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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

RUAS, CASAS E SOBRADOS DA CIDADE HISTÓRICA: ENTRE RUÍNAS E EMBELEZAMENTOS, OS ANTIGOS E OS NOVOS USOS[1]

Doralice Sátyro Maia
Universidade Federal da Paraíba
doralicemaia@pq.cnpq.br

Calles, casas y sobrados[2] de la ciudad histórica: entre ruinas y ornamentaciones, antiguos y nuevos usos (Resumen)

La investigación “la calle en la ciudad histórica: geografía histórica, cotidiano y espacialidad” tiene por objetivo analizar las transformaciones de las calles de la ciudad de de João Pessoa, en el estado de Paraíba, Brasil, en el área que se denominó histórica. Esta delimitación, aunque no corresponda con la demarcación del Centro Histórico incorpora las calles y los edificios oficialmente considerados pelos órganos gubernamentales como patrimonio histórico. La ciudad de João Pessoa, localizada en el Noreste brasileño durante más de tres siglos se centró en dos  áreas topográficas: la ciudad alta y la ciudad baja. Sus principales arterias todavía se destacan en el  “casco antiguo”. Estas han marcado la vida de la ciudad y aún hoy se destacan en su morfología: calles sinuosas y otras rectilíneas, las iglesias y  el caserío. Algunos de estos han sido reformados, otros modificados para recibir los nuevos usos, principalmente el comercial. De forma diversa, encontramos grandes casas desocupadas y completamente abandonadas, muchas de ellas en ruinas. La comunicación  presenta las transformaciones y las continuidades de las formas y de los  usos en las calles de la Ciudad Histórica en João Pessoa, área reconocida recientemente como Patrimonio Histórico Nacional.

Palabras clave: calle, ciudad histórica, morfología urbana, centro histórico, casco antiguo

Streets, houses and sobrados of the historic city: among ruins and ornaments, old and new uses (Abstract)

The research “The street in the historic city: historical geography, quotidian and espaciality "analyzes the changes of the streets in the historical area of João Pessoa, Paraíba, Brazil. This definition dosen’t  match the demarcation of the "Historic Centre" but incorporates the streets and buildings formally considered by the Government as historic monuments. The city of João Pessoa is in the northeast of Brazil. It was for three centuries focused on the Upper Town and Lower Town. Major roads still are highlighted in the "Old Town". These roads were very important in the life of the city and still are visible in their morphology: winding streets, churches and big houses. Some were refurbished, another were modified to receive new uses, primarily commercial. We can find abandoned and vacant houses, many in ruins. We aim to introduce the changes and continuities of the forms and uses of the streets in the historic city of João Pessoa, area recently recognized as a national historic patrimony.

Key-words: Street, historic city, urban morphology, historic centre, old town

As formas apresentadas pelas cidades refletem as organizações sociais, as estruturas políticas e econômicas e ainda o modo de vida dos seus habitantes. No mesmo sentido, a morfologia das cidades é desenhada e construída a partir de necessidades, de vontades e de decisões políticas e econômicas. Assim, a morfologia das cidades não é estática, e sim, histórica, pois ela é constantemente transformada. É a partir desses princípios que elaboramos a proposta de pesquisa “A rua e a cidade: geografia histórica, morfologia urbana e cotidiano” e da qual resulta o artigo ora apresentado.

Dessa forma, elegemos a cidade de João Pessoa-PB para analisarmos as transformações e as continuidades das formas e dos usos nas ruas da Cidade Histórica, área reconhecida mais recentemente como Patrimônio Histórico Nacional.

Denominamos de Cidade Histórica ou Tradicional[3] a área urbana ainda centrada nas unidades morfológicas que deram origem à cidade — margens do rio Sanhauá e Baixo Planalto Costeiro (colina) — e que determinaram a nomeação das duas compartimentações: Cidade Baixa e Cidade Alta. Tal destaque justifica-se pela própria caracterização morfológica da cidade e pela tão usual designação utilizada em descrições de viajantes, em crônicas e mesmo em documentos oficiais, como registros de imóveis, leis e posturas municipais.

No que diz respeito a João Pessoa, a literatura consultada sugere que a vida imediata nessa cidade, até meados do século XX, também foi integrativa. Realizava-se através de intensas e extensas relações diretas, que, com o passar do tempo, foram deixando de ser assim. Contudo, até ali a estrutura da cidade coincidia quase inteiramente com a vida imediata.

Sabe-se que as primeiras edificações da cidade, inicialmente nomeada Nossa Senhora das Neves e Filipéia de Nossa Senhora da Neves e hoje denominada João Pessoa, foram erguidas aproveitando a topografia local — margens de rio e tabuleiro (planalto costeiro) ou entre o rio e a colina.  No alto, surgem as primeiras ruas e as primeiras igrejas e, na parte baixa, às margens do vale do Sanhauá, foi construído um armazém para mercadorias, vizinho ao porto e à igreja de São Pedro Gonçalves. Contudo, é importante registrar que no topo do tabuleiro, ou na Cidade Alta seguindo os modelos urbanos portugueses, para “além de corresponder ao núcleo defensivo, era o local do poder institucional, militar, político e religioso, aí se localizando também o tecido habitacional com um estatuto mais elevado”. Já a Cidade Baixa “correspondia fundamentalmente às actividades marítimas e comerciais, aos respectivos serviços e equipamentos – armazéns, alfândega, ferrarias, estaleiros – e às áreas habitacionais mais pobres”. Tal conformação e organização “correspondia à estrutura física da cidade e expressava as próprias relações de poder na sociedade”( Teixeira, 2004, p. 24).

Confrontando com a antiga cidade de Nossa Senhora das Neves ou Filipéia, até meados do século XIX, a cidade da Parahyba pouco cresceu, não ultrapassando muito os seus limites originais: o rio Sanhauá e o topo da colina. É a partir do século XIX quando mudanças profundas na sociedade brasileira e as suas subseqüentes normativas marcam o ordenamento espacial - a Lei de 1835 que extingue o morgadio; a implementação da Lei de Terras de 1850, que institucionaliza a propriedade da terra e as posturas municipais que lentamente vão sendo modificadas – irão ocorrer modificações e implementações nos centros urbanos tradicionais. Como afirma Murilo Marx (1991), os traços mais regulares, áreas públicas mais definidas e amplas, revelam não só uma racionalidade, mas também “uma lógica partilha do solo, tendo em vista a comercialização” (Marx, 1991, p. 123-127). Essa concepção, mesmo que lentamente, vai se expandido aos diversos centros urbanos brasileiros, inicialmente, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza e também João Pessoa.

A partir do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, a energia elétrica, o abastecimento d’água, o saneamento e a utilização de transportes públicos (bondes) imprimem grandes alterações nas ruas da cidade no que diz respeito a sua forma e também ao seu cotidiano. Desse modo, o conjunto de normativas e de incrementos criados mais intensamente no século XIX, que implicaram diretamente na forma e na vida urbana, provocaram, por sua vez, transformações no cotidiano da rua e da cidade. A respeito do uso da rua, vale registrar as anotações de José de Souza Martins (1992). Segundo esse autor, até as primeiras décadas do século vinte, a rua não era “o lugar do público em oposição ao privado, mas apenas uma extensão do privado”, servindo principalmente de  lugar de contato entre vizinhos ou de acesso à igreja. Portanto, até início do século XX, as ruas tiveram pouca importância na vida social das pessoas. (Martins, 1992, p. 164).

