Número 27 - Enero 2013

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Decisões judiciais no campo da biotecnociência: a bioética como fonte de legitimação

Court decisions in the biotechnoscience field: bioethics as a source of legitimacy

Maria Aglaé Tedesco Vilardo
Doutoranda em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva em associação da UERJ, UFRJ, UFF e FIOCRUZ. Juíza de Direito na Comarca da Capital do Rio de Janeiro - Brasil. tedescovilardo@gmail.com


Sumário

Introdução

Conceito de Saúde

Descrição e Análise dos Acórdãos

          Habeas Corpus para autorização de aborto de feto anencéfalo

          Ação cautelar para obrigar ao tratamento de transfusão de sangue

          Ação de rito ordinário para mudança de nome de transexual sem cirurgia de transgenitalização e sem mudança de gênero

Conclusão


Resumo

O presente artigo é apresentado por exigência de qualificação de tese de doutorado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva. São analisadas três decisões judiciais de cunho existencial com abordagem bioética. A metodologia utilizada é de pesquisa documental em arquivo para análise e compreensão dos conceitos de vida, saúde e liberdade, através do discurso jurídico a partir da teoria de Canguilhem que trabalha com os conceitos de normal e de patológico. Dos acórdãos analisados pode-se inferir a relevância das teorias bioéticas para decisões não somente preocupadas com a legalidade, mas justas.

Palavras-chave: decisão judicial, poder judiciário, bioética, biodireito.


Abstract

This article was presented by qualification requirement of the doctoral thesis in Bioethics, Applied Ethics and Public Health. Are analyze three judgments cases with existential nature of bioethics. The methodology is documentary research on file for analysis and understanding of the concepts of life, health and freedom through legal discourse from Canguilhem's theory that works with the concepts of normal and pathological. Of the cases considered above we can infer the importance of bioethical theories for decisions not only concerned about the legality, but fair.

Key words: judicial decision, judiciary, bioethics, biolaw.


Introdução

O artigo propõe a análise de três decisões do Poder Judiciário com abordagem de questões discutidas pela bioética e dos conflitos decorrentes dos avanços da bioetcnociência[1]. O objetivo é avaliar o caminho percorrido pelo Poder Judiciário para reconhecer direitos existenciais nas ações judiciais, relacionando a aplicação da lei e a justificativa das decisões com as teorias e princípios da bioética, como uma pré-análise de amostra do material coletado para pesquisa de tese de doutorado em bioética, ética aplicada e saúde coletiva.

Defende-se a hipótese de que as decisões judiciais ganham legitimidade quando estão amparadas por fundamentos bioéticos, utilizando o direito como instrumento social que ratifica e legitima as mudanças sociais em importante papel no reconhecimento e na concessão de direitos não previstos expressamente em lei, podendo respaldar, por tais decisões, a criação de leis menos preconceituosas e despidas de influências puramente políticas, religiosas e moralistas.

Conceito de saúde

Em vista da análise a ser feita, é importante a compreensão do conceito de saúde, concebido de forma universal, em 1948, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) definindo como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade". O conceito irá se diferenciar de acordo com a conjuntura social, econômica, política e cultural de uma sociedade dependendo de suas concepções e valores havendo um ponto em comum que é o bem-estar do indivíduo. Como a saúde não representa a mesma coisa para todos, haverá grande influência do espaço, classe social, tempo e evolução científica experimentada e viabilizada.

Para compreensão do bem-estar é importante a compreensão sobre o normal e o patológico. Canguilhem (2009) afirma que o estado normal do corpo humano é o que a medicina busca manter e restabelecer, sendo considerado normal porque o próprio interessado assim o considera e não porque a medicina o determina. O ser humano, ao entender como patológico um determinado estado ou comportamento que são considerados negativos, reage contra o que se apresenta como obstáculo ao seu desenvolvimento normal e essa reação demonstra que a vida não é indiferente às condições nas quais ela é possível, pois a vida é polaridade e posição inconsciente de valor, sendo uma atividade normativa.

