menú principal

volver al programa provisional

X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


PERCURSOS URBANOS: MOBILIDADE ESPACIAL, ACESSIBILIDADE E O DIREITO À CIDADE[1]

Sílvia Regina Pereira[2]
Curso de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Grupo de Estudos Territoriais (GETERR)
silviarpereira@hotmail.com

Percursos urbanos: mobilidade espacial, acessibilidade e o direito à cidade (Resumo)

A situação espacial de cada um pode facilitar ou dificultar os deslocamentos intra-urbanos. Associado a ela está o poder aquisitivo que definirá os meios de locomoção a serem utilizados para que ocorra o uso e a apropriação do espaço urbano. Nosso objetivo foi entender como essas manifestações se apresentam em Presidente Prudente-São Paulo (Brasil) e interferem na vida dos citadinos, no que diz respeito ao exercício do direito à cidade. Para a compreensão do fato, analisamos o cotidiano de diferentes tipos sociais (mulher trabalhadora, dona-de-casa, estudante, desempregado, idoso, portador de deficiência física e residente em cidade vizinha a Presidente Prudente), por meio de entrevistas e acompanhamentos de percursos intra-urbanos, no intuito de avaliar a mobilidade e o grau de acessibilidade para a reprodução da vida. A relação entre situação espacial e a condição socioeconômica definem o meio de deslocamento e interferem no acesso diferenciado à cidade.

Palavras-chave: Percursos urbanos, mobilidade, acessibilidade, diferenciação socioespacial, direito à cidade.

Urban courses: spatial mobility, accessibility and the right to the city (Abstract)

The space situation of each one can facilitate or to make difficult those intra-urban displacements. Associated to its, it is the purchasing power that will define the locomotion means that will be used for that happen the use and the appropriation of the urban space. Our objective was understand like those manifestations are expressed in Presidente Prudente-São Paulo (Brazil) and interfere in the citizens life, about the right of the city exercise. For the understanding of the fact, we analyzed the daily of different social styles (woman worker, housewife, student, unemployed, senior, people with physical deficiencies and resident in neighboring cities of Presidente Prudente), by means of interviews and accompaniments of intra-urban courses, with the objective of evaluate the mobility and accessibility degree for the life reproduction. The relationships between space situation and socioeconomial situation, that define the displacement mean and interfere in the differentiated access to the city.

Key words: Urban courses, mobility, accessibility, sociospatial differentiation, right to the city.

A estruturação urbana nas cidades capitalistas interfere no cotidiano dos citadinos à medida que estes necessitam locomover-se constantemente para realizarem as mais diversas funções e atividades, e para adquirir bens e serviços, os quais se encontram dispersos nesse espaço e são necessários à reprodução da vida. Assim, a situação espacial de cada um pode facilitar ou dificultar esses deslocamentos intra-urbanos. Associado a ela está o poder aquisitivo que definirá os meios de locomoção a serem utilizados para que ocorram o uso e a apropriação do espaço urbano. As cidades médias, em sua maioria, como o caso de Presidente Prudente, têm apresentado características que eram, até pouco tempo, comuns apenas nos espaços metropolitanos. Isso tem ocorrido em função das diferenças socioespaciais estarem mais presentes, e do espaço urbano tornar-se cada vez mais compartimentado, expressando os processos de segregação e auto-segregação, os enclaves e as novas periferias, os novos espaços voltados para o consumo de mercadorias e a possibilidade da ocorrência da fragmentação urbana.

Com o intuito de entender essas manifestações nesta cidade e como elas interferem na vida dos citadinos, analisamos o cotidiano de diferentes tipos sociais (mulher trabalhadora, dona-de-casa, estudante, desempregado, idoso, portador de deficiência física e residente em cidade vizinha a Presidente Prudente), realizando entrevistas e acompanhando percursos intra-urbanos, para avaliar a mobilidade e o grau de acessibilidade para a reprodução da vida.

Definimos três perfis para cada tipo social, considerando para isso a faixa salarial, a faixa etária, o lugar de residência e os meios de deslocamentos. A partir desse estudo foi possível entender os entrevistados como segregados, diferenciados ou auto-segregados socioespacialmente, de acordo com a relação entre situação espacial e a condição socioeconômica, que definem o meio de deslocamento e interferem no acesso diferenciado à cidade. Essas configurações refletem a lógica de produção, apropriação e consumo do espaço urbano, que favorece a diferenciação socioespacial no interior da cidade e interfere na vida dos citadinos.

Nesse texto apresentaremos a análise que realizamos sobre mobilidade e acessibilidade, além de destacar sucintamente as características principais dos residentes da periferia pobre (que não possuem veículo próprio), das áreas próximas ao centro (sem veículo próprio) e das áreas centrais e de condomínios fechados (com veículo próprio). Para finalizar destacamos nossas reflexões sobre o direito à cidade.

Mobilidade e acessibilidade: para todos?

Abordamos, em nossa análise, a importância de uma mobilidade que seja eficaz e permita a ocorrência da acessibilidade. Essa acessibilidade deve estar associada à estruturação urbana que se estabelece em diferentes contextos para que, assim, haja de fato a possibilidade de exercício do direito à cidade.

Será que todos os citadinos possuem uma mobilidade que lhes permita a acessibilidade?

