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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


DESAFIOS PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE DIANTE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Silvia Helena Zanirato
Universidade Estadual de Maringá. Brasil
sizani@uol.com.br

Desafios para a conservação do patrimônio da humanidade diante das mudanças climáticas (Resumo)

As mudanças climáticas têm sido amplamente discutidas por vários campos do conhecimento, num indicativo da importância de se encontrar respostas para o controle dos riscos que ameaçam a manutenção da vida no planeta. No artigo são analisados documentos emitidos pela UNESCO - organização responsável pela salvaguarda da herança cultural e natural do mundo - que alertam para os riscos que se colocam para a conservação do patrimônio mundial nesse cenário de aquecimento global e que trazem alguns questionamentos sobre como enfrentar o problema. Esses questionamentos são aqui entendidos como reflexões quanto à possibilidade da Organização manter os compromissos assumidos na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, diante do agravamento das alterações produzidas pelas mudanças globais.

Palavras-chave: patrimônio natural, patrimônio cultural, mudanças climáticas, sociedade de risco, UNESCO.

Challenges for the conservation of the heritage in front of the climatic changes (Abstract)

The climatic changes have been widely argued for various fields of the knowledge, indicative the importance of finding answers for the control of the risks that threaten the maintenance of life in the planet. In the article are analyzed documents emitted by UNESCO - organization responsible for safeguards of the cultural and natural inheritance of the world - that alert for the existing risks for the conservation of the world heritage in this scene of global heating and that bring some questionings on how to face the problem. These questionings are understood as reflections to the possibility of the Organization to keep the commitments assumed in the Convention for the Protection of the World Cultural and Natural Heritage, facing the aggravation of the alterations produced by the global changes.

Key-words: Natural heritage, cultural heritage, climatic changes, society of risk, UNESCO.

Abordar as implicações das mudanças globais que incidem sobre o patrimônio cultural e natural da humanidade não deixa de ser um assunto relevante e urgente. A divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - (International Panel on Climate Change - IPCC) a respeito dos eventos decorrentes do aquecimento global e os alertas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO para a vulnerabilidade do patrimônio mundial aos fenômenos decorrentes das alterações na composição da atmosfera global instigam e fundamentam o presente texto. Assim, busco investigar os desafios que se apresentam para a conservação do patrimônio cultural e natural em face das mudanças climáticas e as respostas que a UNESCO tem apresentado para isso. Para dar conta desse assunto são avaliados documentos emitidos pela UNESCO que alertam para os riscos que se colocam para a conservação do patrimônio mundial nesse cenário.

O texto está organizado em quatro partes. Na primeira, abordo o papel da UNESCO como organismo responsável pela conservação dos bens naturais e culturais considerados pertencentes à humanidade. Na segunda, remeto a discussão para a compreensão do que se entende por sociedade de riscos. Nela se inclui a problemática do aquecimento global, uma ação provocada e/ou intensificada pelo homem em sua relação com o ambiente. Na terceira parte analiso os impactos das mudanças globais em alguns lugares considerados patrimônio natural e cultural da humanidade. Nas considerações finais trago uma síntese dos desafios, na esperança de se garantir às gerações futuras, o legado que recebemos de nossos antepassados.

A conservação do patrimônio cultural e natural da humanidade

A UNESCO é desde a sua criação, em novembro de 1946, a organização responsável pela proteção do patrimônio cultural em escala mundial. A ela cabe articular e regular de forma eficaz as medidas de tutela e de ação internacional, bem como de elaborar textos jurídicos e recomendações internacionais com conteúdos, objetivos e alcances distintos. A preocupação central é a de que a conservação do patrimônio se efetive em uma dimensão internacional (UNESCO, 2005).

Quando de sua criação, além da responsabilidade de comandar as discussões no âmbito da cultura, a UNESCO também cuidava das questões ambientais no interior da ONU.

Em julho de 1972, durante a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano - primeira grande conferência convocada pela ONU para tratar de princípios básicos para a proteção ambiental - foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que passou a coordenar as ações ambientais. Enquanto o PNUMA ganhava corpo institucional, a UNESCO organizou a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, celebrada em Paris em 1972. Sua convocação se deu em face do reconhecimento da necessidade de proteger os elementos valorados no campo cultural e as áreas naturais (ZANIRATO e RIBEIRO, 2006).

