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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

A INFLUÊNCIA DO CAPITAL AGROINDUSTRIAL NA DISTRIBUÇAO SÓCIO-ESPACIAL URBANA DO MUNICIPIO DE CHAPECÓNO SUL DO BRASIL

Daniella Reche
Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade
Universidade Federal de Santa Catarina
E-mail: daniellareche@gmail.com

Maria Inês Sugai
Professora Doutora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo  
Universidade Federal de Santa Catarina – E-mail: misugai@uol.com.br


A influência do capital agroindustrial na distribuição sócio-espacial urbana do município de Chapecó no sul do Brasil (Resumo)

Chapecó, município situado no sul do Brasil e considerado o mais importante centro agroindustrial brasileiro, se constitui no maior produtor e exportador de carne de aves do país. A atividade agroindustrial foi a principal responsável pelo desenvolvimento econômico e pelo processo de urbanização do município.

O estudo analisa as transformações urbanas de Chapecó a partir da implantação das agroindústrias e do acelerado aumento populacional provocado pelos constantes processos migratórios de trabalhadores em busca de emprego no setor. De 1970 a 1980, a cidade teve sua população triplicada, apresentando nesse período a taxa de 11 per cento ao ano. O acelerado processo de urbanização do município trouxe conseqüências sociais e espaciais consideráveis, principalmente devido à insuficiência de ações estatais compatíveis com o crescimento urbano. 

As agroindústrias passam a ser, concomitantemente às ações do Estado, um agente determinante tanto para o desequilíbrio regional, a polarização econômica e o aumento do fluxo migratório, como também influíram no aumento das desigualdades sócio-espaciais no contexto intra-urbano, dividindo e estimulando o processo segregativo.  

Palavras-chaves: capital agroindustrial, urbanização, desigualdade sócio-espacial.


The influence of the agroindustrial investment in the urban socio-spatial distribution of the city of Chapecó in the south of Brazil (Abstract)

Chapecó, a city located in the south of Brazil, is considered the most important brazilian agroindustry center, being the largest poultry meat producer and exporter of the country.  This activity was the main responsible for the economic development and for the process of urbanization of the city. 

This study analyzes the urban transformations occurred in Chapecó on account of the implementation of the agroindustries and the accelerated population increase caused by it because of the constant migration of workers in search of a job in the sector.  From 1970 to 1980, its population tripled, presenting in the period the growing tax of 11 per cento per year. This accelerated urbanization process brought considerable social and spatial consequences, mainly due to the deficiency of state-owned actions compatible with the growth. 

The agroindustry becomes, together with the State, a determinant factor in the economic-regional imbalance, economic polarization and growth of migratory flow, also influencing in the amplification of partner-spatial differentiation in the inner urban context, dividing and stimulating the segregative process.

Key words: agroindustrial investment, urbanization, socio-spatial differentiation.


O Brasil tornou-se, nesses últimos 30 anos, o maior exportador de carnes de aves do mundo e o terceiro na produção desse produto, só perdendo para Estados Unidos (16.162 mil toneladas) e China (10.350 mil toneladas). O país produz 9.335 mil toneladas de frango por ano e exporta 2.713 mil toneladas principalmente para a Ásia, Oriente Médio e Europa. Essa liderança é conseqüência da atividade de um grande complexo de agroindústrias instaladas em uma região no extremo oeste do Estado de Santa Catarina, situado no sul do Brasil. Neste pólo agroindustrial destaca-se a cidade de Chapecó, onde se localiza uma das maiores produtoras e exportadoras mundiais de carne de frango: a empresa Sadia S/A, que exporta para mais de 100 países no mundo. O sucesso da produção agroindustrial na região e, principalmente, da indústria Sadia, em Chapecó, se deu graças à organização produtiva que a empresa formou desde o início do seu funcionamento, na década de 70, envolvendo pequenos produtores rurais e a indústria em um sistema de parceria. É o chamado sistema de integração, que hoje, assim como em todo o período agroindustrial na região, é o grande responsável pelo êxito da produção agroindustrial. Nesse sistema ocorre um esquema normativo de parceria entre o pequeno produtor rural e a empresa, na qual o primeiro produz para a indústria e esta se compromete com o fornecimento de assistência técnica e de insumos para a produção (animais novos, vacinas, ração e outros). Ao agricultor cabe a responsabilidade de acompanhar a evolução tecnológica da empresa para alcançar o padrão de aceite do produto pela indústria para exportação. Com isso, a indústria nunca precisou ter áreas de criação e de produção da matéria-prima, mas construiu, devido à magnitude de sua produção, um monopólio e o controle sobre os pequenos produtores familiares, onde, só permanece no sistema de integração quem se associa à empresa e consegue manter os níveis de exigência da produção ditados por essa. Os demais são removidos do sistema, já que não tem para quem vender seus produtos. Os que não conseguem acompanhar o nível de normas e de investimentos exigidos pela indústria são obrigados a abandonar essa atividade produtiva e, muitas vezes, migram para a área urbana para tentar a sobrevivência que no campo não foi possível. Esse processo de migração rural-urbana e o crescimento acelerado da população originaram muitos dos problemas urbanos de Chapecó.

O sucesso mundial da agroindústria Sadia, assim como de outras empresas da região que se destacam internacionalmente no setor de alimentos, decorre, portanto, também devido à exploração dos pequenos produtores familiares do interior do Brasil. Com o sistema de integração, o prejuízo devido a qualquer variação na política econômica, ou uma crise cambial ou ocorrência de peste na criação acabam recaindo sobre o pequeno produtor rural familiar, e não sobre a empresa, já que esta se exime da responsabilidade de compra da matéria-prima em momentos de crise do consumo. A dificuldade em manter os níveis de investimentos tecnológicos na produção rural exigidos pelas agroindústrias, também contribui para o êxodo rural-urbano que, se reduziu os custos de reprodução da força de trabalho e de produção industrial,  gerou também o rebaixamento das condições de vida do trabalhador e a formação dos espaços de pobreza que se desenvolveram nas últimas décadas ao redor das indústrias e nas periferias de Chapecó.

