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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona



MODERNIDADE E ESPAÇO, PÓS-MODERNIDADE E MUNDO: A CRISE DA GEOGRAFIA EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Guilherme RIBEIRO
Universidade Veiga de Almeida (UVA-RJ)
 geofilos@ig.com.br


Modernidade e espaço, pós-modernidade e mundo: a crise da geografia em tempos de globalização (Resumo)

A Pós-Modernidade e a intensificação da globalização conduziram alguns intelectuais a sugerir que a geografia estava em crise. Embora admitissem que o quadro histórico e epistemológico atual estivesse perpassado por tópicos referentes ao espaço, ao território e às questões geográficas como um todo, suas abordagens o levaram à conclusão de que a geografia é insuficiente como ferramenta explicativa de nossos dias. Graças a fenômenos provocados pela tecnologia da informação, velocidade dos transportes e atuação das transnacionais, criou-se um mundo desencaixado e desterritorializado, marcado por espaços vazios e lugares fantasmagóricos cuja consequência é a abolição das fronteiras e barreiras espaciais. O problema é que o significado de um discurso que aponta o fim da geografia desconhece as diversas contradições colocadas pela globalização e interdita um discurso crítico em torno da mesma, cujos elementos constitutivos são exatamente o território, as fronteiras e a materialidade do espaço como produtos de relações sociais desiguais.

Palavras-Chave: Modernidade, Pós-Modernidade, Geografia, Espaço


Modernity and Space, Post-Modernity and World: the geographical’ crisis in globalisation’ times (Abstract)

Post-Modernity and the intensification of the Globalization leaded some intellectuals to suppose that geography was in crisis. Although they admitted that the current historical and epistemological context was intertwined with topics referring to the spatial, territorial and geographical questions as a whole, their approaches leaded them to the conclusion that nowadays geography is insufficient as an explicative tool. Thanks to phenomenons provoked by the information technology, transports speed and transnational’s performance, a dislocated world and deterritorialisation was created, marked with empty spaces and spooky sites whose consequence is the abolition of the space’s borders and barriers. The problem is that the meaning of a speech that points to the end of geography is unaware of the diverse contradictions appointed by globalization and makes impossible a critical speech about this issue, which the constituent elements are territory, borders and the materiality of the space as products of unequal social relations.

Key-words: Modernity, Post-Modernity, Geography, Space


Hoje em dia, discute-se intensamente as várias maneiras de compreensão daquilo que chamamos realidade. Naturalmente, trata-se de uma questão bastante antiga. Entretanto, de tempos em tempos, ela ressurge com força total, menos por razões epistemológicas que sociais. Em outras palavras, é a própria dinâmica social que impele o debate em torno do conhecimento. Assim, nos séculos XV e XVI, a expansão marítimo-comercial européia, a Reforma protestante e a desagregação do feudalismo foram elementos fundamentais no desenvolvimento de uma interpretação racional, metódica e laica de mundo, configurando as linhas gerais do que conhecemos por Modernidade. Igualmente, a partir da segunda metade do século XX, o fim da II Guerra Mundial, a descolonização e o advento da globalização foram condicionantes empíricos na eclosão de abordagens de cunho desconstrucionista e irracionalista, refletindo a emergência da Pós-Modernidade.

Partindo deste pressuposto, dentre as várias alterações empíricas e teóricas que podem ser observadas atualmente, uma delas diz respeito ao espaço geográfico. Se devemos esclarecer que não nos filiamos a uma concepção teleológica da história dos homens, como se houvesse um projeto (econômico ou político) ou uma força maior (metafísica) a uni-los rumo a um caminho comum, é indiscutível a constatação de que os lugares tornaram-se mais próximos uns dos outros e que, cada vez mais, elementos de várias partes do globo materializam-se no cotidiano não só dos países centrais, mas também nos lugares menos privilegiados dos países periféricos. Se este é um processo histórico, é possível identificar, através de uma abordagem comparativa, determinados momentos-chave desta modificação. Aqui, foram eleitos dois deles: o primeiro é a virada do século XIX para o século XX, cujas mudanças escalares foram registradas pelo geógrafo francês Paul Vidal de la Blache (1845-1918). O segundo focaliza-se no final do século XX, onde autores de matizes, formações e topos diversos como Anthony Giddens, Zygmunt Bauman e Paul Virilio se deparam com situações onde as escalas se confundem a ponto, mesmo, de alguns decretarem o fim do espaço. Somente a título de organização da exposição, tomemos as provocantes idéias de Renato Ortiz como “paradigmáticas” desta nova etapa do conhecimento sobre o espaço das sociedades.

Vidal de la Blache, o espaço francês e o desafio da Modernidade

No decorrer do difícil processo de institucionalização da geografia como disciplina universitária, um nome se destaca dos demais, seja por conta de suas ações ou por suas reflexões: trata-se de Paul Vidal de la Blache, tido como “pai” da Escola Francesa de geografia. Participante ativo do movimento colonial e fundador dos Annales de Géographie (1891) foi um dos intelectuais que integrou o projeto de reconstrução nacional após a derrota na guerra franco-prussiana e o abalo causado pela Comuna de Paris no fatídico ano de 1871. As perdas não foram poucas: enquanto a primeira diminuiu o território francês (Alsace e Lorraine, ricas em carvão e minério de ferro, iriam fomentar a industrialização da recém-unificada Alemanha), a segunda provocou uma crise que fez lembrar os tempos da Revolução de 1789, dividindo o povo francês numa verdadeira guerra civil. Fraturados o território e a sociedade, ao adicionar as demandas advindas da empresa colonial, surge diante de nós um quadro em que as escalas nacional e internacional entrecruzam-se e exigem uma explicação.

Não é por outra razão que o conhecimento geográfico será frisado, sob diferentes pontos de vista, como algo de extrema importância. No seio de suas preocupações com o progresso civilizatório e o crescimento econômico, a doutrina liberal enfatizava a influência do clima e a exploração dos recursos naturais como dados a serem pesquisados. Admitindo o território como força produtiva, o planejamento da agricultura, comércio e indústria passava, necessariamente, por um amplo levantamento de suas especificidades (Rhein, 1982). Em termos políticos, a III República promoverá uma ampla reforma educacional. Cultuando a pátria, a ciência e a laicidade, o ensino deveria estabelecer o civismo e a harmonia entre as classes. Propunha-se um “exame coletivo de consciência” e, nesta esfera, a “educação geográfica da nação deveria ser repensada” (Broc, 1974: 547). À geografia caberá o papel de ensinar a leitura de mapas, promover excursões de campo e, com efeito, fortalecer a identidade nacional do cidadão francês. Nesse sentido, aos poucos a geografia deixava de ser um catálogo toponímico e estatístico para assumir posição estratégica nos projetos de desenvolvimento da nação e do Império franceses. Suas virtudes consistiam, entre outras, no mapeamento dos recursos naturais das colônias e na descrição da diversidade regional.