Em meados do século XIX, a cidade da Parahyba caracterizava-se pela sua divisão original em Cidade Alta e Cidade Baixa, em 1850, era composto por 1084 casas, sendo 39 sobrados. (Vidal Filho, 1958, p.134). A Cidade Baixa, também conhecida pelo nome de Varadouro, era simbolizada pelo cais do Sanhauá e espaços contíguos que compunham um misto de área residencial e comercial, onde famílias de negociantes e seus caixeiros acomodavam-se nos andares superiores de sobrados. No térreo, os estabelecimentos comerciais: “armazéns, boticas, lojinhas.” (Cavalcanti, 1972, p.39). Na Cidade Alta, encontravam-se as ruas Direita, Nova, Matriz, Cadeia, Tambiá, Trincheiras, entre outras menos expressivas.

Ainda referente à Cidade Histórica, vale acrescentar que a sua expansão seguia duas direções: nordeste e sudeste. Entre essas duas, havia o sítio Lagoa, grande área alagadiça já conhecida como Lagoa, que representava um problema no que diz respeito ao controle das infecções, como também ao crescimento da cidade. No ano de 1924, Joaquim Inácio (Inácio, 1987, p. 16) registra modificações realizadas nessa área, como o saneamento e a existência de ruas que ali desembocam. Até então, as ruas de expansão da cidade eram as ruas das Trincheiras e a Odon Bezerra – Walfredo Leal que conduziam, respectivamente, a ocupação dos bairros das Trincheiras, a sudeste, e o de Tambiá, a nordeste.

Hoje, início do século vinte e um, o cenário foi bastante alterado. A cidade já não se divide tão marcantemente entre Cidade Alta e Cidade Baixa, uma vez que se estendeu além desses limites. As ruas não atemorizavam no mesmo sentido de que nos fala José de Sousa Martins e nem priorizam os encontros dos citadinos, porém, mesmo privilegiando os automóveis, as grandes manifestações políticas, as festas religiosas (procissões) e ainda os grandes eventos acontecem nas ruas das cidades. Ruas estreitas que datam do período colonial e que se mantêm apesar das transformações e outras que surgiram para simbolizar a modernidade, dando preferência à passagem dos automóveis e estendendo a cidade para maiores distâncias.

Assim, as ruas e o casario aqui analisados são aqueles da cidade construída entre o século XVI e XIX que mantém o seu traçado original ou que foram prolongadas ou ainda alteradas no período mais recente em função das intervenções urbanas e dos projetos de modernização e de restauração. É fato que a partir do processo de expansão da cidade em direção ao litoral iniciado a partir dos anos 1960 - 1970, a Cidade Histórica foi perdendo algumas das suas características. Primeiramente a de lugar de residência da camada social de maior renda, posteriormente a de centro comercial e financeiro mais dinâmico. Tal processo intensifica-se com a descentralização e a criação de centros secundários. Processo este bastante comum na dinâmica das cidades brasileiras e que muitas vezes transformam o núcleo original da cidade em uma área de inércia, como nos aponta Roberto Lobato Corrêa (1989).

A conformação da Cidade Histórica coincide com a delimitação estabelecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico do Estado da Paraíba (IPHAEP) e pelo Plano Diretor Municipal vigente. O Centro Histórico da cidade de João Pessoa foi criado no ano de 1982 através do Decreto 9.484 – IPHAEP, cuja delimitação corresponde com a cidade erguida até o século XIX. Data de meados dos anos 1980 o início dos processos de intervenções e de revitalizações do patrimônio arquitetônico do Centro Histórico da cidade de João Pessoa a partir do Convênio Brasil/ Espanha de Cooperação Internacional.

Percebe-se que são várias as ruas que compõem a Cidade Histórica. É preciso então, eleger aquelas que ainda hoje se apresentam como representações dos tempos passados e que são repletas de historicidade: conjunto do seu casario, o grande número de edificações em precárias condições, a própria morfologia, a incorporação ao Patrimônio Histórico Estadual - e mais recentemente Nacional - e ainda o uso que algumas preservam e outras apresentam como novas incorporações no cotidiano da cidade.

As Ruas da Cidade Histórica

No conjunto de ruas que compõem a Cidade Histórica, identificamos aquelas que foram caminhos para a expansão da cidade, como bem denominou Maria Stella Bresciani, “as ruas que são de início caminhos-cenários” (Bresciani, 1992, p.28), as que foram abertas e/ou transformadas a partir das decisões governamentais e que Meyer (1992) denomina de Ruas de Código de Postura, mas também as que foram “movidas” pelo pulsar econômico com as casas comerciais e os armazéns, as que abrigaram as habitações luxuosas e ainda aquelas marcadas pelo encontro, pela festa, enfim, pela vida social.

Cabe apontarmos as principais ruas que compõem a Cidade Histórica e que hoje integram o cenário do Centro Histórico, Patrimônio Nacional, onde foram implementadas ações de recuperação e de revitalização, mas também onde se encontram as casas, os sobrados de tempos passados e também as ruínas. Assim, destacamos na Cidade Baixa: Rua das Convertidas/ Rua Maciel Pinheiro; Estrada do Carro/ Rua Barão do Triunfo; Rua da Areia; Avenida Sanhauá; Rua João Suassuna; Rua Guedes Pereira; Rua Beaurepaire Rhoan, Rua da Imperatriz/ Rua da República. E na Cidade Alta: Rua Nova/ Avenida General Osório; Rua Direita e Rua da Baixa / Rua Duque de Caxias; Rua Visconde de Pelotas; Rua Tambiá/ Monsenhor Walfredo; Rua das Trincheiras; Rua João Machado.

Dentre essas, para uma melhor compreensão da sua história, da sua morfologia e do seu atual uso, elegemos aquelas que também apresentam um casario significativo da arquitetura local e nacional, mas também revelam o abandono dos seus proprietários. Inicialmente apresentaremos uma descrição da história e do atual estado das ruas: Maciel Pinheiro, Barão do Triunfo e João Suassuna na Cidade Baixa e na Cidade Alta a General Osório, a Duque de Caxias e as Trincheiras.

As Ruas da Cidade Baixa 

Rua das Convertidas/ Rua Conde d’Eu/ Rua do Comércio/ Rua Maciel Pinheiro

A Rua Maciel Pinheiro foi denominada Rua das Convertidas, pois em meados do século XVIII havia uma espécie de abrigo destinado a receber mulheres públicas que ali se recolhiam com o intuito de mudar de vida. No Segundo Império chamou-se Rua Conde d’Eu. Rua do Comércio também já foi a denominação atribuída para parte dela (do seu início até o cruzamento com a Barão do Triunfo), isto por volta do final do século XIX início do XX. Somente após a República (1889) passou a constituir uma única artéria denominada de Maciel Pinheiro. Era uma importante via da cidade, onde estava o comércio em grosso da terra. Foi a principal artéria do comércio retalhista paraibano. Existia, no período citado, comércio de comestíveis (alimentos), tecidos, calçados, ferragens e calçados. Havia tabernas, farmácias, loja de jóias, conserto de relógio, padaria, fábrica de cigarros, boticas livrarias e drogarias. Fotografias do final do século XIX e início do XX mostram que ela era, antes de tudo, uma rua muito freqüentada pelos habitantes da cidade.

Nessa rua não se encontram edificações dos dias correntes, o comércio predomina em construções cujas formas exibem um tempo passado. No que diz respeito à utilização das edificações, verificamos que, atualmente, elas sofreram grandes alterações, muito embora permaneça o predomínio de edifícios comerciais. O tipo de comércio predominante desta rua é: material de construção, elétrico, peças de carro, ferragens e de tintas. O uso do solo pode ser melhor visualizado a partir da tabela 1. Destacamos que do total de 151 estabelecimentos, 63,6% correspondem à edificações com uso comercial, 8,6% às residências e também 8,6% eram imóveis fechados, portanto sem uso no período do levantamento.