[…] ¿Cuáles son los benefícios que podría ofrecer la movilidad al ser urbano? Veamos algunos de los más importantes:

a)La movilidad aumenta las posibilidades de trabajo; la gran ciudad, con sus economías de aglomeración, ofrece al individuo una amplia gama de trabajos, la movilidad del individuo dentro de la ciudad ofrece la posibilidad de elegiar entre éstas la más adecuada a sus deseos y aptitudes.

b)La movilidad va a dar más oportunidades de acceso a los lugares de entretenimiento.

c)Uno de los beneficios más importantes de la movilidad es el aumento del tiempo disponible: tiempo-trabajo y tiempo-ocio. Las ventajas del aumento del tiempo son claras, disminuición de costes, aumento de producción, etc.

d)Aumento del espacio disponible es otra de las ventajas, espacio-trabajo, espacio-entretenimiento, espacio-escuela, etc. La movilidad da la oportunidad de poder utilizar toda esa serie de espacios (Lorca, 1971: 18).

De acordo com os apontamentos destacados, podemos avaliar a importância da mobilidade para o funcionamento do sistema urbano, bem como para a reprodução social, uma vez que os indivíduos necessitam realizar constantes deslocamentos para satisfazer necessidades referentes a essa reprodução. Sabemos, porém, que a efetivação dessa mobilidade nem sempre acontece de forma simples e adequada, estando relacionada com inúmeras determinações políticas, sociais e econômicas.

No lado prático, o processo de reprodução requer mobilidade física para realizar as atividades. Ele também implica a disponibilidade de meios de transporte, seja os meios não-motorizados e pessoais (a pé, de bicicleta), seja os meios motorizados, públicos ou privados. Finalmente, implica a ligação física e temporal adequada entre os meios de transporte e os destinos desejados. Portanto, o processo de reprodução é uma combinação entre meios pessoais, o sistema de circulação e os destinos desejados. Isso requer uma melhor compreensão das diferenças entre uma visão simplista da mobilidade pessoal e uma visão mais abrangente da acessibilidade (Vasconcellos, 2001: 40).

A mobilidade como um fim a ser obtido por um meio de transporte, varia de acordo com o meio em que ela é realizada. Em alguns casos e situações podemos nos movimentar, movermo-nos pelo espaço urbano a pé, para realizar algumas atividades. À medida que a extensão territorial desse espaço se amplia e parte dos equipamentos coletivos ainda permanece centralizada, faz-se necessário o deslocamento por meio de transporte motorizado. Esses meios podem ser públicos e coletivos ou privados e individuais, de acordo com a renda dos usuários, sendo que a oferta, qualidade, eficiência e o tempo de deslocamento entre eles serão bastante diferenciados, implicando em menor grau de acessibilidade dos que dependem do transporte coletivo.

Nesse sentido, nem sempre a mobilidade possibilita a acessibilidade. Para que a equiparação entre mobilidade e acessibilidade ocorra, é necessária uma adequada política de transportes atrelada ao planejamento e às políticas urbanas, de modo a favorecer a melhoria e a eficácia dos deslocamentos por meio de transporte público coletivo, contribuindo para que o acesso aos equipamentos de uso coletivo e aos espaços para as realizações das diferentes funções e atividades seja adequado, garantindo essa condição principalmente para os segmentos que se utilizam desse meio e que se encontram cada vez mais afastados da área central.

Vasconcellos (2001) salienta que a mobilidade, na visão tradicional, refere-se meramente ao ato de movimentar-se de acordo com condições físicas e econômicas. Esta visão deixa a idéia incorreta de que a política de transporte deveria aumentar o número de meios de transporte, atendendo aos preceitos da modernização capitalista, segundo os quais o tempo como valor econômico é cada vez mais presente. Já a acessibilidade é entendida como a mobilidade para a realização das necessidades para a reprodução, ou seja, não é simplesmente movimentar-se, mas chegar aos destinos desejados. Nesse sentido, com um enfoque mais amplo que o da mobilidade, ao se tratar de acessibilidade, considera-se que há uma conexão entre a oferta do sistema de circulação e a estrutura urbana, e ela refere-se ao modo como o indivíduo pode usar o espaço da cidade.

De acordo com a estruturação que se estabelece em cada espaço urbano, poderá haver aumento ou redução nos deslocamentos para a realização de determinadas funções segundo a localização das atividades no interior da cidade, conforme suas áreas centrais e as mais periféricas.

La dispersión de la localización de trabajos y viviendas puede teóricamente llevar a minimizar el tiempo (o distancia) medio de viaje pero también puede llegar a maximizarlo dependiendo de cuáles sean los orígenes y destinos de los desplazamientos. El policentrismo, a pesar de desconcentrar los empleos y residencias a lo largo del territorio ofrece ventajas de proximidad local que reducen tanto el tiempo como la distancia de los viajes. Sin embargo, esta ventaja se diluye si la densidad de los subcentros es reducida [...] (Guerrero, 2003: 33-34).

A constituição de subcentros é considerada, no caso do policentrismo, como um tipo de estruturação que se faz presente em muitas cidades, tanto européias quanto latino-americanas e que, a nosso ver, poderia contribuir para: - facilitar a acessibilidade aos meios de consumo coletivo, à medida que eles fossem sendo descentralizados nesses vários núcleos urbanos, e; - ampliar e melhorar a eficácia da circulação, já que os fluxos não precisariam ser todos para a área central. Isso não quer dizer que a mobilidade tenha que ser propiciada somente nas imediações desses núcleos, mas a utilização desses subcentros estaria atrelada a uma acessibilidade para a cidade como um todo, por meio de um sistema de transporte público eficaz e mais descentralizado, comparativamente à constituição de sistemas de transporte coletivo exclusivamente radiais, cujos fluxos convergem somente para a área central principal.