Se é verdade que a França nunca foi uma potência mundial (Braudel, 1996 [1979]), isso não a impediu de celebrar a Modernidade e ser celebrada como um de seus palcos mais gloriosos. Em 1889, Paris é a sede da exposição universal —ao mesmo tempo em que é fundada a Internacional Socialista—, cujo propósito não era outro senão o de revelar ao mundo as maravilhas técnico-científicas da indústria e a pujança capitalista na plenitude da belle époque. Todavia, a estética urbana haussmaniana, que encantava a todos e convidava ao consumo fetichista, expunha, em sua essência, a outra face da Modernidade: a exploração total e irrestrita dos povos africanos e asiáticos subjugados pelo Império. Seguindo este raciocínio, nota-se que a penetração de elementos modernos não se dá numa superfície lisa e sem atritos. Ao contrário, ela faz agitar as lentas e pesadas estruturas construídas na longa duração; faz emergir aqueles traços sólidos e consistentes que, outrora, formataram as bases das sociedades tradicionais. Traduzindo para o plano empírico, o espraiamento do modelo urbano-industrial entra em choque com as províncias e as atividades rurais. Ou, o que é a mesma coisa, o brilho da cidade-luz não ofuscava o fato de que a maior parte da França permanecia rural e camponesa.

Essa é uma questão que atravessa a III República (1871-1940). Embora os movimentos separatistas demonstrassem ser incipientes, isso não significa que a unidade nacional tenha sido construída sob o signo da passividade. Quem poderia assegurar que a noção de identidade nacional permaneceria ilesa? Em virtude de Paris monopolizar as atenções, surge um vigoroso movimento regionalista que propunha a valorização das províncias e da França como um todo. Assim, em 1900, a Federation Régionaliste Française atuaria como canal de diversas reivindicações: no terreno econômico, reclamava-se do excesso de investimentos destinados à cidade-luz; em termos sociais, atuava como retórica populista a ressaltar o povo oprimido das províncias; politicamente, era uma forma de criticar o poder central (Thiesse, 1995).

Esse aspecto não deixa de ser uma dos desdobramentos da Modernidade, e é interessante grifá-la, sobretudo, pelo seu caráter dialético. Pois, enquanto pregava-se a expansão territorial em terras afro-asiáticas e exaltava-se as benesses resultantes dessas conquistas, internamente Paris era vista como “metáfora da degenerescência cosmopolita”. Os verdadeiros valores franceses estariam preservados e deveriam ser resgatados a partir da tradicional civilização camponesa. O mesmo contraste emerge na reflexão de Vidal de la Blache: quanto à modernização da França, mostra nostalgia ao se deparar com o esvaziamento das realidades camponesas; quanto às colônias, a nostalgia dá lugar à exaltação: “Felicitemo-nos por isso, porque a empresa da colonização, a qual nossa época ligou a sua glória, seria um engano se a natureza impusesse quadros rígidos, em vez de dar margem às obras de transformação ou de restauração que estão no poder do homem” (Vidal de la Blache, 1954:46). Não por acaso, a exaltação da diversidade regional presente no Tableau géographique de la France (1903) atuava como “legitimação intelectual” para o movimento. E ambos convergiam num aspecto fundamental: o regionalismo não era uma ameaça à unidade francesa, mas sim um complemento imprescindível para seu fortalecimento (Thiesse, 1995).

Defesa da nação, mudança das feições regionais, expansionismo imperialista... a França enfrentava o desafio da Modernidade, cujo dinamismo envolve a simultaneidade entre destruição e reconstrução, a tensão entre a corrosão do tradicional e a criação do efêmero. A obra de Vidal de la Blache enquadra-se nesse contexto, e tanto os temas (regionalismo, análise de situação, relação homem-meio, circulação) quanto as categorias por ele privilegiadas (genre de vie, pays, região) refletem seu esforço de compreender a realidade do tempo presente. Além das evidentes alterações no ambiente (adaptação de espécies vegetais em ecossistemas distintos dos de origem, desvio no curso dos rios, aglomerações humanas em sítios adversos), originando uma nova paisagem que saltava aos olhos e permitia uma série de inferências sobre o passado e o presente das sociedades (Vidal de la Blache, 1908), a construção de estradas, túneis, pontes e ferrovias modificava não somente a natureza dos lugares, mas a dinâmica espacial como um todo. Em torno da indústria, inúmeros aspectos desenhavam uma nova geografia: busca de matérias-primas em outros países, mobilidade populacional, surgimento de cidades, dissolução de aldeias e vilas. Esta nova geografia, se não é uma tragédia, não deixa de ser um drama. O drama da recomposição dos lugares diz respeito não somente ao ferro e ao aço exibidos na paisagem moderna, mas sim ao fato de que, contendo o germe de novas experiências, atingia em cheio a dimensão simbólica — dimensão esta que, moldada numa escala multissecular de tempo, ligava as pessoas à sua terra, aos seus pays.