Nessa ocasião definiu que o patrimônio era um legado que a humanidade recebeu de seus antepassados e que deveria ser transmitido às gerações futuras. Tal patrimônio foi entendido como “fonte insubstituível da vida e da inspiração”, que se encontra em lugares originais e diversos como os desertos de Serengeti da África do Leste, as pirâmides de Egito, a grande barreira de recife da Austrália e as catedrais barrocas da América Latina (UNESCO, 2007, a).

Ao longo do texto ficou expressa a compreensão de que a proteção de tais áreas não poderia se efetuar unicamente em escala nacional, devido à magnitude dos meios necessários para esse procedimento, que não raras vezes extrapolavam os recursos econômicos, científicos e tecnológicos de que os países que abrigavam os elementos patrimoniais eram detentores. Foi então foi elaborado o conceito patrimônio mundial, constituído por obras de interesse excepcional, por vezes testemunhos únicos, que deveriam ser considerados pertencentes não apenas aos Estados em que se encontravam, mas a toda a humanidade, que deveria se envolver em sua defesa e salvaguarda, de modo a assegurar a sua transmissão às gerações futuras (CONVENÇÃO, 1972).

Para concretizar os propósitos da proteção foram constituídos o Comitê do Patrimônio Mundial e o Fundo do Patrimônio Mundial. O primeiro, um órgão intergovernamental, constituído por representantes de 21 Estados-parte na Convenção, eleitos periodicamente. Este Comitê ficou responsável por identificar o patrimônio e inscrevê-lo na Lista Mundial; zelar pelo mesmo em conjunto com o Estado onde ele se encontrasse; decidir aqueles que estivesse em perigo e determinar as condições e os meios apropriados para que um Estado pudesse aceder ao Fundo do Patrimônio Mundial.

O Fundo foi formado com recursos oriundos de contribuições obrigatórias e voluntárias dos Estados-parte, da UNESCO, de outras agências da ONU, principalmente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e de organismos públicos e privados, bem como de receitas de manifestações organizadas em prol do Fundo.

A missão da UNESCO, no que tange ao patrimônio cultural e natural, passou a ser a de “ajudar aos Estados-Parte a salvaguardar os lugares do Patrimônio Mundial, fornecendo assistência técnica e formação profissional e assistência de emergência aos lugares em que haja um patrimônio mundial em perigo imediato” (UNESCO, 2005).

Foi definido que cada um dos Estados-parte deveria se comprometer a não tomar deliberadamente qualquer medida suscetível de prejudicar, direta ou indiretamente, o patrimônio cultural e natural localizados nos demais Estados-parte. Também ficou estabelecido que o Comitê faria, atualizaria e divulgaria a “Lista do Patrimônio Mundial em Perigo”, na qual constariam os bens cuja salvaguarda exigiria a intervenções da UNESCO. As razões para a perda de um bem foram pensadas em decorrência de fatores como a degradação acelerada, desenvolvimento urbano e turístico acelerados, destruição em função de mudanças de uso, alterações profundas por causas desconhecidas, abandono por qualquer motivo, conflito armado já iniciado ou latente, calamidades ou cataclismas, incêndios, terremotos, deslizamentos de terra, erupções vulcânicas, modificação do nível das águas, inundações e maremotos. Finalmente, ficou aclarado que o Comitê é quem definiria os critérios para que um bem fosse inscrito ou na Lista do Patrimônio Mundial ou na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo (CONVENÇÃO, 1972).

Em janeiro de 2006 a UNESCO divulgou a Lista atualizada do patrimônio da humanidade, que compreendia 812 locais, distribuídos nos cinco continentes. 628 destes eram elementos culturais, 160 naturais e 24 uma combinação de ambos (UNESCO, 2006).

Em março do mesmo ano, noticiou que 26 bens culturais e naturais do mundo encontravam-se em perigo de desaparecimento, em função dos impactos oriundos do aquecimento global, causado pela ação do homem sobre o ambiente em que vive.