Associado a isso poder-se-ia “[...] incrementar los niveles de densidad residencial; y la adopción de políticas de transporte que proporcionen un sistema de servicios públicos alternativo al transporte privado [...]así como desincentivar el uso del automóvil” (Guerrero, 2003: 31).

Outra medida importante para propiciar a acessibilidade é ampliar as oportunidades de uso do transporte público pelos segmentos carentes, e que se encontram distanciados das áreas melhores servidas de meios de consumo coletivo. Para Lorca (1971), seria interessante se houvesse reduções das tarifas de transporte nos horários de pico para beneficiar a classe trabalhadora que se utiliza basicamente desse meio para se deslocar. A redução das tarifas, um maior conforto, maior velocidade e flexibilidade fariam com que o transporte coletivo fosse mais atrativo, podendo contribuir para uma menor utilização do transporte individual e privado, o que implicaria na melhoria do tráfego, na diminuição dos tempos médios de deslocamento e na qualidade do ar.  

Sousa (2003) analisou a mobilidade e a acessibilidade dos moradores de um bairro de baixa renda, que se utilizam do transporte coletivo, na área suburbana de Guarulhos, indicando que a mobilidade está vinculada a aspectos socioeconômicos e a acessibilidade está relacionada ao uso do solo e à forma urbana, que se referem ao processo de funcionamento da cidade. Ele ressalta que os entrevistados utilizam o transporte coletivo para trabalhar na área central de Guarulhos ou em São Paulo.

Na cidade de São Paulo, uma pessoa que se desloca por meio de transporte privado ocupa oito vezes o espaço físico de uma pessoa que utiliza o transporte coletivo, no horário de pico, ocorrendo uma apropriação desigual do território da cidade, gerando um desequilíbrio na circulação e no uso do espaço urbano. Nessa cidade, houve também uma diminuição no uso do transporte coletivo e um aumento no transporte individual a partir dos anos de 1990, resultado da inserção do transporte alternativo. O índice de mobilidade tem caído mesmo com o aumento do transporte privado, devido ao baixo investimento em transporte coletivo, aumento no preço das tarifas, aumento do desemprego e má ocupação do solo (Sousa, 2003).

Segundo esse autor, a mobilidade faz parte das pré-condições do desenvolvimento político e cultural de um povo, pois as pessoas necessitam estar em constante movimento para realizar diferentes funções, como trabalho, lazer, educação, práticas religiosas, consumo de bens e serviços. A mobilidade está vinculada à renda, que define o tipo de transporte a ser utilizado e as diferentes acessibilidades.

Merlin, apud Sousa (2003), fez uma distinção entre as mobilidades realizadas no espaço urbano, classificando-a em quatro grupos, que são:

- mobilidade residencial: é a circulação entre o local de moradia em direção a qualquer outro ponto em meio a um mesmo espaço urbano. É o desejo de adaptar as características do local às necessidades familiares;

- mobilidade ocasional: não obedece um período determinado. Os motivos são: profissional, lazer, visita a parentes, etc.;

- mobilidade semanal: está relacionada aos trabalhadores e estudantes que exercem atividades longe de suas residências, repetindo-se as viagens semanalmente;

- mobilidade quotidiana: é quase obrigatória. É o circuito de ligação diário entre o local de moradia e os locais de trabalho e escola (Sousa, 2003: 32-33).

Sousa (2003) também retrata o movimento pendular como forma de mobilidade entre moradores de áreas distantes, e desprovidos de condições adequadas para a vida urbana, em direção às centrais em busca de bens e equipamentos de uso coletivo.

A acessibilidade é o acesso fácil, qualidade do que é acessível. A falta de acessibilidade no transporte coletivo está associada às grandes distâncias e longas viagens. O tempo é o momento ou a ocasião apropriada para que um fato se realize. A pouca acessibilidade no transporte está associada ao tempo excessivo de execução de uma viagem. Trata-se da relação tempo-espaço (Sousa, 2003: 40).

A acessibilidade aos equipamentos de uso coletivo pode ser prejudicada se a mobilidade para essas áreas não for eficaz, e isso dependerá do meio de transporte utilizado. A mobilidade e a acessibilidade estão atreladas ao uso de meios de transporte, considerando a relação espaço-tempo, e se encontram vinculadas à estruturação urbana, que deve ser resultado de políticas e planejamento que direcionam o uso do solo, mas, na maior parte dos casos, como o de Presidente Prudente, resultam sobretudo das iniciativas e interesses dos agentes privados. O planejamento urbano deve priorizar os interesses coletivos e deve estar associado à estruturação do sistema de transporte público, que proporcione a acessibilidade à cidade, considerando as diferentes áreas onde se localizam as atividades de trabalho, educação, de saúde, lazer, comércio e serviços. Quando a acessibilidade não é favorecida fortalece-se ainda mais a diferenciação socioespacial.

Vasconcellos (2001) avalia a acessibilidade a partir da oferta de linhas de transportes públicos para os usuários freqüentes e da densidade de vias para os usuários de automóveis privados, o que determina o tempo de espera e de viagem.

Por meio dessas considerações sobre mobilidade e acessibilidade e avaliando os deslocamentos realizados pelos entrevistados em nosso trabalho, podemos inferir que:

A) De maneira geral, os residentes na periferia pobre (Jardim Morada do Sol, Conjunto Habitacional Brasil Novo, Parque José Rota e Jardim Humberto Salvador) possuem uma mobilidade reduzida, que está diretamente relacionada ao:

- cumprimento da função trabalho, por meio de transporte público, como é o caso da mulher trabalhadora Rosa, da estudante Ieide e da portadora de deficiência física Zilá;

- deslocamento para a realização de algumas atividades não tão freqüentes como pagamentos de contas e visitas familiares, no caso do desempregado Senhor Olegário, que se desloca por meio da sua bicicleta, e do idoso Senhor Francisco que se desloca a pé para a realização do consumo de bens e serviços.  