É o que Vidal retrata, na aurora do século XX, em Routes et chemins de l'ancienne France [1], onde os espaços de vivência do homem comum são resgatados, sublinhando suas práticas que criam geografias tanto materiais quanto imaginárias. Exaltava-se a França em sua vertente cultural, através dos peregrinos, da pintura e dos ditados populares. A mensagem nas entrelinhas era uma só: na transição para a modernidade, era essencial olhar o passado, pois a França fora edificada pelos camponeses que, engenhosamente, souberam lidar com as condições naturais disponíveis na escala local. Havia uma dívida de gratidão junto aos auvérnios, gascões, saboianos e tantos outros que, isolados em sua maior parte, aproximando-se aqui e ali, fizeram a grandeza da França (Vidal de la Blache, 1996-97 [1902]). Se Vidal não parece esconder uma certa desconfiança para com a Modernidade (ou, pelo menos, com uma de suas faces), isso não significa que tenha sido omisso frente à realidade emergente de então. Quando o britânico Nigel Thrift afirma que a geografia vidaliana é um “hino à França dos camponeses” (Thrift, 1996:218), trata-se de um ponto de vista que, embora tenha razão de ser, não deve induzir-nos à conclusão de que Vidal de la Blache deixou de lado a análise do mundo urbano-industrial. Évolution de la population en Alsace-Lorraine et dans les départements limitrophes, p.ex., é a prova cabal de sua atenção aos novos tempos. Combinando uma leitura econômica, histórica e sociológica, examinou o desenvolvimento da indústria manufatureira e seus efeitos, tais como a complementação da renda junto à agricultura e a concorrência frente ao trabalho domiciliar em Chaptal e Mulhouse; os prós e os contras da localização fabril nas planícies e montanhas; o aumento dos salários após a Revolução de 1789 e o afluxo de trabalhadores alemães no departamento da Moselle; a tradição patriarcal das indústrias em Lorraine e Mulhouse; e a formação da “pequena Inglaterra” na bacia carbonífera do Ruhr [2] (Vidal de la Blache, 1916).

O que podemos inferir da comparação entre o texto de 1902 e o de 1916? De um lado, um Vidal “localista” e “passadista” e, de outro, um adepto da modernidade urbano-industrial? Nada mais falso, pois o que dela deriva é a unidade na diversidade, cujas variações temáticas e interpretativas não se perdem ao acaso, mas são incorporadas intelectualmente e convergem em direção a uma profunda sensibilidade frente às metamorfoses espaciais — aliado ao esforço de apreendê-las cientificamente. Por “metamorfoses espaciais” entendo não somente a atenção às paisagem mas, principalmente, a ligação entre os lugares e a incidência de uma outra escalaridade. Nesse sentido, ele soube captar que, se de um lado os deslocamentos das populações de outrora eram “mais individuais em seu modo de agir, intimamente associados, a título de complemento, às ocupações ordinárias da vida, colocam nitidamente em relevo a personalidade daqueles que eles põem em relação. Eles não eram desses que podemos acusar por destruir os laços com o solo; ao contrário, tendiam apenas a consolidá-los, ao combinarem-se com a maneira local de viver” (Vidal de la Blache, 1996-97 [1902]), de outro lado tal aspecto estava em plena erosão, pois “quando poderíamos crer que a população estava quase fixada em seus quadros, surgiram novas condições que questionaram tal situação, como o maquinismo, a usina, a locomotiva e a mina” (Vidal de la Blache, 1916:98). Ao acompanhar de perto a obra de Vidal, oito conceitos de região foram identificados, demonstrando uma transição onde o modelo naturalista vai, lentamente, se dissolvendo diante do predomínio das questões econômicas (Ozouf-Marignier & Robic, 1995).

Seria exagero dizer que, da segunda metade do século XIX à Primeira Guerra Mundial, houve uma “crise espacial”? A Conferência Internacional de Geografia (1876) e o Congresso de Berlim (1884-1885), ocasiões em que as potências européias discutiram a partilha colonial da África e da Ásia; a constante mutação do mapa europeu, envolvendo projetos geopolíticos distintos como o surgimento de Estados-Nação (Itália e Alemanha), fim de antigos impérios (Austro-Húngaro e Turco-Otomano) e expansão territorial interna (a França napoleônica e a Alemanha bismarckiana); a renovação da geografia escolar e a institucionalização da geografia universitária pós-1870, apoiada pelo Estado, economistas liberais e ativistas pró-coloniais; e o espraiamento do binômio urbanização-industrialização não seriam, em conjunto, feições representativas desta crise? E é aqui que, vigorosamente, entra a geografia vidaliana: não como uma vertente geográfica francesa que se opunha ao germanismo imperialista (Febvre, 1991 [1922]), mas, sobretudo, como paradigma de uma era. Ela recolhe e examina as grandes questões que afligiam a Europa de então. A saber: descrição, mapeamento e exploração do ambiente; papel da cidade e da circulação “desterritorializando” antigas raízes camponesas na organização espacial do mundo moderno; conflitos entre Estados territoriais.

Além disso, a geografia vidaliana é paradigmática não apenas no campo temático, mas também no campo metodológico: mesmo com o progresso dos transportes e das comunicações a superar distâncias e adversidades naturais; no instante em que noções como proximidade e distância, interior e capital, pays e região sofriam profundas transformações, redefinindo suas formas e seus conteúdos; e quando os princípios naturalistas que regiam a découpage do mundo seriam substituídos por outros critérios, isso não significava, em hipótese alguma, a irrelevância do espaço e do território. Em oposição a esta perspectiva, sua démarche incorporava a dependência das regiões umas às outras, o imperativo de compreender as causas dos fatos através da reunião de testemunhos espalhados em vários lugares, o resgate do passado na elucidação do presente e as diferenças fisionômicas entre as regiões (Vidal de la Blache, 1899). Em torno do princípio da unidade terrestre e para além da escala cartográfica, eram indissociáveis o local e global, a parte e o todo, o detalhe e o conjunto (cf. Robic, 2004).

Crise da Modernidade, crise da geografia?

Passemos aos acontecimentos sucedâneos à II Guerra Mundial. A emergência do mundo bipolar, a reconstrução econômica da Europa e do Japão, a descolonização da África e da Ásia, a industrialização tardia dos países periféricos e a expansão do capitalismo em escala mundial agiriam como fermento na proliferação de uma ampla discussão onde a totalidade da vida social passa a ser questionada. A despeito das incontáveis controvérsias, ninguém conseguiu permanecer imune a dois grandes fenômenos da segunda metade do século XX: a Globalização e a Pós-Modernidade. Se a primeira tornou-se irreversível, a segunda ainda está em aberto. Assim, as práticas empíricas conferem novos sentidos ao espaço (e ao tempo) e, consequentemente, as representações ao seu redor também se renovam. Na política, o centro de decisões é deslocado da Europa para a URSS e os EUA; na economia, a formação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, em nome de um projeto de cooperação continental, acusa certo rompimento com a tradicional soberania das fronteiras nacionais; na esfera social, as grandes cidades consolidam-se como cenário por excelência de reprodução do cotidiano. Isso sem falar nas multinacionais, que espalham seus produtos e instalações por todo o mundo. Acompanhando este painel empírico, foi engendrada uma perturbadora crítica à ciência moderna. Focalizando, entre outras, as noções de razão, verdade, método e passado, as reflexões de Foucault, Guatarri, Deleuze, Feyerabend, Morin, Lyotard e outros tentavam dar conta de um mundo cada vez mais surpreendente em relação a valores, normas e padrões comportamentais, estéticos, sociais, políticos e de consumo. Elas apontavam em direção a uma nova epistemologia onde, naturalmente, as ciências deveriam passar por uma profunda reformulação.