Chapecó: a agroindústria e o espaço urbano

Figura 1
Localização de Chapecó no Estado de Santa Catarina


Fonte: PMC
Elaboração da autora

O trabalho analisa o impacto do capital agroindustrial no processo de estruturação urbana desigual de Chapecó, município de médio porte localizado no interior do Estado de Santa Catarina. Com 164.803 habitantes (IBGE, 2007), Chapecó se constitui num importante pólo regional do oeste catarinense, principalmente devido à concentração das maiores empresas agroindustriais do país e à sua alta capacidade de polarização econômica na região graças às diversas atividades produtivas e de serviços. Dentre as principais empresas aí instaladas destacam-se a Sadia S/A e a Aurora, duas das maiores indústrias de carne de aves e de suínos do país, que contribuem para que a região oeste de Santa Catarina, o próprio Estado e o Brasil se tornem hoje os maiores exportadores de carne de aves do mundo.

Instaladas em Chapecó no final da década de 1960 e início de 1970, durante o governo militar brasileiro, as agroindústrias foram favorecidas por uma política estatal de forte incentivo à industrialização e de descentralização econômica, geradora de pólos regionais. Nesse período a população urbana do município era de apenas 18.668 habitantes. Com incentivos fiscais e facilidade de financiamentos, as agroindústrias desenvolveram-se rapidamente e tornaram-se as principais responsáveis pelo acelerado processo de urbanização do município, em função de seu grande poder de atração da população migrante, que deixava o campo em busca de emprego na indústria e de melhores condições de vida. Em 1980, aproximadamente uma década depois da implantação das agroindústrias, a população urbana já era de 53.181 habitantes, o que significa que, em menos de 10 anos, a população triplicou.  A manutenção de uma taxa de crescimento populacional de 11 per cento ao ano trouxe conseqüências consideráveis para organização espacial urbana da cidade, já que as políticas públicas e sociais, o planejamento e os investimentos públicos não acompanharam as novas demandas urbanas e sociais que toda essa população migrante necessitava. O governo municipal de Chapecó, que dependia cada vez mais economicamente das agroindústrias, dirigiu suas ações prioritariamente para os interesses destas. Assim o Estado, em suas esferas municipal, estadual e federal, definiu incentivos, investimentos e áreas de expansão urbana, de acordo com os interesses dos setores industriais. A conseqüência desse processo é sentida hoje nos inúmeros problemas urbanos decorrentes do direcionamento das políticas públicas urbanas em função prioritariamente do capital industrial. Atualmente a cidade apresenta sua população urbana segmentada, inclusive espacialmente, com a concentração da localização residencial dos dirigentes vinculados aos setores industriais e empresariais, inclusive das empresas relacionadas às indústrias([1]), e um grande contingente populacional de baixos rendimentos nas áreas periféricas. Com as agroindústrias, e também em função das políticas econômicas das últimas décadas geradoras de forte concentração de renda, começaram a surgir os densos bairros operários periféricos com baixíssimo nível de infra-estrutura e renda, enquanto que a área central é reservada aos grupos sociais de alta renda para onde é canalizada a maior parte dos investimentos, consolidando, então, evidente processo de segregação sócio-espacial urbana. (figura 2 e figura 3).

Figura 2
Extremos de renda em 2000
Concentração populacional de menor renda nas áreas próximas às agroindústrias (a oeste) en quanto as àreas centrais são ocupadas pelos

Figura 3
Concentração populacional em 2000.
Maiores densidades populacionais em áreas de recente ocupação próximas às agroindústrias.
São bairros operários de difícil acessibilidade, isolados da malha urbana consolidada e com rendas mais baixas

Elaboração própria, Censo 2000/IBGE.

Deve-se observar nesse contexto, que a concentração residencial da população com renda mensal mais elevada vem se mantendo nas áreas urbanas centrais, afastadas do quadrante noroeste que reúne a maior concentração das instalações agroindustriais e as principais vias de trânsito regional. Por outro lado, as áreas residenciais da população mais pobre localizam-se nas áreas periféricas, com maior índice de densidade populacional e nem sempre próximo das  grandes agroindústrias.

Na última década, a expansão das grandes empresas agroindustriais de Chapecó se efetivou, principalmente, através da descentralização de suas unidades de produção para outros estados e regiões do país. Para efetivar essa expansão territorial as agroindústrias contaram com os incentivos fiscais do poder público, assim como pela renovação tecnológica de sua produção e de seus centros de pesquisa, os quais permitem a dispersão geográfica (Santos, 2001:158). A ampliação dos circuitos espaciais da produção e a renovação tecnológica foram também estratégicas para os interesses de ampliação da produção e de exportação das empresas, fortalecidos pelas políticas governamentais de incentivos à exportação. Apesar da expansão territorial das unidades de produção e do expressivo aumento de seu ritmo de produção, no plano intra-urbano de Chapecó, e diferentemente das décadas de 70 e 80, não houve na última década repercussão expressiva no tecido urbano, já que as a adoção de novas tecnologias de produção, não exigem mais um grande número de operários com baixo nível de instrução, o que refletiu também na diminuição das taxas de migração no município nos últimos 10 anos. No entanto, a exigência de mão-de-obra especializada e a influência das agroindústrias na rede industrial e comercial do município, assim como sua localização consolidada no espaço urbano, agravam os problemas sociais e urbanos da cidade, uma vez que, ainda que com taxas de crescimento reduzidas, mantém a lógica segregativa de estruturação urbana, onde o Estado, com baixa capacidade de investimento, concentra seus investimentos nas áreas de interesse da população dominante e das agroindústrias. Portanto, a agroindústria, ainda que com a alteração da forma de sua expansão (não física no espaço intra-urbano, mas no espaço nacional), ainda mantém sua influência não mais tão intensamente na distribuição da população no espaço urbano, mas nos desníveis de renda entre a população operária da agroindústria ou ramos ligados ao setor e os proprietários dessas empresas. Concretiza a lógica segregativa de localização da população no espaço e acirra as diferenças sócio-econômicas espaciais da cidade. Se nas décadas de 70 e 80, havia uma expansão territorial da classe de menor renda e isso era importante para a indústria, nos anos 90 e 2000, essas áreas densificam-se aumentando o abismo entre as mais altas rendas que ocupam o centro da cidade, e de mais baixa renda que se mantém nas periferias ao redor das indústrias.