Já a dona-de-casa Irailda (Mapa 1), possui uma quase imobilidade, em função da não realização de qualquer função fora de sua residência, da distância em que se encontra e dos custos para se deslocar.

Assim, para esse grupo, além da mobilidade reduzida, não há uma acessibilidade à cidade.

 

 

B) Os residentes das áreas mais próximas ao centro (Jardim Paulista, Vila Santa Tereza, Vila Iolanda, Jardim Itapura, Parque Furquim e Vila Malaman) possuem uma mobilidade maior, que ela está relacionada à:

- ida ao trabalho, por meio do transporte coletivo, para a mulher trabalhadora, Dona Antônia, e para o estudante Márcio, que também o utiliza para estudar;

- realização de diferentes atividades e funções, pela desempregada Maria de Fátima que se desloca sempre a pé e;

- complementação da renda, pelo idoso Senhor Afonso, que também se desloca a pé.

O portador de deficiência física, Paulo, tem uma mobilidade mais reduzida, deslocando-se sempre com ajuda de um familiar ou amigo para a realização de atividades de lazer, esportivas e de outros serviços. A dona-de-casa Vilma, mesmo residindo em área relativamente próxima à central, desloca-se muito pouco.

Nesse grupo podemos dizer que a mulher trabalhadora Dona Antônia, o estudante Márcio e a desempregada Maria de Fátima possuem uma maior mobilidade, como também uma acessibilidade à cidade, diante das condições socioespaciais dos mesmos. Em contraposição a eles, o idoso Senhor Afonso, apesar de seu potencial grau de mobilidade, não tem acessibilidade em função da situação socioeconômica que, segundo ele, restringe seu acesso a alguns meios de consumo coletivo. O portador de deficiência física Paulo tem mobilidade e acessibilidade reduzidas, diante das suas condições físicas e socioeconômicas. Uma quase imobilidade é a característica marcante para a dona-de-casa Vilma (Mapa 2), resultado da sua condição socioeconômica.

 

 

C) No que diz respeito ao grupo constituído pelos entrevistados de maior poder aquisitivo, que possuem também veículo próprio, podemos ressaltar que, de maneira geral, todos eles possuem mobilidade e acessibilidade à cidade, sendo beneficiados pela condição socioeconômica que possuem. Destacamos que o idoso Senhor Lourival tem menor mobilidade nesse grupo, em função de circular menos, o que ele próprio considera uma opção para a fase de vida em que se encontra, realizando os mínimos deslocamentos para as atividades que julga necessárias, como lazer, compras e outros serviços. Nesse caso não é a renda nem a dificuldade de mobilidade que influencia. O portador de deficiência física, Manoel tem uma mobilidade e acessibilidade maior que os outros dois portadores (Zilá, da periferia pobre, e Paulo da área próxima ao centro), em razão de sua condição socioeconômica que possibilita que o mesmo tenha um meio de transporte próprio e adaptado para realizar seus deslocamentos.

D) As pessoas residentes em cidades vizinhas têm mobilidade e acessibilidade para a cidade de Presidente Prudente sem grandes dificuldades de deslocamento. A mobilidade no interior desta é maior para a entrevistada Rose, que se desloca todos os dias para trabalhar. As três entrevistadas se utilizam mais do espaço urbano da cidade de origem, que são cidades pequenas, para o consumo de bens e serviços, em comparação à freqüência com que realizam este tipo de atividades em Presidente Prudente, que é uma cidade média. A cidade de destino é utilizada por Rose para a realização da sua atividade profissional, além do consumo de alguns bens e de algumas áreas de lazer. A estudante Celina tem como objetivo principal cursar a Universidade, não realizando um consumo considerável de mercadorias e das áreas de lazer. Marta, apesar da fácil acessibilidade por meio de transporte próprio, não consome prioritariamente em Presidente Prudente.

Consideramos que é necessária e urgente a efetivação de políticas públicas de transporte urbano que permitam a acessibilidade dos citadinos à cidade para a realização das suas mais diferentes atividades que se encontram dispersas pelo espaço urbano. Sabemos que a maior determinante é a diferença de renda, portanto, uma das medidas que poderiam viabilizar a acessibilidade é a diferenciação de tarifas de acordo com o poder aquisitivo da população. Os de menor renda precisam receber subsídios para utilizar o meio de transporte público, que deve ser eficiente e atender à demanda existente, de modo a tornar-se mais atrativo que os meios de deslocamento privados. Assim, ocorrerá a redução dos inúmeros problemas que são gerados com a presença massiva do automóvel.

Apresentamos a seguir as informações sobre alguns entrevistados de cada área pesquisada, para ilustramos a situação espacial dos mesmos, bem como as facilidades e dificuldades para se deslocarem no espaço urbano.

Os residentes da periferia pobre (sem veículo próprio)

O conjunto de informações referente aos espaços de apropriação dos moradores da periferia pobre possibilita-nos verificar que todos eles são segregados socioespacialmente, tendo em vista suas condições socioeconômicas e a localização de suas moradias no espaço urbano.