Enquanto a avaliação da pós-modernidade feita pelos historiadores é, de forma geral, negativa (Wood & Foster, 1999; Cardoso, 2005), o julgamento de alguns geógrafos é diferente. Para o norte-americano Edward Soja, ao interrogar o predomínio do historicismo no pensamento crítico, questões relativas ao espaço geográfico passaram a ser observadas não mais como um epifenômeno das sociedades, e sim parte integrante e essencial de seu desenvolvimento (Soja, 1993 [1992]). A seu modo, o britânico David Harvey considera que a mutação das práticas econômicas, culturais, ideológicas e científicas a partir da década de 1970— particularmente a relação entre a modernidade e “pós-modernidade” e a transição do fordismo para o regime de “acumulação flexível”— impõe, simultaneamente, uma mudança qualitativa em nossas concepções de espaço e de tempo (Harvey, 1992 [1989]). Entretanto, há que se perguntar acerca da natureza das mesmas. Se a associação modernidade/tempo e pós-modernidade/espaço sugere uma interessante virada epistemológica — embora possa dar a falsa impressão de que trata-se de uma substituição do tempo pelo espaço ou de uma indesejada dicotomia entre ambos— a beneficiar a Geografia, de outro lado, essa mesma virada, potencializada pela Globalização, traz desdobramentos completamente adversos. No bojo de aspectos como crise do Estado-Nação, constituição de uma sociedade global, financeirização da economia e advento de novas tecnologias, admite-se também a abolição das fronteiras, a virtualização dos espaços e a desterritorialização de pessoas, mercadorias e informações. Igualmente, o território nacional perde importância frente à política ditada pelas multinacionais e seus produtos ubíquos; a parcela da população mundial que tem acesso ao consumo compartilha hábitos, gastronomia, entretenimento e vestuário; e a classe burguesa independe das restrições impostas pelos lugares.

Vejamos algumas das proposições do sociólogo britânico Anthony Giddens. The Consequences of Modernity, publicado originalmente em 1990, provoca um fértil debate acerca das ligações entre o espaço e o projeto societário que, iniciado na Europa do XV, alastrou-se por todo o planeta difundindo um modo de vida radicalmente oposto às multisseculares sociedades tradicionais. De acordo com ele, dois emblemas da Modernidade seriam a separação do tempo e do espaço e o desencaixe das relações sociais. Se, nas sociedades pré-modernas, cada “espaço” tinha o “seu” tempo, a invenção do relógio mecânico e a idealização de um horário mundial possibilitaram uma representação abstrata do tempo e, mais do que isso, o rompimento de seu vínculo umbilical a um lugar específico. Por sua vez, tal separação seria o pressuposto para a ocorrência de situações sociais que extrapolassem o espaço em que estavam inscritas. “Por desencaixe me refiro ao ‘deslocamento’ das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (Giddens, 1991: 29 [1990]). Dito de outra forma, as sociedades pré-modernas seriam encaixadas, isto é, seus raios de ação eram mais restritos, facilmente demarcados e pouco intercambiáveis umas frente às outras, ao passo que as sociedades modernas seriam desencaixadas, isto é, seus raios de ação são ampliados e seus lugares entrelaçam-se graças à circulação mobilizada por outras escalas.

Assaz interessantes, os pares pré-modernidade/encaixe e modernidade/desencaixe nos levam a comparar o grau de mobilidade entre ambos. A complementá-los, Giddens menciona aquilo que seria o reencaixe, ou seja, a “reapropriação ou remodelação das relações sociais desencaixadas de forma a comprometê-las (embora parcial ou transitoriamente) a condições locais de tempo e lugar” (idem: 83). As implicações desses processos são cruciais na sequência de seu pensamento: ao dissociar o tempo do espaço, a modernidade engendrou “espaços vazios” e “lugares fantasmagóricos”. Sobre este último, diz que “os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que está presente na cena; a ‘forma visível’ do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza” (ibidem: 27).

A posição de Paul Virilio frente à geografia é parte de um discurso mais amplo e comum em nossos dias. Sua retórica sofisticada em L'Espace Critique (1984) não esconde o fato de que acaba vendo a Geografia em uma situação delicada, e a vincula ao imaginário inscrito nas narrativas de viagem e na exploração do globo. “Hoje, diante do declínio de uma geografia transformada em uma ‘ciência do espaço’ abstrata, no exato momento em que o exotismo desaparece com o desenvolvimento do turismo e dos meios de comunicação de massa, não seria oportuno questionar com a máxima urgência o sentido e a importância cultural das dimensões geofísicas?” (Virilio, 1993 [1984]: 117 ). Porém, o que ele quis dizer ao proclamar a geografia como uma abstrata ciência do espaço? Acaso poderia ser algo semelhante ao “espaço fantasmagórico”, de Giddens[3]? Segundo o francês, a dicotomia próximo/distante cessou, posto que os locais são mutáveis entre si via satélite; a realidade geopolítica do urbano cedeu a vez aos sistemas de dados e à interface homem-máquina; a materialidade do espaço foi suplantada pela virtualidade das transmissões telemáticas; a oposição centro/periferia dissolveu-se em meio às redes... Em suma, o incremento técnico e informacional afetou sobremaneira as práticas espaciais — a ponto, mesmo, de comprometer a relevância das localizações. “Graças aos satélites, a janela catódica traz a cada um dos assinantes, com a luz do outro dia, a presença dos antípodas. Se o espaço é aquilo que impede que tudo esteja no mesmo lugar, este confinamento brusco faz com que tudo, absolutamente tudo, retorne a este ‘lugar’, a esta localização sem localização... o esgotamento do relevo natural e das distâncias de tempo achata toda localização e posição. Assim como os acontecimentos retransmitidos ao vivo, os locais tornam-se intercambiáveis à vontade” (idem: 13).