 

Tabela 1. Uso do Solo da Rua Maciel Pinheiro

Tipo de Atividade

Comércio

Indústria

Serviço

Residência

Misto

Fechado

Total

Número

e percentual de estabelecimentos

%

%

%

%

%

%

%

96

63,6

02

1,3

16

10,6

13

8,6

11

7,3

13

8,6

151

100

Fonte: Trabalho de campo – 2006.

 

Vale ainda acrescentar que a maioria das edificações é de sobrados com dois pavimentos, onde no piso inferior funcionam os estabelecimentos comerciais e na parte superior, os depósito das lojas. Alguns dos estabelecimentos fechados estão para alugar e outros são “prédios mortos” que precisam de reparos urgentes.

 

Figura 1: Rua Maciel Pinheiro a partir da esquina com a Rua Barão do Triunfo, onde se pode observar as diferentes condições das suas edificações, algumas recentemente pintadas e reparadas e outras em estado bastante precário como o prédio do primeiro plano cujo uso foi interditado.
Fonte:Trabalho de campo 2006.

 

A Estrada do Carro/ Rua Barão do Triunfo

A Rua Barão do Triunfo já foi denominada Estrada do Carro, por funcionar, desde o período colonial, como caminho que ligava a Cidade Baixa à Cidade Alta. Mudou o nome para Barão do Triunfo ao terminar a guerra do Paraguai, pois várias cidades brasileiras homenagearam os heróis daquele conflito. Não era uma das maiores ruas da cidade. Em 1850 possuía 35 casas, destacava-se por ser caminho de ligação. Considerando a topografia como um dos fortes elementos para a conformação e utilização das ruas até meados do século XIX, a antiga Estrada do Carro era o caminho preferido para ir à Cidade Alta, pois, das vertentes dos Tabuleiros, esta era uma das mais suaves. Suas edificações eram, em sua maioria, residências. A maioria dos imóveis possui apenas um pavimento. Ela foi prolongada e alargada na primeira metade do século XX.

Hoje, o cotidiano e o uso da Rua Barão do Triunfo é semelhante ao da Maciel Pinheiro. Predomina o comércio em todo o seu trecho. Distingue-se da Maciel Pinheiro, em especial, as lojas de eletrodomésticos e móveis. Observando a utilização das edificações, verificamos que, atualmente, elas sofreram grandes alterações, muito embora permaneça o predomínio de edifícios comerciais. A tabela 2 revela os detalhes do uso do solo na Rua Barão do Triunfo.

 

Tabela 2. Uso do Solo na Rua Barão do Triunfo

Atividade

Comércio

Indústria

Serviço

Residência

Misto

Fechado

Total

Número

e percentual de

estabelecimentos

%

%

%

%

%

%

%

45

69,2

00

0

10

15,4

00

0

02

3,1

08

12,3

65

100

Fonte: Trabalho de Campo realizado em 2006.

 

Os dados da tabela 2 revelam o grande predomínio de estabelecimentos comerciais (69,2%), a ausência de residências e um representativo percentual de edificações fechadas sem utilização. Verifica-se que apesar de permanecerem com a atividade comercial, característica da Cidade Baixa desde a sua origem, o tipo de comércio mudou. Outros usos deixaram de marcar estas ruas, a exemplo das manifestações populares. Já as formas, algumas permanecem, embora degradadas, testemunhando a sua história, enquanto outras foram modificadas.

Rua João Suassuna/ Rua Visconde de Inhaúna/ Rua dos Ferreiros/ Rua do Varadouro

O sítio da Rua João Suassuna corresponde a uma leve vertente do baixo planalto rumo à planície do rio Sanhauá. Esta rua unia-se à Rua Visconde de Inhaúma constituindo uma única artéria: a Rua do Varadouro e posteriormente recebeu o nome de Rua dos Ferreiros. Seus atuais limites coincidem com parte de um caminho aberto na cidade em 1592, a primeira ligação entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta. Portanto, esta rua teria surgido a partir desse caminho. Desde sua origem esteve entre as ruas mais destacadas da Cidade Baixa. Distinguia-se entre aquelas que continham os poucos sobrados da cidade, no final do século XIX e início do XX.

Prevalece o seu casario constituído por imóveis de um, dois e três pavimentos. Com respeito ao uso, Walfredo Rodrigues (1962) mostra que nesta rua havia armazéns de gêneros de estiva, algodão, acúcar, couros e sal, saboaria, fábricas de cigarros e charutos, barbearia, onde o barbeador também é arrancador de dentes e ainda uma firma de exportação de produtos. Aí funcionava também, a Junta Comercial, a Recebedoria de Rendas, a Delegacia do Tesouro Federal, a Caixa Econômica, a “Companhia de tecidos Paraibana”, a Associação Comercial da Praça da Paraíba e o Prédio da Estação de Estrada de Ferro Conde d’Eu.

A observação atual nos revela que nessa rua não se encontram edificações dos dias correntes, o comércio predomina em construções cujas formas exibem um tempo passado.  Quanto ao comércio, a rua João Suassuna possui poucos estabelecimentos. Há algumas oficinas e escritórios. Em resumo, há atividades que estão aí implantadas há muitos anos e resistem em virtude da tradição e aquelas que ali se estabeleceram há menos tempo, por não terem condições de irem para outro local, pois, esta rua, apesar de estar em sítio histórico, cada vez mais encontra-se em abandono.

As Ruas da Cidade Alta

A Rua Nova/ Rua General Osório

A Rua General Osório teve seu início com a construção da capela, onde posteriormente foi construída a catedral e que atualmente é a Basílica de Nossa Senhora das Neves. A sua edificação possibilitou e incentivou a construção de algumas casas. Essa rua merece destaque pelo caráter sagrado que apresenta. Nela podemos encontrar além da antiga matriz, a Igreja e o Mosteiro de São Bento, construídos no século XVIII. Em 1929 houve um prolongamento da mesma incorporando a antiga Rua Bento Medalha. O trecho prolongado distingue-se visivelmente da parte original.

O levantamento do atual uso do solo da referida artéria confirma a observação anterior de um predomínio de estabelecimentos com serviços e também de uso comercial, denotando-se inclusive a setorialização das lojas de equipamentos hospitalares. A tabela 3 expõe com maiores detalhes do uso do solo.

 

Tabela 3. Uso do Solo da Rua General Osório

Tipo de Atividade

Comércio

Serviço

Residência

Misto

Fechado

Ruínas

Igrejas

Total

Número e percentual de estabelecimentos

%

%

%

%

%

%

%

%

21

24,1

32

36,8

7

8,0

6

6,9

15

17,2

4

4,6

2

2,3

87

100

Fonte: Trabalho de campo – 2006.

 

Pelos dados acima, percebe-se que os maiores índices de ocupação do solo na Avenida General Osório estão representados pelas atividades de comércio e de serviços. O comércio apresenta uma concentração de lojas especializadas em artigos médicos e hospitalares, muito embora também se encontre algumas outras lojas de roupas e de material de esporte. Destaca-se também a localização do camelódromo denominado Shopping Terceirão situado ao lado do viaduto Dorgival Terceiro Neto. Quanto aos serviços predominam os escritórios de advocacia e sedes de associações. Ainda podemos registrar o prédio da Biblioteca Pública que anteriormente sediou a Escola Normal e que posteriormente foi reformada e a Casa Principal da Maçonaria.