A dona-de-casa Irailda (Mapa 1), que reside no Jardim Morada do Sol, tem uma situação socioespacial ainda mais segregada, já que seu esposo encontra-se desempregado. Eles residem em uma casa cedida e seus filhos deslocam-se diariamente para estudar, numa área distante daquela de sua moradia (próximo à Vila Marcondes). O atendimento médico recebido em um pequeno posto de saúde do bairro é apenas para encaminhamento, tendo que, em seguida, deslocar-se para a Unidade Básica de Saúde do Jardim Guanabara ou para o Hospital Universitário, que se encontra, como a mesma afirma, “do outro lado da cidade”.

O consumo de bens duráveis, semiduráveis e de serviços é realizado apenas de vez em quando, já que não possuem uma renda fixa. Quando ocorre esse tipo de consumo, é realizado na área central. Não há nenhuma opção de lazer no bairro, sendo que o deslocamento para o bairro Humberto Salvador (uma hora a pé), para ir até a casa de parentes, de vez em quando, é considerado uma forma de lazer ou uma caminhada no próprio loteamento em que reside.

A situação dessa senhora, que anteriormente residia em outra casa no mesmo bairro, é extremamente precária. Antes de ir para essa área residia em uma favela próxima ao Parque São Matheus, onde disse que preferia estar morando. No Jardim Morada do Sol ganhou o terreno e a casa, mas não se diz satisfeita justamente pelo distância em que se encontra em relação às demais áreas da cidade. Julga-se abandonada, afastada da cidade e mal vista pelas pessoas por residir nesse loteamento. Afirma que preferia estar morando em alguma favela pelo fato de poder ir e vir a pé.

Esse fato é evidenciado por meio da exposição realizada por García (2003), que destaca a estruturação urbana como definidor da segregação. Também mantém correspondência com a interpretação realizada por Sposito (1996), que destaca o aspecto do isolamento espacial. Essa dona-de-casa encontra-se isolada, sem interação, em razão de não realizar uma mobilidade adequada para que ocorra a acessibilidade.

Sabemos que o espaço urbano não está adequadamente planejado para possibilitar uma efetiva acessibilidade a todos os moradores da cidade. São inúmeros os problemas percebidos, sentidos e vividos pelas pessoas com aptas condições físicas, o que nos permite supor as dificuldades ainda maiores para os portadores de deficiências física e visual, por exemplo.

Se as pessoas não portadoras de deficiência física enfrentam dificuldades que se expressam no espaço urbano em relação ao oferecimento de transporte coletivo, falta de sinalização, congestionamentos etc, para os portadores dessa deficiência as dificuldades multiplicam-se. Que cidade existe para eles? Como dela se apropriam? Como se dá a acessibilidade?

Os residentes das áreas próximas ao centro (sem veículo próprio)

Consideramos, para esse grupo, os residentes próximos à área central e sem veículo próprio, pois estes possuem uma melhor acessibilidade se comparados aos moradores da periferia pobre, em razão da sua proximidade espacial. Eles possuem uma renda familiar maior que a dos que residem na periferia pobre, além de uma maior escolaridade. Eles consideram que moram próximo ao que se denomina centro, mas também se utilizam da expressão “ir à cidade” quando se deslocam para esse espaço, considerando que a área em que moram não é cidade. Ou seja, a proximidade espacial existe, é considerada, mas a falta das condições urbanas na área de residência dos mesmos faz com que eles se sintam fora da cidade.

Os entrevistados dessas áreas próximas ao centro consideram que possuem fácil acesso aos meios de consumo coletivo, em função da localização de suas residências, o que possibilita a realização de deslocamentos a pé para diversas outras áreas da cidade. Estão satisfeitos e bem atendidos com a oferta de equipamentos nas proximidades de suas moradias ou na área central, à qual estão bem integrados espacialmente. O poder aquisitivo de baixo a médio e a ausência de veículo próprio são compensados pela sua situação espacial, o que lhes facilita a apropriação do espaço urbano.

O que diferencia esse grupo daquele é, com certeza, a situação espacial, que implica em maiores possibilidades de deslocamentos e, por conseguinte, de uso e apropriação do espaço urbano, facilitando-lhes o dia-a-dia e dificultando o daqueles que moram na periferia, já que o poder aquisitivo não é o grande diferenciador entre os dois grupos.

A observação dos mapas em que estão representados os espaços de uso e apropriação dos entrevistados, residentes nas áreas próximas ao centro e sem veículo próprio, nos permite considerá-los como diferenciados socioespacialmente, já que a segregação socioespacial não se expressa.

A dona-de-casa Vilma (Mapa 2) tem uma vida extremamente limitada à área em que reside. Observa-se, no mapa, que os símbolos representativos das áreas que freqüenta estão praticamente sobrepostos. Nas imediações de onde mora, realiza o consumo semanal de bens não duráveis, leva seus filhos para a escola e creche diariamente. Uma vez por mês desloca-se até a Vila Marcondes para atendimento médico de rotina e vai até o centro para efetuar pagamentos de contas e realizar consumo de bens não duráveis, de bens semiduráveis e duráveis. Sua residência encontra-se próxima ao centro, para onde se desloca a pé, uma vez por mês, sendo esta a distância máxima até onde se desloca. Não freqüenta muitas áreas da cidade e não tem referências de alguns pontos bem conhecidos, como o Terminal Rodoviário, o Hospital Universitário e o campus da UNESP. Vemos que a integração espacial, propiciada pela localização de sua moradia não é expressa em seu cotidiano, pois ela fica restrita à área em que reside com algumas idas ao centro, devido ao fator econômico.