A fim de tentar responder àquilo que ficou em suspenso, façamos o exercício de pensar como Virilio: o espaço, concebido pelo plano cartesiano como sinônimo de extensão, distância, intervalo entre dois ou mais pontos, assim como o tempo das dimensões físicas da geometria, deixaram de ser obstáculos. Mais que isso, a “fratura morfológica” operada pela técnica e pela ciência do século XX criou novas formas de mensuração da vida social, tornando arcaicas aquelas representações. Logo, a velocidade flagrante das informações, mercadorias e finanças em escala global fez do espaço uma abstração, algo tão volátil quanto o capital especulativo, por assim dizer. Por conseguinte, trata-se não mais da geopolítica, a démodé estratégia territorial historicamente fundamental na constituição dos Estados-Nação, mas da cronopolítica — o arranjo coordenado e preciso do uso do tempo com o intuito de evitar a interrupção e a defasagem dos mais variados fluxos [4].

Ao empreender instigantes considerações sobre a Globalização, o sociólogo Zygmunt Bauman acaba por tomar partido das teses de Virilio: embora seja muito cedo para declarar o fim da história, o fim da Geografia estaria cada vez mais próximo! “As distâncias já não importam, ao passo que a idéia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no ‘mundo real’. Parece claro de repente que as divisões dos continentes e do globo como um todo foram função das distâncias, outrora impositivamente reais devido aos transportes primitivos e às dificuldades de viagem” (Bauman, 1999: 19). Publicado em inglês no ano de 1998, Globalization: The Human Consequences explora esta idéia sob vários ângulos, mas conserva uma premissa básica: a ligação do espaço geográfico com as distâncias e as viagens. Sob esta perspectiva, a Geografia se vê numa situação-limite: em virtude do mundo ter sido comprimido pela Globalização, seu conteúdo fulcral perdeu a substância de outrora.  No passado, a organização e o planejamento do espaço eram fundamentais na edificação de uma sociedade ordeira. Arquitetos como Le Corbusier e Niemeyer projetavam o espaço urbano na intenção de mascarar o conflito classista, funcionalizando-o segundo a hegemonia da Razão moderna. Assim concebido, o espaço vencia o tempo, posto que apagava as marcas do passado. O Estado moderno é a referência-máxima do entrelaçamento entre espaço, poder e controle social, centralizando e unificando a dispersão da população e de suas práticas econômicas, políticas e culturais em nome da Nação.

Todavia, no último quarto do século XX, “elites extraterritoriais” declararam e praticaram sua independência frente ao espaço. Para elas, não existe mais qualquer tipo de restrição espacial. Uma de suas conquistas recentes é a independência “face às unidades territorialmente confinadas de poder político e cultural e a consequente perda de poder dessas unidades” (idem: 9). Esse é um privilégio desfrutado por poucos, que fazem do mundo a sua própria casa, viajam frequentemente e vivem como “turistas” a consumir mercadorias e lugares onde quer que elas estejam. De outro lado, situam-se os “vagabundos”, para quem o espaço é uma verdadeira prisão, um peso a fixá-los em uma única escala ou, no máximo, transportá-los não segundo seus desejos e aspirações, mas de acordo com as demandas do mercado de trabalho. É seguindo esse raciocínio que Bauman redefine as noções tradicionais de Primeiro Mundo, cujos habitantes vivem no tempo e na extraterritorialidade, e Segundo Mundo, cujos moradores vivem no espaço e são indesejados em todos os lugares.

“Mundo”, “lugar”, “espaço”, “escala”, “território”... um vocabulário de conotação nitidamente (embora não exclusivamente) geográfica invadiu definitivamente o arredio terreno das Ciências Sociais e suas rígidas fronteiras disciplinares. Tendo a Globalização como ponto de partida, todos parecem ter a Geografia como condição de passagem para seu entendimento. De uma hora para outra, os geógrafos, habituados a escrever para seus pares — e, muitas vezes, a caminhar em círculos sem sair do lugar —, foram atropelados por uma avalanche de interpretações acerca do espaço provenientes de outros campos do conhecimento.

O sociólogo brasileiro Renato Ortiz ilustra bem tal situação. Dialogando com economistas, antropólogos, historiadores e geógrafos — dentre os quais, não por acaso, estão Giddens e Virilio —, Mundialização e Cultura (1994) traz consigo uma série de provocações para os estudiosos da espacialidade da vida social. A globalização [5] como um fenômeno típico do século XX, a necessidade de incorporar o mundo como objeto analítico e a manifestação de uma cultura internacional-popular, estes últimos ultrapassando o clássico recorte nacional no qual as Ciências Sociais costumam se debruçar, ilustram bem as polêmicas do livro. Sua premissa é a “existência de processos globais que transcendem os grupos, as classes sociais e as nações. Ele tem como hipótese a emergência de uma sociedade global” (Ortiz, 2003 [1994]: 7).

Um de seus argumentos é o de que a mundialização tornou-se empiricamente constatável —não somente para as elites extraterritoriais de Bauman, mas mesmo no cotidiano do homem comum—. A cultura é a janela privilegiada para observar esse fenômeno. No entanto, ao invés de adotar a tese da americanização do mundo e ressaltar o poder econômico de empresas como Levi’s, Coca-Cola e McDonald’s, Ortiz vai além e sustenta que a novidade diz respeito ao fato de que usar calça jeans, beber refrigerante e comer em fast-foods são práticas sociais reproduzidas mundialmente. Explorando esta trilha, admite também o que denomina de memória internacional-popular, onde estrelas de cinema, cantores de rock e marcas de cigarro construíram um imaginário coletivo popular. É por isso que a sensação de surpresa e encantamento ao visitar a Disneyworld logo vira frustração, já que seus personagens e paisagens são por demais familiares, através da massificação dos desenhos da tv e das revistas em quadrinhos que assistimos e lemos no conforto de nossos lares.

