitulado ‘A Nova Carta de Atenas' (2003). É proposta, acima de tudo, ‘uma cidade coerente'. Para além de chamar a atenção para dimensões como a identidade, a proximidade e a diversidade urbanas, propõe uma maior sensibilidade, na actuação em sede de urbanismo, para os dinamismos económicos e sócio-culturais e para a sociabilidade na cidade. Sugere, ainda, uma disponibilidade de base para os processos de participação pública e de concertação. Veja-se, a este propósito, as reflexões, críticas e propostas feitas por Portas, Domingues e Cabral (2003), Ferreira (2005), Ascher (2001) ou Font (2003). As propostas para a reforma do planeamento urbano, que sirvam melhor a cidade e as suas dinâmicas, são sistematizadas por este último da seguinte forma: a) a separação dos planos de estrutura e dos planos operativos; b) a separação entre planeamento físico e programação; c) a atenção aos procedimentos, à gestão e à participação pública; d) a maior substantividade e flexibilidade dos planos; e) A concepção de um plano como um processo; f) a fundamentação estratégica e hierarquização de prioridades.
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Referencia bibliográfica
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