Apesar da boa situação geográfica intra-urbana, possui um baixo poder aquisitivo, o que faz com que fique totalmente isolada em uma área que está potencialmente interligada ao centro. O mapa é bem representativo, pois só há linhas vermelhas, pelo fato de andar a pé e, além disso, a área abrangida pelos deslocamentos é restrita às imediações de sua moradia, pelas caracterizações de seu cotidiano, já descritas anteriormente.

A dona-de-casa tem cerca de 24 anos e é jovem para viver cotidianamente apenas a função de mãe e esposa. Vive próxima do centro, de uma área que possibilita uma fácil acessibilidade e integração com as mais bem equipadas da cidade, mas se encontra totalmente segregada em função das suas práticas espaciais, resultado da sua situação socioeconômica.

Os residentes nas áreas centrais e nos loteamentos fechados (com veículo próprio)

Destacamos aqui, as condições socioeconômicas dos entrevistados que compõem o grupo das áreas centrais e loteamentos fechados, apreendendo assim, o uso e a apropriação do espaço urbano de Presidente Prudente por meio de veículo próprio, o que facilita o deslocamento dos mesmos.

Os entrevistados além de possuírem veículo próprio, residem em área de fácil acesso ao conjunto da cidade e estão servidos de equipamentos urbanos nas proximidades de suas residências, sendo que somente a mulher trabalhadora está mais distante espacialmente desses meios de consumo, pelo fato do loteamento fechado em que ela reside encontrar-se na periferia da cidade, o que não lhe prejudica, pois a escolha dos meios de consumo coletivo se dá pela suas qualidades e não pela proximidade, como ela faz questão de ressaltar, até porque a sua facilidade de deslocamento por veículo próprio permite a aquisição dos bens e serviços que se encontram em áreas bem afastadas da sua moradia.

Esses entrevistados, pelo fato de possuírem um meio de deslocamento próprio, têm a facilidade de escolherem os locais de consumo de produtos alimentícios, como grandes hipermercados localizados junto aos dois shopping centers da cidade, mercados na área central, não ficando restritos a uma única área de localização desses equipamentos. Os artigos pessoais são consumidos nos shopping centers e também na área central. Somente o idoso e o desempregado não freqüentam áreas de lazer e de diversão, destacando que é pela falta de interesse e não pela falta de condições, como acontece com os moradores das periferias pobres.

Ao analisar os mapas dos entrevistados das áreas de auto-segregação e das centrais, os quais possuem veículo próprio, vemos que, três dentre os seis entrevistados são auto-segregados, mas estão integrados espacialmente porque possuem uma fácil acessibilidade ao conjunto da cidade e os outros três vivenciam uma diferenciação socioespacial e não experimentam tantas restrições à apropriação do espaço urbano. Destacamos a análise sobre a dona-de-casa:

A dona-de-casa Vera (Mapa 3), residente no loteamento João Paulo II e que morava na área central, ressaltou, da mesma forma que a mulher trabalhadora, a segurança como motivo de mudança. Também pela facilidade de deslocamento realiza o consumo de bens não duráveis em diferentes áreas comerciais, ao menos uma vez por semana, como por exemplo: nos Hipermercados Carrefour e Muffato, no subcentro do Jardim Bongiovani. A aquisição de bens semiduráveis e duráveis ocorre no centro e nos shopping centers à medida que necessita. Uma vez por semana as atividades de lazer são realizadas nos shopping centers e em bares e restaurantes em diversas áreas da cidade. As atividades esportivas são realizadas diariamente no interior do loteamento fechado e em uma academia nas imediações de sua residência, três vezes por semana. A freqüência da ida à igreja e ao centro é de uma vez por semana.. Ainda que possa se integrar espacialmente à cidade, também vivencia esse processo de auto-segregação, ressaltando sempre a segurança como justificativa para residir nessa área. Possui facilidade de acesso e de apropriação aos espaços da cidade.

O Mapa dessa entrevistada nos permite observar vários símbolos, principalmente o que representa o lazer, interligados pela linha verde, identificando o seu único meio de deslocamento, o veículo próprio. A área central e os dois shopping centers são utilizados para o consumo. Seu poder aquisitivo e sua acessibilidade, propiciada pelo veículo próprio, possibilitam a apropriação do espaço urbano por essa senhora que tem uma vida social bem mais ativa que algumas jovens entrevistadas. Novamente repete-se a ocorrência da auto-segregação, em relação àquilo que não se quer ter próximo dos olhos e a possibilidade de apropriação e consumo do que interessa.

 

 

O direito à cidade em Presidente Prudente-São Paulo

Tomando como base o trabalho que realizamos por meio de entrevistas, com moradores de Presidente Prudente, analisamos como ocorre o uso e a apropriação do espaço urbano, de acordo com o poder aquisitivo, com o meio de deslocamento utilizado por eles, bem como a partir do lugar que ocupam na cidade.

Essa cidade média já apresenta novas formas do processo de produção do espaço urbano, expressas por meio do crescente número de implantação de loteamentos fechados, principalmente na periferia, redefinindo a sua relação com a área central; dos novos espaços de consumo como os shopping centers, multiplicando as centralidades; da privatização de áreas públicas; da segregação de áreas e da possibilidade da ocorrência da fragmentação urbana. Anteriormente, tais características eram mais expressivas nos espaços metropolitanos e hoje já podemos visualizá-las em outras escalas do fato urbano. Esse processo não é novo, apenas apresenta novas formas para legitimar a lógica produtora de desigualdades, constitutiva da sociedade capitalista.