Porém, o esforço mais interessante —podendo mesmo ser considerado um “paradigma” de como parte dos intelectuais contemporâneos examina o espaço— é o de buscar observar estas variáveis não como um brasileiro, mas como um cidadão do mundo, desterritorializado de qualquer enraizamento. A explosão de lugares antes longínquos e agora “simultâneos”, o aumento brutal da velocidades e a construção de gigantescas redes de informação on-line fizeram com que Ortiz se sentisse na necessidade de mundializar-se tal e qual a Coca-Cola, o McDonald’s e os filmes de Hollywood. Aqui, “mundializar-se” significou tentar abstrair-se de todo e qualquer topos, isolando-se de influências locais para captar experiências verdadeiramente mundiais/mundializadas. “Fiz todo um esforço para desterritorializar-me, inclusive, minha escrita. Neste sentido, não falo como brasileiro, ou latino-americano, embora saiba que no fundo é impossível, e indesejável, liberar-me totalmente desta condição. Mas como “cidadão mundial”. Alguém que, situando-se num determinado lugar do planeta, resolveu enxergá-lo de todos os pontos (mesmo tendo consciência de que meu esforço é limitado). Não quero com isso desvalorizar uma visão territorializada. Mas, creio, a reflexão deve alçar vôo, despreendendo o pensamento do peso de nossa herança intelectual. Talvez dessa forma possamos compreender a problemática nacional com outros olhos” (idem: 9, grifo nosso).

Interpretações e grafias alternativas

Independente da existência ou não da pós-modernidade, o momento atual é de fertilidade epistemológica. Na esteira da crítica à Razão objetiva, formal e metódica, os limites entre os saberes foram abalados, as ciências nutrem-se mutuamente, conceitos tradicionais estão sendo redefinidos e surgem novas categorias. Isoladamente, tais aspectos pouco representam; porém, em conjunto, apontam para novas necessidades teórico-metodológicas provenientes da dinâmica empírica carreada pela Globalização. Nesse contexto, os geógrafos foram convocados à discussão. Precisaram —e ainda precisam— sair da tranquilidade de sua comunidade para responder às polêmicas e desafios colocados pelo campo científico na aurora do século XXI. Tais desafios são, pelo menos, de três ordens: empírico, epistemológico e político. Sobre o primeiro, alguém já disse que explicar o Mundo Bipolar, p.ex., era um pouco mais fácil que a realidade atual. A Nova Ordem Mundial, o ressugimento dos nacionalismos, as migrações dos países periféricos rumo aos países centrais, a questão ambiental, a qualidade de vida nas grandes cidades e o papel das técnicas na produção do espaço são, entre outros, temas cruciais na agenda da Geografia no século que se inicia. Sobre a epistemologia, a ocasião nunca foi tão frutífera, embora ardilosa: conceitos como territorialidade, desterritorialização e rede, bem como as noções de meio técnico-científico-informacional e compressão espaço-tempo, revelam uma considerável capacidade de renovação. Ao mesmo tempo, os conceitos de região, território, lugar e espaço passam por uma profunda avaliação, correndo o risco, inclusive, de serem decretados incompatíveis com o tempo presente. Incorporando os anteriores, o desafio terceiro pode ser sintetizado através da seguinte interrogação: qual o significado político do discurso que prega o fim do espaço, das fronteiras e da Geografia como um todo?

Ensaiando alguns tópicos que podem nos auxiliar a responder tal pergunta, recuperemos os argumentos de Giddens. Ainda que útil, a associação Modernidade/desencaixe é insuficiente para transmitir o enredamento envolvendo o espaço e as relações sociais modernas. “Desencaixe” nos remete à dissociação, corte, desunião. Pensemos na separação campo-cidade ou na importação/exportação intercontinental de produtos, apenas para citar dois exemplos. Posto dessa maneira, o conceito faz todo sentido. Entretanto, a dialética inerente à modernidade conduz a que todo desencaixe seja, também, um encaixe. Pessoas, mercadorias e informações desterritorializam-se de um lado para reterritorializar-se de outro. As estradas de ferro dissolvem as ruralidades, mas ao mesmo tempo aproximam pessoas; as redes de comunicação retiram a notícia de seu local de origem, mas simultaneamente as transmitem para todo o mundo; o desenvolvimento dos transportes altera a relação entre as cidades e os lugares, mas igualmente diminui as distâncias territoriais. É verdade que não podemos negligenciar o conceito de reencaixe. Porém, trata-se de mera menção, já que ele simplesmente deixa-o de lado no decorrer do livro. Em seguida, embora a Modernidade pareça prescindir do espaço, essa é apenas a aparência de uma manifestação mais profunda. Não quer dizer que ele esvaziou-se, nem tampouco que o lugar seja somente uma “aura”. Os motivos desta interpretação tem duas origens: a primeira liga-se à concepção cartesiana-newtoniana de espaço — base da cartografia moderna —, que admite-o como um conjunto de pontos dispostos sob uma superfície lisa e homogênea, onde as “coordenadas geográficas” se restringem ao formalismo matemático das latitudes e longitudes. Representando dessa maneira, tal quadro desemboca, inevitavelmente, no discurso de que o tempo suplantou o espaço.

Este é um sintoma de como a ciência tem dificuldade em romper dicotomias — ao contrário do capital, que, na prática, articula tempo e espaço sem maiores problemas. Fascinado pelas tecnologias de ponta, do mesmo modo Virilio sustenta que o tempo diminuiu o espaço. O que ele e Giddens não conseguiram alcançar passa por três direções:

(i) o esvaziamento do espaço e a consequente transformação em algo fantasmagórico é apenas a superfície incapaz de ocultar um conteúdo profundamente denso, carregado de objetos como estações de alta energia, antenas de televisão, terminais eletrônicos, torres de transmissão e outros, configurando o que o geógrafo brasileiro Milton Santos denominou meio técnico-científico-informacional (Santos, 1996). As redes e as relações virtuais inscritas via internet só podem existir quando materializadas por tais objetos, e estes possuem uma distribuição espacial concreta — e extremamente valorizada. Ligados a túneis, pontes, edifícios, universidades e fábricas, espaços urbanos (com suas metrópoles e megalópoles) e rurais (mais transformados que nunca em função das agro-indústrias), são eles que permitem a emergência de espaços virtuais;

(ii) a natureza da produção do espaço é explicada pelo filósofo francês Henri Lefebvre: voltados exclusivamente para o consumo, o capitalismo cria incessante espaços abstratos onde impera o valor de troca — em detrimento do espaço vivido, que possui apenas valor de uso (Lefebvre, 2000 [1974]). Assim, ergue-se um shopping onde antes era uma praça, um estacionamento põe fim a um campo de várzea. A impessoalidade, o não-contato e a permuta de mercadorias substituem a rua, o encontro e o intercâmbio de experiências. A pensar assim, a relação homem-máquina torna-se mais importante, e mesmo subordina, a relação homem-homem;