Tomando o caso de Chapecó, este artigo analisa como o capital industrial, direcionou o processo de estruturação urbana dos municípios de médio porte brasileiros e a distribuição desigual dos investimentos públicos, fortalecendo as contradições e a segregação sócio-espacial.  Esse direcionamento se efetiva através de pressão sobre o poder local, procurando intervir nas decisões sobre as políticas urbanas, na localização dos investimentos públicos e na elaboração das legislações urbanas, viabilizando os interesses do capital agroindustrial. Verifica-se, deste modo, a influência das grandes empresas capitalistas industriais no processo decisório estatal sobre o espaço urbano, devido a sua magnitude econômica e, conseqüentemente, o seu poder político. Sendo assim, muitos dos interesses “privados” da agroindústria no espaço urbano se embaraçam como decisões consentidas pelo Estado, acompanhados por um discurso ideológico que busca fazer com que os interesses do capital industrial possam aparecer como sendo os interesses da maioria. 

Essa relação de proximidade entre a agroindústria e os poderes executivo e legislativo fica evidente, no caso de Chapecó e região, por exemplo, se levarmos em consideração que as três maiores agroindústrias da região, Sadia, Perdigão e Chapecó Alimentos, sempre tiveram representação nas esferas municipal, estadual e até federal. Deve-se observar que essa representação ocorreu em diferentes momentos políticos do país, desde a ditadura militar até o atual governo, quando o presidente do Conselho de Administração da Sadia, Luis Fernando Furlan, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Governo Luis Ignácio Lula da Silva. Os dirigentes ou representantes das agroindústrias, portanto, foram prefeitos, vice-governadores, deputados federais, ministros, com poder para interferir em políticas e investimentos públicos e em incentivos para o setor agroindustrial, o que transformou a região em destaque mundial na industrialização de carnes de aves e foco de inúmeros investimentos públicos de incentivo ao capital, em detrimento do social.

A relevância econômica do capital agroindustrial

O Brasil tornou-se o terceiro maior produtor de carnes de aves do mundo e o primeiro na produção para exportação e o setor de aves é destaque nas exportações de carnes brasileiras, correspondendo a 55,9 per cento das exportações, enquanto que a carne bovina significa 31,12 per cento e a carne suína 10,29 per cento. Segundo a ABEF, o país produz 9.335 mil toneladas de frango por ano e exporta 2.713 mil toneladas do mesmo produto principalmente para a Ásia (28,2 per cento das exportações), Oriente Médio (28,1 per cento) e Europa (35,9 per cento). Na produção, o país só perde para os Estados Unidos (16.162 mil toneladas) e China (10.350 mil toneladas).

O maior produtor e exportador brasileiro de carne de frango é o Estado de Santa Catarina, responsável por 13,71 per cento da produção nacional e 27,94 per cento das exportações brasileiras. Essa condição de liderança no setor é devida à presença das maiores agroindústrias do país na região oeste do estado a partir da década de 50, tendo seu auge na década de 70.  A condição de liderança na produção e exportação das empresas catarinenses e, principalmente as agroindústrias de Chapecó, as tornam destaque no comércio internacional de alimentos, sendo o Brasil responsável, em 1993, por 7,82 per cento da produção mundial de carne de frango e 14,80 per cento do comércio internacional, sendo que a empresa Sadia representava 1,20 per cento da produção mundial e 14,80 per cento do comércio internacional (Espíndola, 1996, p.42).

Entre as agroindústrias catarinenses que se destacam nacionalmente estão as empresas Sadia S/A, a agroindústria Aurora, a Ceval Alimentos (atual Bunge) e a Chapecó Alimentos (que encerrou suas atividades em 2002), em Chapecó, a empresa Perdigão, em Videira, a unidade Sadia, em Concórdia, e a indústria Seara, em Seara, municípios situados no oeste do Estado.

Dentre essas se destaca a empresa Sadia, a maior empresa privada do estado e a pioneira da indústria de alimentos do país (quadro 1). A Sadia S/A foi criada em 1944 no município de Concórdia, tendo sua estrutura de produção expandida no início da década de 70 para o município de Chapecó, além de outras unidades pelo país. Hoje, com uma estrutura extremamente complexa que envolve, inclusive, escritórios fora do país, como Milão, Tóquio e Dubai (Costa, 2005), é a maior empresa privada de Santa Catarina e a maior produtora e exportadora de carnes de aves do país. A instalação da Sadia em Chapecó ocorreu por necessidade de expansão do seu capital, uma vez que teve um crescimento rápido na sua produção, principalmente com a instalação de uma filial em São Paulo em 1948, e com o início da criação e beneficiamento da carne de peru, setor do qual se tornou líder. Além disso, Chapecó já apresentava infra-estrutura urbana consolidada (aeroporto, energia elétrica, redes de estradas, sistema bancário, comércio especializado, etc), possuía uma zona agrícola rica em milho e soja, facilitando a criação das aves (Corioletti, 1999, p.46), e o governo local também ofereceu para a empresa diversos incentivos fiscais, a doação de terreno, os serviços de terraplanagem e de abastecimento de água.

A presença das maiores empresas brasileiras de produção e exportação de carne de frango na região oeste e o fortalecimento do seu poder econômico e, conseqüentemente político, foram fundamentais para o desenvolvimento dos municípios que compõem o oeste do Estado de Santa Catarina, tanto econômica, política quanto socialmente, refletindo na lógica de estruturação urbana e rural destes.