Os desafios para a conservação do patrimônio cultural e natural da humanidade em face à degradação ambiental

As alterações no ambiente acompanham a existência do homem na Terra. Ao longo da década de 1960 ficou evidente que as ações do homem sobre a natureza haviam desencadeado uma crise ambiental que mostrava “a irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo” e marcava “os limites do crescimento econômico” (LEFF, 2006, p. 27).

A criação do PNUMA ocorreu nesse momento de reconhecimento da necessidade de ações mais eficazes para a conservação do meio ambiente e foi nesse contexto que a ONU chamou os países membros a participarem de reuniões para definição de acordos destinados a tratar da proteção ambiental. Foram aprovadas, entre outras, a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, 1973; a Convenção sobre Poluição Transfronteriça de Longo Alcance, 1979; a Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, 1979; a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, 1985 e o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, 1987 (RIBEIRO, 2003, p. 608).

Na década de 1980 foi instituída pela ONU, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, com o intuito de aprofundar estudos que pudessem ao mesmo tempo garantir o desenvolvimento econômico e minimizar os impactos ambientais. Em 1987 essa Comissão apresentou o relatório “Nosso futuro comum”, no qual defendia a adoção do desenvolvimento sustentável, ou seja, um desenvolvimento que pudesse “atender às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades” (BRUNDTLAND, 1988, p. 45).

O desenvolvimento sustentável aparecia como um tipo de desenvolvimento capaz de incorporar as condições ecológicas do processo econômico e, ao mesmo tempo, garantir a perdurabilidade no tempo desse processo. Buscava-se compatibilizar crescimento econômico e proteção ambiental, e assim enfrentar a crise ambiental. Não obstante, as contradições de tal proposta não tardaram a se fazer presentes “tanto por falta de rigor do discurso, quanto em sua colocação em prática” (LEFF, 2006, p. 18).

Ao final da década de 1980 o PNUMA não deixou de expressar suas preocupações com o agravamento da degradação e, objetivando ter mais dados sobre os efeitos da ação humana ao ecossistema, estabeleceu em 1988, em conjunto com a Organização Mundial de Meteorologia (OMM), o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). O IPCC foi composto por especialistas que tiveram a incumbência de subsidiar, com informações e trabalhos técnico-científicos e sócio-econômicos, as discussões relacionadas às causas da mudança do clima e seus potenciais impactos (IPCC, 2000).

Também sob a coordenação do PNUMA foi chamada, para 1992, a Conferência das Nações Unidas para o Meio-Ambiente e Desenvolvimento, a Conferência do Rio. Esse encontro teve o objetivo de regular a ação humana em relação à emissão de gases que afetam o efeito-estufa e ao acesso à informação genética. Nela foram celebradas as Convenções sobre Mudanças Climáticas e sobre Diversidade Biológica (ZANIRATO e RIBEIRO, 2006).

Em 1997, em Kyoto, no Japão, foi formalizado um Protocolo entre os países para a redução das emissões combinadas de gases responsáveis pela provocação do efeito estufa. Para alcançarem a diminuição das emissões, os países deveriam implementar e/ou aprimorar tecnologias de acordo com as circunstâncias nacionais, promovendo o desenvolvimento sustentável (CQNUMC, 1997).

Não obstante os esforços empreendidos desde então, os relatórios do IPCC mostraram quão preocupantes é a situação da Terra. No primeiro relatório de 1990, os especialistas afirmaram que o aumento das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa desde o início da industrialização havia alterado o balanço de energia do planeta e provocado um aquecimento global. Em 1995 um novo Relatório confirmou as informações de 1990, insistiu que a mudança da temperatura média global e o aumento do nível do mar no futuro eram resultantes de alterações provocadas pelas atividades humanas, com um alcance sem precedentes na história humana e que muitos aspectos da mudança do clima eram efetivamente irreversíveis. Em 2000 foi divulgado o terceiro Relatório no qual se reafirmou que o homem estava alterando o clima na Terra, que não se podia precisar a ordem de grandeza dessa mudança, que a incerteza não podia ser utilizada como desculpa para a falta de ação, pois os impactos poderiam ser de alto risco e os países menos desenvolvidos eram os mais vulneráveis. O quarto Relatório, divulgado em fevereiro de 2007, mostrou que “o aquecimento do sistema climático não é um equívoco, sendo agora evidente de acordo com as observações de aumento global do ar e das temperaturas dos oceanos, derretimento de gelo e neve em larga escala e aumento global do nível dos oceanos” (IPCC/ONU, 2007).