A tabela também revela o significativo índice de imóveis fechados ou sem utilização (17%), portanto sem exercerem a sua “função social”. Verifica-se ainda que 4,7% do total das  edificações encontram-se em estado bastante precário, isto é, em ruínas, o que demonstra a falta de interesse dos proprietários em preservarem as antigas edificações, como também a ausência de uma maior intervenção do Instituto do Patrimônio Histórico do Estado da Paraíba ou ainda da fiscalização dos gestores municipais.

A Rua da Baixa/ Rua Direita/ Rua Duque de Caxias

A atual Rua Duque de Caxias dividia-se em três ruas: a Rua Direita, a Rua da Baixa e a Rua São Gonçalo. Hoje, talvez por conseqüência da história, essa divisão ainda é notória. No sentido norte – sul, o primeiro trecho coincide com a origem da cidade, inicia-se defronte ao largo da igreja e mosteiro de São Francisco e se estende até a igreja da Misericórdia. A partir desta, onde há um declive em função de um antigo córrego, se iniciava a Rua da Baixa e que ligava a Igreja da Misericórdia à Rua São Gonçalo e que margeava o antigo largo de São Gonçalo onde estavam a igreja, o seminário e o colégio jesuíta. Desde a expulsão dos jesuítas no século XVIII o antigo prédio do seminário foi transformado em palácio do presidente da província e na República em palácio do governo do Estado da Paraíba. O antigo largo foi transformado desde o século XIX em Jardim Público e na década de 1920 em Praça Comendador Felizardo, posteriormente denominada Praça João Pessoa. Em torno do antigo Jardim Público, além do Palácio do Presidente da Província, o antigo prédio do colégio jesuíta abrigou o Colégio Liceu destinado à educação masculina. No lado sul ao Jardim foi construído o prédio da Escola Normal em 1919 passou a sediar o Palácio da Justiça.

A antiga Rua da Baixa também sofreu grandes mudanças no decorrer do tempo. Inicialmente, esse trecho, era composto por residências das “figuras de projeção do passado” (Tinem, 2005, p.165), Um dos exemplos, dessas mudanças, foi a demolição da Igreja Rosário dos Pretos em 1923 para dar lugar à Praça Vidal de Negreiros e onde posteriormente foi construído um “calçadão”, rua exclusiva para a passagem de pedestres, contribuindo para a concentração de estabelecimentos comerciais.

O atual uso do solo da Rua Duque de Caxias pode ser verificado a partir da tabela 4:

 

Tabela 4. Uso do Solo da Rua Duque de Caxias

Tipo de Atividade

Comércio

Serviço

Residência

Misto

Fechado

Ruínas

Igrejas

Total

N° e % de

estabelecimentos

%

%

%

%

%

%

%

%

27

24,8

44

40,3

4

3,7

14

12,8

15

13,8

4

3,7

1

0,9

109

100

Fonte: Trabalho de Campo em 2006.

 

A Tabela 4 revela a predominância (40,3%) de estabelecimentos com atividades de serviços, destacando-se os escritórios de advocacia, alguns bancos e sedes de algumas associações. O segundo maior percentual é o dos estabelecimentos comerciais (24,8%). Destaca-se o número significativo de imóveis fechados (13,8) e ainda a existência de edificações em estado precário de manutenção (3,7), o que como já explicitamos anteriormente demonstra a falta de interesse dos proprietários em preservarem essas edificações e uma maior fiscalização por parte dos órgãos responsáveis.

A Rua das Trincheiras

A Rua das Trincheiras, também localizada na Cidade Alta, em um bairro de mesmo nome, recebeu essa denominação devido a um entrincheiramento nas proximidades de onde hoje se localiza a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, feito por temor à guerra dos mascates em Pernambuco[4]. O estudo das transformações espaciais dessa artéria mostra que de um caminho - que ligava a Cidade da Parahyba à Província de Pernambuco - passa a partir do final do século XIX a ter igual ou maior importância que as principais artérias da cidade, como a Rua Direita e a Rua Nova. A formação dessa artéria a partir de um caminho evidencia o que Horácio Capel (2002) fala em sua obra sobre o estudo da morfologia das cidades, quando diz que “Con mucha frecuencia las calles iniciales de um problamiento fueron los caminos en relación con los cuales e se constiuyó el mismo. Muchas veces dichos caminos se convirieron en la calle por antonomásia, tal como refleja el substantivo que las designa em diversos idiomas” (Capel, 2002, p. 79).

O início da ocupação dessa artéria data do final do século XVII “por uma população de baixa renda que vivia das atividades de um matadouro que ali existia e no comércio com os viajantes que passavam por esse caminho”. (Tinem, 2005, p.227). Choupanas e casas de palha eram as habitações que configuravam o cenário da Rua das Trincheiras. Nesse momento, esta rua ainda não tinha expressão na cidade, era uma rua periférica onde se instalava a população pobre da mesma.

Em 1928 a rua apresentava-se provida de calçamento, com calçadas, postes para energia e bondes elétricos, ou seja, provida de muitos dos serviços e equipamentos urbanos da modernidade, sendo assim, era uma das artérias mais requisitadas da cidade.

Atualmente, a Rua das Trincheiras possui 113 estabelecimentos distribuídos da forma como ilustra a tabela 5.

 

Tabela 5. Uso do Solo na Rua das Trincheiras

Tipo de Atividade

Comércio

Serviço

Residência

Terreno

Vazio

Fechado

Ruínas

Igrejas

Total

N° e % de estabelecimentos

%

%

%

%

%

%

%

%

6

5,3

25

22,1

59

52,2

4

3,5

15

13,3

5

4,4

1

0,8

113

100

Fonte: Trabalho de Campo em 2006.

 

Observando a tabela 5 nota-se, que ainda hoje é predominante o uso residencial na rua, correspondendo a 52% das edificações. O número de estabelecimentos voltados à prestação de serviços também é bastante significativo (22%), enquanto o de comércio é apenas de 5%. Destaca-se o índice de imóveis fechados (13,3%) e ainda o número de edificações em precárias condições ou em estado de ruína (4,4%). Nesta rua, há um diferencial das outras já descritas: a presença de terrenos vazios que nunca foram ocupados, no total de 4 e que representam 3,5% do total dos lotes.

 


Figura 2. Casario da Rua das Trincheiras
Foto: Maria Simone Moraes Soares, 2007.

 

Um outro fato considerável que se pode notar através da aplicação dos questionários é que a maioria dos imóveis dessa artéria, tantos os residenciais, quanto os comerciais e de serviços, é alugado. Para uma rua dentro de um perímetro de conservação, dentro de um centro histórico, isso dificulta a preservação do patrimônio, pois como as pessoas que aí residem não são proprietários, eles não têm maior interesse em conservar o imóvel. Além disso, muitas vezes, o desinteresse do proprietário sana-se à justificativa de que o aluguel nessa área é relativamente baixo. Assim se configura a Rua das Trincheiras, uma rua caminho que se torna residencial de alto status, mas que hoje abriga em um dado setor, atividades terciárias superiores e em outro um conjunto de casarões, estando alguns destes bastante deteriorados.

Pelo exposto, é notória a modificação no uso das ruas, que passam ao logo do tempo a perder o uso residencial, mesmo que ainda se encontrem pessoas que nelas habitam e uma ocupação mais característica das áreas centrais representada pelas atividades comerciais e de serviços. Há ainda que se destacar o fato do núcleo antigo da cidade coincidir com a área central e configurar muitas vezes o Centro Histórico da cidade, onde as edificações passam a ser reguladas por uma lei especial incorporando-as ao Patrimônio Histórico. Por conseguinte, o que deveria ser melhor preservado, muitas vezes sofre um processo inverso, o total abandono pelos proprietários que preferem que os imóveis se destruam com o tempo, do que promover as reformas necessárias. Por estas razões é que existem tantas edificações fechadas nas ruas anteriormente citadas, além das várias ruínas, ou seja, casas e sobrados que se encontram completamente depredados, restando apenas resquícios das antigas construções.