Por meio de nossa pesquisa, pudemos compreender que a proximidade espacial não significa existência de sociabilidade entre segmentos socioeconômicos diferenciados. Os de maior poder aquisitivo procuram, cada vez mais, distanciar-se dos espaços públicos que são apresentados como inseguros, não se permitindo compartilhar a vida com os de menor renda, distanciando-se deles em virtude de todas as técnicas, meios de segurança e proteção contra os que são considerados como ameaça. Essa é a caracterização da vida urbana atual, entre diferentes segmentos sociais, sendo a separação sua maior expressão.

Além dessa separação entre os diversos segmentos sociais tem-se um espaço estruturado diferencialmente, dificultando o uso e a apropriação pelos moradores que possuem um menor poder aquisitivo e que se encontram nos loteamentos mais distanciados e menos estruturados, interferindo no direito à cidade.

No que diz respeito à estruturação dos equipamentos de uso coletivo e das principais áreas/eixos de comércio e serviços de Presidente Prudente há uma diferenciação espacial em termos do oferecimento deles à população. Não existe uma eqüidade na distribuição dos mesmos que facilite o acesso para a apreensão dos espaços públicos e o consumo de bens e serviços. A descentralização desses equipamentos ainda não é suficiente para propiciar a acessibilidade adequada para aqueles que são seus principais usuários: a clientela de menor poder aquisitivo. Associado a essa oferta está a estruturação do transporte público que não favorece essa integração, dificultando a realização das necessidades básicas pela população menos abastada.

Para concluir: pelo direito à cidade

Faz-se urgente e necessária a elaboração de políticas públicas de transporte coletivo que propiciem uma maior mobilidade espacial dos citadinos, associada à acessibilidade para a realização das funções e para adquirir os bens e os serviços dispersos no espaço urbano. É preciso considerar as diferenças de renda, a estruturação da malha urbana, a concentração dos equipamentos coletivos e as dificuldades de locomoção dos portadores de deficiências físicas, para que o acesso, por meio desse transporte favoreça a comunicação entre as áreas da cidade, propiciando o ir e vir.

Uma das medidas a serem consideradas para uma melhoria na acessibilidade, por meio desse transporte, é a implantação de tarifas diferenciadas de acordo com a renda dos usuários, já que nem todos podem custeá-lo, tendo os deslocamentos prejudicados. Associada a isso está a integração entre as linhas de ônibus, para que haja um maior aproveitamento, uma melhor oferta de linhas e veículos, de acordo com as demandas geradas ao longo do dia, além de torná-lo um meio mais atrativo ao uso, contribuindo para a redução do transporte privado em circulação e de muitos problemas por ele gerado.

A mobilidade espacial e a acessibilidade, definidas pelo poder aquisitivo interferem no uso e na apropriação do espaço urbano, de acordo com a utilização do tempo que se encontra cada vez mais organizado com base na função trabalho, para a maioria da população, implicando na diversidade de atividades desenvolvidas, caracterizando o cotidiano de cada um. Essa configuração cotidiana mantém correspondência com o acesso distinto à cidade capitalista, que é diferenciada e segregada socioespacialmente.

A cidade diferenciada socioespacialmente sempre esteve presente e, com a divisão técnica e social do trabalho e do espaço, se reafirma e ganha visibilidade com a manifestação da segregação e/ou da fragmentação urbanas. Esses processos caracterizam como pode ser exercido o direito à cidade, implicando na apropriação do espaço, na constituição e reafirmação do lugar, bem como no convívio dos citadinos, estabelecendo a sociabilidade que se encontra cada vez mais enfraquecida e segmentada em favor de um individualismo mais arraigado e de um estranhamento entre os cidadãos, impossibilitando-os de lutarem juntos por uma cidade para todos.

Não sendo a cidade, na sua totalidade, apreendida por todos, o bairro e a rua são lugares que podem ser vivenciados pelos citadinos, não só apropriando-se do espaço, mas também se identificando com esses lugares, convivendo com o outro, fortalecendo a convivência e fazendo possível a sociabilidade, que é mais evidente nos bairros populares, em detrimento dos espaços murados, fechados, onde se tem a falsa idéia que os que ali se encontram convivem entre si, por possuírem as mesmas condições socioeconômicas, fato este que não ocorre.

Qual a interação que os citadinos mantêm com a cidade como um todo? Alguns segmentos se apropriam mais dos espaços privados, desconhecendo o que se constitui como cidade, pois muitas vezes os seus percursos urbanos não lhes mostram a cidade plural e diversa que existe. Apesar desses não conseguirem se isolar, se afastarem definitivamente da diferença e do feio, bem como do que lhes causa insegurança podem, em alguns momentos e circunstâncias selecionar as parcelas do espaço urbano que queiram ver e da qual desejam se apropriar.

Na maioria dos espaços, eles simplesmente passam, não permanecendo; e assim não dão possibilidade à convivência, fecham-se cada mais em seus espaços considerados seguros, isolando-se do que lhes ameaça. Os outros segmentos não têm opções a não ser viver cotidianamente a falta de infra-estrutura e de equipamentos urbanos básicos, bem como o problema da mobilidade espacial, que interfere na sua acessibilidade à cidade. Dessa forma ficam impossibilitados de vivenciar uma urbanidade adequada para a reprodução da vida, já que as condições necessárias para essa não ocorrem plenamente. Nesses espaços e lugares, o uso e o convívio são maiores e a sociabilidade se realiza. Ela precisa, portanto, resultar em uma consciência política para que esses moradores se unam e busquem melhorar suas vidas e conquistar seus direitos, principalmente o de exercer a cidadania, cobrar sua participação na gestão da cidade e, assim, fazer cumprir a função social desta de forma democrática, em prol do coletivo, o que não tem sido priorizado por ações e implementações do poder público.