Somente nas ciências biológicas têm-se um dos estados cuidado pela fisiologia (estado de saúde) e o outro tratado pela patologia (estado de doença), pois nas ciências físicas não existe um estado patológico sendo desnecessária uma terapêutica para restabelecer o estado da normalidade, pois todos os fenômenos são considerados normais. Quando as variações funcionais contrariam a polaridade dinâmica da vida a anomalia é considerada negativa, porque ocorreu um desvio normativo, mas a diversidade não deve ser considerada doença.

Para Canguilhem, a saúde e a normalidade não se equivalem na medida em que o patológico é, também, normal; a saúde implica em ser normal e ser normativo quando em situações diferenciadas, na possibilidade de ir além da norma que define naquele momento o que é normal e na tolerância ao que fugir a esta norma e criação de novas normas para as novas situações. Estar saudável implica numa "margem de tolerância às infidelidades do meio num mundo de possíveis acidentes" e os conceitos de saúde e doença somente são conhecidos na experiência, pois para se sentir saudável é necessário sentir-se normal e normativo e não apenas adaptado às exigências do meio.

Descrição e análise dos acórdãos

O método utilizado é o da pesquisa documental em arquivo e bibliográfica, para fins de análise conceitual e histórica, com o propósito da compreensão dos conceitos do direito à vida, à liberdade e à saúde, em especial sob os aspectos bioéticos, que permita sua harmonização com as normas do direito em benefício dos indivíduos respeitando os direitos da sociedade.

A disciplina denominada bioética busca apresentar soluções aos conflitos morais decorrentes da complexidade e evolução das ciências biomédicas e dos avanços tecnológicos. Em situações de conflito, a tomada de decisão pelo indivíduo requer o exame da moralidade da atitude esclarecendo o que é certo ou errado ou como se deve agir.

Com o avanço biotecnológico há, por vezes, necessidade de sobreposição de um direito constitucional individual de grande importância sobre outro de relevância semelhante, como também a prevalência de direito individual em contraposição ao direito de terceiros que possam ser afetados socialmente pela decisão. Para isso, acredita-se que seja realizado o estudo do problema com a aplicação de princípios éticos para sua solução comprovando-se a utilização do direito como instrumento social que ratifica e legitima as mudanças sociais.

Foram selecionados três acórdãos[2] escolhidos a partir de publicação no diário oficial, preservados os nomes das partes, disponibilizados no site dos Tribunais. A busca se deu através de palavras chave - anencefalia, transexual, transfusão de sangue, testemunha de Jeová. A seguir os acórdãos são analisados à luz das teorias bioéticas.

Habeas corpus para autorização de aborto de feto anencéfalo

O primeiro acórdão pesquisado, prolatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2011, autoriza aborto de feto anencéfalo em processo de Habeas Corpus. A gestante havia pedido autorização de aborto de feto comprovadamente anencéfalo para o juiz de Vara do Júri da Comarca da Capital que indeferiu o pedido. O objetivo do pedido é a prevenção contra acusação de crime de aborto. O Ministério Público opinou pela denegação da autorização.

Ao iniciar a decisão o primeiro fator observado é de que caberia o julgamento do pedido não obstante a existência de ação sobre o tema a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal[3].

A atual lei brasileira prevê o crime de aborto no Código Penal, porém este não será punido se praticado para salvar a vida da gestante ou se a gravidez resultou de estupro. A legislação brasileira não prevê outras hipóteses.

O acórdão parte do fato de que o feto é inviável para a vida extrauterina e anuncia, já no início, que não há lógica ou justiça para que a gravidez seja mantida. Lança mão do princípio da justiça, próprio da bioética principialista, no sentido de equilibrar diferentes normas existentes e realizar a interpretação da lei de forma benéfica à gestante. Admite que, embora a lei não tenha expressa norma excludente para afastar a gestante da acusação de crime, não se pode esperar conduta diversa da mãe. Não podendo ser exigido da mulher que carregue no ventre um ser que, se nascer, morrerá em pouco tempo. Depreende-se o princípio da beneficência que diz respeito a procurar oferecer ao indivíduo as melhores condições e o que de melhor possa ser feito para que se sinta bem. A justificativa, sustentada no argumento fático de que o feto não sobreviverá por mais do que alguns minutos, demonstra que o princípio da sacralidade da vida, onde esta deve ser preservada em qualquer situação, pode ser considerado pelo julgador como preponderante ao princípio da qualidade de vida, pois a decisão toma por base a inviabilidade absoluta da vida extrauterina.