As Casas e os Sobrados: entre ruínas e embelezamentos, os antigos e os novos usos

As cidades construídas no Brasil até o século XIX possuíam casas de dois tipos marcantes, a térrea e o sobrado, respectivamente habitadas por pessoas pobres e ricas. O passar do tempo modificou a forma de construção, os materiais utilizados e o estilo arquitetônico, especialmente nos sobrados e casas de pessoas mais abastadas que podiam se dar ao luxo de residir na casa que desejasse. Assim, os sobrados, de dois ou mais andares, eram construídos obedecendo ao que havia de mais belo na arte de construir da época. As casas térreas eram comuns e podiam ser habitadas pelas pessoas de menor poder aquisitivo. Além dessas havia o tipo de habitação mais simples feita ou coberta de palha destinada às classes populares.

A arquitetura colonial brasileira predominou do inicio da colonização até meados do século XIX. Logo, as casas brasileiras neste período se caracterizaram por possuir lotes estreitos e profundos, por serem escuras – as portas e janelas eram estreitas sendo estas últimas vedadas pelas urupemas e gelosias[5] - geminadas. A padronização das casas dava às ruas estreitas e imprecisas uma certa uniformidade. Ademais, essas ruas eram definidas pelas casas que ocupavam todo o limite lateral do lote. No Império, há uma maior valorização do espaço urbano e que traz como conseqüência, nas palavras de Gilberto Freyre (2003), a diminuição de tanta casa-grande gorda e o aumento do sobrado magro, mais tarde até em chalé esguio. No que diz respeito ao lote, não houve grandes mudanças. Vale ressaltar que a construção das casas ainda dependia da mão de obra escrava, portanto os lotes continuaram com as características anteriores.

No final do século XIX e início do século XX, nas ruas traçadas nessas duas porções da Cidade Histórica, como disse Mariz (1978), já se viam muitos sobrados e casas nobres dos senhores de engenho que aqui vinham “invernar”, como também dos negociantes “ricos do Varadouro que tinham suas vivendas residenciais na própria rua deste nome, depois Visconde de Inhaúma e hoje João Suassuna, e nas ruas das Convertidas, hoje Maciel Pinheiro, da Areia, Viração, Direita” ou ainda nos sítios de Tambiá e Trincheiras. Acrescenta o autor: “Os sobrados de três pavimentos da rua do Varadouro eram armazém, morada do negociante e dormida dos caixeiros, ao mesmo tempo. (Mariz, 1978, p. 90-91).

Todas essas características anteriormente apontadas são válidas para descrever o conjunto das casas e dos sobrados que compõem as ruas da Cidade Histórica e também do Centro Histórico da cidade de João Pessoa. Outra particularidade da tipologia das casas dessa cidade é a herança rural nas edificações da cidade, fato tão marcante para as construções da então cidade da Parahyba[6].

A construção característica das habitações mais populares, as casas de palha foram proibidas de serem erguidas e mesmo reparadas a partir das exigências construtivas (artigo 53 do código de postura de 20 de setembro de 1859) além de ser determinada a demolição das existentes, que simbolizavam a insalubridade e o anti-moderno. Ressalta-se que as casas de palha eram as habitações da classe trabalhadora, dos pobres da cidade e que se faziam presentes em quase todas as ruas, excetuando-se as principais ruas da Cidade Alta onde se encontravam as melhores edificações e os melhores sobrados. O maior número de casas de palha estava concentrado emtrês ruas sem denominação”, com 86 casas de palha, na Rua Mãe dos Homens e na rua do Tanque que tinham, respectivamente, 56 e 42 habitações de palha de acordo com a descrição de Jardim (1889). Constata-se, então, a grande presença deste tipo de edificação na capital da Parahyba a despeito das leis promulgadas que determinaram a sua extinção. Nesse sentido, à proporção que a cidade da Parahyba vai se expandido, as casas de palha vão sendo destruídas nas artérias principais e construídas nas vias consideradas periféricas ou fora da área principal da cidade.

As edificações das ruas da Cidade Histórica apresentavam então as três tipologias que foram se formando, ou eram caminhos: casas de palha, casas térreas e sobrados. É certo que as casas de palha se faziam mais presentes na Cidade Baixa, muito embora nesta parte da cidade também houvesse uma concentração de sobrados onde além de serem residências eram também estabelecimentos comerciais. Como já destacamos anteriormente, a Rua Maciel Pinheiro – Rua Conde d’Eu, Rua do Comércio – desde o início se caracterizou enquanto rua comercial e residencial e foi durante o século XIX e início do século XX a rua de maior dinâmica comercial. Assim, as ruas desta artéria possuíam geralmente dois andares, sendo a parte térrea ocupada pela loja e o pavimento superior ocupado pela família do comerciante e dos caixeiros. O trabalho de campo realizado durante esta pesquisa, permitiu visualizar edificações na supracitada rua com fachadas dos mais diversos estilos arquitetônicos, desde o colonial modificado até outros mais recentes em estilo Art Decó..

Na Rua João Suassuna, 78% dos prédios possuem dois pavimentos, o que demonstra uma predominância do padrão arquitetônico do final do século XIX e início do século XX. As  fachadas das edificações encontram-se em situações diversas. O levantamento em campo constatou haver um igual percentual - 33% - das fachadas em estado desgastado e em ruínas, totalizando o percentual de 66%  e  apenas 34% com pintura recente. A rua João Suassuna chama atenção, antes de mais  nada, pela presença de sobrados em Art Decó em estado de ruína, pois a destruição, provocada pelas intempéries aliadas à falta de cuidados, chegou ao ponto de comprometer a  estrutura, o telhado e as paredes, que ameaçam desmoronar.

 


Figura 3. Antigos Sobrados na Rua João Suassuna. Observa-se a oncentração de edificações em precárias condições e poucos restaurados
Foto: Maria Simone Soares Moraes, 2008

 

Na Cidade Alta, as ruas Duque de Caxias e General Osório sempre apresentaram edificações de melhor qualidade de construção. Nem sempre eram sobrados. São várias as casas térreas que ali foram construídas. Como não eram ruas comerciais, predominavam residências planas e não assobradadas que geralmente eram utilizadas por comerciantes. As habitações erguidas mantinham a tipologia já apresentada: lotes profundos e estreitos, telhado em duas águas, ausência de recuo lateral e frontal e no estilo predominava aquele marcado pela porta e duas ou três janelas como até hoje ainda podemos constatar. Contudo, vale destacar, que mesmo sendo habitações simples, estas eram feitas em taipa socada, portanto um material resistente fazendo que muitas se preservem com a mesma estrutura e arquitetura.

Muito embora essa área da cidade seja considerada histórica, ocorre que há um certo descaso do poder público com essas ruas, como bem comenta o proprietário de uma das casas na rua Duque de Caxias, o senhor João Batista de Melo Neto, demonstrando indignação: “ essa rua apesar de fazer parte da área histórica da cidade está abandonada, o poder público não liga a mínima.” (Depoimento coletado em 28.05.06). Em contrapartida, nos últimos meses houve uma determinação da Prefeitura Municipal de João Pessoa para que as lojas e escritórios ali estabelecidos retirassem as placas de identificação das fachadas e não fizessem modificações nelas, em cumprimento ao código de posturas da cidade. Porém tal iniciativa chegou tarde, pois algumas fachadas já estão totalmente modificadas quando não em ruínas como podemos ver na figura 4.