A maior concentração das empresas líderes no mercado de carne de aves nacional localiza-se no município de Chapecó, o que o faz ser considerado a capital brasileira da agroindústria (PMC, 2008). Essa concentração demonstra a força do capital agroindustrial econômica e politicamente, influenciando nas decisões e na lógica de organização do município, seja social ou espacialmente.

 Chapecó, que desde a década de 50, assumia o papel de pólo regional, tornando-se referência para os municípios vizinhos, inaugurou sua produção agroindustrial com a empresa Chapecó Alimentos, instalada no início da década de 50, e que logo se tornou uma das maiores indústrias da região. Mas só a partir da década de 70 é que o município recebe os maiores investimentos na produção industrial, com a instalação da Sadia S/A, Aurora e Ceval Alimentos. A sua condição de pólo regional, a presença das agroindústrias, a estrutura produtiva agrária/urbana regional frágil e o sistema agroindustrial de produção desigual implantado na região, incentivaram o processo migratório campo-cidade, que determinou grandes impactos na estrutura urbana de Chapecó.

Assim, a atividade agroindustrial, principal responsável pelo desenvolvimento econômico de Chapecó, também foi responsável pelo seu processo de urbanização acelerado. Desde a década de 70 o setor agroindustrial é o maior contribuinte na arrecadação do município, assim como absorve parte considerável da mão-de-obra da cidade. Segundo dados da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina e da Prefeitura Municipal de Chapecó, em 2004, a agroindústria foi responsável por 14 per cento do valor adicionado ([2]) total do município e 17 per cento do setor industrial e comercial, absorvendo, em 2005, aproximadamente 60 per cento do pessoal ocupado no setor de indústria de transformação e 20 per cento do total de pessoal ocupado do município. Em 1980, aproximadamente uma década após a instalação dessas empresas, já eram responsáveis por 24 per cento do valor adicionado total do município e 44 per cento do valor adicionado do setor industrial e comercial da cidade. A diminuição relativa atual da participação do setor deve-se à dinâmica acelerada do desenvolvimento econômico do município, principalmente de setores ligados à própria agroindústria: setor de transporte, embalagens, metal-mecânico (produção de maquinários), além dos setores necessários devido ao crescimento acelerado da população no período (comércio e serviços).

A relevância política do capital agroindustrial na região oeste de Santa Catarina

A agroindústria, no oeste de Santa Catarina, surge na década de 50, como resultado da acumulação de capital de alguns comerciantes que faziam a intermediação entre o comércio de suínos vivos criados na região e o mercado consumidor de outras partes do país. A região já se destacava como produtor e fornecedor de suínos para agroindústrias do Paraná e São Paulo, principalmente. Diante da disponibilidade abundante de matéria-prima, alguns comerciantes viram na industrialização das carnes na região como uma boa alternativa de desenvolvimento.

A consolidação do setor avícola, ultrapassando o suíno, se deu a partir da década de 60, com a crise pós-expansão industrial do período JK (1956-1961) (Espíndola, 1996). Com a crise, o poder aquisitivo da população brasileira baixa consideravelmente, ficando inviável o consumo de carne bovina diariamente (até então preferência do brasileiro), por ser um produto mais caro. Aproveitando do momento econômico, as agroindústrias começam a investir massivamente na produção de aves, tradicionalmente mais barata que a carne bovina (40 per cento menos), inserindo no mercado uma opção mais barata para consumo de carne, mudando os hábitos dos brasileiros. Segundo Nogueira (1998, p.56), em 1970, um brasileiro consumia, em média, 2,3 kg de frango por ano, enquanto que em 1995 aumentou para 23,2 kg. É nessa época que é instalada a filial da Sadia em Chapecó, a primeira unidade da empresa para o beneficiamento de perus.

Outro fator que determinou o sucesso e a primazia de Santa Catarina, mais especificamente da região oeste e de Chapecó foi o envolvimento político das empresas com o Estado angariando recursos e incentivos para a produção de suas empresas. Giese (1991) mostra a importância dos investimentos públicos (principalmente estaduais e federais) para o fortalecimento das agroindústrias, principalmente no período de 1970 a 1985. Durante esse período, que coincide com os mandatos dos empresários, donos das empresas industriais, as indústrias se beneficiaram de diversos incentivos e financiamentos criados pelo Estado para esse fim. É o caso, por exemplo, do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), criado em 1961, se tornando o principal agente repassador de recursos Federais aos grupos agroindustriais do Estado de Santa Catarina (Nogueira, 1998, p.81). Além deste, segundo Espíndola (1996, p.46) uma série de incentivos para o desenvolvimento agroindustrial no Estado se deu através da criação, por exemplo, em 1965 do Sistema Nacional de Crédito Rural, Fundo Geral para a Indústria e Agricultura (Funagri), Programa Agroindústria (Pagri), PROCAPE (Programa Especial de Apoio à Capitalização de Empresas) em 1975, do PROFASC (Programa para o Desenvolvimento da Indústria de Suínos e Aves em Santa Catarina), em 1976, além da criação de outros órgãos estaduais e federais que direcionavam a maior parte dos recursos dessas instâncias para as empresas agroindustriais de Santa Catarina em detrimento de outros setores (Nogueira, 1998, p.81-86).

Muitas empresas foram criadas ou compradas pelas agroindústrias catarinenses em todo o país, através desses investimentos, como forma de ampliar seus domínios nas diversas áreas consumidores do país. A partir da década de 90, ainda com o intuito de aproximar-se de mercados consumidores, de regiões com facilidade de escoamento dos produtos para o exterior (áreas portuárias) e para que a produção ficasse próxima de insumos como rações, etc., as empresas catarinenses expandem seus negócios para a região Centro-Oeste do país (que se destaca na produção de grãos, principalmente soja), e Sudeste (maior mercado consumidor e fácil escoamento de produtos). A estagnação do solo catarinense para produção de ração, a concorrência e a distância dos portos marítimos, começam a desviar, então, a atenção dos empresários catarinenses para outras regiões brasileiras. Mesmo assim, as empresas matrizes catarinenses, devido à tradição produtora e, principalmente, ao sistema de integração consolidado (diferente do que acontece no Centro-Oeste) se mantém na liderança de produção, o que demonstra que o poder destas ainda se mantém (Nogueira, 1998, p.62).