As exceções legislativas são fundadas no direito à vida da gestante, que prevalece sobre o direito à vida do nascituro; bem como no direito à liberdade sexual da mulher. Não devemos olvidar que historicamente justifica-se o aborto nestes casos pela não aceitação de que o marido se veja obrigado a conviver e criar um filho fruto de relação fora da conjugalidade.

No acórdão, o julgador afirma que se há autorização legislativa para aborto de feto saudável em gravidez decorrente de ato contrário à liberdade sexual não haveria fundamento para impedir a autorização de aborto de feto que não seja saudável. Esse argumento diz respeito diretamente à saúde do feto e não à liberdade da mulher gestante. Nesse ponto vemos, novamente, a tensão entre a sacralidade da vida e a qualidade de vida.

Na discussão sobre qualidade de vida, é mencionada no acórdão a existência de lei que autoriza a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento desde que diagnosticada previamente a morte encefálica. Para o julgador esta lei autoriza indiretamente a interrupção da gestação de anencéfalo.

Ao comparar a morte encefálica que pode levar ao desaparecimento do organismo humano, o julgador entende que o feto não dotado de encéfalo "por maior razão pode ser eliminado". Com o uso desta expressão há forte alusão a algo indesejável, o descarte do que não serve à normalidade.

Ao final, afirma que o direito de interrupção à gravidez no caso de feto inviável é direito inafastável por colocar em risco a higidez física e psicológica da gestante. Amplia o conceito de saúde na forma como é compreendida pela OMS, não podendo ser exigido sacrifício da mulher, devendo ser minimizado o sofrimento da gestante e, mantida a sua saúde psicológica, no sentido do princípio da beneficência, que busca proteger o outro evitando dano desnecessário. A decisão apresenta um cuidado com o bem-estar completo da mulher, em perspectiva presente e futura, como na bioética fenomenológica.

Ação cautelar para obrigar paciente testemunha de Jeová ao tratamento de transfusão de sangue

A decisão é do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 2011, proferida em recurso de apelação de sentença em ação cautelar inominada, proposta em 2008. O pedido foi formulado por um hospital para obrigar a paciente a receber tratamento de transfusão de sangue a que se recusava por ser Testemunha de Jeová.

A sentença em primeira instância havia determinado o tratamento e a paciente apelou para modificar a sentença. O acórdão conclui que a pessoa internada sob os cuidados da equipe médica do hospital deveria submeter-se ao tratamento indicado em caso de necessidade e risco de vida, independente de realização ou não da cirurgia, confirmando a sentença.

De acordo com a Constituição, o direito à vida e a liberdade de crença são ambos protegidos como direito fundamental inviolável. No Código Civil, ao tratar dos direitos da personalidade, a norma afirma que "ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica". Quando a Testemunha de Jeová se recusa a receber transfusão de sangue, normalmente o risco ocorrerá no caso de não receber, muito embora existam riscos decorrentes de uma transfusão de sangue. Com a possibilidade da morte diante da recusa da paciente ao tratamento, justificada por sua convicção religiosa, é estabelecida a tensão entre o direito à vida e a liberdade de crença.

Na decisão, foi observado que havia preocupação do hospital não só com a preservação da vida da paciente, mas também de resguardar-se de eventual responsabilidade pelos danos que a paciente pudesse sofrer sem receber o tratamento.

O argumento da paciente para não receber a transfusão de sangue tem base em convicção religiosa e pode ser compreendido quando acredita que recebendo sangue de outra pessoa está agindo contrariamente à determinação divina. Em diversas passagens bíblicas depreendem que sofrerão a "condenação eterna" caso não se abstenham de sangue e esta "poluição" irá fazer perder sua santidade e a consequência será o afastamento do convívio com a sua comunidade religiosa (Chehaibar, 2010).