Já na Rua das Trincheiras, mesmo estando na Cidade Alta, as suas primeiras casas como já afirmado anteriormente eram as habitações mais simples, principalmente casas de palha. Em 1875 percebe-se a partir das imagens encontradas que as antigas choupanas e casas de palha vão dando lugar a casas ainda modestas, porém de melhor estrutura, as chamadas casas térreas ou casas de “chão batido”.

No início do século XX, após o relativo crescimento econômico devido ao capital do algodão, vai acontecer a grande expansão da Rua das Trincheiras. Os ricos proprietários rurais aí erguem seus palacetes ao virem definitivamente residir na cidade. Essa rua passa a ser um dos pontos mais desejados. Para a construção dos suntuosos casarões, utilizava-se tudo que havia de mais moderno em termos de construção, como também de estilos arquitetônicos que eram lançados na Europa e obedeciam às normas da higiene.

 


Figura 4. Casarão na Rua das Trincheira, o primeiro exemplar de residência fixa na cidade pertencente a família de antigo senhor de engenho/usineiro. Observa-se a degradação da habitação e restos da riqueza da arqutietura.
Foto: Maria Simone Soares Moraes, 2008.

 


Figura 5. Vista do interior do casarão da Rua das Trincheiras (figura 4). Destaca-se além do estado da construção em ruínas, o novo uso dado ao local: estacionamento de automóveis
Foto: Maria Simone Soares Moraes, 2008.

 

A observação em campo constatou a presença de um grande número de casas de grande valor histórico e arquitetônico e em estado de conservação regular. Contudo como já foi demonstrado anteriormente, há uma presença significativa de casas em precárias condições e em ruínas. Muito embora todas essas habitações integrem o Patrimônio Histórico, que exige a manutenção do estilo original, a grande maioria já sofreu algum tipo de reforma. Há casos graves, como aqueles que não preservaram nenhuma característica original da antiga construção. Muitas realizaram adaptações às novas exigências de moradia, como por exemplo, o acréscimo de um banheiro, a retirada de uma parede para ampliação de um quarto, a mudança do telhado, portas e janelas, mudança no piso, entre outras.

Algumas residências ainda conservam a antiga estrutura de taipa, muitas vezes combinada com alvenaria. A cerâmica é o material predominante nos pisos das edificações das ruas estudadas.  

Na cobertura, a telha de cerâmica é o material mais utilizado exceto nos prédios acima de três andares e algumas outras poucas edificações. Alguns proprietários ainda têm ‘jogados’ nos seus quintais as telhas chamadas por eles de portuguesa. Nas Ruas Duque de Caxias e General Osório, constatamos que a maioria das fachadas das edificações apresenta-se em bom estado de conservação. Contudo, é bastante significativo o percentual de construções em ambas as ruas cujas fachadas já necessitam de reparos, sendo 36% na Rua Duque de Caxias e 30% na Rua General Osório.

Apesar das reformas e/ou pequenas alterações no interior e mesmo na fachada das casas e dos sobrados das ruas estudadas, constatamos que a arquitetura de épocas passadas - séculos XVIII e XIX - ainda pode ser percebida nos tipos de edificações existentes, caracterizadas pelas construções geminadas pelos dois lados e sem recuo frontal.

As Ruas e as Casas da Cidade Histórica, a Delimitação do Centro Histórico e a Implementação de Políticas do Patrimônio Histórico

A preocupação pela conservação da “cidade antigaou de alguns testemunhos desta, data de meados do século XIX. Em muitas cidades européias foram preservadas alguns prédios e monumentos antigos. A partir de meados do século XX, tornou-se comum diagnosticar os centros tradicionais das cidades, como áreas estagnadas e monótonas: “os bairros monótonos são invariavelmente abandonados pelos moradores mais ativos, ambiciosos e ricos e também pelos jovens que têm condições de sair de lá. Esses bairros invariavelmente não conseguem atrair novos moradores que se mudaram por livre escolha” (Jacobs, 2000, p. 304). Outra caracterização comum dada aos centros tradicionais é de área deserta, isto quando o processo de centralização perde força, seja pela saturação da área, seja pela expansão da cidade que permite a descentralização e por conseguinte o surgimento de subcentros. A respeito desta caracterização, Nuno Portas alerta para o fato de o que ocorre em várias cidades “e em cada uma delas remete para diferentes tipos de ‘crise dos centros tradicionais’e, consequentemente, diferentes custos de intervenção correctora”(Portas, 2005, p. 185).

Portanto, desde a segunda metade do século XX que se fala, se escreve e se implementam políticas de intervenção nas áreas antigas ou nos centros históricos das cidades. Estas políticas muitas vezes se referem às coisas distintas: ‘conservação’ e ‘restauro’ “quando se defendia que as áreas antigas monumentais deviam ser conservadas e restauradas como eram dantes, impedindo qualquer modernização do seu ambiente” (Portas, 2005, p. 155).

Já a concepção de patrimônio surge a partir da existência de um interesse coletivo a respeito da proteção de bens culturais em séculos passados (Silva, 2003, p.49). A Convenção relativa à proteção do patrimônio mundial, cultural e natural, da UNESCO ocorrida em 1972 em Paris define três categorias de bens culturais pertencentes ao patrimônio cultural que tenham “valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência”: a) os monumentos: obras arquitetônicas, artísticas, arqueológicas; b) os conjuntos: de construções isoladas ou reunidas; c) os lugares notáveis: produtos do homem ou do homem e da natureza, lugares arqueológicos (Silva, 2003, p.87). Nesta classificação, interessa-nos particularmente os ‘conjuntos’ que por sua vez estão classificados emcidades mortas’; ‘cidades históricas vivas’ e ‘cidades novas do século XX’. E dentro desta categoria, o nosso enfoque insere-se nascidades históricas vivas’, particularmente ao que corresponde “aos centros históricos cuja dimensão espacial abrange exatamente o perímetro da cidade antiga, atualmente englobada por uma cidade moderna”(Silva, 2003, p.89).

O Centro Histórico da cidade de João Pessoa e as suas regulamentações

Conforme anunciado na introdução desse artigo, o Centro Histórico da cidade de João Pessoa foi criado no ano de 1982 através do Decreto 9.484 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba - IPHAEP, cuja delimitação coincide com a cidade erguida até o século XIX. Esta área está sob a jurisdição do mesmo órgão governamental, o IPHAEP.

O Plano Diretor do Município de João Pessoa ainda vigente data de 1992. O capítulo II trata das “Zonas de Restrições Adicionais”. Neste, na sua seção I define-se o “Centro Principal” que  inclui o Centro Histórico da Cidade. Afirma que esta área será objeto de regulamentação complementar especifica, submetida à apreciação do órgão estadual de preservação do Patrimônio Histórico, e que deve contemplar: a restrição a circulação de veículos; a regulamentação de horários e percursos para operação de carga e descarga; a exigência um numero suficiente de vagas para estacionamento, em todos os projetos de construções novas e reformas; a recuperação e livre desimpedimento das vias para circulação de pedestres; o estabelecimento de índices urbanísticos específicos para cada quadra considerando a proximidade da área do Centro Histórico, o entorno do Parque Solon de Lucena e as arcas onde e possível o uso residencial ou o adensamento dos outros usos”. (Plano Diretor do Município de João Pessoa, 1994, p. 13).