Nesse Relatório constou que a temperatura média da atmosfera aumentou durante o século XX e que até 2100 pode aquecer até 5,8ºC em média, caso não sejam tomadas medidas para evitar que isso ocorra. O aquecimento produzirá impactos ambientais intensos como o derretimento das geleiras e calotas polares, secas, enchentes, ondas mais freqüentes e intensas de calor, frio, furacões e tempestades, que acarretarão cada vez mais perdas econômicas e de vidas. Por tudo isso, concluíram os especialistas do IPCC, tornou-se urgente encontrar saídas, pois a manutenção da vida no planeta está em risco.

A sociedade de riscos

Para entender como chegamos a esse ponto, avalio importante recorrer às considerações do sociólogo alemão Ulrich Beck (2006), segundo o qual estamos vivendo, desde o final do século XX, em uma “sociedade de riscos”. A produção social de riquezas nessa sociedade é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos, pois as tecnologias desenvolvidas têm acarretado o esgotamento dos recursos naturais renováveis e não renováveis e também são geradoras de substancias nocivas e tóxicas que poluem o solo, a água, o ar, que contaminam os lençóis freáticos e põem em perigo a vida na Terra, em todas as suas de manifestação.

Os riscos produzidos nessa fase da modernização, diz o sociólogo, não respeitam as fronteiras dos Estados nacionais e não são específicos de uma classe social. Por essa razão, vivemos em uma “sociedade catastrófica” (BECK, 2006, p. 33).

Essa sociedade é resultante de escolhas políticas ou econômicas feitas no passado, num processo gradativo, formulado pelo homem em sua inserção com o ambiente natural (VEYRET, 2007).

O entendimento humano de adaptar a natureza às suas necessidades (LENOBLE, 1990; POINTING,1995 e FOLADORI, 2001) levou à construção e ao aprimoramento de tecnologias para melhor se situar na ambiente que escolheu para viver. A busca de tecnologias foi uma constante ao longo da existência da vida neste planeta e foi acelerada a partir da revolução industrial iniciada no século XVI, que trouxe uma outra compreensão sobre o homem e a natureza.

Se até então havia uma forma de pensar a natureza como criação de Deus, disposta para o usufruto dos homens, as idéias formuladas por pensadores como Galileu, Descartes e Bacon mudaram gradativamente essa compreensão. A natureza passou a ser concebida como inóspita, selvagem, um espaço a ser domado. Kant, por exemplo, chegou a afirmar que “o homem é o senhor da natureza”, pois é superior a ela (POINTING, 1995, p. 248).

A compreensão disseminada no mundo moderno foi a de que ser civilizado era ser distante da natureza. Esta se tornou o depositório de recursos que devem ser explorados pelos homens em seu caminho para a civilização (THOMAS ,1989; ELIAS, 1990 e GLACKEN 1996).

Tal forma de compreender a natureza levou à depredação do meio ambiente, com o objetivo de fornecer a energia de que os homens precisavam para o processo produtivo. A depredação tornou-se caótica nos séculos XIX e XX, em face do crescimento da indústria e da urbanização. O modelo de desenvolvimento defendido pelas sociedades, sobretudo as ocidentais, privilegiou o lucro, a acumulação de capitais, ainda que em detrimento da perda da qualidade de vida e da deterioração da natureza e da sociedade. Essa situação agravou-se de tal forma que analistas do meio ambiente e da sociedade não vacilam em afirmar que estamos vivendo uma “crise de civilização” (LEFF, 2003, p. 16).

E é em meio a essa crise que são produzidos e divulgados os relatórios do IPCC, sobre a série de ameaças provocadas pela ação do homem ao meio ambiente.

O conhecimento do conteúdo desses relatórios causou apreensão em diversos setores que se propuseram a encontrar meios de controlar os efeitos advindos do aquecimento global, entre eles a UNESCO. Por isso mesmo, ela encarregou o Comitê do Patrimônio Mundial de “analisar os potenciais impactos da mudança do clima nas propriedades do patrimônio mundial e sugerir medidas apropriadas para tratar delas” (UNESCO, 2006, a).