Sabemos que os interesses políticos e contraditórios entre os diferentes agentes urbanos manifestam-se no espaço das cidades por meio das diferenças socioespaciais cada vez mais marcantes, afetando a vida dos menos abastados, mas é urgente fazer a sociedade tomar conhecimento não só das desigualdades sociais existentes, mas do poder de ação da mesma, para buscar exercer a cidadania e fazer valer a tomada de decisões para o coletivo. As diretrizes já estão colocadas. Precisam sair do papel e se transformar em ações reais, contribuindo assim para as mudanças necessárias à plenitude da vida urbana.

A cidade média apresenta atualmente processos, antes manifestados de forma mais marcante na metrópole, como o processo de segregação socioespacial, que tem se fortalecido cada vez mais e vislumbra a possibilidade da constituição do que se encontra em pauta nas grandes cidades pós-modernas – a fragmentação urbana – mostrando que à parte as diferenças de escala são reforçadas e as formas de reprodução do sistema capitalista visíveis na apropriação e reprodução do espaço urbano.

A vida urbana precisa deixar de ser orientada pelo mero consumo de mercadorias, que revela desejos voláteis e se nortear de acordo com as necessidades. A cidade será então entendida como espaço de produção e consumo coletivo, de realização da sociabilidade e de organização dos citadinos para cobrarem os seus direitos sociais. Isso pode possibilitar uma participação cidadã efetiva dos agentes sociais nesse amplo processo de gestão urbano em favor de todos, fazendo assim com que estes sejam cidadãos, de fato.

As relações entre as condições socioeconômicas e a situação espacial, as quais interferem na acessibilidade, precisam ser levadas em consideração pelos dirigentes públicos para que todos tenham o direito à cidade, o que não se verifica atualmente. A cidade precisa também ser entendida na sua diversidade e na pluralidade, para que a eqüidade territorial urbana se faça presente e haja um equilíbrio entre áreas distintas, provendo-as de acordo com suas necessidades, favorecendo assim uma melhor acessibilidade dos moradores, bem como as condições de vida na cidade. Desejamos que essa utopia se faça realidade. Ela pode resultar da mudança e da inversão de prioridades nas ações do poder público, o qual deve representar e agir para o coletivo, buscando para isso, investimentos para as áreas carentes, amenizando as diferenças socioespaciais.

No nosso entendimento o desenvolvimento de subcentros, nas áreas mais distanciadas, com o oferecimento de bens e serviços essenciais, contribuindo para melhorias nas condições dessas áreas, associado a uma melhor estruturação do transporte coletivo para propiciar uma mobilidade espacial e assim uma efetiva acessibilidade, são ações que podem contribuir para amenizar os problemas do cotidiano urbano, principalmente dos menos favorecidos socioespacialmente, que não têm, ainda, o pleno direito à cidade.

 

Notas

[1] O artigo aqui apresentado corresponde à tese de Doutorado intitulada “Percursos urbanos: mobilidade espacial, acessibilidade e direito à cidade”, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente-São Paulo (Brasil). Essa tese foi orientada pela Professora Maria Encarnação Beltrão Sposito e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

[2] Doutora em Geografia, Professora do Curso de Geografia da UNIOESTE – Campus de Francisco Beltrão-Paraná e membro do Grupo de Estudos Territoriais (GETERR). Endereço eletrônico: silviarpereira@hotmail.com e endereço postal: Rua Maringá n. 1200, Vila Nova,  Cep: 85.605.010 -  Francisco Beltrão-Paraná

 

Bibliografia

CAMPOS FILHO, Cândido Malta. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua cidade. São Paulo: Ed. 34, 2003.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1994.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001.

GARCÍA, Joan Antoni Santana. Forma urbana y mercado de trabajo: accesibilidad al empleo, segregación residencial y paro. - Departament d’ Economia Aplicada, Universidad Autonoma de Barcelona, Barcelona, 2003. Tese (Doctorado).

GUERRERO, Rafael Sergio Porcar. La relación entre estructura urbana y movilidad obligada residencia – trabajo. Teoría, evidencia e implicaciones en el diseño de políticas: el caso de la región metropolitana de Barcelona. Universidade Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2003. Treball de recerca.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.

LORCA, Alejandro. Algunos aspectos del problema del transporte urbano. In: Colegio Oficial de Arquitectos de Cataluña y Baleares. Movilidad urbana, Barcelona (A.T.E.), 1971, p. 17-33.

PEREIRA, Sílvia Regina. Subcentros e condições de vida no Jardim Bongiovani e Conjunto Habitacional Ana Jacinta – Presidente Prudente-SP. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2001. Dissertação (Mestrado em Geografia)

SANTOS, Milton. Metrópole corporativa fragmentada: O caso de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1990.

SOUSA, Marcos Timóteo Rodrigues. Uma abordagem sobre o problema da mobilidade e acessibilidade do transporte coletivo, o caso do bairro Jardim São João no município de Guarulhos-SP. Universidade de Campinas, Campinas, 2003. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil).

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Reflexões sobre a natureza da segregação espacial nas cidades contemporâneas. Revista de Geografia, Dourados (Associação dos Geógrafos Brasileiros), n. 4, 1996.

VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano, espaço e equidade: análise das políticas públicas. São Paulo: Annablume, 2001.

 

Referencia bibliográfica:
PEREIRA, Sílvia Regina . Percursos urbanos: mobilidade espacial, acessibilidade e o direito à cidade. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008.

Volver al programa provisional