A sentença que autorizou a transfusão, mesmo contra a vontade da mulher, reconheceu haver risco irreparável para saúde da paciente, o que é uma "justificação social da medida", assumindo o Judiciário um papel de protetor da sociedade, capaz de proteger a vida quando estiver ameaçada para o bem da sociedade em sua totalidade. O direito à vida é o "bem supremo" e razões de cunho religioso sucumbem ao confronto a este direito, em clara referência ao princípio da sacralidade da vida onde nada se sobrepõe a ela. Ao refutar argumentos religiosos em confronto com o bem vida, o julgador usa os mesmos argumentos da bioética confessional, onde o valor fundamental da pessoa é a vida integrada à espiritualidade da alma inexistindo liberdade de escolha que possa colocar fim à vida.

Destaca que todos os demais direitos e liberdades fundamentais somente existem em razão da vida ser pré-existente sendo arrolada como o primeiro direito inviolável pela Constituição Federal devendo preponderar sobre os demais direitos, inclusive a liberdade religiosa. Esse é o mesmo argumento da bioética confessional, a sacralidade da vida de onde emanam todos os direitos. O direito à vida se sobrepôs ao direito à liberdade de escolha do indivíduo, agora como uma "obrigação legal imposta", não ao indivíduo, mas ao Estado que deve salvaguardá-la.

Embora os argumentos baseados nos aspectos religioso, ético e científico sejam robustos, a decisão judicial analisada confere prevalência ao dogma da sacralidade da vida compreendendo a liberdade religiosa como um direito subordinado à manutenção da vida.

Ação de rito ordinário para mudança de nome de transexual sem cirurgia de transgenitalização e sem mudança de gênero

Este julgamento é relativo a pedido de mudança de nome de transexual no registro civil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 2009. A ação foi proposta por transexual masculino que desejava mudar seu nome. Por não apresentar traços femininos e não ter realizado a cirurgia de transgenitalização seu pedido foi negado na sentença. O autor apresentou recurso de apelação argumentando que é visto pela sociedade como uma mulher e participava de grupo de apoio para posterior cirurgia, pois sofria constrangimento toda vez que se identificava com o nome masculino. Embora o Ministério Público tenha opinado pela manutenção da sentença, o acórdão acolheu os argumentos do autor e determinou a retificação do registro civil independente de cirurgia.

A lei do registro civil determina o registro de nascimento fazendo constar do assento o nome e o sexo do registrando. Não há qualquer previsão na legislação brasileira relativa à mudança de sexo. Quanto à mudança de nome é permitida em casos excepcionais e motivadamente. Não havendo norma que admita ou vede a mudança de sexo caberá ao juiz analisar o pedido sob a luz da Constituição, apresentando obrigatoriamente uma solução ao caso, pois não pode eximir-se de decidir alegando ausência de legislação.

No caso específico o pedido se restringe a mudança de nome, mas não de sexo, o que seria comum nesses processos. Nova tensão surge ao ser requerida somente a mudança de nome, pois sendo deferido o pedido um nome feminino constará no registro de uma pessoa do sexo masculino.

No acórdão, o transexualismo é conceituado como incompatibilidade da conformação genital com a identidade psicológica no mesmo indivíduo lembrando que a OMS o considera uma doença enquadrada no Código Internacional de Doenças. Destaca que o sexo, gênero e orientação sexual são elementos da nossa cultura imaginados como combinados da mesma maneira, porém inúmeras combinações entre eles são possíveis. Não cabe ao direito definir uma ou outra categoria, incumbência de outras áreas que se encontram avançadas no estudo destas questões, ou julgar o caso concreto pelas diferenças existentes, mas julgar por aqueles critérios que igualam as pessoas no exercício da condição humana, através do reconhecimento do direito à liberdade e à dignidade humana.

Afirma que a proibição do tratamento discriminatório é o cerne do princípio da igualdade sendo proibidas as discriminações que restrinjam ou prejudiquem os direitos e liberdades fundamentais. Por isso, admite que o autor tem o direito de buscar a qualidade de vida através da satisfação de seus anseios e consequente alteração do nome.