A Agroindústria e o processo histórico de distribuição sócio-espacial urbana desigual de Chapecó

Os primeiros frigoríficos para o beneficiamento dos produtos da suinocultura em Chapecó, forte atividade da região, começaram a surgir na década de 50, destacando-se a implantação da agroindústria Chapecó (1952), a primeira dentre as grandes agroindústrias que aí se instalariam. A integração do trabalho do campo com o trabalho urbano definiu, então, o sucesso da agroindústria no município (Martins e Staub, não publicado). A década de 60 consolidou Chapecó como destaque econômico da região, comercializando produtos principalmente alimentícios para outras regiões do país e para o exterior (Alba, 2002). Houve uma grande melhora da infra-estrutura através de incentivos fiscais e de financiamento por parte do governo estadual, principalmente, por meio da Secretaria do Oeste, criada em 1963, única secretaria descentralizada da capital do Estado no país (Peluso, 1991, p.300). Esta, por várias vezes, teve na sua direção o empresário Plínio Arlindo De Nes (que também foi prefeito de Chapecó entre 1955 e 1960), proprietário da Chapecó Alimentos, que acabava direcionando para a cidade e, conseqüentemente para sua empresa, os investimentos estaduais que garantiram o desenvolvimento industrial.

Todos esses investimentos estatais em infra-estrutura e o crescimento industrial foram resultantes da política econômica do governo militar, cujo auge foi o chamado “milagre econômico”, e que promoveu uma grande expansão econômica do país nesse período, às custas do endividamento externo, da política de concentração de renda, do forte arrocho salarial e da repressão política. Dentre as ações prioritárias do governo federal estava o fortalecimento do grande capital nacional e internacional e a promoção da descentralização da industrialização do país através da criação de pólos de desenvolvimento no interior do seu território, investindo grandes quantias em infra-estrutura. Chapecó fazia parte dessa política, principalmente através da consolidação da agroindústria, recebendo investimentos em sistema viário, facilitando o acesso ao município e o escoamento da produção, e de incentivos para a implantação das empresas.

As ações do Estado foram, portanto, definitivas para o sucesso agroindustrial não só através de investimentos em infra-estrutura, mas também na viabilização das condições físicas para a instalação das indústrias (doação de terrenos, serviços de terraplanagem, isenção de impostos) e dos equipamentos e serviços urbanos que a nova burguesia industrial exigia. Desde 1963, de acordo com levantamentos, o município conta com inúmeras leis de incentivo à industrialização com o intuito de atrair o capital agroindustrial para a cidade e transformar o município em um pólo industrial, de acordo com os interesses nacionais (plano de desenvolvimento do período chamado de “Milagre Econômico”).

No início dos anos 70, o capital industrial acaba ganhando força através da hegemonia das agroindústrias com a criação da Cooperalfa, Ceval (antiga Extrafino), Aurora e, principalmente, com a instalação da Sadia, em 1973. As duas últimas já nasciam como uma grande estrutura industrial, sendo a Aurora fruto da associação de empresários da região que buscavam a prosperação industrial e, a Sadia, fruto da expansão da matriz de Concórdia.

A partir dessa época, Chapecó vive, então, um intenso processo de urbanização devido, principalmente, à implantação dessas agroindústrias e à atratividade que estas produziam sobre os trabalhadores dos municípios próximos e, principalmente, os trabalhadores do campo. Estes, com a mecanização do processo produtivo, perdem os meios de sobrevivência no setor agropecuário e acabam marginalizados, excluídos do processo produtivo, sendo obrigados a dirigir-se para a cidade em busca de oportunidade de emprego (Rodrigues, 1996, p.29).

No período 1977 a 1981, Chapecó recebia em média, 40 famílias migrantes todos os dias, sejam elas de agricultores expulsos do campo, ou mesmo de trabalhadores de cidades e estados vizinhos, que viam na concentração de grande número de indústria e na condição consolidada do município como pólo regional, melhores perspectivas de emprego e de melhora de vida (Peluso, 1991).

Chapecó teve sua população urbana aumentada a um índice de 11 per cento ao ano, entre as décadas de 70 e 80, passando de 18.668 habitantes para 53.181, ou seja, quase triplicando sua população. Parte considerável desses migrantes, de acordo com levantamentos do IBGE, foram absorvidos nas atividades industriais. O número de pessoas empregadas no setor alimentício aumentou em quatro vezes, e a sua produção em 285 vezes, o que demonstra a consolidação do processo industrial e o fortalecimento das grandes agroindústrias. No entanto, não houve a absorção total do enorme contingente de mão-de-obra migrante, já que, em números absolutos, esse crescimento significou o emprego de apenas 1.571 pessoas, o que resultou nos graves problemas sociais ainda hoje presentes no município (desemprego, subemprego, aparecimento de áreas de ocupação irregulares).

A demanda por habitação, cada vez mais intensa, e o não acompanhamento de ações governamentais, principalmente de moradia, para minimizar os conflitos resultantes da diferença entre a população absorvida pelas indústrias e a população atraída por essas, provoca o fortalecimento da figura do loteador clandestino que, a partir da década de 70, vê na necessidade de moradia para a população de mais baixa renda migrante, um mercado promissor. A ausência de iniciativas por parte do Estado, de fiscalização e mesmo com uma legislação pouco restritiva (justificada pela pressão populacional), e a demanda crescente, provocou o aparecimento de inúmeros loteamentos irregulares ao redor das indústrias, descontínuas à malha consolidada.