(iii) a adesão à imaterialidade dos fluxos informacionais e financeiros sugerem que ambos caíram na armadilha das feições exteriores. Assim como a mercadoria, cujo fetiche mascarava o fato de ser um produto do trabalho humano, tal imaterialidade desvia as atenções a ponto de obscurecer a natureza de seu teor real grafado no espaço. Não por acaso, a segunda metade do século XX foi testemunha da ideologia do “fim do trabalho”. Na incapacidade de eliminar a luta de classes, aproveitando-se da mudança na organização das forças produtivas e das relações de produção em meados da década de 70, engendrou-se uma retórica de que, graças ao avanço das máquinas — altamente robotizadas e contando com um número cada vez menor de funcionários —, o trabalho não era mais importante. O caráter político desse discurso? A impossibilidade de uma revolução social operada pelo trabalhador (Antunes, 2005 [1998]).

Passemos agora ao diálogo com Bauman, cuja extraterritorialidade dos “turistas” no âmbito da globalização parece ocorrer num mundo em que a divisão internacional do trabalho simplesmente não existe. Ainda que ele esteja atento em reconhecer a situação de restrição espacial dos “vagabundos”, onde a escala local não é uma escolha, mas uma imposição, parece não discernir que a liberdade “ilimitada” da burguesia é resultado direto da exploração do trabalho em escala mundial. Ressaltada tal condição, a situação se inverte, sendo possível afirmar que a existência e a independência dos “turistas” (léxico que admite ares de novidade e que aparenta fugir do conflito classista, mas cuja fragilidade apenas evidencia que o turista é o burguês ou o pequeno burguês) são umbilicalmente dependentes da inscrição territorial dos “vagabundos” (o proletário que vive de sua força de trabalho). O fato de que estes distribuam-se por todo o globo não invalida sua espacialidade. Pelo contrário: já em 1848, Marx e Engels faziam questão de grifar que a natureza da expansão do capital era atingir o mundo inteiro (Marx e Engels, s/d [1848]). Além disso, a proposição (simplista e dicotômica) de Bauman de que os habitantes do Primeiro Mundo vivem no tempo e os do Segundo Mundo vivem no espaço, sinaliza o tempo como algo benéfico e desejável e o espaço como maléfico e indesejável. Porém, um exame mais detido mostra precisamente o contrário, isto é, o desejo do burguês-turista de ser independente territorialmente, sua necessidade e vontade de dominar o espaço — e, assim, aproveitar melhor seu tempo, que, por sua vez, é proveniente da exploração do tempo alheio retirado da mais-valia do trabalhador-vagabundo.

Em plena Globalização, poucas coisas são tão difíceis quanto definir tempo e espaço. Aqui, qualificar o espaço como geográfico não significa outra coisa senão ressaltar sua condição humana. Tal afirmação pode soar redundante, mas ela se justifica e acaba tendo o caráter de advertência, na medida em que equiparar a Geografia aos fenômenos físico-naturais ou vê-la apenas como um ponto no espaço cartesiano é algo que persiste entre não-geógrafos. Recentemente, ao tratar da produção da diferença, o teórico da Literatura Luiz Costa Lima afirmava a necessidade de conjugá-la com o lugar onde esta é gerada e apropriada. Entretanto, faz questão de esclarecer em nota que “‘lugar’ deixa de ser apenas um índice geográfico para se tornar um condensador temporal de expectativas, possibilidades e vivências” (Costa Lima, 2003).

Da condição humana do espaço geográfico e do laço deste com o conhecimento, abre-se uma série de possibilidades. Tal constatação seria suficiente para que a tentativa de Ortiz seja encarada como algo, no mínimo, insólito. No esforço de pensar a cultura para além da recorrente associação com a escala nacional, admitindo que a mundialização criou uma sociedade global, busca observar estas variáveis como um cidadão do mundo, desterritorializado de qualquer enraizamento. Seria esta a variante sutil dos discursos anteriormente analisados? O que está em jogo aqui é enfatizar que o entendimento de um dado fenômeno implica, necessariamente, a consideração de suas coordenadas espaço-temporais. Quer se trate de um evento empírico, quer se trate de um esforço teórico, o desconhecimento de suas circunstâncias “no” tempo e “no” espaço ocasionará, certamente, uma interpretação imprecisa daquilo que se pretende conhecer. Um exemplo é a criação de perspectivas pretensiosamente universalistas, que não fazem senão dissimular os interesses locais de quem produz o discurso.

Ao empenhar-se em refletir sobre a sociedade atual a partir da escala-mundo, Ortiz recupera, sob uma nova roupagem, um traço metodológico caro ao positivismo: a neutralidade do cientista frente ao objeto de pesquisa. Despido de um ponto de referência, as dimensões do poder e da política inscritas em suas teses podem simplesmente ser dissipadas, sob o argumento de que ele é um cidadão do mundo. Não representa nenhuma classe, nação ou lugar, mas uma vaga e imprecisa sociedade global cuja justificativa maior reside no consumo global padronizado de mercadorias globais padronizadas... E, a seu modo, não deixa de contribuir para o “fim da Geografia”, já que esta tem como uma de suas faces epistemológicas mais importantes o exame da relação entre os lugares e os discursos. Como acreditar ser viável uma interpretação de qualquer fenômeno separada da cultura, do passado e do lugar, elementos indissociáveis da visão de mundo de um dado pesquisador? Em um hipotético congresso internacional onde a Globalização é o tema principal, acaso seriam idênticas as leituras promovidas por cientistas alemães, chineses, australianos, mexicanos, senegaleses e venezuelanos, ainda que todos admitam a emergência de uma sociedade global? Afinal, não é notório que exista uma “relação entre o local geohistórico e a produção do saber?” (Mignolo, 2003 [2000]: 241, grifo nosso). Em franco desacordo com a proposta anterior, a valorização das histórias coloniais e a denúncia do Racionalismo Moderno levam o argentino Walter Mignolo a pensar em termos de uma epistemologia territorial, evidenciando o fato de que existe uma geopolítica do conhecimento a ser reconhecida e levada em consideração se quisermos reescrever a história mundial.