Um outro documento importante para a regulamentação das cidades brasileiras e, por conseguinte, dos centros históricos é o Código de Posturas. Esta legislação existe no Brasil desde o século XVIII (ver nota final v) e tem por função instituir “as normas disciplinadoras da higiene pública e privada, do bem estar público, da localização e do funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, bem como as correspondentes relações jurídicas entre o Poder Público Municipal e os municípios” (Código de Posturas do Município de João Pessoa, 1995, p. 5). Além disso, este instrumento é complementar ao Plano Diretor. Em João Pessoa, o atual Código de Postura data de 1995. Neste documento, as regulamentações sobre o Centro Histórico encontram-se em dois capítulos: “Capitulo VI : Da Conservação e da Utilização das Edificações” e “Capítulo VIII : Da Publicidade em Geral”.

No Capítulo referente à conservação e à utilização das edificações algumas determinações são bastante significativas para a nossa discussão: O artigo 128 diz que as “edificações deverão ser conservadas pelos respectivos proprietários ou responsáveis, em especial quanto à estabilidade da construção e à higiene”; o artigo 130 determina que não “será permitida a permanência de edificações em ESTADO de abandono, que ameaçam ruir ou estejam em ruínas” e no seu parágrafo único acrescenta que o proprietário do imóvel edificado que se “encontrar numa das situações previstas neste artigo, será obrigado a demoli-la ou adequá-la as exigências da Lei do Plano Diretor e Códigos de Obras e Edificações e Urbanismo” (Código de Posturas do Município de João Pessoa, 1995, p. 19). E ainda no artigo 131 define que o “prazo estabelecido para o cumprimento das normas desta seção é de 24 (vinte e quatro) horas, exceto para o artigo 130 que é de 21 (vinte e um) dias” (id. ibd.).

Um outro instrumento legislativo é o Código de Urbanismo. O que está em vigor no Município de João Pessoa data de Julho de 2001. Esta Lei, da mesma forma que o Código de Posturas, integra o Plano Diretor e tem como principal objetivo estabelecer “as normas ordenadoras e disciplinadoras pertinentes ao planejamento físico” do município. Neste documento há a definição do Centro Histórico: “Constitui o acervo cultural de João Pessoa compreendendo edifícios, áreas verdes e ainda edifícios isolados tombados ou não pelo I.P.H.A.N. ou pelo I.P.H.A.E.P”. Uma outra referência ao centro histórico é no que se refere à numeração a numeração das edificações. Estas deverão basear-se “no afastamento progressivo do centro histórico para a periferia” (Código de Urbanismo do Município de João Pessoa, 2001, p.59; 85).

Pelo exposto, observa-se que em termos de legislação, o Centro Histórico de João Pessoa encontra-se bastante regulamentado. Nos últimos anos foram implementadas algumas das determinações anteriormente descritas como a da proibição de toldos e placas com as propagandas nas fachadas dos edifícios que se localizam nessa área e que por sua vez são legisladas pelo Patrimônio Histórico do Estado. Contudo, as determinações referentes ao abandono das edificações continuam sem serem aplicadas, como revelamos ao mostrar o significativo índice de casas e sobrados em ruínas. Algumas tentativas de recuperação dessas edificações foram realizadas. Faremos no item seguinte uma síntese dessas políticas e dos seus resultados.

As intervenções e as transformações no centro histórico de João Pessoa: 1987 – 2008

Data de 1987 o início dos processos de intervenções e de revitalizações do patrimônio arquitetônico do Centro Histórico da cidade de João Pessoa a partir do Convênio Brasil/ Espanha através da Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI). Neste primeiro momento deu-se início ao estudo do Centro Histórico para a elaboração do Plano de Revitalização: criação de propostas, capacitação de uma equipe técnica e execução dos primeiros projetos-piloto. Nesta fase foram eleitos “os monumentos em risco e mudanças na legislação e nas restrições de usos que conduziram a conflitos freqüentes com os comerciantes”. (Scocuglia, 2004, p.125).

É a partir de 1997 que se dá início a segunda fase do processo de revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. Este momento é marcado tanto pela maior participação das associações e outras organizações sociais, quanto por comerciantes, artistas locais e outros interessados na valorização daquela área, além do poder público municipal e estadual. Para a concretização dos projetos em pauta foram captados recursos de agências internacionais como o BID, através do Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro (PRODETUR). Nesta fase, percebe-se a prioridade dada ao turismo e à transformação do Centro Histórico em um espaço espetacular, sem maior integração da população local. Uma das principais intervenções foi a recuperação da Praça Anthenor Navarro e a restauração dos casarões do seu entorno. Estes projetos inspiravam-se em outros projetos nacionais como a “Operação Pelourinho” na cidade de Salvador (Bahia) e o “Recife Antigo” na cidade do Recife (Pernambuco). Dessa forma, reproduzia-se em João Pessoa, a maquiagem do Centro Histórico, utilizando-se inclusive cores vivas e fortes, bastante diferentes do que se usava no período de construção dos casarões recuperados. Após a recuperação da Praça Anthenor Navarro e do seu entorno, vários comerciantes abriram bares, lojas de artigos exóticos e casas de dança, movimentadas pela programação da Prefeitura Municipal de manifestações culturais e de festas para ocorrerem neste “novo lugar”, ou do “lugar reinventado” (Scocuglia, 2004, p. 177). Por conseguinte, neste processo houve uma valorização imobiliária dos imóveis ali existentes que, por sua vez, atraíram investidores com maiores recursos e expulsaram antigos moradores que não puderam permanecer na área, seja pela incapacidade de arcar com os novos valores do aluguel e de outros impostos, seja pela expulsão dos proprietários dos imóveis e mesmo dos organismos públicos que não aceitavam a permanência da classe pobre em um lugar belo e feito para turista ver. Um dos marcos deste processo, foi a resistência de um prostíbulo, popularmente conhecido como “cabaré” que a partir de uma articulação com associações locais conseguiu permanecer na área então valorizada.

Contudo, a permanência dos novos estabelecimentos comerciais e de lazer dependia da “manutenção de uma agenda permanente para o Centro Histórico subsidiada pelo poder público (Prefeitura e Governo do Estado)”, dificultando outras transformações mais permanentes como o aproveitamento das edificações para habitações populares. Assim, toda dinâmica ali estabelecida após a recuperação da praça e do seu entorno, perdurou poucos anos. Já no início dos anos 2000, grande parte dos bares ali instalados fechou ou se transferiu para outras áreas da cidade. Atualmente, verifica-se um outro momento de impulso pela Prefeitura Municipal em ativar o Centro Histórico, reativando a programação cultural, mas também elaborando projetos que viabilizem a criação de habitações nos antigos casarões, especialmente aqueles que foram abandonados pelos seus proprietários e que se encontram em ruínas.

Em 2000 a Caixa Econômica Federal, órgão responsável pela política de habitação no Brasil, “assumiu uma estratégia de desenvolvimento urbano” que prevê a “integração das áreas centrais à cidade”; a “reconstrução de imóveis arruinados; a reforma de imóveis antigos degradados – vagos ou ocupados – residenciais, industriais, escritórios, comerciais, depósitos”; a “construção em terrenos vazios ou subutilizados, combinando com ações de melhoria do ambiente urbano e a aquisição de imóvel para moradia própria.[7] A partir de 2001 a Caixa Econômica Federal firmou convênio com o Governo Francês utilizando a metodologia SIRCHAL, que envolve “estudos de viabilidade técnicas de reabilitação, locação social, intervenções em perímetros de atuação integrada, implantação de escritório técnico da habitação/ patrimônio, etc.”(id.ibd.). A CAIXA em parceria com o Governo Francês e com os organismos públicos municipais e estaduais iniciou em 2002 iniciou os trabalhos da segunda fase em João Pessoa, além de Natal,  Salvador e Porto Alegre.