A população urbana de Chapecó cresceu no período entre 1975 a 1980 a uma taxa de 16,08 per cento ao ano, recebendo um fluxo migratório intenso, passando a cidade de 23.000 habitantes, em 1974, para 53.181 em 1980, ou seja, mais do que duplicando sua população em menos de seis anos([3]). Esse imenso contingente populacional que afluía para a cidade, desprovido de rendimentos suficientes para se localizarem nos bairros mais centrais, valorizados por intensos investimentos municipais (POP – Programa Ordinário de Pavimentação) e até federais (CURA Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada - e FIDREN), acabam se instalando, em desacordo com o Plano Diretor aprovado em 1974, em áreas periféricas próximas às agroindústrias, em loteamentos irregulares ou aprovados pelo município com baixíssimo nível de infra-estrutura. A maioria dessas áreas se localizava afastada da malha urbana consolidada, situação essa consentida por alterações do Plano Diretor em 1977, em acordo com a pressão do capital imobiliário devido à grande demanda por habitações de baixa renda pela população migrante

Os mapas 4 e 5 evidenciam o interesse do setor imobiliário que, com a consolidação principalmente da Sadia na década de 70, começam a lotear a região na extrema oeste do município, rompendo a lógica anterior de ocupar gradativamente em círculos as regiões ao redor da área central. Ocorre, então, uma ocupação a oeste da cidade (Figura 5), descolado da malha urbanizada consolidada, ligada por uma única via de acesso de automóvel, em meio a uma região ambientalmente pouco apropriada à ocupação([4]). Essas ocupações, que, a princípio, iam contra as proposições do Plano Diretor vigente na época, são legitimadas no final da década de 70, por duas alterações de lei, uma que amplia o perímetro urbano sobre essas áreas de interesse do setor imobiliário (Figura 4), e outra que altera a lei de loteamento, desobrigando o loteador de várias exigências de infra-estrutura básica para a implantação de loteamentos. Começam a surgir os bairros operários com baixíssimo nível de infra-estrutura e renda (figura 6), assim como a se evidenciar o processo de separação sócio-espacial, com enorme parcela de responsabilidade do Estado, através do controle da legislação urbana e da concentração de investimentos.

Figura 4 e 5
Ampliação do perímetro urbano da metade da década de 70 para o final da mesma década e Localização agroindustrial em 1980

Nesse período as empresas se consolidam e ganham poder político e econômico, pressionando o Estado para tornar as áreas ao redor das suas empresas urbanizáveis, para abrigar os bairros operários de baixa renda.
Fonte: PMC, imprensa local. Elaboração: Autora.

Nesse sentido, os dados pesquisados e a análise comparativa dos mapeamentos de evolução da distribuição da renda da população entre as décadas de 70 a 2000 (Figuras 6), indicam que, ao mesmo tempo em que cresce a população operária de mais baixa renda próxima às indústrias ou nas periferias, há o aumento da concentração espacial da população de maior renda que, aumentado o padrão de vida, começa a exigir maiores investimentos na parte da cidade onde se localizam suas áreas residenciais e de lazer, de acordo com suas aspirações. Começam então, a se consolidar as disparidades sociais, uma vez que essa população ascendente, com poder de exigência ou pela sua capacidade econômica ou por sua ligação direta com o Estado, canaliza todas as benesses urbanas e ações estatais nas áreas onde se localizam, enquanto que os bairros periféricos ocupados pelas classes de mais baixa renda mantêm-se abandonados pelo poder público.

Os intensos investimentos do governo militar, privilegiando o capital industrial, fizeram de Chapecó uma referência de sucesso econômico, principalmente devido à industrialização de carne de aves e suína. No entanto, esse aumento da produtividade e enriquecimento da burguesia industrial não foi acompanhada pelo conjunto dos trabalhadores, que empobreceram ou não foram absorvidos pelo mercado de trabalho, provocando tensões e conflitos sócio-espaciais presentes até hoje no contexto urbano de Chapecó.

Por fim, vale destacar ainda, como forma de frisar o poder das indústrias sobre as decisões sobre as políticas sociais e urbanas da cidade, o processo histórico de incentivo do Estado à industrialização, principalmente ligada à agroindústria. Chapecó fazia parte da política do governo federal que delegava aos municípios do interior a missão do sucesso das indústrias de transformação de bens primários para abastecer o mercado interno e externo, transformando o Brasil, juntamente com os centros industriais que produziam bens de consumo, em uma potência econômica.

Nesse sentido, desde 1963, Chapecó conta com Leis de incentivo à instalação de empresas industriais, disponibilizando pelo Estado aos investidores, como as doações de terra, isenção de impostos, serviços de infra-estrutura, entre outros. Esses incentivos iam ao encontro dos anseios nacionais de industrialização e de acumulação de capital, e era justificado - principalmente quanto a doações de terra que necessitavam ser aprovadas em lei -, pelo acelerado aumento populacional e a necessidade urgente de criação de mais postos de trabalho demandada pelo grande contingente de população migrante.

De acordo com levantamentos iniciais, ocorreram 49 doações de terra urbanizada para as indústrias entre 1970 a 1990, o que evidencia a dinâmica de industrialização e as regalias concedidas pelo município. Além dos privilégios para a instalação das indústrias na cidade, ainda havia o atrativo e a imagem, muito evidenciado pelas autoridades municipais e pela imprensa local para o convencimento dos empresários para ali se instalar. Difundia-se que o município estava em franco desenvolvimento, com índices altíssimos de arrecadação, e que existia ainda um mercado consumidor potencial devido ao rápido processo de urbanização, e mão-de-obra abundante, além das facilidades de acesso devido aos investimentos viários do Estado para a construção da BR-282.