A seguir, discorda e ironiza a sentença de primeiro grau no tocante ao autor não apresentar características femininas marcantes. Observando as fotografias juntadas ao processo, o relator do acórdão afirma que o enxerga como mulher. De forma irônica, diz que, se maquiado, penteado e com roupas modernas seria atendido o que denomina de "critério de beleza" da magistrada que julgou improcedente o pedido em primeiro grau.

Para finalizar afasta qualquer outro critério que não seja a visão do autor da ação com relação a si próprio, como se vê e como é visto por todos, como mulher. Autoriza a mudança do nome, mesmo sem mudança de sexo.

Diversos argumentos de fundo bioético foram utilizados na justificativa da decisão. De início, verificamos que o princípio da autonomia foi respeitado quando o julgador confere importância ao sentimento pessoal e a visão que o autor tem de si próprio, entendendo possível que se determine segundo seu entendimento. Na análise da liberdade, igualdade e dignidade humana tem por fundamento o princípio da justiça, em poder conferir a cada um o seu direito, de forma equânime e adequada. A busca da qualidade de vida se dá pela satisfação do desejo individual com o consequente bem estar, próprio ao princípio da beneficência. Até mesmo a ironia ao comentar o "critério de beleza" da julgadora remete ao princípio da justiça por adequar a feminilidade não ao critério de quem julga, mas do submetido ao julgamento.

No mesmo sentido de Canguilhem, o julgador compreende a transexualidade como uma "variação da dimensão da vida e não da sáude". Assim, mesmo com a abordagem biomédica que a enquadra internacionalmente como doença, admite que a capacidade de inovação do indivíduo permite que nova normalidade seja instituída sendo considerado normal o que o próprio indivíduo considera normal e não o que a medicina considera.

O direito ratifica e legitima uma mudança social e atenua o confronto entre uma moralidade atribuída à normalidade e a própria concepção da normalidade, para se compreender o que é normal dentro de critério mais flexível em respeito ao indivíduo.

Conclusão

A bioética realiza papel importante para a condução e solução de processos na área de saúde que chegam ao Poder Judiciário. Ao receber pedidos para autorização de aborto de feto anencéfalo, mudança de nome e gênero de transexual e transfusão de sangue obrigatória independente da vontade do paciente, o Judiciário se confronta com algo além da subsunção do caso concreto à lei vigente, se depara com a dimensão conferida à vida do indivíduo por ele mesmo.

Na discussão do processo a tensão existente entre as diversas moralidades - do requerente, do julgador e dos demais participantes – deve ser equalizada através da argumentação e da dialética equilibrada permitindo-se ao julgador "fecundar a lei" (Perelman,1990) considerando a condição desigual de diálogo moral e colocando o requerente como sujeito do processo. A concepção de justiça deve ser forjada na dimensão daquele que a busca junto à autoridade externa, não significando a desconsideração dos anseios de uma comunidade, mas a legitimação dos desejos e interesses do indivíduo que compõe essa mesma comunidade que lhe deve respeito, em convívio pacífico dos "estranhos morais" mencionados por Engelhardt.

Na diversidade moral cabe ao juiz conferir segurança jurídica à ordem social que pode ser traduzida no permanente respeito à autonomia individual reconhecendo o direito de cada um na escolha da escala de valores fundamentais em busca do seu bem-estar. Cabe ao indivíduo, e não ao Judiciário, declarar a qual direito deve ser conferido maior valor.

A pesquisa da tese será desenvolvida na prospectiva do presente artigo ampliando-se a análise das decisões judiciais em correlação às teorias utilizadas na junção do médico com o judiciário fazendo-se a ponte entre a bioética e a justiça.


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Fecha de recepción: 17 de mayo 2012
Fecha de aceptación: 23 de julio 2012


Notas

[1] Expressão cunhada por Schramm (2006), para designar "o conjunto interdisciplinar e integrado de saberes teóricos, habilidades tecnocientíficas e aplicações industriais referentes a sistemas e processos vivos chamados biotecnologias".

[2] Decisões proferidas por órgão colegiado do Judiciário na análise de recurso da sentença de primeiro grau.

[3] O julgamento nesta Corte ocorreu no mês de abril de 2012, no sentido da não punição do aborto nestes casos.