A partir desses convênios, em especial com a Caixa Econômica Federal, a Prefeitura Municipal de João Pessoa lançou no dia 28 de março de 2007, na Praça Anthenor Navarro, o Programa Moradouro que tem como principal meta “transformar os prédios abandonados em edifícios residenciais, possibilitando a revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, através da habitação”. Inicialmente serão restaurados e requalificados sete primeiros sobrados situados na Rua João Suassuna que se encontram em precário estado de conservação e que abrigarão 35 apartamentos. A obra será financiada pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR), com recursos do Governo Federal através da Caixa Econômica Federal e contrapartida da Prefeitura de João Pessoa (PMJP). Os casarões fazem parte de um conjunto arquitetônico em estilo 'art decor', elaborado por arquitetos italianos entre as décadas de 1920 e 1940. O projeto prevê implementar a fixação de habitações no Centro Histórico para que de fato ocorra uma revitalização da área. “Os sete prédios manterão a sua fachada original, mas todo o espaço interno será modificado para uso habitacional. Cada um dos sete casarões vai conter cinco apartamentos”. A área construída de cada apartamento terá uma variação de 52 a 68 metros quadrados.[8]

Além do projeto para a habitação, em 6 de dezembro de 2007 foi firmado pela Prefeitura Municipal um projeto para a recuperação dos passeios e calçadas das ruas do Centro Histórico e a implantação de fiação subterrânea em alguns trechos da área tombada, além de investimentos voltados à construção da Praça do Porto do Capim. (Notícia veiculada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa em 25 de janeiro de 2008).[9]

Mais recentemente a imprensa divulgou a incorporação do Centro Histórico da Cidade de João Pessoa ao Patrimônio Nacional através de parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).  Tal determinação coloca o Centro Histórico de João Pessoa, bem como o seu patrimônio em divulgação nacional, criando expectativas de ampliar a atração turística, bem como de ter maiores possibilidades em conseguir recursos para os projetos que se encontram em implementação, como também na elaboração de outros. (Prefeitura Municipal de João Pessoa, 25 de janeiro de 2008).[10] 

Pelo exposto, procuramos revelar a riqueza da historicidade, da morfologia e da estrutura da cidade que se denominou histórica. Tanto as ruas da Cidade Baixa, ou bairro Varadouro, como as da Cidade Alta, expressam a riqueza do urbanismo colonial e imperial, a incorporação dos elementos modernos a partir do século XIX que trouxeram transformações nas ruas e nas edificações ali localizadas, além das tentativas de modernização que muitas vezes destruíram os valores históricos, arquitetônicos e culturais. Elegemos algumas das ruas pesquisadas para proporcionar uma visão da conformação das ruas que compõem o Centro Histórico e que integram o Patrimônio Histórico do Estado da Paraíba e mais recentemente o Patrimônio Nacional. 

No conjunto das ruas é notória a escassez de ações mais eficazes para a recuperação de um número significativo de sobrados e casas em estado de ruínas. O texto denota que as ruas da Cidade Histórica, apesar das reformas e dos incrementos da modernidade, muito guardam da fisionomia dos tempos passados, seja na própria conformação dos seus traçados, seja na preservação do seu casario. Muitas das casas e dos sobrados que aí resistem ao tempo passaram por algumas mudanças principalmente no seu interior, mas as suas fachadas nos remetem à paisagens da cidade do século XIX e do início do século XX. Muitos já não são residenciais, a casa deu lugar a um escritório ou mesmo a um estabelecimento comercial, já outros ainda preservam-se como habitações de várias gerações.

Nos últimos dez anos foram implementadas políticas de revitalização no Centro Histórico, além de restaurados alguns edifícios isolados. Tais ações melhoraram as condições de alguns exemplares históricos, trouxeram por um momento uma “nova vida” para área que se encontrava sem investimentos públicos e privados, mas também serviram para mostrar que essas políticas não se sustentam sem a incorporação da população local e sem o investimento no retorno à moradia. A perspectiva do projeto recentemente aprovado pela Prefeitura Municipal – Projeto Morador – cria a expectativa da restauração e posterior habitação destes casarões, o que certamente dará uma outra dinâmica ao Centro Histórico de João Pessoa e, por conseguinte, poderá amenizar o déficit habitacional como também melhorar as condições de vida da população que já reside nessa área da cidade.

Enfim, nesse texto elegemos alguns registros das ruas, das casas e dos sobrados na Cidade Histórica de João Pessoa, onde é possível encontrar a beleza da arquitetura histórica, da monotonia das ruas ainda de tempos lentos, mas também deparar-se com o abandono, com o descaso, com os improvisos, ou mesmo com os resquícios de uma cidade histórica.

 

Notas

[1] Este artigo foi escrito a partir de relatórios de pesquisa da própria autora, como também dos relatórios das bolsistas PIBIC/CNPq desde 2003 até 2007. Trata-se de resultados de pesquisas financiadas pelo CNPq em diferentes modalidades: Bolsa de Produtividade em Pesquisa, Bolsa de Iniciação Científica e Auxílio Financeiro através do Edital de Humanas 2004 – 2006. Durante este período as bolsistas foram: Andréa Leandra Porto Sales, Rita de Cássia Gregório de Andrade, Ana Carolina Strapação Guedes Vianna, Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá e Maria Simone Moraes Soares.

[2] Mantemos a expressão sobrado pois designa um tipo característico de arquitetura brasileira e que na língua espanhola não encontra um termo similar. Poderíamos utilizar vivenda adoçada, contudo somente atende à característica de ser geminado.

[3] Utilizamos a denominação de cidade histórica com base nos escritos de Henri Lefebvre. Esse autor faz uso dos termos “cidade antiga, espontânea ou histórica” para tratar da cidade na qual o sentido e a finalidade das funções da cidade se encontravam unidos a todos os níveis da realidade: “alojamiento, inmueble, unidad vecinal, barrio, ciudad global”. (Lefebvre, 1979, pp. 176-177).

[4] A Guerra dos Mascates surge na Província de Pernambuco, no início do século XVIII provocada pela rivalidade entre os senhores de engenho que residiam em Olinda e os comerciantes habitantes de Recife. Os comerciantes habitante (mascates) de Recife reivindicavam a elevação desta a sede de município, deixando de ser submetida à Câmara Municipal de Olinda. A partir de então Olinda perdeu a sua supremacia.

[5] Urupemas: Vedação de teto, paredes, janelas, etc., feita com esteira vegetal. Gelosias: Grade de fasquias de madeira cruzadas intervaladamente, que ocupa o vão de uma janela; rótula. Janela de rótula. ( FERREIRA, 1988).

[6] Ver Maia, Doralice Sátyro.  As casas urbanas e a herança rural. Um olhar geográfico sobre as habitações da cidade de João Pessoa-Pb (Brasil). Scripta Nueva – Revista Eletrônica de Geografia y ciencias sociales. Universidad de Barcelona. N. 156 (56), 1 de agosto de 2003. ISSN: 1138-9788

[7] http://webp.caixa.gov.br/urbanizacao/Publicacao/Texto/sitios/prsh.htm. [Acesso em 15 de fevereiro de 2008].

[8] Notícia veiculada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa em 28 de março de 2007. http://www.joaopessoa.pb.gov.br/noticias/?n=5900 [ Acesso em 20 de fevereiro de 2008]

[9]  http://www.joaopessoa.pb.gov.br/noticias/?n=8116 [ Acesso em 28 de janeiro de 2008].

[10]  http://www.joaopessoa.pb.gov.br/noticias/?n=8116 [ Acessado em 25 de Janeiro de 2008].

 

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Referencia bibliográfica:

Doralice Sátyro Maia. Ruas, casas e sobrados da cidade histórica: entre ruínas e embelezamentos, os antigos e os novos usos. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/-xcol/150.htm>

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