É interessante notar que, nesse caso, causa e conseqüência se confundem. Assim como a justificativa dada pelo Estado para os incentivos industriais era a demanda de emprego causada pelo aumento acelerado da população, este usa dessa mesma justificativa para atrair os empresários, mas nesse caso, a população já é tratada como consumidora e como mão-de-obra barata e excessiva. Cria-se um círculo vicioso em que população precisa de emprego, o Estado viabiliza as indústrias, estas atraem mais população para a cidade devido à esperança de trabalho, o Estado viabiliza mais indústrias, e assim por diante. Essas ações do Estado acabam, então, incentivando ainda mais os processos migratórios já excessivos em função dos fatores de expulsão do campo, mas não disponibilizam infra-estrutura para absorver essa população, principalmente em relação à moradia. Ampliam-se os problemas sociais, decorrentes da expropriação e do empobrecimento da população, assim como se intensificam os problemas urbanos. No entanto, no período analisado, e sustentado por essa condição de pobreza e pela espoliação urbana, foi garantida a consolidação e acumulação do capital agroindustrial e a expansão capitalista no país.

As exigências político-econômicas mundiais atuais e as Estratégias empresariais das Agroindústrias do Oeste Catarinense e a consolidação dos conflitos urbano-espaciais de Chapecó

A partir da década de 80, o Brasil sofre uma grave crise econômica, resultando em baixas de crescimento e na queda de produção industrial, decorrente das novas estratégias político-econômicas mundiais e nacionais de abertura comercial. Diante dessa crise de recessão e das políticas econômicas neo-liberais implantadas, a década de 90 exigiu das indústrias uma reestruturação do seu processo produtivo e organizacional, para manterem-se competitivas internacionalmente. Essas estratégias, cujos resultados se tornam mais evidentes nas décadas de 90 e 2000, quando há uma retomada do crescimento econômico, envolviam desde reestruturação técnico-produtiva e organizacional, novos investimentos produtivos, deslocamento/desdobramento do capital e aquisições/fusões e parcerias (Espíndola, 2005, p.5). Em relação à cidade de Chapecó, essas estratégias, principalmente tratando do avanço tecnológico, à expansão produtiva das agroindústrias aí localizadas para outras regiões brasileiras, em função da proximidade com áreas portuárias, facilitando a exportação; da proximidade a mercados consumidores (diminuindo custo de distribuição) e da matéria-prima, e à ênfase na produção para exportação, mudam a relação da indústria com o processo de urbanização do município. Se na década de 70 e 80, período de expansão física e consolidação do setor, as agroindústrias influenciavam diretamente na organização do espaço a partir dos seus interesses (seja em relação à localização de investimentos, na expansão urbana e na localização dos bairros operários de mais baixa renda); na década de 90, com os avanços tecnológicos (e conseqüente menor dependência de mão-de-obra), e com a expansão da indústria não mais física sobre o território, mas através de criação/aquisição de unidades industriais em outras regiões do país, a presença da agroindústria e a sua influência do espaço do município não se dará mais de forma tão evidente sobre processo físico de expansão e urbanização do município, mas no acirramento das desigualdades sociais, uma vez que o crescimento de sua produção se dá com a ampliação de processos tecnológicos (reduzindo o custo de produção), exigindo mão-de-obra em menor quantidade, mas qualificada e melhor remunerada, e não mais o uso intensivo de mão-de-obra barata, antes migrante da área rural. Essa mudança do padrão salarial do operário necessário, mas ainda a vigência do sistema de integração, que expulsa cada vez mais os pequenos produtores rurais do campo que não conseguem acompanhar os custos exigidos pela a agroindústria em função dos novos padrões tecnológicos e do produto final exigido para a exportação, resultando na migração dessa população para a cidade, resultam na consolidação e acirramento do processo de diferenciação sócio-espacial do município, consolidando o processo de segregação sócio-espacial dos bairros periféricos e das áreas centrais, como se percebe nos dados de IBGE de 2000 (figura 6).

Figura 6

As mudanças estratégias das agroindústrias de Chapecó, em relação a sua expansão para outras regiões do país, não significa que estas diminuíram seu crescimento (tecnológico, de investimentos ou de produção) no município. Em um primeiro momento, como indica Espíndola (2005), diante das limitações da região pela sua localização longe dos grandes mercados consumidores e das regiões portuárias para exportação, a estratégia de expandir suas plantas industriais para essas áreas poderiam significar o deslocamento gradual de sua estrutura para essas regiões, mas isso não se comprova, pois a base consistente de produção que se montou desde a implantação destas na região, ainda dão condições preferenciais pela manutenção das unidades matrizes na região. Essa base está relacionada principalmente ao próprio sistema de integração entre indústria e produtores rurais, criando um monopólio da indústria sobre a aquisição de matéria-prima rural; e a “convivência” política das indústrias com o poder local, ou seja, a relação próxima da agroindústria com as decisões políticas, econômicas e urbanas, favorecendo seus interesses (investimentos, incentivos fiscais, infra-estrutura, etc.). Essas relações, de acordo com Espíndola (2005), estão começando a ser implantadas nas novas regiões de expansão brasileiras, mas, segundo o autor, elas resistem a se consolidar.

Mesmo com as novas estratégias industriais recentes e a manutenção dessa preferência pela manutenção das indústrias matrizes na região oeste comentada, não há como negar que a grande distância das áreas portuárias para escoamento dos produtos para o exterior, são impecilhos para a futura manutenção do crescimento das agroindústrias da região oeste. Diante disso, percebem-se as manifestações bastante recentes vinculadas na imprensa estadual, dos empresários agroindustriais (através de suas entidades civis representativas - ACIC – Associação Chapecoense da Indústria e do Comércio), pressionando o Estado para grandes investimentos no setor de transporte na região com a criação, por exemplo, de um sistema ferroviário de transporte de carga ligando a região oeste, passando por Chapecó, até as zonas portuárias do Estado, facilitando, assim, o escoamento da produção. É a indústria, novamente, usando da sua influência econômica e política para pressionar o Estado para que este faça investimentos em favor de seus interesses (em detrimento das ações sociais). Mesmo dentro da estrutura intra-urbana do município, percebe-se ainda o domínio político e econômico da agroindústria. Sob a possível ameaça de deslocamento de suas plantas industriais para outras regiões do país, o poder local ainda vê-se pressionado a desviar os investimentos e políticas públicas em função dos interesses agroindustriais. Isso se dá, por exemplo, através da priorização dos investimentos para transporte de cargas, com a construção de portos-secos e anéis viários passando pelas indústrias e desviando o acesso de transporte pesado da área central da cidade; ou mesmo através da manutenção de seus privilégios em relação a sua localização na malha urbana do município, no novo Plano Diretor do Município, aprovado em 2000, que se mostra bastante incisivo para a redução das diferenças espaciais por renda, democratizando a terra, mas, apesar das manifestações em favor da coletividade, mantém a agroindústria “intacta”, mesmo com todos os problemas decorrentes dessa localização (principalmente relacionado ao sistema de acessibilidade e limitações ambientais).