A posição da UNESCO em face do aquecimento global

Reunidos em Vilnius, na Lituânia, em 2006, esse Comitê apresentou um relatório, fundamentado nos estudos do IPCC, onde se discutiu os potenciais impactos da mudança do clima e sugeriu medidas consideradas apropriadas para tratar das alterações climáticas sobre o patrimônio mundial (UNESCO, 2006, a).

Os estudos do Comitê alertaram para os riscos do patrimônio cultural e natural ser afetado por:

Mudança nos padrões de precipitação,

Mudança da freqüência, intensidade e periodicidade de eventos extremos tais como secas, fogos, precipitações pesadas, inundações, tempestades, ciclones tropicais,

Elevação do nível de mar (causado pelo recuo da geleira, pelo derretimento do gelo e pela expansão térmica da água de mar em resposta às altas temperaturas) com sérias implicações para áreas litorâneas e ilhas,

Aumento do nível de dióxido de carbono na atmosfera e a dissolução nos oceanos que causa o aumento da acidificação marinha.

Para esse grupo, lugares detentores de patrimônio cultural e natural estavam sujeitos a tais fenômenos, como:

Segundo o Comitê, os impactos não se restringiriam a ações físicas, mas iriam além, pois “mudanças ao patrimônio cultural causadas pelas mudanças climáticas não podem ser dissociadas das mudanças na sociedade, na demografia, no comportamento pessoal, no impacto de valores sociais” (UNESCO, 2006, a).

A partir de então, a UNESCO passou a tomar algumas iniciativas para proteger o patrimônio mundial em face das mudanças climáticas. Entre elas a publicação de estudos de casos nos quais os patrimônios culturais e naturais têm sido afetados pelas referidas mudanças. Os lugares se distribuem por todo o planeta e exemplificam os impactos sofridos pelo patrimônio mundial. A seguir, alguns casos apontados no Estudo de Casos.

Conseqüências em áreas naturais

Parque Nacional de Kilimanjaro, na Tanzânia, que abriga em seu interior o monte mais alto da África, o Kilimanjaro. A cobertura de gelo do monte existe há pelo menos 10.000 anos. Numerosos mamíferos, muitos dos quais são espécies em perigo de extinção, vivem no parque. Ele foi inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em 1987, devido a sua excepcional beleza natural. A cobertura de gelo do Kilimanjaro diminuiu cerca de 82% no último século. De 12.058 m2, para 6.675 m2, 4.171 m2 e 3.305 m2 entre os anos 1912, 1953, 1976 e 1989 respectivamente. Segundo o Comitê, se as tendências atuais forem mantidas a cobertura desaparecerá em menos de 15 anos.

Parque Nacional de Sagamartha, no Nepal, situado na Cordilheira do Himalaia, inscrito na Lista em julho de 1979. As justificativas para sua inclusão na Lista foram dadas pela geologia, biologia, estética e interação do homem com o meio ambiente. Nele se encontra o Monte Everest. Mais de 50% do parque são constituídos por montanhas cobertas de neve e rochas. Os vales dos rios são cobertos pela vegetação sub-alpina. Espécies raras como o tigre das neves e o panda vermelho ali se encontram. Na área vivem os povos Sherpa. Na década passada, em torno de 67% das geleiras retraíram em função das mudanças climáticas que provocaram alterações no vale e este está cada vez mais vulnerável. A destruição das geleiras pode acabar com o habitat natural de inúmeros animais, entre os quais o tigre das neves.