Sugestões conclusivas

Não seria inútil aproximar nossa época àquela vivida por Vidal de la Blache: virada de século, transformações em vários aspectos da sociedade, receio de uma parcela do campo científico para com a Geografia, dimensão global dos fenômenos cotidianos. Logo, resgatá-lo como grade de leitura para averiguar a contemporaneidade não deixa de ser uma opção, pois, entre sua herança intelectual, encontram-se uma abordagem multiescalar, o exame dos “localismos” e a paisagem como portadora da temporalidade da vida social. É bem provável que não tenhamos sabido extrair toda sua fortuna: a armadilha moderna de substituir a tradição pela novidade fez com que o lêssemos ingênua e apressadamente, enquadrando-o no esquematismo possibilista contido na relação homem-meio. Entretanto, ao verificar que sua época estava diretamente ligada à apropriação, uso e modificação da superfície terrestre, Vidal opta pela Geografia. Através dela, mas sem abrir mão de sua formação de historiador, pode estudar temas candentes do presente, tais como o papel transformador da indústria na organização das regiões e dos lugares, a distribuição dos agrupamentos humanos segundo a disponibilidade do meio e as mudanças no traçado das fronteiras territoriais. Portanto, não são poucas as razões para que o consideremos um valioso intérprete da Modernidade, cujos desafios, todavia, não fizeram com que suprimisse as questões espaciais. E se seu envolvimento com o Colonialismo carece de uma crítica rigorosa, isso só reforça o conteúdo estratégico da Geografia e sua relevante penetração nos terrenos econômico, político e social.

Mais recentemente, o apelo de Milton Santos no ano de 1978 ainda ecoa entre nós: a construção de uma Geografia nova continua urgente — tanto para alguns geógrafos quanto para alguns cientistas sociais. Esta tarefa passa, fundamentalmente, pela principal propriedade do espaço geográfico: a inércia dinâmica (Santos, 1978). Os objetos geográficos são fixos, mas dados os significados que possuem para os homens, são dotados da capacidade de gerarem fluxos. Eles não se movem, mas, no entanto, participam “ativamente” da dinâmica societária. As aspas se justificam porque apenas o Homem é dotado da capacidade de ação, de transformação, de modificação; todavia, não é o espaço geográfico um mero reflexo da sociedade, algo inerte que os homens constróem e cuja influência em seu cotidiano é irrelevante. Dito de outra forma, embora o espaço geográfico como um todo seja parte integrante no andamento das sociedades, é o Homem o único capaz de movimentá-las, não possuindo portanto o espaço geográfico “leis autônomas” às sociedades. É nessa “simbiose” sociedade-espaço geográfico que a Geografia sublinha a relevância de seu conhecimento no âmbito das Ciências Sociais: qual seja, em como as sociedades, ao mesmo tempo em que constróem seus espaços geográficos, acabam por se modificar, lançando novas possibilidades e dinamismos sociais. Dezoito anos depois, novo alerta: preocupado com a direção da Globalização capitalista e ciente de que salvaguardar a Geografia fazia parte de um enfrentamento político, quando todos monopolizavam o olhar para a escala-mundo, Santos conclui A Natureza do Espaço propondo a força do lugar (Santos, 1996). Escala privilegiada para a produção de um outro futuro — mais horizontal e menos vertical, mais emocional e menos racional,  mais psicoesfera que tecnoesfera.

Decretar o fim da Geografia porque a burguesia mundializou suas redes pessoais, de mercadorias, informações e capitais é desconhecer as estratégias de “deslocalização” industrial e sua flexibilidade, diminuindo salários e refreando a organização sindical por todo o planeta; as diferenças culturais e civilizacionais entre Oriente e Ocidente; o drama dos fluxos migratórios, seja rumo aos países centrais, seja o dos refugiados de guerra na Europa, Ásia e África; a ascensão do neofascismo e a constante xenofobia na Europa, jogando por terra a ingênua noção de aldeia global; o bloqueio econômico a Cuba e as desastrosas consequências para sua população; a formação de favelas, guetos e banlieues como resultado da segregação social, racial e étnica nas grandes cidades do Brasil, Estados Unidos e França; a disputa dos países centrais por recursos naturais localizados nos países periféricos; o ressurgimento dos movimentos nacionais separatistas na Rússia, Grã-Bretanha, Espanha e algumas porções do continente africano; a batalha pelas fronteiras e territórios que, patrocinadas pela Europa, redundaram no Imperialismo e nas duas guerras mundiais...

Fim da Geografia? Sim. Desde que declarem o fim do capitalismo...

 

Notas

[1] Palestra proferida em 1902 na Sorbonne, por ocasião do Congresso Nacional das Sociedades de Sábios. Publicada no ano seguinte no Bulletin de géographie historique et descriptive, p. 115-126 e republicada em Strates [on line], n. 9, 1996-7. Crises et mutations des territoires. Disponível em http://strates.revues.org/document620.html. A versão em português deste texto será publicada na revista GEOgraphia, programa de pós-graduação da UFF, n. 16, ano 8.

[2] Diga-se de passagem que este artigo, publicado nos Annales de Géographie, passou desapercebido por alguns estudiosos do pensamento geográfico, tanto na França quanto em outros países (BUTTIMER, 1980; CAPEL, 1981; OZOUF-MARIGNIER & ROBIC, 1995; ESCOLAR, 1996; CLAVAL, 2001; GOMES, 2003 [1996]).

[3] Coincidência ou não, Virilio também lança mão de uma imagem espiritualista e fala em paisagens fantasmáticas: “a metrópole é apenas uma paisagem fantasmática, o fóssil de sociedades passadas em que as técnicas encontravam-se ainda estreitamente associadas à transformação visível dos materiais e das quais as ciências nos desviaram progressivamente” (VIRILIO, 1993:21 [1984]).

[4] “Hoje, trata-se menos de deslocar (ou de nos deslocar) no espaço de um percurso do que de defasar no tempo o instante de uma disjunção-conjunção, afluência de circunstâncias técnicas em que as aparências estão contra nós, totalmente contra nós na interface ótico-eletrônica... A separação, portanto, representava para os diferentes locais da geopolítica original (rural, comunal, urbana e nacional...) aquilo que a interrupção passou a representar para o não-lugar da cronopolítica atual” (idem, p.62).

[5] Ele faz questão de distinguir o global, vinculado aos processos econômicos e tecnológicos, do mundial, associado ao domínio específico da cultura (ORTIZ, 2003:29 [1994]).


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