Um exemplo das estratégias em busca da manutenção do seu poder competitivo frente ao mercado internacional (diminuição do custo de produção e de distribuição, diversificação dos produtos, aquisição/fusão de outras empresas no Brasil ou mesmo em outros países e o crescimento das exportações), é o caso das mudanças na Sadia, maior empresa de Chapecó e maior produtora e exportadora de carnes do Brasil. A partir da década de 90, a empresa espalhou suas unidades por várias regiões do país. Segundo a empresa, desde 1990 e, principalmente nos anos 2000, a empresa abriu filiais ou comprou unidades de concorrentes no interior do Rio Grande do Sul, no Paraná, mas principalmente no Mato Grosso e Mato Grasso do Sul (Centro-Oeste) e interior de São Paulo, além de abrir filiais comerciais na Europa, Japão, América Latina e Emirados Árabes, e fazer parcerias com empresas de todo o mundo. Hoje, no Brasil, são 14 unidades industriais, 2 unidades agropecuárias e centros de distribuição espalhados por 7 Estados. No exterior, tem representações em 11 países (Panamá, Chile, Uruguai, Argentina, Alemanha, Inglaterra, Rússia, Turquia, Emirados Árabes, China e Japão). A necessidade por competitividade, principalmente no mercado externo, obrigou-a também a diversificar os seus produtos. Hoje são 680 produtos que vão desde a exportação de carne in natura congelada até empanados e pratos prontos congelados.

Considerações Finais

Neste artigo, a partir do caso de Chapecó, procurou-se analisar como o capital industrial, forte econômica e politicamente, direcionou o processo de estruturação urbana dos municípios de médio porte brasileiros e a distribuição desigual dos investimentos públicos, fortalecendo as contradições e a segregação sócio-espacial. As análises do processo de ocupação do solo urbano em Chapecó e a trajetória territorial dos grandes capitais agroindustriais indicam o quanto este setor, influenciou e ainda influencia as desigualdades sócio-espaciais no contexto intra-urbano e regional.

Aliado ao Estado, seja inserindo-se nele, seja lhe pressionando, o poder econômico das agroindústrias garantiu-lhe o poder político necessário para, direta ou indiretamente, interferir nas políticas públicas, nas legislações urbanas e na localização dos investimentos públicos, os quais foram utilizadas como ferramentas para legitimar e concretizar seus interesses em Chapecó e, principalmente, para a manutenção do controle sobre a produção do espaço urbano e sobre o processo de acumulação. Assim o Estado, em suas diversas esferas, definiu incentivos fiscais, investimentos viários, redes de infra-estrutura, delimitou áreas de expansão urbana, regulamentou legislações, sempre ajustado aos interesses agroindustriais. As conseqüências desse processo se evidenciam nos inúmeros problemas e nas desigualdades urbanas decorrentes do direcionamento das ações do poder público prioritariamente em função do capital industrial em detrimento das políticas sociais. Parte da população migrante que foi expulsa do campo por falta de oportunidade e dirigiu-se para a cidade atraída pela promessa de emprego e de vida digna, não foi absorvida pelas agroindústrias e encontra-se muitas vezes desempregada ou subempregada. Atualmente a cidade apresenta evidentes desigualdades sociais e espaciais, com os bairros centrais destinados aos grupos sociais de alta renda, para onde se canaliza a maior parte dos investimentos, assim como para o entorno das agroindústrias. Paralelamente ocorre a expansão das periferias, aonde se concentram a pobreza, a ausência de investimentos públicos e a informalidade.

Os intensos investimentos públicos e as políticas de proteção e de incentivo às agroindústrias de Chapecó garantiram a sua expansão industrial, empresarial e territorial e um imenso processo de acumulação, garantindo que essas empresas se classificassem entre as maiores exportadores de carne de aves do mundo. Na última década, o aumento da produtividade, a renovação tecnológica e o enriquecimento e a expansão do setor agroindustrial não foi acompanhado pelo conjunto dos trabalhadores atraídos pelas empresas, que empobreceram ou não foram absorvidos pelo mercado de trabalho, mantendo-se, por outro lado, as ações privilegiadas do Estado no espaço urbano, que provocam tensões e desigualdades, consolidam a segregação sócio-espacial e reproduzem as condições de pobreza.

Notas

[1] Setores de comércio e serviços ligados à produção agroindustrial, como, indústrias de embalagens, maquinários, transporte, comércio de peças, entre outros.

[2] Valor adicionado é o valor que se adiciona a cada etapa do processo produtivo, ou seja, é riqueza gerada pela empresa através de seu processo de produção ou serviços (www.mct.gov.br)

[3] A população urbana de Chapecó, segundo o IBGE, cresceu a uma taxa de 11 per cento ao ano de 1970 a 1980, enquanto que o Brasil cresceu a 3,78 per cento ao ano.

[4] A região oeste de Chapecó possui uma topografia bastante acentuada, com a presença de vales íngremes, além de localizar a bacia hidrográfica que abastece de água parte da cidade.

 

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