Grande Barreira de Recifes de Corais, um local marinho de excepcional beleza, o maior ecossistema de recifes de coral do mundo, situado ao nordeste da costa da Austrália, possui 2.100 quilômetros de comprimento e ocupa uma área de 344.400 km2. A lagoa formada pela barreira do recife contém 2.900 espécies de recifes individuais com 400 espécies dos corais, 1.500 espécies dos peixes e diversas espécies de milhares de moluscos. É o habitat de espécies como o dugong (boi marinho) e as tartarugas verdes, ambos ameaçados de extinção. Por essas razões foi incluída na Lista do Patrimônio Mundial, em 1981. No entanto, o local é sensível a qualquer alteração climática e o aumento de temperatura da água do mar, bem como o aumento da acidez das águas, têm causado o branqueamento do coral, ou seja o desaparecimento de organismos que vivem em simbiose nos tecidos do coral. Cerca de 58% dos recifes corais estão em risco tanto por eventos naturais episódicos (tempestades ou ciclones) quanto pelas atividades humanas como a poluição industrial, o turismo, a urbanização, a poluição do mar, a sedimentação, a pesca excessiva e a predação.

Área de conservação de Guanacaste, um conjunto de áreas protegidas na Costa Rica, com uma extensão de 120.000 hectares na parte terrestre e 70.000 hectares na parte marina. O local é considerado especial pela grande diversidade de ecossistemas, que compreendem por florestas secas e úmidas, habitat natural de extrema importância para a conservação da diversidade biológica. Foi inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em 1999. As altas temperaturas têm provocado o crescimento de fungos e espécies como as rãs já não encontram refúgios térmicos para a reprodução. Os impactos da mudança do clima na biodiversidade já são visíveis na América Central, como mais de 100 espécies de rãs em extinção (UNESCO, 2007).

Efeitos no patrimônio construído

O Comitê do Patrimônio Mundial enfatiza que os impactos das mudanças climáticas incidem também nos produtos da criatividade humana, mais particularmente no patrimônio construído, cujas conseqüências se manifestam de dois modos: em efeitos físicos diretos sobre as estruturas dos edifícios e em efeitos sobre a estrutura social e habitat que podem levar a migração das sociedades que vivem em tais locais.

Seguem exemplos.

Veneza, na Itália. Inscrita na Lista em 1987, uma cidade dotada de uma arquitetura magnífica, em estilos gótico, bizantino, clássico. Seus palácios contêm pinturas de Giorgione, Titian, Tintoretto, Veronese e outros artistas. O aumento do nível de mar conseqüente do derretimento das geleiras e dos icebergs e a expansão térmica das águas de mar resultam no aumento do volume médio dos oceanos. A elevação das águas em Veneza tem se tornado freqüente e as projeções indicam que a cidade pode ser inundada até o final deste século.

Centro Histórico de Praga, na República Tcheca. Inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em 1992, possui edificações dos séculos XI a XVIII. A cidade se situa entre o rio Vltava, e foi construída em torno a um castelo renascentista do século XIII, com elementos góticos e barrocos. É um exemplo proeminente de uma cidade medieval da Europa central, cujo patrimônio arquitetônico foi mantido ao longo dos séculos seguintes. As inundações que afetaram a Europa Oriental no verão de 2002 provocaram danos significativos a esse local. Alguns edifícios ficaram submersos em até 2 metros e outros desmoronaram. A elevação do nível das águas pode comprometer definitivamente as edificações seculares.

Timbuktu, em Mali. Capital intelectual e espiritual e um centro de propagação do islamismo na África durante os séculos XV e XVI. Suas três mesquitas, Djingareyber, Sankoré e Sidi Yahia recordam a idade dourada de Timbuktu e foram inscritas em 1988 na Lista do Patrimônio Mundial. Hoje, a desertificação ameaça este local. O avanço da areia na mesquita de Sankoré é notável e implica em alterações construtivas como a altura de suas tubulações que são invadidas pela areia (UNESCO, 2007).

O Comitê destacou esses casos entre outros e chamou a atenção para a necessidade urgente de mobilização pública e política para mitigar os efeitos das mudanças climáticas que incidem sobre o patrimônio mundial. Conclamou a necessidade de divulgação dessa situação em escala local, como um meio de envolver as comunidades na defesa dos bens e de perceber que a degradação ocorre em todas as escalas, do local ao internacional, que o patrimônio mundial existe na escala local e que sua perda empobrece a humanidade como um todo. Segundo seu entendimento, ao se disseminar conhecimentos sobre as mudanças climáticas e suas conseqüências no patrimônio natural e cultural se está contribuindo para que a sociedade, os governos e empresas revejam atitudes e valores e construam alternativas e políticas públicas capazes de lidar com o aquecimento do planeta e o desafio da proteção patrimonial.

Considerações finais

As ponderações do Comitê não se restringiram a chamar a comunidade mundial para agir em defesa do patrimônio que é seu, mas foram além e resultaram em formulações que questionam a viabilidade da Organização em manter os compromissos assumidos em face da Convenção do Patrimônio Mundial de 1972. Segundo o Comitê, “a mudança do clima apresenta situações críticas para a implementação da Convenção”, posto que, de acordo com a Convenção, quando um local é ameaçado por um perigo sério e específico - perigo verificado e/ou potencial, pode ser incluído na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. O mesmo ocorre quando uma propriedade perde as características que autorizaram sua inscrição na Lista do Patrimônio Mundial e pode ser suprimida da referida Lista. Além disso, os Estados-parte da Convenção assumem o dever de assegurar a proteção, a conservação e a transmissão às gerações futuras das propriedades situadas em seu território (UNESCO, 2006, a). No entanto, ponderou o Comitê, as mudanças climáticas implicam em situações não previstas e que pedem respostas, entre as quais:

Esses questionamentos podem ser compreendidos como reflexões acerca dos compromissos assumidos pela UNESCO na Convenção Mundial para a Salvaguarda do Patrimônio Natural e Cultural, diante do agravamento das alterações produzidas pelas mudanças globais.

Os especialistas do Comitê do Patrimônio Mundial entendem que é imprescindível encontrar alternativas para cada uma das situações apresentadas, mas que muitas ações se encontram fora do campo de atuação da UNESCO posto que dependem:

As considerações do Comitê permitem cogitar a respeito de que esteja a ser pensada a possibilidade de ocorrer um redirecionamento da atuação da UNESCO diante da constatação do crescimento de lugares em perigo. Tal redirecionamento sugere momentos de tensão com o futuro e também outros rumos adotados por essa organização, indicativos, em última instância, da percepção de sua incapacidade em cumprir, num futuro próximo, com a sua missão constante na Convenção do Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade.

Não há como negar que a proteção do patrimônio cultural e natural se dá dentro de um campo de conflitos e interesses contraditórios, que contrapõe, inclusive, organizações pertencentes às Nações Unidas[1]. Isso porque nele se encontram os embates em torno da propriedade privada no âmbito da sociedade capitalista.

Muito já se falou sobre a importância de se enfrentar criticamente os interesses que se contrapõem à salvaguarda e da necessidade de tornar a sustentabilidade, de fato, um novo paradigma de desenvolvimento. O que se precisa, agora, é de ações que garantam não só a permanência do nosso patrimônio natural e cultural, mas a possibilidade da vida na Terra. Para isso há que ser estabelecido um amplo programa de conscientização da sociedade e das instituições a respeito da importância da conservação do patrimônio natural e cultural e do respeito aos ecossistemas, sobretudo porque constituem sistemas complexos, sensíveis, vulneráveis, e compostos por recursos não renováveis.

Só assim poderemos chegar a uma sociedade que reconheça e preserve, de fato, o patrimônio natural e cultural. Pode ser também, uma oportunidade para reorganizar as relações sociais contemporâneas de modo a evitar o agravamento de tensões sociais e da sociedade no ambiente natural.

 

Notas

[1]Conflitos quanto à proteção do patrimônio imaterial expresso na adoção de medidas para a salvaguarda dos conhecimentos das populações tradicionais foram tratados por Zanirato Silvia Helena e Ribeiro, Wagner Costa no artigo Conhecimento tradicional e propriedade intelectual nas organizações multilaterais, publicado na revista Ambiente e Sociedade. Vol 10. no. 1, 2007. Nesse texto os autores analisaram as posições conflitantes da UNESCO e do PNUMA com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual - OMPI e a Organização Mundial do Comércio -OMC.

 

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ZANIRATO, Silvia Helena; RIBEIRO, Wagner Costa. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 26, n. 51, 2006.

 

Referencia bibliográfica:

ZANIRATO, Silvia Helena. Desafios para a conservação do patrimônio da humanidade diante das mudanças climáticas. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/-xcol/378.htm>

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